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aqui, novamente, existindo em escala crescente, como ação do ente humano para a construção de um ambiente sociocultural cada vez mais instrumentalizado e dependente de encadeamentos, sempre mais complexos, de dispositivos. Pelo fato de as mediações serem entendidas como o próprio ente humano em ação nos processos de interação com o ambiente, e também como a produção realizada a partir desta interação na qualidade de objetos e instrumentos, vê-se a possibilidade de associar tal lógica à da técnica, considerando mediações e técnica como experiências equivalentes para o ente humano. 2 O ESPELHAMENTO ENTRE MEDIAÇÕES E TÉCNICA A associação entre técnica e mediações considera a técnica no sentido que lhe confere Ellul (1968, p. 18), como sendo método ou meios para o alcance de determinados resultados. Técnica e mediação, nesta acepção, equivalem-se por as mediações poderem ser equiparadas a meios (incluindo os media na significação do termo) criados pelo ente humano para obter algum tipo de ganho. O ganho, no caso, voltando a Flusser (2007, p. 96), é “tornar a vida vivível”, não apenas por uma questão de sobrevivência biológica, mas por uma necessidade subjetiva, uma compulsão orientada à produção de sentido. O ato compulsivo de produção sentido – obra do imaginário – se expressa na própria ação humana sobre o ambiente (quando o homem existe como a mediação acontecendo, como antes visto), a qual gera objetos e, concomitantemente, explicações e interpretações a respeito deles. Nessa esteira de produção de sentido, ocorre a abstração e o distanciamento do homem em relação ao ambiente agido. Flusser associa as mediações à técnica por meio da palavra design que, segundo o recolho de significações para o termo feito pelo autor, pode ser usada como substantivo, significando “‘propósito’, ‘plano’, ‘intenção’, ‘meta’, ‘esquema maligno’, ‘conspiração’, ‘forma’, ‘estrutura básica’, [para designar] a ‘astúcia’ e a ‘fraude’” (2007, p. 181); e também pode ser usada como verbo no sentido de “‘tramar algo’, ‘simular’, ‘projetar’, ‘esquematizar’, ‘configurar’, ‘proceder de modo estratégico’” (ibidem, p. 181, grifos do autor). Flusser segue a análise etimológica de design afirmando que a palavra contém o termo signum, o que o faz afirmar que design 10

quer dizer algo como “de-signar”2, (ibdem, p.181, grifo nosso) de significações, Flusser relaciona design, designer, mecânica, máquina, mecanismo e técnica, esta no sentido de téchne, como “arte-habilidade” (MURACHCO, 1998) para extrair a forma, “[...] posse prática de processos necessários para executar este e aquele ato; é a habilidade prática, manual ou a habilidade potencial que chamam de talento” (ibidem, p. 13, grifo do autor). De arte-habilidade para mecânica, máquina e mecanismo há uma distância que dificulta o nivelamento conceitual da técnica com algo que se traduza na ideia de artifício, no seu sentido de astúcia, simulação, engenho. Ellul (1968, p. 1-2) alerta para a associação automática entre técnica e máquina, por ser a máquina “a forma mais evidente, mais compacta, mais impressionante da técnica”. Esse modo de acontecimento objetal da técnica – que concretiza, muitas vezes violentamente, resultados para alguém – é marcante para o ente humano porque está entremeado ao próprio desenvolvimento da humanidade, quando este é considerado pela perspectiva do conflito, seja entre homem e natureza, seja entre sujeitos nas relações interpessoais e intergrupais. Em que pese isso, o entendimento da relação carnal entre homem e técnica pede discernimento no que diz respeito ao modo de acontecimento da técnica. Há de se fazer uma distinção entre técnica como habilidade do homem para extrair forma da natureza (remetendo à ideia de téchne) e técnica como fenômeno técnico, conforme propõe Ellul (ibid., p. 19). Com base na diferenciação feita por Ellul (ibid., p. 19) entre um modo e outro de a técnica se manifestar, todo o trabalho realizado com método para atingir um objetivo equivale a uma operação técnica – a técnica, nesta situação, comparece no método, definição que leva a considerar que todo o trabalho, independentemente da complexidade e da intencionalidade colocada sobre ele pelo homem, é operação técnica, explica Ellul. Ocorre que “a ação técnica no trabalho [é caracterizada pela] procura da maior eficácia: substitui-se o esfôrço3 combinação de atos destinados a melhorar o rendimento [...]” (ibidem, p. 19). Assim, o trabalho de plasticizar a natureza com método orientado a resultados cada vez mais eficientes é o que caracteriza a operação técnica. Nesta operação vemos as mediações ocorrendo em anéis. Para plasticizar a natureza com o uso de métoRevista Ornitorrinco#3


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