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Aula 10 Marketing no Brasil
Marketing no Brasil
Carlos Henrique Berrini da Cunha Alessandra Mello da Costa
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10AULA
Meta da aula
objetivos
Esperamos que, ao fi nal desta aula, você seja capaz de:
identifi car os primórdios da disciplina de marketing no Brasil;
reconhecer como a história do marketing se desenvolveu no contexto brasileiro;
avaliar os desafi os do marketing na contemporaneidade.
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Administração Brasileira | Marketing no Brasil
INTRODUÇÃO
Mercare em latim dá origem ao termo anglo-saxão marketing. Na Roma antiga, mercare signifi cava comercializar produtos. Esse conceito perdurou enquanto a humanidade não passou pelos processos de transformação após a revolução industrial e alterou seu modelo para produção em série. Após a instituição nesse novo modelo surge a necessidade de comercializar o excedente de produção. São os primórdios do marketing. Mas o marketing como área do conhecimento em administração tem sua evolução a partir da década de 1940. Durante vários anos, o marketing não era reconhecido pela sua real essência: criar necessidades, satisfazer e atender os clientes. Nos anos de 1990, um dos maiores teóricos do marketing – Philip Kotler dá a seguinte defi nição: “processo social e gerencial, através do qual indivíduos e grupos obtêm aquilo que necessitam e desejam por meio da criação e troca de produtos e valores”. Para a American Marketing Association (AMA) a defi nição é: “o gerenciamento de atividades da empresa que dirige o fl uxo de bens e serviços do produtor para o consumidor ou usuário." Já Raimar Richers, no livro Marketing: uma visão brasileira, se refere ao marketing como sendo “a disciplina que se propõe a entender e atender o consumidor”. Podemos verifi car que os termos utilizados nas defi nições são relacionados a consumidor, necessidades e oportunidades. Então, fi ca evidente que o foco do marketing extrapola os limites da organização.
O NASCIMENTO DO MARKETING NO BRASIL
A disciplina de Marketing no Brasil nasceu na Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp) em 1954. Segundo Oliveira (2004), este nascimento foi viabilizado por um convênio de cooperação fi rmado entre esta instituição e a instituição de ensino superior norteamericana Michigan State University (MSU). Por meio deste convênio, foi promovida a vinda de professores de Marketing para lecionar a disciplina no país e formar um corpo docente local de professores:
Com o passar do tempo, outros professores norte-americanos vieram para o Brasil (...) entre eles, Dole Anderson, Donald Taylor e Leo Erickson. Anderson foi um dos responsáveis pela criação do Centro de Pesquisa e Publicações da EAESP, que gerou, além da ERA, o primeiro livro-texto de marketing brasileiro: Administração Mercadológica: Princípios e Métodos. Os desafi os destes precurso-
res não foram poucos. Eles foram os responsáveis pela tradução, para a realidade local, de conceitos clássicos da área, os quais já eram praticados nos Estados Unidos (OLIVEIRA, 2004, p. 38).
Ao mesmo tempo, diversos professores brasileiros foram aos Estados Unidos e à MSU de forma a desenvolverem e aperfeiçoarem seus conhecimentos na área de marketing, como é o caso de Raimar Richers, um dos pioneiros na formação do pensamento brasileiro em marketing. Segundo Richers:
O marketing não conquistou a alma dos brasileiros com muita facilidade e rapidez. Foi um processo lento e bastante agitado, movido por grandes ambições e muita insegurança. No pós-guerra, o consumidor era ingênuo, despreparado e despretensioso. Tendia a aceitar tudo o que é estrangeiro como bom. Faltavam-lhe critérios de comparação (RICHERS, 1994, p. 5).
Cabe chamar a atenção para o fato de que essa infl uência norteamericana no pensamento de marketing no Brasil foi reforçada pela adoção institucional dos conceitos relacionados a marketing, defi nidos pela American Marketing Association (AMA). Segundo Faria (2006, p. 17), análises mais recentes têm apontado para uma explicação da situação de hegemonia norte-americana – em Administração em geral e em Marketing de forma mais específi ca – por interesses de colonização e de dominação ideológica sendo, portanto, “importante reconhecer por que a academia dos Estados Unidos produz e exporta certo tipo de conhecimento em marketing”. Como exemplo, este autor destaca a incessante busca pelo novo, sendo o velho sempre descartado como obsoleto e a novidade confundida com relevância.
Veja os textos em anexo na aula. É importante que você leia os textos indicados . COSTA, C. R. F.; VIEIRA, F. G. D. Marketing no Brasil: pensamento e ação sob uma perspectiva historiográfi ca. FARIA, A. Em busca de uma agenda brasileira de pesquisa em estratégia de marketing.
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AULA
Administração Brasileira | Marketing no Brasil
O MARKETING NOS ANOS 1950 E 1960
Pode-se caracterizar o marketing deste período como ainda em gestação no Brasil. O contexto da época era caracterizado por: a) baixa oferta de mercadorias; b) existência de um mercado restrito com um pequeno número de empresas; c) predominância dos setores agrícola e comercial; d) um setor industrial ainda pouco desenvolvido que focava apenas as necessidades locais. Assim, o consumidor:
Não estava preparado para o consumo de produtos industriais sofi sticados. Absorvia-se qualquer tipo de mercadoria, sem questionar a qualidade (...) as empresas prosperavam mais devido a uma demanda pouco criteriosa e passiva do que em função de uma estratégia planejada de adaptação ao mercado (OLIVEIRA, 2004, p. 38).
Na década de 1950, as empresas de produtos de higiene Johnson & Johnson e Gessy-Lever, a de sorvetes Kibon e a Refi nações de Milho Brasil criaram o cargo de gerente de produto. Os departamentos de marketing surgiram a partir da década de 1960, mas tinham status de staff. Ofi cialmente, foram incorporados ao organograma das empresas a partir da década de 1970. A Coca-Cola foi uma das empresas que passou a utilizar o marketing com sucesso em seus produtos.
O MARKETING NO FINAL DOS ANOS 1960
No fi nal dos anos 1960, o crescimento econômico do país e os incentivos governamentais no incremento das indústrias gerou um aumento na oferta de produtos, como, por exemplo, os eletrodomésticos. No entanto, apesar do plano de metas do governo e das empresas brasileiras entregarem um número cada vez maior de novos produtos ao mercado brasileiro, as ações ainda eram voltadas para a divulgação, distribuição e consolidação de marcas importadas, em função da inexistência de marcas nacionais.
A ênfase era na atividade de vendas. O pressuposto dominante era que o sucesso da empresa relacionava-se fundamentalmente à sua capacidade de venda e estas tinham de buscar o desenvolvimento e o lançamento de novos produtos. Tal orientação para vendas era:
Facilitada e incentivada pela existência de um mercado comprador, com consumidores ávidos pela aquisição de mercadorias, que até pouco tempo sequer imaginavam existir. Os produtos eram cada vez mais associados a símbolos de status e prestígio, e o consumidor não media esforços para adquiri-los (...) (OLIVEIRA, 2004, p. 39).
O MARKETING NOS ANOS 1970
O contexto econômico brasileiro dos anos 1970 pode ser caracterizado pelo período do “milagre econômico” (1968-1973), onde o poder aquisitivo do consumidor – em especial o das classes mais altas – aumentou. Ao mesmo tempo, surgem os supermercados de grande porte, hipermercados e os shopping centers. O consumidor, no entanto, passou a agir de forma a comparar preços, identifi car a qualidade dos produtos e a manter um equilíbrio no orçamento familiar. O marketing, nesse período, passou a ter o seu foco na propaganda e na defi nição de seus públicos-alvos utilizando-se, para isso, de estratégias de segmentação e de pesquisas de mercado. A ideia que passou a nortear as ações de marketing, a partir desse momento, era a de que grupos de consumidores possuíam diferentes interesses e estes precisavam ser identifi cados e atendidos.
Para as agências de publicidade, a década de setenta foi um período áureo, no qual as empresas investiam grandes verbas e apostavam no retorno. A fórmula geral consistia em ter um produto atraente, o que não era difícil, em função da demanda aquecida; ter uma mensagem que atingisse o consumidor, o que se tornou viável pela rápida disseminação e popularização da TV; e ter uma agência criativa, com bom domínio de metodologias quantitativas e conhecimento de mercado, capaz de produzir boas peças publicitárias. Essa fórmula criou a fantasia do marketing perfeito (OLIVEIRA, 2004, p. 39).
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O MARKETING NOS ANOS 1980
A ideia do marketing perfeito é logo questionada em função do contexto econômico brasileiro dos anos 1980 que apresentava aos consumidores altas taxas infl acionárias com a alternância de períodos de crescimento e de recessão. O consumidor, mais desconfi ado, inseguro, econômico e seletivo em suas compras, representou um grande desafi o para as empresas:
A crise levou a uma drástica redução na demanda de bens e no consumo (...) em um ambiente de acirrada competitividade e escassez de recursos, o foco do marketing deslocou-se, então, para dar mais importância às preferências do consumidor (OLIVEIRA, 2004, p. 40).
Pode-se dizer que este é o momento em que as pesquisas de mercado adquirem relevância.
O MARKETING NOS ANOS 1990
O marketing nos anos 1990 aprofunda ainda mais a importância das pesquisas de mercado e as soluções de adaptabilidade e adequação dos usos dos produtos aos consumidores. Ao mesmo tempo, a ideia de integração das ações de marketing passa a ser a base para todas as estratégias, ou seja,
O desafi o para os profi ssionais de marketing passou a ser a integração de um número cada vez maior de instrumentos promocionais no desenho das estratégias de relacionamento com o consumidor (...) o esforço de gestão de diferentes fornecedores e agências, e a integração desses prestadores de serviços com as necessidades das empresas, passaram a ser preocupações prioritárias para os executivos de marketing (OLIVEIRA, 2004, p. 42).
Também esse período foi marcado por transformações políticas e econômicas no Brasil: a democracia consolida-se e o país abre as suas fronteiras econômicas para as privatizações, fusões e aquisições. De forma complementar, quando perguntado qual seria a principal mudança nos últimos 40 anos, Raimar Richers respondeu:
Há várias, como a segmentação, o grande desenvolvimento do varejo e a variedade de ofertas, por exemplo. Mas creio que uma das mais importantes é o amadurecimento do consumidor. Hoje ele não é mais ingênuo, é um elemento ativo nas transações (RICHERS, 1994, p. 7).
O MARKETING NO SÉCULO XXI
Vários são os desafi os para o exercício do marketing no Brasil nesse início do século XXI. Um primeiro desafi o é incluir a expressiva população brasileira que ainda se encontra às margens do consumo. Os profi ssionais do marketing ainda encontram difi culdades em tentar compreender e atender aos desejos, interesses e necessidades da população de baixa renda. Ao mesmo tempo, a gestão mercadológica transformou-se em uma rede complexa que pressupõe competências distintivas para análise e tomada de decisão, ou seja, como proceder de forma a gerenciar: a) mercados múltiplos; b) amplos e diversifi cados portfólios de produtos; c) uma grande malha de fornecedores, intermediários e canais de relacionamento. Um terceiro desafi o diz respeito à conduta ética uma vez que as ações de marketing não podem ser pensadas e implementadas somente com a análise da dimensão fi nanceira e toda decisão deve contemplar, necessariamente, os seus impactos sobre a sociedade como um todo (indivíduos, comunidade, governo e meio ambiente). E, no que diz respeito à área de produção científi ca de marketing no Brasil, apesar de avanços signifi cativos nos últimos anos, segundo Rossi e Farias (2006, p. 10), ainda pode-se identifi car uma lacuna:
(...) na autodeterminação de nossa rota acadêmica. O tônus da produção científi ca gerada no Brasil, em Marketing, ainda é muito mais de adesão do que de criação (...) seguimos o curso do desenvolvimento, mas predominantemente mimetizando-o e, portanto, pouco concebendo de original, genuíno ou inovador na pesquisa e na construção da teoria.
CONCLUSÃO
Uma característica verifi cada nesta aula é que o marketing está diretamente relacionado com o consumo. Os principais termos utilizados nas defi nições são necessidades e oportunidades, evidenciando que o foco do marketing extrapola os limites da organização.
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Administração Brasileira | Marketing no Brasil
O marketing no Brasil também é constituído por gerencialismo, tecnicidade e planejamento, mas teve sua essência adaptada pela incorporação das questões antropológicas e sociológicas brasileiras. Hoje, o marketing é um departamento fundamental das organizações atuando no planejamento estratégico e contribuindo para a defi nição de produtos e rumos a serem adotados. Nesse início do século XXI, o maior desafi o é incluir uma parcela da população brasileira que ainda se encontra às margens do consumo.
Atividade Final
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Para esta atividade, você deve ter lido os textos sugeridos no boxe multimídia e estudado esta aula. A partir do entendimento do conteúdo apresentado, faça uma apreciação crítica sobre o texto a seguir e responda à questão proposta.
Porque a grande preocupação, agora, é pela qualidade de vida. Esta é uma das mais importantes transições da sociedade industrial para a pós-industrial. Estamos partindo para uma dimensão mais humana da individualidade. O que se busca, nestes novos tempos, é que as pessoas vivam mais e, principalmente, com maior qualidade de vida. O ser humano, nesta virada do século, quer algo mais além do consumo. Ele não se contenta mais com apenas trabalhar e ganhar bem. Precisa de lazer, do prazer, de entretenimento, de convívio. Esta é a chave (RICHERS, 1994, p. 7).
No texto acima, Raimar Richers chama a atenção para um importante desafi o para o marketing no século XXI cuja centralidade reside na fi gura do indivíduo. Você concorda com este autor? Por que, na sua opinião, este seria um desafi o para o marketing?
Resposta Comentada
Esse viés adotado por empresa, produtos e serviços busca incorporar uma melhor prática de produção, uma relação de sustentabilidade e proteção ao consumidor. Esse mecanismo se originou no atendimento a questões legais, mas, a partir de uma maior conscientização social com consequente cobrança, as empresas se veem obrigadas a atender a essa demanda. Esse nível de exigência impacta diretamente no consumo, e o marketing como gerador e criador de necessidades se depara com um desafi o de satisfazer cada vez mais essas necessidades. Sobre a questão de qualidade de vida. o marketing também atua diretamente com a criação de alguns produtos específi cos e outros customizados. Diante do exposto podemos perceber o difícil papel a ser cumprido pelo marketing. Criar produtos e serviços capazes de incrementar o consumo, gerar satisfação, atingir aos respectivos públicos alvo e melhorar a qualidade de vida das pessoas.
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RESUMO
O marketing no Brasil foi fortemente influenciado pelos conceitos norte americanos e constituído por gerencialismo, tecnicidade e planejamento. Apesar disso, foi evoluindo com o tempo e amadurecendo incorporando as questões antropológicas e sociológicas brasileira. Dessa inclusão decorre uma adequação no formato do marketing americano como foi concebido, para um modelo com infl uências ambientais e do pensamento brasileiro.
