Um é pouco, dois é bom, três é melhor ainda

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Um é pouco, dois é bom, três é melhor ainda1 Estimulados pelas redes e aplicativos, a carona é m modo de transporte eficaz para minimizar os efeitos negativos do trânsito ao meio ambiente, além de proporcionar outros benefícios. Por Isabel Silva e Marcos Cardinalli2 Há alguns anos, a ideia de dividir o carro para ir à escola ou ao trabalho não era tão comum, principalmente com alguém desconhecido. Talvez, há dez anos não havia tanta conscientização a respeito dos danos que a queima de combustíveis fósseis pode causar à atmosfera e, por isso, a ideia de compartilhar o automóvel não fosse facilmente difundida na sociedade. Com o desenvolvimento da tecnologia e o surgimento de aplicativos e redes sociais, tornou-se muito mais comum a prática da carona. Diversas cidades do mundo têm adotado projetos que incentivam a carona solidária, visando reduzir os congestionamentos causados pela grande quantidade de veículos nas ruas e as emissões de gases poluentes, advindos da queima de combustível, como o dióxido de carbono (CO2). Segundo Antonia Marino, representante da plataforma online Tripda, que atua como mediadora na busca por caronas entre motoristas e passageiros, a carona é uma opção mais econômica e já é aderida em muitos países europeus. “Hoje, em muitos países na Europa, essa forma de viajar já foi difundida na sociedade e, mesmo com uma malha de transportes muito mais desenvolvida que no Brasil, europeus optam pela carona.” A carona solidária gratuita, sem o intuito de obter lucro, é uma prática legal que deve ser incentivada. “É um meio eficaz de minimizar os efeitos negativos causados pelo pesado tráfego enfrentado hoje em dia, bem como reduzir volume da poluição presente na atmosfera, dentre outros benefícios”, destaca, em nota, Diogo Moraes, procurador federal junto à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

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Reportagem publicada na Edição de Jun/2015 do “Jornal Impacto Ambiental”, uma produção do Projeto de Extensão “Pauta Verde” da Universidade Estadual Paulista – “Júlio de Mesquita Filho”, orientado pelo Prof. Dr. Ângelo Sottovia Aranha. Link: http://issuu.com/impactoambiental/docs/junho_2015 2 Reportagem: Isabel Silva/ Edição: Marcos Cardinalli


De acordo com o levantamento do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), em dezembro de 2014, havia cerca de 86,7 milhões de veículos circulando no Brasil, que tem mais de 202 milhões de habitantes. Esses dados representam 2,3 pessoas para cada veículo. Em Bauru, o número de pessoas/carro se aproxima do índice da capital paulista – 2,3 pessoas/carro. O IBGE estima que, em 2014, Bauru tinha 364.562 habitantes e uma frota de aproximadamente 257 mil veículos, totalizando 161.541 automóveis. A proporção em Bauru é de 2,25 habitantes por automóvel, e a cada ano, cresce a frota de veículos da cidade. Entre janeiro e dezembro de 2014, a cidade ganhou 6.758 novos automóveis. Segundo dados do site Sun Earth Tools, para cada litro de gasolina consumido por um veículo, são produzidos cerca de 2,3 kg de CO2, dependendo do motor e da mistura de hidrocarbonetos.

As vantagens da carona O objetivo da carona solidária é aumentar a quantidade de pessoas por carro, incentivando as que fazem o mesmo percurso a compartilhar o mesmo veículo e dividir os custos da viagem. As vantagens de dividir o carro não se resumem apenas à proteção do meio ambiente. O compartilhamento do transporte privado oferece benefícios tanto para o dono do veículo quanto para os passageiros, como a economia de despesas

e

a

diminuição

de

congestionamentos.

Marília

Scarpelini,

administradora do grupo “Carona Bauru” no Facebook, explica como funciona o grupo popular entre universitários que residem na região de Bauru: “O objetivo é ajudar quem precisa de carona e quem quer dar carona. Pra quem pega carona é bom, pois não precisa pegar ônibus (mais caro e mais demorada a viagem). Pra quem dá carona também é bom, pois pode dividir os gastos e ter uma companhia na viagem. Ou seja, é vantajoso para ambos os lados”. Além dos benefícios ambientais e econômicos, a carona pode ter outras vantagens. Segundo Antonia Marino, “viajar com outras pessoas, que na maioria dos casos nunca vimos antes, é incrível para conhecer novas culturas, trocar experiências e conhecimentos, e abrir a cabeça até para novas formas de pensar.” Ela conta que se apaixonou pela carona ao fazer um intercambio pela Europa, e a troca de vivências entre as pessoas que conheceu nesse modo de transporte foi um dos benefícios mais engrandecedores da viagem.


O que diz a legislação? Muitos grupos de carona no Facebook são formados por estudantes universitários que precisam mudar de cidade para estudar. Eles utilizam as caronas para baratearem os custos das viagens entre suas cidades de origem e as cidades onde se concentram os polos universitários. Geralmente, as pessoas que oferecem carona cobram um valor suficiente para cobrir as despesas da viagem e abaixo do valor cobrado pelas empresas de transporte privado. Entretanto, esse tipo de transporte é proibido pelo artigo 231 do Código de Trânsito Brasileiro, que diz ser infração e punível com multa “efetuar transporte remunerado de pessoas ou bens, quando não for licenciado para esse fim, salvo casos de força maior ou com permissão da autoridade competente”. Marília Scarpelini acredita que a divisão de custos na carona não deveria se enquadrar na infração descrita pelo código. “Assim como dividimos a conta do restaurante, podemos dividir os custos de uma viagem. Teoricamente, como isso não se dá através de contratos, a pessoa que pega carona não é obrigada a pagar. A contribuição nos gastos se dá como uma ‘camaradagem’, troca de favores ou coisa do tipo. E na prática funciona muito bem devido o bom senso de cada um e a cultura já incorporada”. O Coordenador da Comissão de Trânsito de Veículos e Pedestres em Vias Públicas da OAB Bauru, Ruy Polini, diz que a carona remunerada, mesmo que cobrando apenas o custo da viagem, é proibida pela legislação brasileira. “No Brasil existem atividades que só podem ser exercidas mediante autorização prévia por parte da União, Estados e Municípios. Esse é o caso do transporte de pessoas e coisas. Esta é uma determinação da Constituição Federal, o que também é previsto nas Constituições Estaduais”, explica. É importante pontuar que a legislação não acompanha o ritmo acelerado em que se desenvolvem hoje as tecnologias com as quais entramos em contato. “A Tripda enfrenta hoje essa situação em que outros países - onde aplicativos de carona já estão difundidos - enfrentaram anos atrás até que a lei fosse moldada aos novos padrões culturais. No entanto, mesmo que a passos mais lentos, a lei acompanhará as mudanças que as tecnologias promoverão em nossa cultura”, comenta Antonia Marino.


As caronas remuneradas dividem opiniões e levanta a questão a respeito de mudanças de costumes e as novas relações promovidas pelo surgimento das redes sociais. “Entendemos que existem dois extremos: quando a carona, de fato, é gratuita e quando há troca de valores. Por vezes, os limites entre essas duas dimensões confundem-se e temos que analisar cada caso isoladamente”, explica, em nota, o coordenador do Laboratório de Inovação Digital da ANTT, Beto Aquino Agra.


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