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Aula 6 – O modelo brasileiro de gestão nos estudos organizacionais

O modelo brasileiro de gestão nos estudos organizacionais. A influência cultural no modelo de administração brasileiro

Carlos Henrique Berrini da Cunha Alessandra Mello da Costa

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Meta da aula

Apresentar informações acerca do modelo brasileiro de gestão na área de estudos organizacionais.

objetivos

Esperamos que, ao fi nal desta aula, você seja capaz de:

analisar o sistema de ação cultural brasileiro;

identifi car o estilo brasileiro de administrar segundo os traços culturais específi cos;

listar as características das organizações brasileiras segundo os traços formais.

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INTRODUÇÃO

Figura 6.1: Mapa-múndi.

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Allianz_global_locations.svg

Cada vez mais, diversos pesquisadores ligados à área da administração têm mostrado uma grande preocupação com o desenvolvimento de teorias organizacionais que nos possibilitem entender de forma mais aprofundada as características relativas ao modo de administrar brasileiro. Uma das principais razões para tal preocupação decorre do fato de que grande parte da literatura que em geral é utilizada para estudar a administração em nosso país é elaborada em contextos distintos do nosso, especialmente nos Estados Unidos e alguns países europeus. Embora as teorias organizacionais americanas e europeias sejam extremamente importantes para entendermos fenômenos como efi ciência no trabalho, produtividade, motivação e liderança, elas não são sufi cientes para entendermos o modo de administrar no Brasil, isto porque o modelo administrativo brasileiro é fortemente marcado por traços culturais específi cos em nosso contexto. Como já visto nas aulas anteriores, teóricos brasileiros ligados à administração, tais como Maurício Tragtenberg, Fernando Prestes Motta e, principalmente, Alberto Guerreiro Ramos, já haviam ressaltado a importância de se fazer uma análise contextualizada das teorias organizacionais para que não corrêssemos o risco de apenas reproduzir conhecimento oriundo de outros contextos de forma acrítica e não refl exiva. Afi nal, como bem afi rmou Guerreiro Ramos (1996), em sua famosa obra intitulada A redução sociológica, qualquer teoria tem como intuito a análise e a resolução de problemas que são próprias daquela localidade em que foi

desenvolvida. Desse modo, nesta aula iremos pensar em um modelo brasileiro de gestão que inclua elementos típicos de nossa cultura e que nos ajude a refl etir sobre o que se passa em nossas organizações. Para isso, iremos, em um primeiro momento, caracterizar o sistema de ação cultural brasileiro, em que os modelos de gestão se desenvolvem.

O MODELO DO SISTEMA DE AÇÃO CULTURAL BRASILEIRO

De acordo com Prates e Barros (1997), a maneira por meio da qual os indivíduos se comportam está relacionada intimamente com os traços culturais que essas pessoas carregam consigo. Os autores, dessa forma, elaboraram um modelo que conseguisse esquematizar a relação entre a forma de agir e a cultura, o que eles denominaram como sendo um sistema de ação cultural. Antes de mais nada, é importante dizer que um sistema pode ser pensado como algo que é composto por diferentes partes (subsistemas) e que consegue atingir resultados que não são obtidos pela mera soma de tais partes, mas pela interação dessas. Um exemplo de sistema é uma empresa. Esta não é apenas o resultado da soma de todos os setores que se localizam dentro de tal espaço (RH, marketing, produção, etc.), mas sim o produto de uma dinâmica interação e trabalhos conjuntos por parte destes. Da mesma forma, podemos pensar o modelo do sistema de ação cultural brasileiro como um sistema composto de quatro subsistemas: o institucional (formal), o pessoal (informal), o dos líderes e o dos liderados, sendo que cada um deles reúne traços culturais comuns ou particulares. Com relação aos subsistemas formal e pessoal, Prates e Barros (1997) afi rmam que o primeiro diz respeito aos traços culturais que encontramos no espaço da “rua”, enquanto o segundo está relacionado aos traços característicos do espaço da “casa”, tendo sido tais espaços abordados pelo antropólogo Roberto DaMatta em sua famosa obra intitulada A casa e a rua, de 1985. O subsistema dos líderes, por sua vez, é aquele que reúne traços característicos daqueles que detêm o poder, enquanto o subsistema dos liderados diz respeito aos traços daqueles que se subordinam ao poder. Ainda, segundo os autores:

É muito importante notar que esta é uma visão dinâmica e relativa, pois qualquer cidadão pode encontrar características nos subsistemas alternativos, conforme a situação na qual se encontre; isto

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é, ora estamos na posição de líderes, ora estamos na posição de liderados. Por outro lado, existem momentos em que atuamos de forma impessoal e outros em que nos portamos como pessoa (PRATES; BARROS, 2007, p. 57).

Dessa forma, é necessário que entendamos o fato de que é comum nos situarmos em diferentes subsistemas dependendo da situação em que nos encontramos (o que ele denomina como subsistemas alternativos). Isso ocorre porque, evidentemente, exercemos diversos papéis sociais de forma simultânea, já que estamos vinculados a múltiplas organizações, tais como empresas, igreja, clube, ONGs, etc.

Em sua obra A casa e a rua, o antropólogo brasileiro Roberto DaMatta explora a relação entre o espaço público e o privado, onde o limite entre essas esferas, segundo DaMatta, torna-se bastante fl exível e relativo. O espaço da rua é aquele que pertence a todos, mas é pensado como não sendo de ninguém, o que dá margem para que ocorram diversos tipos de problemas, incluindo o não cumprimento ? ? das leis. Já o espaço da casa é aquele que, sendo privado e considerado como sendo “o nosso espaço”, é pensado como um local sagrado. Sendo assim, costuma-se não fazer em casa o que normalmente se faz na rua. Um exemplo disso é o ato de jogar lixo no chão. Naturalmente, as pessoas não fazem isso em casa por considerarem que esta é um espaço particular seu. Entretanto, muitas pessoas não veem problemas em jogar lixo na rua, pois consideram que tal espaço não é de ninguém, o que as permitiria fazer tal tipo de coisa.

O modelo do sistema de ação cultural brasileiro, conforme podemos observar na Figura 6.1, também nos apresenta diferentes traços culturais que são comuns a alguns dos subsistemas mencionados. Tais traços surgem a partir do que os autores denominam interseções dos subsistemas. São eles a concentração de poder, o personalismo, a postura de expectador e o ato de evitar confl itos. Nas próximas seções, analisaremos cada um deles, com base na defi nição de Prates e Barros (2007).

CONCENTRAÇÃO DE PODER

Figura 6.2: O leão como símbolo do poder.

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:The_King....jpg Keven Law

A cultura de concentração de poder surge a partir da interseção entre os subsistemas líderes e formal, e está baseada na posição que determinados indivíduos ocupam dentro da hierarquia organizacional, sendo esta a representação da autoridade e da responsabilidade em cada nível da estrutura. Além disso, a concentração de poder pressupõe a subordinação por parte de outros indivíduos que ocupam uma posição inferior dentro dessa mesma hierarquia. Evidentemente, o traço de concentração de poder é bastante marcante em sociedades dentro das quais se encontram organizações com muitos níveis hierárquicos, pois há um maior desequilíbrio na posse de recursos de poder entre seus membros. Assim, em países como o Brasil em que os níveis de classe são muito díspares e as organizações são marcadas por terem muitos níveis hierárquicos, há uma clara distinção em termos de status e poder entre profi ssionais que ocupam cargos elevados (como o de um diretor de empresa) e aqueles que ocupam cargos mais baixos, como, por exemplo, um gerente ou supervisor. A expressão “você sabe com quem está falando?”, tão típica em nosso país, demonstra uma clara exibição de autoridade por parte de algumas pessoas que acreditam poder utilizá-la, ainda que em ambientes fora do trabalho. É o caso, por exemplo, de muitos advogados que, ao serem multados por terem cometido

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delitos no trânsito, utilizam essa expressão para dirigir-se ao guarda que os autuou, dando a entender que, pelo fato de serem advogados, estão acima das leis que deveriam ser impessoais e válidas para todos.

Personalismo

O personalismo surge a partir da interseção dos subsistemas líderes e pessoal, sendo um traço cultural que os autores associam ao “magnetismo exercido pela pessoa, por meio de seu discurso ou de seu poder de ligações (relações com outras pessoas), e não por sua especialização” (PRATES; BARROS, 2007, p. 60). Um exemplo de como o personalismo está presente fortemente em nosso país pode ser visto em processos seletivos dentro de uma determinada organização, quando o candidato selecionado é conhecido e possui um relacionamento pessoal íntimo da pessoa responsável pelo processo. Tal prática é comum na sociedade e nos modelos de gestão brasileiros e ocorre de forma constante. Nesse caso, é evidente que o conhecimento das atividades demandadas para o cargo foi posto em segundo plano e o poder de relacionamento foi o elemento principal. O personalismo, também, pode manifestar-se entre os próprios membros da organização, como quando um determinado funcionário é promovido também por possuir relações de amizade ou parentesco com o superior ou com alguém próximo a este. Assim, ainda que as organizações implementem modelos de gestão que se baseiem em regras e normas que deveriam ser válidas para todos sem exceção (ou seja, de caráter impessoal), muitas vezes o traço do personalismo acaba por fazer com que alguns indivíduos sejam benefi ciados em detrimento de outros pelas características já mencionadas, o que acaba por comprometer a universalidade dos procedimentos que tais modelos deveriam buscar.

Paternalismo

Figura 6.3: A família e o paternalismo.

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Isabel_ conde_dEu_Luis_Maria_Pia_fi lhos.jpg

Uma das principais características relativas ao paternalismo e que se faz muito presente em nossas organizações é o fato de líderes e liderados ou chefes e subordinados possuírem uma grande dependência entre si. De fato, é comum que muitos funcionários enxerguem na fi gura do chefe não apenas alguém a quem devem obedecer por ocuparem cargos distintos na estrutura hierárquica da organização, mas também como uma espécie de pai que pode suprir as carências dos membros do clã (exemplo: o funcionário acredita que seu chefe deveria aumentar seu salário pelo fato de acreditar que ele sempre lhe foi fi el desde que começaram a trabalhar juntos) Desta forma, cria-se uma mútua dependência psicológica e afetiva entre chefes e subordinados dentro da organização, o que acaba por gerar “um grau menor de liberdade e autonomia para seus membros, se comparado com outras culturas menos paternalistas” (PRATES; BARROS, 1997, p. 61) (por exemplo, países germânicos). O traço cultural do paternalismo, de acordo com Prates e Barros (1997), é uma combinação dos traços apresentados anteriormente, sendo que eles o defi nem com as seguintes palavras:

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(o paternalismo) apresenta duas facetas: o patriarcalismo e o patrimonialismo. Carregamos em nossa sociedade o valor de que o patriarca tudo pode e aos membros do clã só cabe pedir e obedecer; caso contrário a rebeldia pode ser premiada com sua exclusão do âmbito das relações. O patriarcalismo, a face supridora e afetiva do pai, atendendo ao que dele esperam os membros do clã, e o patrimonialismo, a face hierárquica e absoluta, impondo com a tradicional aceitação sua vontade a seus membros, convivem lado a lado em nossa cultura.

Dessa forma, podemos perceber também que o patrimonialismo, como traço cultural típico de nosso contexto, acaba por infl uenciar as práticas e rotinas administrativas que ocorrem dentro das organizações brasileiras, já que ele leva naturalmente a uma maior centralização das tarefas por parte dos líderes e a um comportamento passivo por parte dos liderados, que apenas obedecem às ordens que lhe são transmitidas, o que acaba por tornar-se uma característica inerente aos próprios modelos de gestão que aqui são implementados, ainda que estes tenham origem em outros países.

Postura de espectador

Figura 6.4: O espectador.

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:TV_highquality.jpg

De acordo com Prates e Barros (1997), o traço postura de espectador que se encontra na interseção dos subsistemas liderados e formal, tem como principais características o mutismo e a baixa consciência crítica que estão presentes na sociedade brasileira. Em nossas organizações, é

muito comum encontrarmos esse tipo de situação, pois os indivíduos em geral estão sempre na espera das orientações da autoridade externa ou dos líderes, tendo grandes difi culdades de agir por conta própria. A falta de senso crítico aliado à baixa qualifi cação por parte de muitos indivíduos não poderia resultar em algo que fosse diferente de uma postura inerte, em que toda a responsabilidade é transferida para aqueles que detêm o poder. Tal lógica, de acordo com os autores, diz respeito ao fato de que “se o poder não está comigo, não estou incluído nele e não sou eu quem toma a decisão; a responsabilidade também não é minha” (PRATES; BARROS, 1997, p. 62). Dessa forma, as características do mutismo, da baixa consciência crítica e da transferência de responsabilidade acabam por resultar na baixa iniciativa e na pouca capacidade de realização por parte dos funcionários nas organizações. Isso não signifi ca dizer, entretanto, que essa seja uma característica geral de nosso povo. Evidentemente, há líderes reconhecidamente empreendedores no Brasil os quais são conhecidos pela capacidade de assumir riscos e a habilidade de tomar decisões complexas (exemplos: Luiza, das Lojas Magazine Luiza; Eike Batista, etc.). De fato, espera-se que as características da inércia e da fuga da responsabilidade diminuam com o passar do tempo, o que de fato já está se tornando uma realidade. Esta "lógica", segundo os autores, parece soar ingenuamente estereotipada e generalizante, como se o Brasil fosse uma massa homogênea e docilizada como um todo – reduzida ao senso comum, ao mutismo e à inércia, mas essa descrição refere-se à característica de um modelo elaborado por autores privilegiados da área da administração que realizaram pesquisa empírica para tal. Essa pesquisa aponta essa característica como peculiar sobre administração e cultura brasileira, não representando o senso comum. Um modelo, por natureza, é uma abstração cujo objetivo é tornar a realidade mais fácil de ser analisada, e a pesquisa não mostra que todos os brasileiros são assim, mas que essa é uma característica comum encontrada no contexto brasileiro.

FORMALISMO

O traço cultural formalismo, de acordo com Motta e Alcadipani (1999, p. 9), “é a diferença entre a conduta concreta e a norma que estabelece como essa conduta deveria ser, sem que tal diferença implique

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punição para o infrator da norma”. Em nossas organizações, o formalismo expressa-se de maneira muito clara pela quantidade de regras e normas existentes, que em geral não são questionadas, mas que muitas vezes são burladas naturalmente por seus membros, ainda que de forma inconsciente. Um exemplo disso ocorre em hospitais, onde algumas categorias de profi ssionais costumam recorrentemente trocar entre si seus plantões. Assim, por exemplo, o enfermeiro que tenha que fazer plantão durante toda a madrugada pode solicitar a outro enfermeiro do mesmo setor, o qual estaria a princípio de folga, que o substitua aquele dia, e assim ele fará o mesmo quando o outro estiver precisando. Dessa forma, ainda que tal prática não seja permitida, é comum que isso ocorra em diversas organizações da área da saúde, contando com a “vista grossa” por parte de grande parte das pessoas. De acordo com Prates e Barros (1997, p. 63):

A realidade é que existe hiato entre o direito e o fato, que caracteriza o formalismo, mas que também o justifi ca. Este é o lado patológico do formalismo, pois, à medida que ele de fato ocorre, processos de ajustamento surgem para superá-lo. Como esses processos são permitidos e podem atingir as confi gurações de nepotismo, favoritismo e até mesmo subornos, isto gera instabilidade e insegurança. Surge então o risco de se aplicar novamente o remédio das legislações, cada vez mais específi co e abrangente, criando um turbilhão de normas para uma aparente estabilidade nas relações sociais.

Impunidade

A característica da impunidade, também presente no subsistema institucional e bastante comum em nosso contexto, diz respeito ao fato de que a lei é aplicada para alguns e não para outros que detêm recursos de poder, o que acaba por fortalecer ainda mais a posição destes. Assim, enquanto os liderados constantemente estão sob ameaça de receber punições, os líderes raramente enfrentam este tipo de situação pelo fato de ocuparem uma posição diferenciada quer na estrutura da sociedade, quer na própria hierarquia da organização. Assim, enquanto os liderados não podem, por exemplo, chegar atrasados para o trabalho sob pena de serem punidos por desacatarem as regras, muitas vezes os líderes o fazem constantemente sem problema algum, seja porque eles mesmos controlam o horário de trabalho, seja porque se considera que pessoas que ocupam

posições hierárquicas superiores não precisam seguir as mesmas regras que valem para aqueles que ocupam posições inferiores nessa mesma escala. Tal pensamento, evidentemente, acaba por reforçar o status quo, fazendo com que as coisas permaneçam como estão.

Lealdade pessoal

Figura 6.5: Exemplo de lealdade.

Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:LeightonThe_King_and_the_Beggar-maid.jpg Edmund Blair Leighton

A lealdade pessoal é um traço presente no subsistema pessoal e, segundo Prates e Barros (1997, p. 65), signifi ca que “o membro do grupo valoriza mais as necessidades do líder e dos outros membros do grupo do que as necessidades de um sistema maior no qual está inserido”. De fato, é comum que, em nossas organizações, os membros de determinados grupos protejam-se uns aos outros e depositem toda a sua confi ança na fi gura do líder, o que faz com que o grupo fi que fortalecido e coeso. Isso não signifi ca, entretanto, que confl itos diversos não possam ocorrer entre os membros de um grupo. De fato, é comum que em muitos grupos surjam disputas entre os membros com o intuito de ter seu trabalho mais valorizado, divergências pessoais, confl itos de opinião etc., o que acaba até por reduzir a produtividade desse mesmo grupo ao longo do tempo.

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Entretanto, a característica da lealdade e da proteção mútua por parte dos membros de um grupo é uma característica bastante presente no contexto brasileiro, conforme os autores anteriormente mencionados observaram por meio de pesquisas empíricas. Essa característica, logicamente, está relacionada a outro traço que discutimos anteriormente, que é o personalismo, ou a importância que as relações de amizade e o sentimento de pertencer a um grupo possuem para os membros da organização. Dessa forma, a característica do personalismo acaba por levar à própria lealdade pessoal, ou seja, os membros passam a proteger aqueles que são percebidos como amigos ou parte do mesmo “clã”.

Evitar confl ito

De acordo com Prates e Barros (1997), a característica de se evitar confl itos é um traço presente na sociedade brasileira que diz respeito principalmente à relação liderado-líder. Segundo os autores, o distanciamento de poder entre liderados e líderes pode até resultar em possíveis situações de confl ito, mas, nesses casos, o confronto direto geralmente será evitado por meio de mediadores que mantêm boa relação com ambas as partes. Assim, enquanto em outros contextos o confl ito muitas vezes é concebido como algo natural que faz parte do próprio processo de amadurecimento profi ssional e do qual se pode extrair importantes aprendizados, até como forma de lidar com situações futuras, no contexto brasileiro os indivíduos tendem a evitar o confl ito de todas as formas e quando tais tipos de situações surgem, a tendência é de se evitar falar no assunto ou “varrer para debaixo do tapete”. Uma das explicações para tal pode estar relacionada a uma das características que vimos anteriormente, que é a valorização das relações de amizade entre os membros das organizações e a tendência de se considerar que os colegas de trabalho fazem parte de uma mesma “família”.

Flexibilidade

Segundo Prates e Barros (1997), a fl exibilidade é um traço presente no subsistema dos liderados e está associada a outros dois traços: o da adaptabilidade e o da criatividade. Enquanto a adaptabilidade está relacionada a soluções criativas que constantemente são buscadas como forma de se ajustar a uma realidade específi ca ou a um contexto (como

no caso da empresa que se ajusta rapidamente a mudanças políticas ou econômicas), a criatividade também possui um elemento inovador e, segundo os autores, “fi ca assim caracterizada como um traço também marcante em nossa cultura, a fl exibilidade de conviver com a hierarquia em um ambiente de igualdade de fato” (PRATES; BARROS, 1997, p. 67) em contraposição à igualdade de direito. A característica da fl exibilidade está associada, evidentemente, à outra característica que foi mencionada anteriormente, que é a do “jeitinho brasileiro”, ou seja, a capacidade do brasileiro de se ajustar às diferentes situações e de criar novas soluções para problemas que a princípio seriam difíceis de serem resolvidos. Nesse sentido, a fl exibilidade pode ser entendida como a valorização da criatividade e a originalidade dos liderados nas organizações, ainda que tais características não impliquem necessariamente mudanças em suas posições hierárquicas dentro desses espaços. Assim, ainda que os gestores valorizem tais características presentes em seus funcionários e recorram frequentemente a estes para que problemas diversos sejam solucionados, tal fato não implica uma menor distinção entre aqueles que mandam e aqueles que obedecem.

Atividade Final

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Analise o modelo de gestão de alguma organização com a qual você possua algum vínculo, com base nos traços culturais apresentados anteriormente. Descreva como esses traços infl uenciam o modo de administrar desta organização e quais são aqueles que nela se fazem mais presentes.

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Resposta Comentada

Você deve ser capaz de relatar como os traços culturais vistos nesta aula (exemplos: concentração de poder, paternalismo, personalismo etc.) infl uenciam a gestão da organização escolhida. Você deve compreender que o estilo de administração brasileiro é marcado pela infl uência de um sistema cultural particular, composto por uma diversidade de traços culturais, segundo uma lógica dinâmica e fl exível.

RESUMO

Grande parte da literatura utilizada para administração em nosso país é elaborada em países europeus e nos Estados Unidos. Embora essas teorias sejam importantes, elas não são sufi cientes para entendermos o modo de administrar no Brasil, porque o modelo administrativo brasileiro é marcado por traços culturais específi cos em nosso contexto. É grande a importância de se fazer uma análise contextualizada das teorias organizacionais para não corrermos o risco de apenas reproduzir conhecimento oriundo de outros contextos de forma acrítica e não refl exiva. Deste modo, devemos pensar em um modelo brasileiro de gestão que inclua elementos típicos de nossa cultura e que nos ajude a refl etir sobre o que se passa em nossas organizações.

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