Blackbloc

Page 1

Black Bloc A tropa de choque do povo Isadora Stentzler São Paulo, 7 de setembro de 2013. Pow! Pow! Pow! Atiram os policiais. - Olha o Choque! - Não vamos ficar parado, não! Vamos embora! Vamos embora! Saindo da Praça da Sé, ele para de quebrar o banco e ajunta outras pedras. O bloco negro acompanha. - Corre! Corre! O Choque tá vindo! O Choque tá vindo! Tectectectectectectetec, faz o helicóptero que quase alcança o chão para levantar poeira. - Meu Deus! Tão usando arma de fogo! Corre! Pow! Pow! Pow! Ele se aproxima do policial. Atira uma, duas, três pedras. - Resistência! Outro black intervém. Chuta a moto de patrulha. Ela cai no chão. - Tem um fotógrafo atingido! Sai daí! Sai daí! É sua última pedra. Ele mira no PM e lança com a mão direita. A precisão não é de um atirador, porque ele não o é, mas naquela hora sentia que precisava fazer isso. Em resposta, o policial com a arma em mãos a direciona no seu rosto. O coração acelera. Na mente, pensamentos de resistência o encorajam e não o permitem fugir. “Preciso ficar. Preciso ficar”, repete para si. A arma está apontada para seus olhos. A distância dele e do homem fardado é de 3 ou 4 metros. “Tum, tum, tum.” O coração acelera. A adrenalina está nas veias. Ele teme. “Re-sis-tên-cia.” A palavra não o deixa fugir. Nessa hora mais um tiro. “Pow!” A bala atinge o chão. Então ele corre. - Cof! Cof! - Ajuda! - Cuidado com as bombas de gás! - Vinagre! Alguém tem vinagre? - Seus fascistas! - Vai pra Paulista! Corre pra Paulista! - Sai daí! Nessa hora o bloco está unido de novo. No ar, muito gás. - Ajuda! - Resistência! Resistência! Andando como grupo, eles seguem entre os carros. Desse jeito, sabem que os fardados não os atacarão. Mais adiante, um jovem é carregado por outros três rapazes. Sua perna esquerda sangra. - Uma bomba! Uma bomba me atingiu. A polícia saiu atirando a esmo. Tectectectectectectetec, o helicóptero continua acompanhando. Metros à frente, ele sente que não precisa mais correr. Olha para os pés e vê sangue transpondo do tênis esquerdo. Sente dor, mas não para. - A revolução não terminou! – Alega. Ele já está ofegante. O que é um problema para quem é asmático e não carrega a bombinha na mochila. Caminha e encontra alguém agachado, passando mal. Ele para e o ajuda. - Vamos lá, amigo! Atravessam a rua. Ele já não sabe onde está. O grande grupo que saiu da Avenida Paulista seguiu para lados opostos. Naquela via, próxima a um viaduto, andam apenas seis. Não se conhecem. Mesmo assim são semelhantes. Roupas pretas e, no


pescoço, bandanas embebedadas de vinagre – usadas para se proteger do gás – os caracterizam. Os chamam de anarquistas. O que fazem? A tática black bloc. Herança europeia A história contada é verdadeira. O protagonista também. Gustavo Souza mora na Linha Vermelha em São Paulo. O que significa que cresceu em um bairro de classe média-baixa. Vive com ele a mãe e a irmã. O pai foi embora. Drogas? Nunca usou. Nos seus hobbies estão skate e também a leitura de livros anarquistas. Para entender melhor, o black bloc, que traduzido literalmente significa bloco preto, surgiu no final dos anos 1960 na Europa com a ânsia de se libertar da “ganância, violência e da imensa e inumana burocracia estatal”. Nas páginas do Facebook brasileiro é “uma estratégia de manifestação e protesto anarquista, na qual grupos de afinidade mascarados e vestidos de negro se reúnem com objetivo de protestar em manifestações antiglobalização ou anticapitalistas”. A prática ressurgiu no Brasil após as truculências policiais cometidas nos protestos de junho, com um objetivo humano: defender a massa pacífica da ação da Tropa de Choque. Tática De acordo com o psicólogo Claudio Jone, a presença desses jovens “barulhentos”, como chama, está cada vez mais presente nos protestos e nas grandes manifestações sociais que reivindicam “uma nova ética, salários dignos e novos posicionamentos políticos”. Para ele, compreender a tática é um processo que envolve o autoconhecimento. “Tentar entender esse movimento, aparentemente sem líderes ou representantes, que provocam desconfiança e medo nos outros manifestantes é buscar entender a nós mesmos, nossas famílias e sociedade, governos e desgovernos”, explica. “Trata-se de tudo o que consumimos e nos consome. Leitura árdua, jogo duro, cujo as táticas agressivas do quebra-quebra servem tanto aos black blocs como também se revelam nos juros e nas taxas dos bancos, nos impostos, na lógica de mercado e nas coberturas jornalísticas, que valorizam mais a violência do que as justas reinvindicações da sociedade.” Nos últimos atos do país os anarcoativistas estiveram presentes. Enquanto os manifestantes se agrupam repetindo palavras de ordem e portando cartazes, o bloco entra na frente como um cordão pronto para fazer ação direta. “Mas a gente só ataca se é atacado. Antes não”, explica um anarquista. “Estamos ali para proteger os manifestantes. Caso a polícia use de força, a gente revida e resiste. Somos a tropa de choque do povo.” No Rio de Janeiro durante o protesto do Dia dos Professores em 15 de outubro, a educadora aposentada Leila Holanda, de 57 anos, demonstrava a segurança que sentia com a presença do bloco vestindo uma camiseta preta com os seguintes dizeres em branco: “Black Prof”. “Eu apoio completamente estes meninos do black bloc que são alunos, ex-alunos e estou na luta com eles desde junho dando apoio total e integral”, afirma a professora que ainda criticou a cobertura feita pela grande mídia


quando julga a tática de vândala. “[Quando falam isso] não veem o que a polícia faz antes da reação destes meninos e meninas. Eles não atacam em nenhum momento. Eu só vejo eles segurando a polícia para as pessoas poderem fugir. A imprensa realmente está contra eles fazendo uma má interpretação dos atos”. Segunda ela, “não há sentido na briga entre policiais e blocs”, uma vez que os adeptos da tática se valem de paus e pedras, enquanto a PM usa cassetetes, spray de pimenta e bala de borracha. A filosofia do bloco é horizontal e sem liderança, por isso a roupa preta se torna a farda que caracteriza a tática numa massa única. “Sem identidade, os black blocs representam a si mesmos por aquilo que querem negar. Seu grande desafio é não tornar-se uma ‘instituição’ nos protestos”, conceitua Jone. Além disso, os atos incluem destruição a símbolos da propriedade privada – fachadas de lojas e escritórios como McDonald's, Starbucks, bancos e concessionárias – que taxam o bloco de vândalo. “Somos ativistas e temos ódio dentro da gente”, pondera Souza. “Quando a gente quebra um banco, a gente não quebra por quebrar, a gente quebra o que ele representa. É como um desabafo”. Não entram na lista de alvos pequenos empresários ou bancas de revistas. Quando isso acontece foge da autoria dos blocs. No entanto, há vertentes defendendo que a diminuição de pessoas nas ruas desde junho foi consequência da ressureição da tática no país. Os atos de “quebra-quebra”, como conceituam, “não os representam” e os intimidam. O comerciante Raimundo Veiga de Abreu, 44, por exemplo, mora no Rio de Janeiro e no protesto do Dia dos Professores fechava seu estabelecimento mais cedo. Em meio ao barulho de tiros e bombas explodindo, ele justifica a medida como segurança. “Ninguém quer ficar no comércio por causa do gás de pimenta e da bomba, porque todo mundo tem medo”, desabafa. De acordo com ele, desde que as manifestações começaram sua venda já somou um prejuízo de mais de R$ 2 mil por ter que sempre fechar mais cedo. Quanto ao apoio ou não aos manifestantes, a tática ou a ação da polícia, ele não quis comentar. Punição Desde 19 de setembro de 2013, entrou em vigor no Brasil a Lei 12.850, ou Lei do Crime Organizado. Ela prevê prisão de três a oito anos para qualquer pessoa que se enquadre na definição de crime organizado exposto no 1º artigo da Lei, em que se considera organização criminosa a “associação de quatro ou mais pessoas que tenham o objetivo de obter vantagens mediante a prática de infrações penais”. Com a definição, policiais se valem do artigo para prenderem os manifestantes e adeptos à tática black bloc. No Rio de Janeiro em 15 de outubro, quase 200 pessoas foram encaminhadas a delegacia, das quais 70 foram presas e encaminhadas a presídios fichados nesta Lei. Outras 14 foram enquadradas por outros crimes, como desacato a autoridade. “Eventuais delitos cometidos pelos black blocs, como incêndios, saques e destruição do patrimônio, serão contidos por meio da polícia, que prenderá em flagrante o ‘manifestante’ infrator, resguardando a incolumidade física dos demais cidadãos de


bem”, explica o aluno-oficial Anderson Foliatti da Silva, da Academia de Polícia Militar da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul. Segundo Foliatti, a maioria das pessoas em Porto Alegre é contra a tática, principalmente devido às depredações realizadas próximo a residências e comércio, dos quais os donos “amargaram consideráveis prejuízos”. Anarquia online No Facebook, páginas oficiais dos black blocs em diversos estados e capitais foram criadas para divulgar atos e denunciar abusos do poder público. No perfil “Black Bloc Brasil” – que já conta com mais de 7.500 curtidas – imagens dos protestos e vídeos de imprensas alternativas ou de amadores também são publicados. Sob a máscara Em 7 de setembro, o ativista Souza ajudou a quebrar mais de quatro bancos. Ele sabia que a vidraça estilhaçada não impactaria os bolsos dos donos da agência. E que de uma forma ou de outra, eram ele e a massa que defendia que arcariam com aquilo. Mesmo assim, o fez para marcar o caminho com os cacos que representavam outro vandalismo: o da sua história. Até os cinco anos, a família de Souza era uma típica família brasileira. Um pai, uma mãe, uma filha e um filho. Quatro pessoas. Das necessidades básicas, não passavam aperto. Até que o pai foi embora. “Quando meu pai saiu de casa, ficou pendente muita coisa. Minha mãe era professora e ele queimou todos os livros dela. E quando ela foi voltar a dar aula, precisava dos materiais que ele havia destruído e que agora não tinha dinheiro para comprar. Então ela teve que começar a se sujeitar a qualquer trabalho pra juntar dinheiro e não perder a guarda minha e da minha irmã”, relembra. Levaram dois anos para que a mãe de Souza pudesse voltar a dar aulas regularmente. Mas só com o salário dela, a família não se reconstruiu. Tanto é que, no Dia da Independência, voltavam à mente do jovem lembranças do pai alcoólatra espancando a mãe e da ordem de despejo guardada em uma das gavetas daquilo que ele ainda chama de “casa”. O rancor e o ódio viraram então grafite de viaduto pelas mãos do garoto que carrega na história e dia a dia o peso que é ver gente com muito e gente com nada. Outros Gustavos Da mesma forma, outros Gustavos Souza se trajam de negro e como black blocs vão às ruas na tentativa de serem ouvidos. Pedem mais educação, mais saúde, mais oportunidade, quando na verdade o grito engasgado é “queremos mais amor”. Em resposta, o Estado distribui sprays de pimenta, bombas de gás lacrimogêneo, prisões e cassetetes. Há quem apoie. Há quem não. Há quem legitime. Há quem não. Mas para entender de verdade o peso que é vestir preto e atirar pedras numa corporação privada, só passando por um dia de Gustavo. O adolescente de 14 anos que sonha um dia em se formar em Filosofia.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.