ANNO I
NUMERO 1
DECLARAMOS GUERRA DE MORTE AOS LADRÕES DO POVO
São Paulo, 20 de junho de 2012
itaucultural.org.br/ocupacao
gratuito
Profeta é aquele que enxerga o óbvio Nelson Rodrigues | foto: autoria desconhecida | acervo de família
Profeta é aquele que enxerga o óbvio, disse muitas vezes Nelson Rodrigues. Atento observador dos dramas humanos, intelectual outsider, artista inaugural. Gênio, capaz de revolucionar o teatro brasileiro e todas as áreas da escrita em que se envolveu. Quais processos produziram esse gênio? Foram as muitas tragédias que sofreu? A passagem pela reportagem policial quando muito jovem trabalhou no jornal de seu pai? Quem percorrer a exposição terá a oportunidade de encontrar outros ângulos desse personagem e ao final, quem sabe, responder a essas perguntas. (p. 3)
A PRIMEIRA INFÂNCIA “Para os meus três anos, o mar, antes de ser paisagem, foi cheiro. Não era concha, nem espuma. Cheiro. Meu pai, antes de ser figura, gesto, bengala ou pura palavra, também foi cheiro. Ninguém tinha nome na minha primeira infância. A estrela-do-mar não se chamava estrela, nem o mar era mar. Só quando cheguei ao Rio, em 1916, é que tudo deixou de ser maravilhosamente anônimo.” (NELSON RODRIGUES – O Óbvio Ululante)
DAS ÁGUAS DE PERNAMBUCO A obra de Nelson Rodrigues sempre chegou a mim através de alguns textos de teatro das muitas montagens vistas. O convite para pensar a cenografia da Ocupação Nelson Rodrigues me fez parar e me aproximar com mais intensidade da extensa produção do autor, deparar com novas questões, sobretudo através da leitura das diversas confissões dele próprio, registradas em livros de memória.
Esse mergulho mais profundo no universo rodriguiano começou numa conversa com a curadora Maria Lúcia Rodrigues. Nosso primeiro encontro sobre o tema, em pleno coração de São Paulo, na Avenida Paulista, parecia acontecer na ampla varanda de uma casa nordestina. Alguns pontos levantados também remetiam à minha infância e adolescência, passadas no Nordeste. (p. 6)
A visão do menino
Uma das definições sobre Nelson Rodrigues que mais o agradavam foi dada pela escritora Clarice Lispector logo após assistir à peça Bonitinha, mas Ordinária: “Nelson, você é um menino que vê o mundo pelo buraco da fechadura e se espanta!”, disse ela. O título da crônica rodriguiana que narra o encontro com a magistral escritora é: Os que Jamais Foram Meninos. A ideia de um Nelson eternamente menino é cultivada pelo próprio autor em suas memórias, nas quais recorda ter nascido em uma escola da Tijuca aos 8 anos de idade. Era um concurso de redação de tema livre e Nelson escreveu ali sua primeira história aos moldes de “A Vida como Ela É...”, contando um adultério ocorrido na vizinhança.
(p. 13)
O MEDO DO BRASIL DIANTE DOS VIRA-LATAS Triste de quem vê apenas a bola em um jogo de futebol. Mais triste ainda de quem tenta ler o jogo apenas pelos desenhos táticos, as estratégias, (3x5x2), (3x4x3), os gols perdidos, os erros da arbitragem e todos esses traços objetivos que fazem das mesas-redondas da televisão uma ladai-
nha infernal de todos os domingos. O jornalista, escritor e dramaturgo pernambucano Nelson Rodrigues, quase cego para os movimentos da pelota, via no futebol uma forma de entender o sentimento de uma nação. Não que o jogo fosse uma mera desculpa para a escrita,
afinal de contas testemunhava, mesmo em uma pelada de rua, um drama tão complexo quanto uma peça de William Shakespeare. O que representava o triunfo e a derrota em uma competição, porém, era muito mais significativo do que a simples narrativa do combate. (p. 4)
Dorotéia e uma Encenação em Devir Nelson Rodrigues classificou Dorotéia como “farsa irresponsável em três atos”. De imediato, a questão dos gêneros se põe para qualquer exegese que se faça à peça. “Farsa ou tragédia?”, perguntamo-nos todos. Mas quais os limites de uma e as fronteiras de outra no teatro? Essa se torna uma das tantas questões que não somente essa peça como a obra dramática de Nelson Rodrigues nos colocam, ainda hoje em pleno século XXI (ou seria para toda a arte contemporânea?). Como nos alerta Gerald Thomas, as montagens de Nelson Rodrigues não devem ir a fundo na forma trágica nem na forma cômica. Para esse encenador, devem-se evitar as duas alternativas sob o risco do fracasso. (p. 11)
Detalhe da obra de Roberto Rodrigues publicada no Catálogo Nelson Rodrigues e o Cinema acervo de família