Chorume 4

Edição nº 04 novembro de 2.018 R$ 0,00

arte e literatura

Bolsonaro

responde que merda vai fazer com a cultura

Entrevista com Mailson Furtado, o grande vencedor da 60ª edição do Prêmio Jabuti Contos inéditos de André Diaz Bruno Sanctus Giordano Andriola João Gabriel Luciano Portela Marcelo Adifa Samuel Malentacchi Casa da Carélia com Astier Basílio Ilustrações de Felipe Stefani

arte e literatura

Expediente: Marcelo Adifa Giordano Andriola Luciano Portela Samuel Malentacchi André Diaz Astier Basílio Bruno Sanctus

Ilustrações: Felipe Stefani Autor convidado: João Gabriel

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“Minha poesia é uma afirmação da minha terra” Marcelo Adifa “Quando ouvi meu nome, não acreditei, explodi e saí gritando. Isso para a premiação de poesia, quando avisaram que tinha levado também o prêmio de melhor livro do ano, foi algo sensacional, raramente a poesia é premiada assim no Jabuti, e eu por pouco não fui a São Paulo, estava sem dinheiro”. O relato é de um jovem simples de 27 anos, articulado e inteligente, que em muito lembra algumas características de Drummond. Sua poesia é um tributo constante ao cotidiano e às pequenas coisas da vida. Daqueles elementos que os poetas com altas pretensões ou egos imensos esquecem de retratar.

O segredo da qualidade da sua poética reside exatamente em sua essência, “(a poesia) traz uma afirmação do meu lugar.

Todo meu trabalho escrito, seja com a dramaturgia ou com a poesia tem como tema central o lugar de onde vim, o sertão, minha cidade – nem tão rural, agrícola, nem tão urbana -, tem essa ligação com a contemporaneidade e a cotidianidade de coisas pequenas. É onde minha obra passeia; ‘à cidade’ é uma afirmação dessa linguagem”.

De Carlos Drummond de Andrade, o garoto pacato, dentista no interior do Ceará e que se desdobra entre os atendimentos em duas cidades pequenas,

- com menos de vinte mil habitantes cada - e a literatura, traz presente outra característica: a timidez. Mailson Furtado Viana, que também é dramaturgo, recebeu da Câmara Brasileira do Livro (CBL), os prêmios de melhor livro de poemas e melhor livro do ano na 60ª edição do Jabuti, a mais prestigiada premiação do meio editorial no Brasil. Fato raro um jovem e até então desconhecido autor romper a barreira das panelas literárias e emplacar um livro entre nomes fortes da literatura nacional. Mais raro por tratar-se de alguém cuja produção e divulgação sempre ficou centralizada no interior do Ceará.

entrevista especial “Tive dificuldades até de fazer minha literatura chegar à Fortaleza, sempre é assim com escritores do interior, temos a primeira barreira que é ser lido na capital do estado, depois ganhar outras regiões”, destacou o escritor.

E mais impressionante é que Mailson não teve apoio de nenhuma editora para editar o seu livro, ainda que no próprio Ceará existam casas como a Armazém da Cultura. Questionada em seu perfil em uma rede social por não ter publicado o agora poeta premiado, a Armazém respondeu de forma jocosa: “temos muitos talentos no Ceará”. Sem dúvida, existem aos montes em cidades pequenas como as que emprestam seu dia a dia para Mailson. Qualidade artística e literária existe, faltou, porém, às editoras, talento em reconhecer e cooptar o promissor autor antes que os pequenos jabutis, objetos dos sonhos de milhares de escritores, passassem a decorar a sua prateleira.

Em Mailson vemos surgir um escritor que preserva o lirismo poético sem abraçar-se à formulas mirabolantes de desconstrução da linguagem, ainda que a vítima da lâmina de certos poetas seja a própria poesia. Desprezado pelo mercado antes de tornar-se o nome da vez, Mailson agora vive uma nova realidade. “não sei ainda o que irei fazer, não deu tempo para pensar, são muitas mensagens e ligações, mas lá mesmo (na premiação) fui procurado por pessoas que queriam que eu levantasse a bandeira da autopublicação, assim como fui procurado por editoras. Depois que eu deitar minha cabeça na rede, no Ceará, eu penso”, valorizan-

do o descanso na terra que é alimento para sua criação.

Seu livro vencedor, “à cidade”, é uma ode ao cotidiano do sertão onde as coisas passam devagar. Editado totalmente por Mailson, da escolha dos poemas, a ordem em que estariam no livro, projeto gráfico da capa, escolha do local onde seria impresso, o material demonstrou ao mercado a possibilidade de obras similares ganharem espaço. Para o escritor, a questão vai além. “Espero que (a premiação) possa abrir espaços para todo mundo, demonstrar a possibilidade de novas realidades não só para o mercado editorial, mas para os outros escritores e leitores também, que muitas vezes não leem quem não está em evidência da mídia. Que sirva para todos se enxergarem, fico feliz que tenha sido através de mim.”

A lista de influências e leituras do poeta traz igualmente a simplicidade e a escrita da terra, do lugar comum. Tem em Renato Pessoa, outro jovem autor radicado no Ceará, mas nascido em São Paulo, uma escrita de referência. “É um poeta muito bom e que tem essa temática social de forma muito presente”, indicando que a poesia tem um papel social e seria importante em um processo de unificação do país pós eleições e sob grande polarização. “A poesia daqui tem que chegar no Sul, a do Sudeste aqui, e assim por diante. Temos um Brasil desconhecido de muita gente.”

Na lista de leituras de Mailson estão autores como João Cabral de Mello Neto, Torquato Neto, Ferreira Gullar, Geraldo de Mello Mourão, Paulo Leminsk, Chacal e Ana Cristina César. Agora será ele a constar na lista de leitu-

ra de muitos outros poetas.

Escritor não premiação

esperava

a

O poeta e dramaturgo não esperava ser indicado entre os finalistas ao Prêmio Jabuti, quanto muito ganhar em duas categorias – o que lhe rendeu R$ 105 mil. “Estar na lista final já me abriu muitas portas, vendi muitos livros pelas redes sociais, a grande dificuldade de quem é independente é vender por conta própria o seu trabalho. Por conta de problemas financeiros eu quase nem viajei a São Paulo. Nem cogitava a hipótese de ganhar, muito menos como melhor livro do ano, coisa rara de acontecer com quem escreve poesia que é algo tão subvalorizado” Convidado para eventos e atividades literárias em todo o Brasil, o autor, que trabalha das oito da manhã até as vinte horas da noite como dentista, e que não dedica um tempo específico para a poesia, “deixo ela vir, se vier, veio”, terá muito chão a percorrer.

Um Coração Partido Era Minha Doença Cobra Foi a Cura!

André Diaz Aqueles derradeiros dias do final da década de 80 consumiam uma adolescência que parecia à prova de tudo, menos de um coração partido.

O ‘amor da minha vida’ riu daquele magricelo segurando uma folha de papel, nela escrito um poema.

Sim. Naquela época acreditei que aquela loura azeda, de nariz empinado, era meu grande amor.

E também acreditei que aquele amontoado de rimas cafonas era a maior obra poética já escrita.

A camiseta preta do Slayer não condizia em abrigar aquele coração tolo e que batia desesperado, mais veloz que a bateria de Dave Lombardo.

O vinho vagabundo ‘San Tomé’ me consolou naquele fim de tarde.

A folha com o poema tremia em minhas mãos, gotas pingavam em cima, embaralhando as palavras.

Não. Não estava chovendo. Eram as lágrimas de um completo idiota que corriam como cascata, em meio a soluços desesperados. Um bêbado mais experiente passa todo sorridente, exibindo uma dentadura negra e destruída: --- Quem morreu?

--- F-Fui euuu!!!!

--- Ih! Se fudeu!!! Ah!Ah! Depois da segunda garrafa, foi o vômito que jorrou forte e quente, destruindo a ‘prova do crime de amar quem não se deve’, e empa-

pando minhas mãos , que limpei numa folha de jornal que voava.

Lá havia um anuncio de um ‘Relax para Homens’, na Rua da Consolação. No dia seguinte me encaminhei para o local, a dor da tristeza superava uma de minhas primeiras ressacas.

--- Você tem cara de menor! Olha!

Eu não quero me complicar, hein?

--- Já tenho dezoito!

--- O documento?

--- Esqueci.

Ela me olhou de cima a baixo e finalmente disse: --- Tá. Tu tem cara de menino limpo. Só por isso! Vai! Tira a roupa!

A luz vermelha do abajur deixa o clima bem de pecado, para minha

conto primeira incursão vaginal.

Logo estava no meio das pernas daquela mulher de meia idade, chupando aqueles peitos flácidos e me arranhando todo no que parecia ser um chumaço de Bom Bril.

--- Vai filho! Goza logo! Minha perna tá doendo!

Acelerei, sentindo a pele das coxas queimando, como se adentrasse em densa e cortante caatinga.

Gozei. Fui embora. Triste.

--- Puta não beija, meu bem.

Tchau. Volta de novo, tá?

Voltei caminhando pra casa. Foi todo o dinheiro naquela aventura.

“Não sou mais virgem!” Tentava animar a mim mesmo. Não consegui me enganar. Havia sonhado tanto com minha primeira vez, com minha namorada.

Em casa, minha mãe olha pra minha cara detonada, durante o intervalo da novela: --- E a escola?

--- Bem...

Então, como um clarão depois de um corte de energia, aparece a chamada do filme “Stallone Cobra”, na tela da T.V. Um filme proibido pra menores, quando saiu no cinema. Um maluco com

uma meia enfiada na cara, empunha um machado. Stallone distribuindo balaços em motoqueiros.

Era disso que precisava, agora.

Brutalidade sólida para soterrar essa sensibilidade ‘bichosa’ que me fazia chorar que nem menininha por alguém que não merecia.

Naquela noite, um coração partido era a minha doença. Cobra foi a cura.

Vibrei com os tiros e as porradas.

Me imaginei no lugar de Stallone.

Me imaginei macho pra caralho.

Sem espaço para sentimentalidades. Usando uma tesoura pra cortar um pedaço duro de pizza, e não a parte do horóscopo do jornal, sempre ansioso pra ver o que os astros me reservariam em minha vida amorosa. De repente, vejo que pinta um clima entre Cobra e a modelo que ele tem que proteger. Penso: “Não, Cobra! Não faça isso! Corre que é cilada”!

Então, percebi que até o mais bruto dos homens, carregava um coração de manteiga debaixo de um tórax de concreto. No meu caso, a camiseta do Slayer. E bruto nunca fui, e sim o maior bunda mole que já conheci.

No dia seguinte, acordo me coçando todo. O que mais tarde aprenderia que se chamava de ‘chato’, na hora caiu como uma bomba: --- Estou com Aids!!

Me vi devastado. Só. Não mais virgem, mas condenado à morte por uma relação sexual sem amor.

Hoje, décadas depois, compro o filme ‘Stallone Cobra’ em DVD. Dou risada ao lembrar da tempestade em copo d’água de minha juventude.

Acaba o filme e deixo aquele passado, e aquele infantil coração partido para trás. Fincados num gancho. Sangrando. Como o vilão do machado, finalmente eliminado pelo meu herói.

conto

Efeito Forer Giordano Andriola É preciso acreditar em algo para manter-se vivo. Diria que, no mínimo, é preciso que estejamos em dia com o auto-engano para não cairmos em parafuso e acabarmos como esse monte de caras que vagam por aí nas ruas tateando o vazio. Sempre procurei imaginar o que é preciso dizer a alguém para instigarmos sua confiança. Existe sempre a palavra certa no momento oportuno. Os pastores neopentecostais, os médiuns, as cartomantes, as ciganas, os quiropráticos, os astrólogos e os rumpólogos não me deixam mentir. As pessoas são movidas por uma carga de esperança que as deixa vulneráveis a toda qualquer asseveração que lhes seja conveniente. Quando o candidato a presidência está naquele enfadonho debate televisivo e olha para a câmera frontal falando com você, dona de casa, que está com o nome sujo no SPC, quando o Ciro Bottini está vendendo

qualquer tralha no Shoptime e adivinha o seu novo sonho de consumo, quando o camelô do centro da cidade incorpora o preto velho na gira e diz que a merda do seu casamento está por um fio: você, simplesmente, acredita. Não é o bastante, você toma para si, você se agarra a porra de uma verdade íntima. A revista ti-ti-ti não duraria tanto tempos nas bancas se as pessoas não quisessem folheá-la para ver a merda do seu horóscopo. Você, sua avó, sua tia e a sua amante adoram as tentativas quiméricas de se explicar coisas óbvias. Sim, é bem mais fácil esmurrar o espelho do que ruir esta maldita técnica de coincidências que fazemos questão de nos apegar. Chegou-se ao ponto de querer explicar tudo com base na porra do zodíaco. Lua em capricórnio, vou me foder. Sol em virgem, pegarei DST. É o cúmulo. Diria que é a terceirização da responsabilidade sobre as próprias ações cotidianas.

Uma fuga não muito diferente da fuga do craqueiro ou do jogador de bilhar. A diferença se dá no aspecto doutrinário. O indivíduo é levado a crer

que a sua vida se encontra de tal forma porque a informação que o grafólogo te deu corresponde com o momento vivido. No entanto, é como ter uma hérnia inguinal: só servirá a si mesmo. Eu fico vendo as pessoas demonstrarem certas confluências entre um conjunto de planos atrais que explicam o atual momento político do país. Ora, vão à merda com seus yin-yang, shiva, buda e levem a monja coen junto. O que eu quero mesmo saber é se a partir de janeiro conseguirei continuar mantendo os meus vícios sem precisar recorrer ao Sr. Argemiro, meu agiota e falso amigo. Quero saber é se todas as previsões irão mesmo se esfacelar diante das inevitáveis vicissitudes da vida.

conto

Porcos

Marcelo Adifa

Eles não podem. Não devem sair.

Enquanto não lhes permitimos a fala, ficam calados como porcos assados, a boca entupida por uma fruta. Tem por papel divertir a grande família, o espetáculo em volta da mesa; circo de horrores.

São apenas porcos calados. Mas eis que os chamamos ao centro e os ouvimos. Cospem a maçã e comem do que nos servimos. Esticam suas patas sobre nossos pratos e sentem-se em casa. Logo dão ordens. No começo não nos importamos. Ocupam o porão e mexem no que esquecemos, naquilo que é nada importante perto das outras coisas que temos que fazer. Deixamos. É cômodo termos os porcos fazendo o trabalho sujo. Achamos que o porão serviu a algo, ainda que não saibamos bem para o quê.

E como porcos se falam, logo juntam-se a outros. Difícil entendê-los se não se conhece os grunhidos, mas eles se acertam. São força motora e, aparentemente, sem cérebro. Mas nada escapa.

Comem de todo farelo, toda sujeira. Pregando a limpeza eles se apegam ao que de mais sujo temos em nossas casas. E seus olhos brilham como se tivessem descoberto o mais íntimo e perverso dos nossos segredos. Podemos ser dominados e governados por porcos.

A marca que é foda!

Peles Era necessário que possuísse algo de peculiar, caso quisesse se aproximar de Joana: um umbigo herniado, um olho de peixe no dedão, frieira nos pés, acne, cicatriz de queda de bicicleta, dermatite, um buchinho quebrado (similar a pochete), psoríase ou estrias que ficassem à mostra. Não adiantava aparecer todo pomposo com penteado rockabilly, camiseta de grife importada, adquirida a quinze reais pelo AliExpress ou calçar o ultimo Air Force One. Todas estas características eram dispensáveis, supérfluas, como se reduzissem o ser ao mais baixio recôndito das castas. Para Joana — que preferia ser chamada de Jeane ou Giovanna — era necessário que o defeito viesse à tona a primeira vista: se tivesse barba desenhada, estilo dessas barbearias gourmets, você já havia perdido trinta pontos antes de trocarem as primeiras palavras; se possuísse coque samurai, começava com dez pontos negativos e se calçasse crocs ou papete

Bruno Sanctus estilo Jesus, era melhor nem se aproximar.

A vaidade só serve para camuflar, dizia Joana, era mais atraente um Notorious B.I.G, gordo, feio e estrábico que sabia o quê e quem era, utilizando essas características a seu favor do que aqueles usam umas máscara de whey protein para esconder suas inseguranças.

Outro dia, Otávio, o vizinho que mora ao lado, conseguiu marcar um encontro, e a aproximação fora um tanto quanto inusitada.

Era aquele sol cáustico de janeiro e Jeane havia parado para comprar picolé em uma daquelas barracas que ficam no calçadão de Copacabana, conversa vai, conversa vem, ela acerta o preço e diz que gostou do boné de aba laranja que estava em sua cabeça e se poderia experimentá-lo para, posteriormente, comprar um igual, ele assentiu e complementou: “só se quiser pegar seborréia” , em seguida, abriu um sorriso com

aqueles dentes estragados que, segundo ele, era culpa dos anos noventa que produziu chicletes da Tiazinha e da Feiticeira, onde a puberdade, a hipersexualização feminina e o excesso haviam-no levado àquilo.

Eles saíram na sexta e também na semana seguinte. Em pouco tempo, estavam envolvidos em um relacionamento sério. Otávio possui uma beleza sui generis, além dos dentes estragados, é calvo, têm calos nas mãos e verruga genital que serve como estimulante clitoriano. Uma pessoa normal que recorre a métodos alternativos para combater a insônia, pode vir a deparar-se com vídeos de ASMR, ser estimulado a praticar exercícios físicos e alimentação saudável, com ele funcionava diferente: noite após noite, assistia o vídeo do suicídio em massa da seita de Jim Jones até que os gritos de desespero e o tédio travestissem-se de sono. Meses depois, Otávio foi acometido por uma

conto terrível dor de dente, gastou uma fortuna com canal, obturações, implantes, medicamentos e limpeza dentária. Não tardou até que isto desencadeasse nas primeiras brigas. “Você está se tornando vaidoso”, dizia Jeane, “tô sentindo falta do seu bafo de merda”, “pra que usar antisséptico bucal e fio dental? Você deve ter outra!”

Para Joana, tornar-se belo era inadmissível, desgastava a relação, era como se um vivesse para impressionar o outro com a aparência, nada mais que um manequim para expor na vitrine. É como se não pudesse suprir o outro por ser quem é, reduzido a apreciação narcísica do ego. Joana ficou mal, triste, cabisbaixa, não comeu durante uma porrada de dias. Resignava-se ao canto, com uma camisa que Otávio havia esquecido, camisa esta que armazenava seu cheiro, ou melhor, seu perfume.

Para ela, perfume era uma coisa de pele: há os que ficam bem usando apenas um desodorante Avanço e aqueles em que Paco Rabane é dinheiro gastado à toa. Otávio se enquadrava no primeiro tipo. O problema estava em desautomatizar os hábitos, as piadas sem graça pela manhã, o toque das mãos cheias de calos a mapear-lhe a pele tal qual escamas, o lábio ressecado colado ao seu; o cheiro do cigarro na janela após o almoço de domingo, a cueca freada no cesto de roupas. Sentia-se como um cão a encarar a fechadura, ansioso com a chegada do dono... que não retornará.

Passado algum tempo, fora seduzida pelo charme da nariguda, Eliane. Era impossível conversar com ela sem reparar em seu nariz, ou pior, no sinal que ficava na ponta dele como uma espécie de piercing de carne. Eliane tinha escoliose, andava capengando como um cosplay do corcunda de Notre Dame, só faltava gritar “santuá-

rio” pelos corredores do SUS. Em um de seus primeiros encontros, Eliane disse que não presenciou a protocena quando criança, entretanto, um dia desses, viu algo pior: fazia 45 dias que Cláudia tinha sofrido um acidente de carro e parte das ferragens havia perfurado a barriga e atingido o intestino, como procedimento padrão, os médicos fazem cirurgia as pressas, tentam remover a maior parte de bactérias que possam se espalhar pelo corpo, evitando que a paciente possa vir a óbito meses depois.

Porém, o corte lateral de Cláudia não cicatrizava. Dia após dia eram colocadas novas bandagens, esterilizado o ferimento e cada vez que trocava os curativos, saia pus.

Certa feita, Eliane passava próximo ao quarto de Cláudia e escutou sussurros, decidiu averiguar e ao abrir a porta, deparou-se com marido de Cláudia metendo o pau no buraco de sua cirurgia...

— Era a fricção do pênis no corte da colostomia que impedia a cicatrização.

Eliane fala que as nádegas foram desenvolvidas quando o ser humano decidiu ser bípede e que a vantagem de não possuí-las está no fato de não sujar o cu na hora de cagar. Fala que o sexo anal condiz com os aspectos animalescos que não abandonamos durante o processo evolutivo, logo o prazer pela penetração não está atrelado apenas ao diâmetro, por ser menor e não possuir lubrificação como a vagina, mas pelo sensação de posse, de ter explorado o ponto máximo do outro; em seguida completa: “provavelmente, o marido dela não possuía apenas essa compulsão anal. Sua compulsão era pela merda, a possibilidade de enterrar o pau no sujo, de atrasar seu cocô era o que o excitava.” Por fim, complementa que sexo anal sem proteção pode causar endocardite.

Um rapaz comenta com o outro na fila do guichê que saiu com uma ruiva linda, porém ela não tinha um braço; que na hora do sexo não dava pra pedir para ela ficar de quatro, tinha que pedir para ela ficar de três. Naquele instante, Joana sentiu o fundo de sua calcinha umedecer. À noite, antes da transa, Joana ou Jeane ou Giovanna ou seja lá como ela gosta de ser chamada, insere os dedos nos ouvidos, nariz, boca, buceta e cu de Eliane, como se pudesse tocar sua alma, como se buscasse alguma deformidade, uma afta, um ouvido vazado, um olhinho de hemorróida pra fora, uma substância que a tornasse humana. Giovanna tateia a pele de Eliane, como se procurasse micose ou manchas de sol, e depois elas transam exaustivamente com uma piroca de duas pontas trespassando-as. Pela manhã, Giovanna desperta com o sol batendo em sua cara, o outro lado da cama vazio, sem calcinha no chão, sem fios de cabelos no travesseiro, apenas o consolo que usaram. Ela vai ao banheiro, urina, escova os dentes, vai a cozinha e constata o que não queria que acontecesse: seus cabelos já não possuem tantas pontas duplas como na noite anterior, os seios estão mais cheios e redondos fora do seu período menstrual e sua pele aparenta estar menos oleosa. Giovanna teme ter se tornado uma pessoa bonita.

Osvaldão Luciano Portela Eu quero que todos paguem tintim por tintim o que me fizeram pastar nessa vida. Era a fala que eu reproduzia por osmose, seja após uma briga com a namoradinha da escola, ou num momento tenso e de discordância com algum familiar na ceia de natal, ou ainda, após levar uma chamada do chefe no trampo.

Você leva tudo a ferro e fogo, me diziam de volta, e claro, nem preciso dar nota de que rebatia com uma fúria maior cada afirmação contrária, tá vendo issaê?

Ainda vai te fazer mal!, tudo fala e age desse jeito certo? Ainda vai morrer de câncer... , roga-se pragas delivery, eu ouvia todas elas travestidas de sentenças morais, sempre me mostrando um caminho alternativo – entenda aqui caminho alternativo aquele que não seja o meu – mostrando a bondade alheia, a comiseração, a compaixão. Eu só via naquilo a mediocridade, o caminho das

pedras é mais torto do que se parece. Seguir a mediocridade é ter uma vida em ocre, senti-la presa entre os dedos, não sentir seu cheiro, não ver suas cores. Osvaldo, tu tem uns papos meio loucos não?, que que tua mulher acha disso na moral?!, eles sempre me testavam, eles sempre tinham frases feitas, o meu supervisor era um desses, um banana de marca maior, sempre dirigia a palavra a minha pessoa em tom austero travestido de benevolência, sempre depois de ouvir suas ordens eu limpava os resquícios de cuspe que haviam voado na minha cara. Ele era um filha da puta de marca maior; mas no fundo eu até gostava dele, tinha um sotaque alemão engraçado – não havia perdido desde que chegou de Dresden em 2015 –, suava bicas por não se adaptar ao nosso clima tropical, Eu não sei como vocês aguentam viver nesse forno!!!!!, Eu não

sei como você aguenta ser traído pela tua mulher com toda essa peãozada, pensava eu em silêncio, Enquanto tu me da ordem dá outra coisa pra qualquer criolo pobretão fudido na vida feito eu. Era assim que as coisas funcionavam, enquanto ele fudia a geral cuspindo na cara de todo mundo ela fodia ele com todos, e o que restava era só aquilo, a mediocridade pela mediocridade. Osvaldo se não entende direito o que eu falo?, não sacou que eu preciso desse relatório pra hoje? Mas que caralho viu... [cuspidas na cara], e assim se seguiu a vida, até o dia em que me cansei dele.

- Eu queria fazer um acordo, sabe como é, tenho meus quinze anos de firma e isso de alguma forma pode me trazer algum sustento sabe! Se o senhor puder falar com o nosso gerente eu agradeço.

O filha da puta ouviu em silêncio

conto tudo, sua camisa branca em tom bege estava empapada de suor, a testa brilhava, o alemão fedia mais que o meu esmegma.

Osvaldo sabe como é, estamos em período de crise e não dá pra fazer loucura, vou conversar com o gerente e ver o que faço [cuspidas na cara]; só me restava esperar, eu, um humilde peão saindo rumo ao Capão Redondo enquanto ele entrava na sua BMW sei lá que ano. Com certeza não pegava filas caso ficasse doente, devia ter filhos loiros e rechonchudos, a esposa devia frequentar sessões de yoga, palestras motivacionais, dar pro personal trainer na ausência dele.

Uma vida comum eu diria, embora de universos completamente diferentes, ele era visto como lúcido, eu o louco. Além disso, havia ainda aquele carro, aquela blindagem, aquele alarme inteligente. Isso aqui Osvaldo é legitimo alemão, nós somos os maiores projetores de carro do mundo [cuspidas na cara], eu ouvia essa mesma frase todo santo dia!, Que Bacana, essa Alemãozada é foda!, massageava o seu ego só pra ver aqueles dentes amarelados de nicotina e tártaro, ele ria como quem perdia o ar por um momento breve. Era um espetáculo horroroso para quem visse, eu só me sentia sossegado quando chegava em casa e via a minha esposa. Estar em família era um dos poucos momentos em que me sentia mais leve e tranquilo, era também um dos poucos momentos em que meus cabelos – já grisalhos – não caiam. Como foi teu dia amor?, Uma Merda, tudo sabe, mas tomei a coragem de conversar com o meu supervisor e expliquei a situação., Vai dar tudo certo, só procura ficar calmo tá?!, Lurdinha tinha o jeito pra coisa, sabia me amansar de uma

forma que nem eu entendia; se havia alguém nesse mundo que poderia destruir minha cegueira de ódio era ela. Eu me apaixonei perdidamente por ela após o primeiro boquete, sua língua passeava na glande como uma dançarina de ballet, nem preciso discorrer muito sobre, gozei feito Peter North e dali por diante eu sentia que estava tudo consumado. Com o tempo vi os defeitos de Lurdinha também, e apesar deles ficarem evidentes em nossas pequenas discussões, eu pensava no boquete na minha glande e no seu poder apaziguador e acalentador de almas, às vezes após a nossas discussões eu me sentia um merda – Lurdinha não merece isso, pensava – mas mesmo assim guardava tudo pra mim, com o tempo sua cara me incomodava, achava-a feia, tinha cara de diarista. Mas como tudo na vida não se sai falando a torto e a direito eu guardava pra mim e procurava pensar o todo, ela sempre fora boa comigo, com o nosso pequeno também, apesar de feia ainda me amava muito e se preocupava com o meu bem-estar – algo raro em dias atuais – não faltava comida na mesa, cuidados com a minha roupa, havia respeito, consideração, empatia. Eu vivo a relação de merda que todos sonham, arguia isso em silêncio enquanto víamos o Programa do Ratinho na televisão.

- Falei com o Gerente, ele disse que precisa conversar com o Diretor Geral para bater o martelo. Tudo bem? [cuspidas na cara seguidas de falsos tapas nas costas].

- Sim, claro. Eu espero. E mais uma vez obrigado.

Eu tinha receio de tudo aquilo, quando as coisas funcionam muito a base do tapinha nas costas tudo tende a degringolar.

Tinha alguma ideia sobre o que fazer, andava cansado de tudo aquilo, aquele universo falsamente acolhedor, se tem algo que eu Osvaldo tinha em mente, era justamente não ficar preso as rédeas alheias, bebe-se muito chorume gratuito quando se é empregado de gente estúpida, a humanidade falhou, não deu certo há muito tempo.

Hoje o Alemão sai com o carro dele de novo, parece ter passado no lava rápido do Posto da rua de cima. Ele brilha.

Espero três dias e nada. Lurdinha me olha como quem pede calma.

Estou cansado.

Assisto aos programas da televisão sem estar atento neles; não sei o que acontece, nem porque estão ali, ornando a tela.

Fico a mercê de possíveis regalias, nada acontece. Isso me cansa, pois frequento o mesmo cenário todos os dias e é sempre a mesma coisa, o Alemão chifrudo e filha da puta não facilita a minha vida. Estou alérgico não só ao seu suor, a sua saliva, mas também a sua presença. Fico imaginando que ele esteja ao lado de sua esposa passeando naquele carro e planejando a próxima viagem para algum país aqui pertinho do Brasil, na Europa. Com certeza riem de todos os pões da fábrica, agem com descaso com os pedintes em farol, consomem toda uma quantidade de comidas finas enquanto eu e Lurdinha comemos industrializadas. Rezo piamente a Deus todas as noites pedindo sua morte, e que ela seja lenta e cruel.

Preciso de um litro e meio de gasolina., Tudo no galão doutor?, Sim, isso mesmo. E foi assim que me planejei; enquanto a resposta não vinha eu pensava em como aproveitar da situação. Já conhecia bem a Vila

Olímpia com seus prédios, pessoas, roupas e comidas chiques.

Sabia da moradia do Alemão, e pensei numa forma prática de chegar lá. Assim que saí do trabalho decidi ligar pra Lurdinha num Orelhão qualquer e avisei que faria um cerão. Fica bem meu amor!

Eu só pensava naquela BMW. Eu só pensava em como aquele Alemão filho da puta, neto de nazistas deveria potencializar sua arrogância a partir do momento em que pegasse naquele volante. Carro alemão de um alemão que trabalha em uma empresa alemã. Todo o pacote possível de estrume e rejeição. Eu já não queria mais a minha saída dali. Eu já não queria mais conversas, eu já não queria mais silêncios travestidos de resolução.

Se, de alguma forma isso fosse satisfatório eu teria vivido a passividade típica de um Monastério, já tinha uma relação amorosa de merda e isso já era o suficiente. Lurdinha era uma coitada e não me merecia. Mas aquele carro, ele sim merecia todo o meu ódio.

Passadas duas horas o carro está lá. Parado e brilhante. Dou uma volta por ele vejo o quanto à pintura está intacta. O filho da puta é burro. Estacionou num local sem câmeras. A rua é quase deserta. Ele também trai a esposa,

agora sim entendo a passividade dele frente à peãozada. Está com uma menina que aparenta ter uns dezenove anos. Com certeza é uma puta de luxo. O que a grana não traz, certo? Mal sabe ele.

Abro meu galão e espalho toda a gasolina pelo carro. Ele brilha, e o cheiro toma conta das minhas narinas como a buceta de Lurdinha tomava no começo do nosso namoro. Um fósforo deu o contorno do que eu queria.

A BMW inteira em chamas, brilhando, toda a tecnologia alemã em alguns minutos viraria destroço. Uma grana gasta com o meu suor ali. Sendo destroço. A minha integridade reavivaria a partir dos escombros daquele carro. Como era bom ver aquilo. Eu me sentia praticamente um Nero às avessas.

- Bom dia! Tudo bem com o senhor?

- Bom dia Osvaldo, não muito...

[Eu amava ver aquela cara de bosta revestida de suor] Ele me descreveu a situação, disse com riqueza de detalhes que após ter saído do trabalho foi jantar com uma amiga, e dali foram para outro local [sentia ali uma risada duvidosa], mesmo me fazendo de desentendido ele continuou. Disse que altas horas da noite foi ao carro e percebeu que ele estava destruído

pelas chamas, Eu tinha aquele carro fazia três meses! Ainda tô sem entender, como um maluco teria coragem de fazer aquilo, e por que comigo?, Deve ser difícil, imagino. Mas tente resolver isso da melhor forma possível, o seguro vai cobrir não?

Ainda não sei Osvaldo, não sei, e de certa forma tenho medo, isso não é normal. A polícia desse país não funciona, os políticos tem que garantir nossa segurança, por isso o Brasil tá nessa merda toda, só pode ser culpa do PT. É essa corrupção..., mas olha Osvaldo, ia te falar uma coisa, quanto ao seu acordo eu não resolvi ainda tá? Mas to esperando o Gerente me dar à posição exata, agora volte ao seu trabalho [cuspidas na cara].

Mal sabia ele, que o próximo carro seria o do seu chefe. Eu já tinha todas as coordenadas disponíveis e sabia de todos os horários também. Mal sabiam eles dois que o meu maior sonho seria queimar cada carro com eles dentro.

conto

Buttclube João Gabriel Primeiro comece enfiando o dedo mindinho no buraco do cu, em seguida o dedo médio e depois o polegar. Repita quantas vezes for necessário. Repita todos os dias.

A repetição e a chave do sucesso. Quando os seus esfíncteres já estiverem acostumados você pode colocar uma cenoura e sentir a compressão do fino para o grosso.

Não se preocupe. Nos primeiros dias ira sair sangue na maioria das vezes em que você for defecar.

Maria fez isso. Depois da cenoura, procure por objetos redondos e um pouco grossos para alargar ainda mais; como um desodorante ou uma escova de cabelo. Você vai sentir. Você vai sentir quando estiver pronta. Você por intuito caminhara até o sex shop mais próximo e comprara o seu buttplug e vai voltar correndo completamente ansiosa para casa para experimenta–lo. Escolha–o com cuidado.

Uma vez dentro poucas vezes fora.

Então, com sua nova aquisição

estocada no reto você bate em nossa porta, entra em nosso grupo e iremos averiguar se você pode ser parte de nosso clube.

Esse era o recado dentro da quinta porta do banheiro feminino localizado no quinto andar do colégio católico.

Quando você via as garotas mancando e aparentando ter algo estocado em suas bundas é porque realmente tinha e essas geralmente eram as novatas não acostumadas com o estilo de vida, com o glamour de uma sociedade secreta dentro daquele colégio católico.

Elas diziam que aquele clube havia mudado a suas vidas, nunca mais foram a mesma, haviam mudado de medíocre estudante que se sentava na mesa com os pais, almoçava frango grelhado com qualquer alface e depois colocaria a bunda (livre) na cadeira e encarava a tela do computador por horas. Agora, elas fazem isso, mas possuem um poder escondido atrás, não sa-

bem se confundem o prazer com o incômodo, mas é de certo algo satisfatório e suas masturbações simplórias transformariam em prazeres estratosféricos e cada cagada era uma avalanche, uma represa que estourou pela quantidade de agua fazendo pressão e splash.

Todas elas eram uma bomba, uma bomba de um relógio aleatório e louco. Uma hora você está na cantina comprando o seu salgadinho e ‘’boom’’ a represa estoura na frente de todos e você é alvo de chacota por toda a sua vida, você começa a chorar imóvel em frente a todos pois sabe se correr para o banheiro a situação vai se piorar e com o máximo de força tenta segurar os seus esfíncteres arrombados, mas não consegue, está com o plugue anal por mais de uma semana e então você cai em meio ao pátio envolta de fezes e sangue e lágrimas.

A escola começa a se perguntar:

Por que essa garota estava usando isso por baixo da saia. As freiras começam a interrogar aluno por aluno e ninguém abre a boca. A diretora do colégio sabia muito bem do que se tratava e se fingia de despercebida, ela escondia um negro e borrachudo buttplug entre as pernas. Talvez tenha sido ela que tivesse colocado o recado no banheiro. Arrombar o anus é um pecado para Deus?

Para as garotas tudo se resumia aquele plugue. Elas não queriam saber do novo ídolo teen do momento e sim se havia saído uma nova versão maior e mais colorida no mercado. Elas não queriam saber o que aconteceu no capítulo seguinte de qualquer série de vampiro ou a trama de uma novela.

Elas sempre estavam a procura de algo novo, mais borrachudo, mais brilhante, mais liso, mais adequado a sua personalidade. Ao invés de trocar maquiagens, trocavam plugues e depois relatavam com deleite as experiências uma para as outras.

Vivian tinha prateado com o cabo de diamante rosa. Ela dizia que refletia a sua personalidade de glamour e riqueza. Vivia sempre se gabando da qualidade e que a sua mãe possuía um igual, porém o cabo era um diamante negro.

Lorena comprou um de silicone azul que era enorme e tinha diversos contornos, seu maior prazer,

dizia: ‘’ É quando você retira e sente o blop dos contornos estalando junto com um pouquinho de fezes’’ Ana Beatriz possuía um com o cabo coberto de lã e algodão da forma que imitava o pelo ou o rabo felpudo de um felino. Em casa ela vivia engatilhando pelada e soltando miados agudos.

Algumas compravam o plugue na forma dos seus ídolos favoritos como Madalena que tinha o Justin Bieber em seu reto o tempo todo ou Flavia que era apaixonada por Donald Trump e comprou um perfeitamente detalhado para carregar para cima e para baixo.

A diretora do colégio, Dora, é claro, possuía um na forma de Jesus Cristo.

A marca que é foda!

conto

Mais um em primeira pessoa Samuel Malentacchi Trago um descontentamento pelo que cultivo na parte de dentro.

Tenho um amontoado de ressentimentos e colisões emocionais em minhas cicatrizes, prova de que estou vivo, apesar de tudo. No entanto, não sei o que fazer com essa vala aberta no tumulto que é a minha cabeça. Sou um cancro recheado de solipsismo e indiferença.

Tipicamente paulistano. Me odeio por isso. Me odeio por muitas outras coisas. Isso é apenas o início de uma longa lista de autoaversão, o que, durante toda minha vida, me levou à autodestruição como maneirismo ou traço de caráter; foi como pude existir. Um pé na vida, outro na morte. A morte me fascina. Mas não significa que não gosto de viver. Não sou suicida.

Sou um descrente e um amante da destituição de si. Traço pequeno burguês que cultivo com alguma

proficiência. Talvez. Mas, o foda mesmo, a grande merda, é que estou cansado.

Não faço teatrinhos estúpidos, pode parecer pseudo lirismo ou gozo ocultista de escrever hermeticamente e não escrever absolutamente porra nenhuma, mas aqui tem menos jogo sintático-lexical e malabarismo linguageiro do que qualquer coisa. Aqui tem quiasma no meio de uma vida que teoricamente estaria em seu ápice: emprego estável naquilo que acredito gostar, alguns bons livros escritos, uma esposa atenciosa e companheira, três filhos saudáveis, casa própria, distância de minha família nuclear. Do que um sujeito assim poderia reclamar? Eu me sinto um merda por parecer desdenhar de tais conquistas, ao mesmo tempo em que me traz certo alívio, confesso, pensar

que posso mandar tudo pra puta que o pariu e partir para sei lá o quê. Não é questão de me sentir “livre”, sei o quanto todos estamos condenados. Cada um com sua penitência. Será que essa sensação constante de despertencimento interno e externo é a minha?

Passo dias sem lembrar meu nome, até me acostumei com a sensação de desalojamento que me causa. Uma tentativa de volta é exatamente isso que você lê agora. Mais um texto em primeira pessoa. Mais uma tentativa de literatura, no fim. Mais um braço do meu apreço por me destruir, é fato.

O que você acha?

Escrever é um tipo estranho de morte premeditada, me parece, às vezes. Porque me desintegro a cada frase no papel. Não quero que soe romantismo adolescente.

Não é punheta o que faço agora.

Não sou um gotiquinho fresco, estilo Álvares de Azevedo, não há elogio a absolutamente nada aqui.

Não pretendo que soa inteligível ou satisfatório. Na verdade, eu não me importo com você que talvez esteja lendo essa frase que acabei de escrever. Foda-se, queridinho ou queridinha. Eu me importo menos comigo, se isso te alivia o coração. Mas, por favor, te peço apenas uma única coisa: não busque esperança em minhas linhas.

Só lhe peço isso.

Trago um descontentamento perene e um apreço pelas fugas. Mas nunca pensei em vazar daqui. Seria fácil demais. Não sou suicida, já disse. Tenho muito masoquismo em meu investimento pulsional para assassinar meus objetos internos. Freud dizia que todo suicídio é também um assassinato.

Será que, no fim, permaneço por teimosia, no melhor estilo Zagalo?

Não consigo responder a essa per-

gunta, ainda que seja quase uma obsessão carregá-la por onde passo. O que fode com minha cabeça é que continuo escrevendo, o que não deixa de ser uma espécie de eternidade. De marcar eternidade no instante no momento em que ele acontece. Escrever é também fazer instantes. Parece autoajuda?

Haha, não se engane, estou mais perdido que você aí do outro lado, certamente.

Termino esse parágrafo, olho para a estante ao lado: uma pilha de livros não lidos e textos inacabados. Seguramente mais de trinta textos em prosa que jamais terminarei. Meu calvário é deixá-los ali expostos, como que atestando meu fracasso. Como isso me delicia! Neste quarto, que volto hoje depois de meses, escrevi quase todos os meus livros, ele já serviu de escritório, de sala e de casa, afinal. As paredes imundas e corroídas pelo tempo dão um toque grotesco. Meu apreço estético é o

mesmo para decoração e para o lixo. Penso em dar um final arrematador para este texto, com uma ou duas linhas, feitas de frases curtas e secas. Um nocaute. Penso também em deixar mais essa prosa inacabada. Legar mais este pequeno aborto à pilha. Quase consigo escutá-la pedindo com jeitinho em meu ouvido. Isso me excita, caralho.

Estou com tesão.

Meu pau fica duro ao pensar em tudo o que abandonei ao longo da vida.

Pronto, eis aí.

Se o Adélio usasse Ginsu...

Arte e Cultura

Bolsonaro

responde sobre seus projetos para arte, cultura e entretenimento

Nossa conversa com o Coiso Por Amoseu Pinto

Ch: Presidente, você sofreu grande oposição dos artistas brasileiros durante a campanha. Como será sua relação com o setor cultural, agora eleito e perto de ser empossado?

JB: Eu tenho a Regina Duarte, só de Globo ela tem mais anos que toda essa molecada que fuma maconha. Tudo vagabundo.

Ch: Mas a oposição não foi apenas dos atores da Globo.

JB: Tudo viado, tudo viado, tem em todo lugar, menos no SBT e na Record.

Ch: A primeira grande manifestação cultural durante seu governo

– e muito próximo da posse – é o Carnaval. Verbas federais serão repassadas para subsidiar a festa no Rio e em São Paulo?

JB: Acabar com o carnaval é putaria, mas no carnaval tem muita putaria. Tem que ser algo de respeito, de família, nada de esfregação, dessas coisas que o Alexandre, como é o nome dele? Aquele ator que sai com viado.

Ch: Frota...

JB: Não, o Borges. O que sai com viado.

Ch: Mas o Frota fez filmes com travestis.

JB: Era artístico. Anal técnico. Fro-

ta é um grande ator. Fez a trabalho, diferente do outro. Daqueles petistas que ficam de esfregação, de sem vergonhice. Isso vou acabar.

Ch: E a Lei Rouanet? Existe algum estudo para aprimorar a lei ou substituí-la no fomento às atividades artísticas e culturais?

JB: Vou acabar com essa lei que fica financiando a mortadela de petista. Peça de teatro no Brasil cheira a sovaco dessas atrizes peludas. Tudo petista, Vão ter que trabalhar agora.

Ch: Mas atuar não é trabalho? O senhor considera a interpretação do Frota como algo artística e desdenha das atrizes do teatro nacional?

JB: Frota merecia um Oscar. O Brasil não está preparado para a importância de um grande homem como ele. Vou falar com Edirzinho (Macedo), para Frota fazer Deus em uma novela. Regina Duarte estará lá.

Ch: Mas vai acabar mesmo com a lei Rouanet?

JB: Já falei. Além de viado é surdo?

Vou acabar, só financia viado.

Ch: O seu aliado, proprietário de uma grande rede de lojas, é beneficiário em vários projetos da lei?

Não iria prejudicá-lo?

JB: Mas ele não contrata viados.

Agora, com licença, vou trocar a minha bolsa, essa bolsinha (faz um gesto para a cintura apontando a arma). A entrevista está acabada, cansei de falar com viado

A Melhor Conversa Que Não Tive Astier Basílio Não era mais para uma cidade desconhecida que eu partia, quando, ao chegar em Leningradsky, a mais antiga estação de Moscou, eu peguei o trem rumo a Petrozavodsk.

Não sabia como era a terceira classe e escolhi meio às cegas o meu lugar - o mesmo na ida e na volta - vagão 8, lugar 53, que eu julguei - de modo correto - próximo à porta de embarque.

Há um corredor no qual à direita se posicionam dois lugares, como uma beliche, um embai-

xo (com preço um pouco mais caro) e outro acima. À esquerda, há como que duas beliches, uma de frente para outra. Onde estou, o lugar mais baixo é remodelado. Há uma estrutura de metal que acionada transforma a cama em duas cadeiras e uma mesa. Quando cheguei, havia uma mulher sentada no que era o meu lugar, de frente para mim.

“Desculpe, o bilhete da senhora também é 53?”. Na ida, fui sem vizinho, daí que não imaginei que ela fosse em cima,

como me explicou, falando baixo e apontando com o dedo para o alto. A moça estava toda de vermelho. Usava um veludo meio brilhoso. O lugar de cima, na área dos pares à direita, é posicionado o colchão, que deve ser posicionado na parte de baixo. Eu sabia disso, mas fiquei quase conformado quando vi a moça ensacar o lençol branco e preparar-se para dormir. Mantive-me sentado, com a falsa mesinha à frente, onde pus meu notebook e escrevia; no banco à

Especial - Casa da Carélia frente de mim repousavam os travesseiros e os meus lençóis e fronha brancos, dentro de um plástico.

Até que chegou a moça que houvera conferido os bilhetes antes e checado os passaportes. Ela ficou boa parte do tempo no vagão. Dava informações. Vendia chá.

Ajustava o que era necessário.

Ao perceber que eu estava sem o que me era de direito, bateu na cama do alto e disse à minha vizinha: “deixe o colchão aqui embaixo, porque você já tem o seu”.

Já instalado com a minha cama, pus o notebook em cima do travesseiro, e pude observar meus vizinhos ao lado. Muitos russos costumam jantar dentro do trem. Dos quatro passageiros ao meu lado, um deles era um senhor gordo, cabelo grisalho e de bigode, que me lembrou muito o ator Yury Yakovlev, que interpretou o personagem Ippolit em uma das mais famosas comédias soviéticas, a engraçadíssima Ironia do Destino, de 1975, dirigida por Eldar Riazanov, infelizmente, não muito conhecida no Brasil.

Quando jantam, os aderentes que estão em outros lugares sentam-se todos juntos.

Há sempre uma pequena migração. Veio uma mocinha e juntou às três senhoras.

Abriu-se uma embalagem com algum embutido de carne processada, que não soube distinguir qual era. O tradicional pão preto, em fatias, também compareceu. E várias daqueles potes de sopas instantâneas.

Em cada vagão há um lugar, ao fundo, de onde é possível pegar água quente - essencial para os chás e estas sopas.

O senhor, que eu vou chamar

a partir de agora de Ippolit, foi instado a comer junto com a roda de mulheres. O velho falava baixo, para dentro. Agradeceu, mas recusou.

Café? Chá? Sopa? “Não,obrigado”. Entabulou conversa com a que me pareceu a líder delas. Adivinhou que ela era professora. “Como você soube? Parece, é?”. Vez em quandointervinha, no que era secundado por risos femininos.

Houve a necessidade de se repor água quente. Mas quem iria se levantar? “Deixe que eu vou”. À suas costas, a senhora lustrou um dos elogios que já ouvi algumas vezes por aqui: “este é um verdadeiro homem”.

Houve certa curiosidade no olhar demorado de Ippolit ao ver o único passaporte azul daquele vagão. Olhar que me foi estirado algumas outras vezes, por exemplo, de manhã, quando a neblina cobria as janelas e embaçava as árvores que passavam velozes, como

a sugerir que poderíamos ter uma boa conversa.

Após fazermos as apresentações formais e dissermos a razão de estarmos ali naquela parte do mundo, Ippolit, de certo, comentaria, não de início, mas no meio da conversa como se fosse algo sem importância, algo comigo da União Soviética, como o fato de ter servido no Afeganistão ou de que estava em Moscou no dia em que Yeltsin, em cima dos tanques, discursou para a multidão que impediu o golpe dos comunistas, no fim do governo Gorbachev. Ou algo absolutamente inútil e lírico como a fotografia de netos felizes, dentro da carteira.

Aquela poderia ser a melhor conversa que eu não tive na Rússia até hoje.

E, estranhamente, ao chegar na fria paisagem da Carélia, senti uma sensação próxima de não estar fora de casa.

Astier Basílio, jornalista brasileiro. Reside atualmente na Carélia, Rússia.

Correspondente internacional de Chorume!