a qual tinha total consciência, mas não conseguia domá-la. P. era como uma garrafa térmica, que sugeria a presença do calor, sem irradiá-lo. Para poucos bastava. Bem poucos. Nunca mais viu M. após o dia rememorado no sonho. Filósofo, dedicou parte da existência a ensinar os outros a refletir o mundo. Virou o ser imponente capaz de destruir um Natal e entendia, como nunca, quais eram as lições de casa da sua existência. O problema é que continuava desleixado. Sempre ponderou se havia escolhido a profissão como um subterfúgio para outro traço de sua personalidade: esconder-se dos próprios problemas, gastar toda a capacidade mental para pensar no todo até cansar e não deixar espaço para nada além disso. E parece que tinha acumulado cansaço para usar de muleta até o fim. Horas depois, P. acordou sozinho, pois não havia ninguém para chamá-lo. Há tempos o disco já nem tocava mais. Ficou um pouco perturbado com os pensamentos e os sonhos. Com um pouco de esforço poderia sentenciar se teve uma existência protocolar, comum, ou o oposto. Um meio termo, talvez. Mas não sentiu a necessidade de avaliar: em breve todas as lições terminariam à sete palmos.
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