Verdade ou Consequência? - Matheus Frizon

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– Ela pediu para você entrar. – A voz me tira do transe. Aperto as mãos uma nas outras. Um passo de cada vez. Você caminha em placas de ovos. O mundo é estranho e a vida é abstrata... E eu vejo primeiro um volume na cama com tecido em branco e listas azuis. Até que esse volume ganha pequenos movimentos e uma cabeça se vira para mim. É ela. Cloe. Minha mãe. Sinto-me tão assustada que estanco no lugar. Meus olhos ardem tanto que já perdi parte da visão. Está tudo embaçado. Fecho os olhos. As lágrimas quentes descem e logo ganho minha visão perfeita novamente. Aqueles olhos que tanto esperei rever de novo olham para mim, fix- am-se na criatura que sou hoje. Ela chora. A Belle chora. Eu choro. Sinto uma dor no peito completamente insuportável. Então me dou conta da caricatura que a Cloe se tornou, ali, deitada nessa cama de hospital. Não é a mulher que eu imaginava que era; não é a mulher de minhas lembranças. É sim uma desconhecida. O rosto que tanto procurei está diante de mim, mudado, distorcido, mesmo assim ainda é ela – uma ruga ali, um detalhe aqui. É ela. – Alice... Deus, eu nem lembrava mais da voz da minha própria mãe. Finalmente ganho vida própria e caminho até ela. Seguro as mãos estendidas para mim que pendem de dois braços finos. Eu não sei o que ela fez para merecer essa doença e, se eu pudesse, mesmo que ela não mereça, trocaria de lugar com ela porque no fundo do meu peito sinto uma dor desconhecida nunca habitada antes em meu peito. – Mãe... Queria poder dizer o quanto é estranho chamar essa estranha de mãe, muito embora também seja reconfortante. – É você mesmo? – Sim. – Meneio a cabeça. E passamos um tempo, bastante tempo, em silêncio, olhando uma para outra. Para ser honesta, eu também sinto raiva dela, da Cloe. Espero que me entendam. As coisas começam a perder todo esse conto de fadas quando ela me faz a seguinte pergunta: – Você me perdoa? Foi assim que notei que eu não queria agradá-la, eu queria agradar a mim. Ser honesta com ela seria ser honesta comigo mesma. Eu a perdoava? – Não. – Digo. – Não te perdoo. Seu rosto ganha uma expressão confusa demais para descrever. Sou uma bruxa, uma vaca, uma cretina. Chamem-me do que quiser, porém não é porque ela está deitada na cama a beira da morte que merece ser redimida de todos os seus pecados. – Espero que entenda... Só que não dá, o que você fez comigo acredito que não existe perdão. – Mesmo assim você está aqui. – Estou aqui porque precisava olhar para você. Precisava te perguntar por que me abandonou quando eu era só uma criança. A pergunta parece perdurar no ar pelo resto da vida de todos os seres humanos da Terra e a impressão que tenho é que nem ela sabe a resposta de sua monstruosidade, pois é assim que classifico isso.


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