Revista Ocupação Rogério Sganzerla

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a utopia de Oswald de Andrade – fabricar biscoito fino para o deleite das massas. Antes de tudo, o filme profetiza o AI-5 (“decretado o estado de sítio no país”, brada a locutora de rádio) e inova na incorporação do pop, do kitsch, de clichês, subgêneros e HQs. E, quando todos pensavam que estacionaria na sombra do próprio mito, Rogério apostou, em 1969, todas as suas fichas no popular e sofisticado A Mulher de Todos, um ousado modelo de indústria de Sganzerla para o audiovisual brasileiro – conforme o sócio e amigo Júlio Bressane. Um primor de roteiro, A Mulher de Todos escancara o talento de Helena Ignez, que revoluciona a arte de interpretar, explodindo os limites do enquadramento. Na sequência vem a radicalidade setentista da produtora Belair, que transpôs o deserto vigente no país e legou seis longas – marcantes viagens em apenas três meses de estrada. Da lavra de Sganzerla, três pérolas: Carnaval na Lama (desaparecido em mostra no Jeau de Paume, em Paris, em 1992), Copacabana Mon Amour e Sem Essa, Aranha. Enquanto filmavam com olhos livres e rompiam nós narrativos, o tempo se fechou e Rogério, Helena e Júlio se viram forçados a se exilar no Velho Mundo, onde concluíram parte dos filmes, que foram exibidos em Londres. Na volta ao trópico, no vácuo da contracultura, adotando seu singular método pré-colombiano, Rogério lançou com Helena o Abismu, salto no escuro que em 30 anos ainda reverbera com frescor sob a fuselagem sonora de Jimi Hendrix e a performance transcendental de Zé Bonitinho. O sonho acabou? No embalo dos esquisitos anos 1980, das aberturas políticas, da redemocratização e da globalização à vista, só um cidadão pode nos salvar: Welles. Ao lado, naturalmente, de três signos centrais do cinema de Sganzerla: Hendrix (desde Abismu), Oswald de Andrade (Perigo Negro) e Noel Rosa, inspirador de dois filmes: Noel por Noel (1980) e Isto É Noel Rosa (1990). Desse modo, Rogério Sganzerla dedica-se de corpo e alma a compor uma tetralogia sobre a passagem entre nós do cineasta norte-americano Orson Welles, nos anos 1940, quando It’s All True é abortado por contrariar interesses de políticos brasileiros e norte-americanos de suspeita vizinhança. Na primeira sessão do copião de O Signo do Caos em São Paulo foi que me aproximei mais de Rogério, que conhecia desde 1980, nos tempos de universidade, em


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