Coabitar o Enclave: ensaio projetual às margens da baía de Sepetiba

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COABITAR O ENCLAVE

Ensaio projetual às margens da baía de Sepetiba

Autora: Isabelle Tiemi

Orientação: Ana Slade e Diego Portas

Trabalho Final de Graduação

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus orientadores, Diego Portas e Ana Slade, por terem embarcado nessa etapa comigo e me dado tanto suporte. Pelas tardes gostosas de orientação e de muita troca. Um agradecimento especial ao Diego Portas, por ter sido um grande mestre e ter me passado tantos conhecimentos da prática da arquitetura.

Ao Ateliê Aberto, pela oportunidade de fazer parte da equipe por três anos. Sou eternamente grata por todo aprendizado e amadurecimento durante essa trajetória.

À professora Luciana Andrade, por ter me encorajado tanto na graduação e me passado muitos aprendizados para além da arquitetura.

Aos meus grandes amigos que adquiri na faculdade e levarei para a vida, Amanda Marmute, Lila Monteiro, Lucas Marques e Miguel Ajuz. Crescemos juntos nessa escola e aprendi e aprendo muito com vocês.

Ao meu companheiro Gustavo Leal, pelo apoio, pelas trocas e conversas sobre arquitetura e por compartilhar a beleza e o conhecimento sobre a botânica.

Aos meus pais, meus maiores incentivadores.

À FAU UFRJ, por ter me proporcionado essa graduação tão rica de trocas e aprendizados.

RESUMO

O presente trabalho lança um olhar sobre as ocupações às margens da Baía de Sepetiba. Por meio de levantamentos cartográficos e de uma compreensão do processo histórico de ocupação da zona oeste do Rio de Janeiro, principalmente dos bairros que têm a baía como divisa, constata-se uma relação quase inexistente com essa grande lâmina d’água para além das dinâmicas portuárias e industriais. O trabalho investiga o potencial da reserva de espaço do enclave militar como forma de preservar um território que sofre diariamente crimes ambientais relativos às atividades industriais e de incorporar novas funções urbanas e ambientais enquanto espaços de lazer e convívio em escala de bairro.

A partir disso, a proposta traz à tona a necessidade de se pensar em dispositivos para novas formas de relação com o enclave; coabitar esses territórios em condição de isolamento para usos coletivos em um contexto tão desigual e marcado pela crise ecológica.

Palavras-Chave: Baía de Sepetiba, enclave militar, atividades industriais, crise ecológica.

Foto aérea da Baía de Sepetiba. Fonte: Fotografia autoral.

----- HINTERLÂNDIA CARIOCA

----- A BAÍA DE SEPETIBA

----- DE SERTÃO CARIOCA À POLO INDUSTRIAL

----- A PESCA LOCAL

----- OS ENCLAVES

----- AS TRANSFORMAÇÕES HÍDRICAS

----- ADENTRANDO NO TERRITÓRIO

----- AS ESTUFAS

----- O MIRANTE

HINTERLÂNDIA CARIOCA

Segundo dicionários, o termo “hinterlândia” significa uma região afastada de áreas urbanas ou dos centros metropolitanos. O termo também vem sendo abordado em outros estudos acadêmicos como espaços não-urbanos que são suporte para o crescimento da cidade aglomerada, seja como zonas de abastecimento, impacto ou logística, atuando como suporte estrategicamente essencial da urbanização capitalista (BRENNER, KATSIKIS, 2020).

Em “Dicionário das hinterlândias cariocas", Nei Lopes (2012) aborda a conotação pejorativa em nosso país das regiões chamadas de “subúrbio”, exprimindo a periferia da cidade como sinônimo de problema, inferioridade, atraso e vulgaridade de hábitos. Assim, o autor refere-se à Zona Norte e Oeste do Rio de Janeiro como “hinterlândias” ou as antigas “zonas rurais”, trazendo uma série de repertórios da cultura e história de cada bairro.

A hinterlândia de Santa Cruz, situada na Zona Oeste, além de ser o bairro distante do centro da cidade do Rio de Janeiro, possui manchas urbanas densamente ocupadas, sendo o terceiro bairro mais populoso da cidade do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, é ladeado por propriedades de cultivo agrícola e pecuária e possui um grande distrito industrial e zona portuária nas margens da Baía de Sepetiba. Conjuntamente com o Porto de Itaguaí, no município ao lado, se destacam como uma das principais regiões do território fluminense no escoamento de commodities, principalmente de minerais extraídos do quadrilátero ferrífero e da produção siderúrgica para o mercado internacional.

Principais rotas de commodities e os portos no sudoeste

A BAÍA DE SEPETIBA

Ao visitar os arredores das zonas industriais de Santa Cruz, me deparei com a impossibilidade de me aproximar da Baía de Sepetiba. Não era possível sequer ver a faixa de água. Os limites impostos pela ocupação as suas margens dominam esta paisagem. A ausência de relação da com este corpo hídrico para além do suporte das atividades portuárias e industriais começou a me fascinar. É então que a baía e a ocupação de suas bordas começa a ganhar força neste trabalho e vira o tema central.

A Baía de Sepetiba é um corpo hídrico de configuração quase elíptica delimitada pela restinga da Marambaia. Nos seus quase 130 quilômetros, envolve os bairros de Guaratiba, Sepetiba, Santa Cruz e os municípios de Itaguaí e Mangaratiba. Sua bacia é formada por rios que nascem na Serra do Mar, Serra do Mendanha e no maciço da Pedra Grande, formando uma extensa área de planície flúvio-marinha. Destaco o Rio Guandu, responsável por 80% do abastecimento de água potável da região metropolitana do Rio de Janeiro, cuja foz é na Baía de Sepetiba.

Bacia contribuinte à Baía de Sepetiba

Nessa região costeira é encontrado remanescentes de manguezais, um ecossistema que se forma nas áreas de estuário, baías ou reentrâncias onde há transição entre a terra firme e o mar. Recebe fluxos de sedimentos e organismos oriundos tanto do continente quanto do oceano Atlântico, apresentando elevada produtividade para o estabelecimento de diversas espécies de peixes, moluscos, crustáceos, aves, mamíferos e outros animais aquáticos e terrestres. Os manguezais, além de atuarem como viveiros para peixes e filtrar os resíduos poluentes que vão parar no mar devido descarte incorreto, são grandes acumuladores de “carbono azul”, termo que se refere ao carbono capturado da atmosfera e oceanos e armazenado nas plantas e no solo de ecossistemas marinhos e costeiros. Dessa forma, o carbono fica estocado no solo lamoso do manguezal, impedindo que vá para atmosfera. 1

Mangue da Baía de Sepetiba.

Fonte: Disponível em: < https://michelechristine.wordpress.com> Acesso em: abril de 2024.

1. Estimativas indicam que um hectare de manguezal no Brasil pode armazenar entre duas e quatro vezes mais carbono do que um mesmo hectare de outro bioma qualquer — incluindo a floresta amazônica — segundo um estudo publicado no início de 2022 na revista Frontiers in Forests and Global Change.

DE SERTÃO CARIOCA À POLO INDUSTRIAL

Na década de 60, com a transferência da capital para Brasília, o Rio de Janeiro, perdendo protagonismo político e econômico, inicia um processo de maior participação na produção industrial nacional, criando o Estatuto da Companhia Progresso do Estado da Guanabara (Copeg), contexto no qual o bairro de Santa Cruz foi escolhido para a fundação de um novo distrito industrial. Nesse período, as obras de extensão da Av. Brasil até a Zona Oeste e a formação da BR-101 acentuou o processo de ocupação do bairro, juntamente com o surgimento da CEHAB - RJ (Companhia Estadual de habitação do Rio de Janeiro), contexto no qual há a construção de conjuntos habitacionais próximos ao distrito industrial de Santa Cruz. Consolidando, por fim, a política de “higienização” dos bairros mais ricos cujo o intuito era fixar os mais pobres e criar bairros proletarizados em regiões mais distantes do centro e da zona sul.

O incentivo à industrialização nessa região acontece até hoje e teve seu apogeu em 2008, quando a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), atual TKCSA, ergueu-se no bairro em um terreno doado pelo Governo Federal localizado em uma Área de Preservação Permanente (APP), antes ocupada por um assentamento do MST onde viviam cerca de 370 pessoas que habitavam, plantavam e cultivavam a área. É nesse momento que o processo de dissociação entre a baía e a cidade se aprofunda, quando ocupam e privatizam a uma grande faixa de terra onde ainda poderia existir algum acesso à baía de Sepetiba pela população no bairro de Santa Cruz. A empresa começou a operar sem Licença de Operação (LO), iniciando um processo de soterramento do manguezal às margens da baía de Sepetiba, construindo um píer que avança 700 metros sobre a água e modificando o curso de canais para realização de obras. Desde então diversas denúncias são realizadas pela população local relacionada a poluição por lançamento de dejetos e metais pesados na água e poluição atmosférica - conhecida como “chuva de

prata”- que ficam suspensas no ar e são levadas pelos ventos para as comunidades locais.

O desenvolvimento logístico/portuário e industrial na zona oeste do Rio de Janeiro vem inserindo o território fluminense em uma das principais regiões no escoamento de commodities, principalmente de minerais extraídos do quadrilátero ferrífero e da produção siderúrgica para o mercado internacional - em 2023, o Porto de Itaguaí foi o terceiro porto em quantidade de carga movimentada, representando 12,4% do total nacional.1 Isso coloca os bairros às margens da Baía de Sepetiba em uma “zona de sacrifício”, expressão utilizada pelos movimentos de justiça ambiental para se referir a locais em que conta-se uma superposição de empreendimentos e instalações responsáveis por danos e riscos ambientais. 2

1. ANTAQ (2023). Desempenho Aquaviário 2022. Disponível em: <www.gov.br/antaq > Acesso em: outubro de 2023.

2. A designação “zona de sacrifício” surgiu nos Estados Unidos, quando o movimento de Justiça Ambiental associou a concentração espacial dos males ambientais do desenvolvimento ao processo mais geral que produz desigualdades sociais e raciais naquele país.

A PESCA LOCAL

Nas margens da Baía de Sepetiba, vivem aproximadamente oito mil pescadores artesanais que dependem do pescado retirado de suas águas e que durante gerações garantiu o sustento de suas famílias. Hoje, encontra-se ameaçado pela degradação ambiental das atividades industriais no local.

Nos arredores do bairro de Santa Cruz, os rios são os meios para chega até esse corpo d’água para a pesca. Como se não bastasse os crimes ambientais, a siderúrgica construiu uma barragem no Rio São Franciscoem 2015 para captação de água que dificultava o acesso dos pescadores para a baía. Após muita luta, a construção foi demolida.

Embora parte da borda da baía esteja nos limites do bairro de Sepetiba e Guaratiba e que, por sua vez, possuem uma formação e praias, a contaminação de rejeitos tóxicos somado ao despejo inapropriado de esgoto fizeram com que as praias tivessem sua orla assoreada pela lama, tornando-as impróprias para banho e dificultando as atividades dos pescadores locais. Quando o acesso à baía não é restrito pelas ocupações industriais nas suas bordas, ele é privado de uma outra forma, mas também pelos impactos do seu funcionamento.

COIMBRA, Custódio. Poluição e assoreamento na Baía de Sepetiba dificultam a atividade de pescadores locais.

Fonte: Disponível em < https://extra.globo.com > Acesso em: outubro de 2023.

OS ENCLAVES

Enclave é um termo da geografia política e que significa um território localizado dentro dos limites de outro território com distinções políticas, sociais e/ou culturais.

De um lado a paisagem do distrito industrial é marcada pelos padrões de aglomeração operacionais de grande escala, onde as indústrias pousam como um corpo estranho no território em uma condição de isolamento das dinâmicas existentes ao redor e cuja as atividades são completamente isoladas e restritas do restante da cidade, parecendo existir leis ou políticas próprias que permitem transgressões e crimes ambientais. Do outro lado, a Base Aérea Militar de Santa Cruz ocupa um terreno de frente a baía de aproximadamente 2,5 hectares, no qual suas atividades também se estabelecem segregadas da vida social urbana.

Compreendo estas duas diferentes ocupações do território às margens da Baía de Sepetiba como exemplos de enclave. Apesar de serem atividades distintas, são exemplos de programa-base alheios ao tecido ao redor e em instâncias de isolamento.

Entretanto, o enclave compreende uma grande reserva de espaço onde podemos imaginar incorporar novas funções urbanas e ambientais enquanto espaços de lazer e convívio em escala de bairro (SICURO, 2021).

Sicuro defende potencial possibilidades de produzirmos, através de políticas públicas e projetos urbanos, outras tipologias de espaços destinados à vida coletiva, como o caso do Parque Madureira, que foi implantado em um terreno remanescente da compactação das linhas de alta tensão da Light, fruto da ação do poder público municipal em conjunto com a linha de transmissão de energia elétrica.

Os limites e as ocupações de Santa Cruz

Em “Operational Landscapes: Hinterlands of the Capitalocene” (2020), Brenner e Katsikis sugerem novas formas de conectar as cidades com as áreas não urbanas, como momentos coproduzidos e coevoluídos no contexto marcado pela crise ecológica, afirmando que qualquer abordagem contemporânea deve considerar a questão sistema da vulnerabilidade das Hinterlândias, espaços forjados para apoiar a globalização e a maximização de lucros do capitalismo e da cadeia de suprimentos.

Este espaço em condição de isolamento poderia ganhar não somente uma dimensão mais pública e coletiva, como também de reserva e recuperação ambiental. Tratando-se de um contexto marcado por uma ocupação tão agressiva ao meio ambiente, onde a fauna e flora local são diariamente impactadas pelo funcionamento das siderúrgicas, é de grande importância pensar em formas resilientes de lidar com os impactos ambientais e os eventos climáticos cada vez mais extremos.

O Refúgio Biológico Bela Vista é um exemplo de projeto na área de preservação ambiental concebido a partir da compreensão dos impactos da formação da hidrelétrica de Itaipú. A proposta inicial era receber

os animais desalojados durante a formação do reservatório, desempenhando um papel de centro de resgate e criação de animais silvestres, especialmente de espécies ameaçadas de extinção, assim como a produção de mudas nativas da Mata Atlântica para o reflorestamento da mata ciliar do reservatório e posteriormente tornou-se também um pólo de atração turística no Complexo Itaipu.

Propõe-se, portanto, coabitar o enclave militar, reconhecendo que sua instância de controle e isolamento conteve o adensamento urbano e a ocupação industrial e “resguardou” uma grande faixa de terra. Ao mesmo tempo, ocupá-lo de outras formas é reivindicar o direito ao uso coletivo de um terreno tão fechado para si e permitir uma relação com essa baía tão mercantilizada no cenário atual. Propõe-se, portanto, coabitar o enclave militar, reconhecendo que sua instância de controle e isolamento conteve o adensamento urbano e a ocupação industrial e “resguardou” uma grande faixa de terra. Ao mesmo tempo, ocupá-lo de outras formas é reivindicar o direito ao uso coletivo de um terreno tão fechado para si e permitir uma relação com essa baía tão mercantilizada no cenário atual.

1922

AS TRANSFORMAÇÕES HÍDRICAS

Analisando mais a fundo o terreno da Base Aérea Militar, observamos que apesar de constituir uma grande área relativamente preservada, também foi bastante modificada ao longo do tempo. Historicamente a hidrografia desta região foi sendo alterada do seu percurso natural, principalmente durante o período dos jesuítas na região, que realizam obras de saneamento e novos canais para produção agrícola local.

O terreno é delimitado por 3 corpos de água, sendo a Baía de Sepetiba e 2 canais: o canal do Guandu e o canal do ItáNesse contexto, a água parece ser um objeto que precisa se adequar às necessidades humanas.

O canal do Itá, no limite leste do território militar, foi dividido em dois para que a pista de pouso da Força Aérea Brasileira pudesse “caber” no terreno, criando o “canal do Itá” e o “antigo canal do Itá”. No meio do lote passa o antigo rio Guandu, mantendo sua forma sinuosa natural. Sua foz está na Baía de Sepetiba, mas o rio é interrompido aproximadamente 3 km para dentro da terra, de modo que a vazão de água não é suficiente para mantê-lo vivo, tornando-se praticamente um solo lamoso. Ao seu lado, está o Canal do Guandu.

Dessa forma, estamos em um território repleto de rios e canais e antigos rios e antigos canais.

2024

Mapa da hidrografia com base na Carta do Distrito Federal (1922) e IBGE (2024). Fonte: Elaboração própria.

O trabalho se propõe a imaginar um cenário onde o antigo rio Guandu é reativado, criando um fluxo de água capaz de diminuir seu assoreamento e mantê-lo vivo. Não se pretende aqui recuperar essa dinâmica hídrica por uma questão nostálgica de algo que já foi, mas sim de dar vida ao que ainda restou e está prestes a desaparecer. Nesse sentido, os rios e canais aparecem como grandes potenciais de conexões e transição entre o tecido da cidade com a Baía de Sepetiba, pois são eles que atravessam todo o território fluminense e desaguam neste grande corpo d’água.

Podemos compreender os cursos d’água a partir de relações coletivas, sociais e culturais, como suporte não somente econômico, mas principalmente ambiental e social para a construção coletiva do lugar; como suporte para o reflorestamento do terreno militar, assim como de toda a margem da Baía de Sepetiba e até mesmo de outras regiões do território fluminense.

Fonte 1: Google Earth Fonte 2: Mapa Distrito Federal, 1922.

ADENTRANDO NO TERRITÓRIO

O primeiro ato projetivo consiste em como penetrar neste território tão fechado para si. Adentrar no enclave significa vencer a grande barreira de construções que foram dando as costas para essa faixa de terra. Através de um terreno baldio, cria-se o primeiro ato de penetrar no terreno militar. Através deste novo acesso, chegamos em uma grande praça com um canal transversal que liga os três principais rios e canais que desembocam na Baía de Sepetiba: o Canal do Guandu, o antigo Guandu, agora recuperado, e o Canal do Itá.

A praça se estabelece a partir de dois sistemas estruturais. As paredes maciças e espessas, de cimento, das pedras cantadas das escavações do novo canal, de entulho e outras matérias encontradas no local; e as estruturas de madeira, vigas e pilares todos de mesma seção, que se cruzam de diferentes formas. Eventualmente, esses dois sistemas irão trabalhar de forma associada.

A praça é uma forma de trazer a cidade para dentro deste terreno e, ao mesmo tempo, cria espaços de escala intermediária, escala do encontro e das atividades coletivas em uma área tão vasta e grande como essa.

A proposta consiste em 3 pavilhões implantados perpendicularmente ao novo canal: o pavilhão de recepção, com uma pequena infraestrutura de informações e sanitários; um pavilhão indeterminado, como suporte para as atividades de pesca e agrícola locais que já acontecem na região de maneira informal; e a garagem para barco, de onde sairá os barcos, caiaques entre outros para locomoção pelo território e acesso à baía.

A ciclofaixa existente que percorre a avenida, agora também adentra no terreno, de forma sinuosa, entre caminhos de sombra gerado pela copa das árvores e se estende por toda a extensão do novo canal.

Os pavilhões possuem uma cobertura tipo “telhado borboleta”, captando a água da chuva para uma grande calha central. Dela, distribui-se água para “chuveirões” e fontes no chão por toda a praça. A partir de um certo nível, quando a calha já estiver cheia o suficiente, a água começa a cair no grande canal, formando uma espécie de “cachoeira”.

Denomino esta praça , portanto, da Praça das Águas.

AS ESTUFAS

Para que seja possível conceber um viveiro florestal, a primeira instalação necessária é a das estufas, onde as mudas ficam até criar raízes para poderem ser plantadas.

É comum que sejam estruturas compradas prontas, pórticos de grande vão e altura. À procura de catálogo e empresas locais, encontrei uma estrutura de treliça metálica abobadada e de poucos apoios e esbeltos. Comecei a imaginá-la para além das estufas, como estrutura suporte para outros programas que os viveiros florestais poderiam incorporar, como uma sede administrativa e um centro e alojamento para os pesquisadores.

A estrutura abobadada é utilizada de diferentes formas. A primeira é com uma cobertura translúcida de tela sombrite quando o que ocorre abaixo são os viveiros ou vegetação. A segunda é com uma cobertura opaca, ganhando uma calha central cuja a forma parte do rebatimento invertido das curvas desta estrutura pré-fabricada.

Quando a parte opaca se concentra nas extremidades, a cobertura joga água para jardins de chuva de armazenamento para irrigação. As estruturas associadas aos jardins de chuva são dispositivos de “contaminar” essa grande malha de praticamente monocultivo com novas variedades de espécies botânicas nativas. Aos poucos, insetos e aves começarão a polinizar e essas plantas irão se espalhar por essa região, enriquecendo o solo. Imagina-se, também, que toda essa área onde hoje é agricultura, possa se tornar uma agrofloresta.

O MIRANTE

A construção desses dois sistemas é uma relação de mutualismo. A torre maciça ajuda a outra efêmera a se erguer. O processo construtivo de uma depende da outra. Por sua vez, resistem ao tempo de maneiras distintas. A madeira, exposta às intempéries vai se desfazendo, enquanto o concreto e pedra, ficam como um marco nesta paisagem.

O mirante, na sua solidez e fragilidade associadas, pretende ser um artefato de denúncia, cuidado e provocações.

A partir do que é visto de cima, fragilizamos em algum grau a condição de controle e isolamento das indústrias vizinhas. Os crimes ambientais se revelam.

A partir do que é visto de cima, nos conectamos com esse grande volume de água que é a Baía de Sepetiba e com todo esse ecossistema da região.

A partir do que é visto de cima, poderíamos questionar as outras ocupações às margens da baía, os outros enclaves e, quem sabe, provocar novas coabitações para além desta.

BIBLIOGRAFIA

AYAKO, Juliana. Rio de Janeiro, a metrópole flúvio-marítima: projeto do canal intracostal metropolitano. Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da USP. 2023.

BRENNER, N; KATSIKIS, N. Operational Landscapes: Hinterlands of the Capitalocene. Oxford, 2020.

LACATON, Anne; VASSAL, Jean-Philippe. Actitud. Editorial Gustavo Gili. 2017.

LOPES, Nei. Dicionário Da Hinterlândia Carioca. Antigos “subúrbio” e “zonas rural”. 1a edição. Rio de Janeiro: Pallas. 2012.

SICURO, Juliana. Enclaves institucionais como potenciais espaços públicos: o arquipélago na cidade. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - FAU UFRJ. Rio de Janeiro, 2020.

SILVA, Flávio. Faces de um conflito ambiental: Uma etnografia das performances e simbolismos na crítica aos megaempreendimentos. Dissertação (Mestrado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Ciências Sociais. Rio de Janeiro. 2021.

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