Revista Ocupação Rogério Sganzerla

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“Moderno”, para ele, não é uma questão de afetação ou de moda: é o cinema que exprime as inquietações de seu tempo, no conteúdo e na forma. Vários conceitos surgiram em artigos do Suplemento Literário do Estado de S. Paulo: “herói fechado”, “câmera cínica”, “cinema do corpo”, “tempo solto”, com recorrentes menções ao cinema de Fuller, Godard, Resnais, Losey, Antonioni e, como precursores, Welles e Hawks. Por trás dos nomes “herói fechado” e “câmera cínica” está a ideia de que o filme não tem mais a função de explicar o mundo e os personagens, e sim a de evidenciar esse caráter de incompreensão das coisas, em que tudo que o espectador pode fazer é olhar. Isso claramente já antecipa todo o fascínio dos personagens-ícones de Sganzerla, figuras intencionalmente opacas que funcionam como personagens de vaudeville num palco sem chão: no vazio do entretenimento, o pitoresco se apresenta em seu furor violento (e de cabo a rabo no cinema de Sganzerla há uma forte violência do signo ligada à caracterização/ caricaturização dos atores). Sganzerla memorialista Nos anos 1980, outro período particularmente prolífico de sua atividade crítica, certos questionamentos do cinema moderno são retomados, mas a tônica geral é a melancolia advinda do rompimento de laços do cinema brasileiro com seu braço mais experimental. São recorrentes – e altamente justificadas – as reclamações de que o cinema brasileiro se rendeu à telenovela e esqueceu o que havia de genial em sua tradição experimental, prestigiando o “pornosoft” e o naturalismo sem ousadias. Na ausência, a seus olhos, de um presente vigoroso, Sganzerla transforma-se num memorialista, evocando épocas do passado em que o Brasil tinha a bossa. Como Ulisses cantando sua longínqua Ítaca, o Sganzerla dos anos 1980 é um cineasta que olha para o Brasil e vê seu adorado cinema moderno muito longe, soterrado pela televisão. O antídoto? Dá-lhe Orson Welles, dá-lhe João Gilberto, dá-lhe Noel Rosa, na esperança da volta de modernidade e inteligência no cinema exercido no Brasil.


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