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O grande segredo

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O grande segredo

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Seu segredo havia ficado na Miami das praias brancas, palmeiras, restaurantes cubanos com seus feijões pretos, arroz branco, plátanos e carne frita. Esse paraíso de um mar azulíssimo e uma mistura de raças e culturas, onde no verão faz tanto calor como em Aracataca, mas o ar-condicionado dos negócios e escritórios é habitualmente tão mal calibrado, que as pessoas praticamente se congelam de frio e têm que colocar casaco para trabalhar, comer ou estudar. Sem dúvida, um costume que Rosa nunca entenderia.

De conversa fácil, educada e alegre, Rosa não tinha dificuldade em fazer novas amizades. Foi assim que conheceu a correspondente do jornal El Tiempo, em Miami, uma jornalista que chegou a sua vida por sugestão de Gabo.

A jornalista parou um instante para avaliar sua entrevistada. Olhou em seus olhos e então não restou dúvida. — Não. No espírito é mais jovem que muita gente que conheço incluindo eu mesma — respondeu. — Então, se ficar sabendo de algum norte-americano da minha idade que queira se casar, poderia me apresentar? Há

muitos anos que estou viúva, criei todos os meus filhos e embora minhas filhas ainda dependam de mim, sinto muita falta de um companheiro — disse, demonstrando que na sua idade ainda se pode sonhar com o amor.

Vale ressaltar que nessa época Rosa garantia que ainda contava com sessenta. Não podia ser de outra maneira para uma mulher sem idade, sem temor aos obstáculos, nem soltar as asas e viajar para outras terras com o propósito de aprender um novo idioma ou encontrar um amor.

Uma semana mais tarde a jornalista a telefonou: — Rosa, acho que lhe encontrei um companheiro — disse-lhe.

A voz do outro lado da linha não pôde dissimular seu entusiasmo: — Vai me apresentar um homem americano? — perguntou emocionada.

A realidade é que a jornalista fez o que fez para agradá-la. Mas os poucos homens norte-americanos que conhecia eram jovens colegas de aula na Universidade Internacional da Flórida, e certamente não iam querer sair com uma mulher idosa. Por outro lado, na comunidade de cubanos exilados, contava com a amizade de vários homens mais velhos e solteiros. Segura de que havia feito uma boa escolha, falou das vantagens do candidato. — O homem que eu quero lhe apresentar não é norte-americano porque me parece que não lhe entenderia ao conversar com você. Quero que conheça um cubano muito inteligente, intelectual e, além disso, bilíngue. Com ele poderá falar em

espanhol. Se não gostar, pode se tornar um bom amigo e ao mesmo tempo seu professor de inglês.

Não restava dúvida de que era o candidato perfeito. Tratava-se do escritor que dias antes havia expressado à jornalista seu interesse para que lhe apresentasse uma amiga. Ela achou que a professora e o escritor poderiam formar um belo casal: ambos eram bons conversadores, tinham um trato amável, um grande senso de humor e se identificavam em seus pontos de vista sobre política, algo que era muito importante para o candidato, um lutador das ideias do exílio em Miami. Além disso, Rosa era muito pró-americana, disposta a fincar raízes nos Estados Unidos e inimiga do comunismo. Sem dúvida, considerando a idade que ambos tinham e sua afinidade em tantas coisas, parecia que cada um encontraria no outro o complemento perfeito.

O encontro foi marcado para uma sexta-feira à tarde e a jornalista ficou de buscá-la na portaria do edifício, onde estava hospedada, para levá-la de carro.

Rosa estava radiante; usava um bom perfume, tinha as unhas recém-pintadas e um vestido elegante e discreto de seda azul-escuro com pequenos desenhos coloridos.

O encontro seria no La Tranquera, um centro noturno colombiano que esteve na moda na década dos anos 1980, localizado nas proximidades da Pequena Havana. Era o local perfeito dos músicos colombianos que tocavam rumba.

Quando a professora chegou, o seu pretendente já estava esperando na porta, o que já contava um ponto ao seu favor.

Tinham reservada uma mesinha distante, para evitar a agitação dos alto-falantes com a música a todo volume.

Tudo parecia correr bem. O escritor cubano e a professora conversaram com entusiasmo até a meia-noite; falaram de Cuba e Aracataca, do céu azulíssimo de seus respectivos lugares, confessaram que em nenhuma parte tinham visto uma cor igual; das lembranças de Gabito, dos melhores remédios para o catarro e a necessidade de se manterem ativos como antídoto contra a velhice.

Depois de umas duas taças de vinho e uma porção de carnes dentro de um ambiente muito alegre, parecia que dava para ouvir os sinos de casamento desse casal outonal. No entanto, quando já estava em torno da meia-noite, Rosa disse que parecia estranho que seu suposto pretendente não havia pedido seu número de telefone. — Possivelmente não lhe pediu porque sabe que eu o tenho. Espere e verá que vai ligar para me pedir seu telefone — respondeu sua amiga.

Na manhã seguinte do memorável encontro, a jornalista recebeu uma ligação de Mario. — Beatriz, sua amiga é encantadora, mas por favor não me apresente mulheres velhas. Quando lhe disse que queria conhecer uma amiga sua, me referia a alguém da sua idade — disse sem se dar conta do abismo geracional.

Assim, o romance da professora estava morto e, o que poderia ter sido uma linda união de companheiros no outono da vida, não zarpou do porto das ilusões.

Rosa nunca ficou sabendo do ocorrido. Quando perguntou por que seu suposto pretendente havia desaparecido, a resposta foi que havia saído de viagem à Costa Rica, e demoraria seis meses para voltar. Assim são as ironias de vida. Uma mulher tão bela e cheia de qualidades não era uma parceira ideal para um homem que rondava os oitenta anos, e que havia encontrado na professora a companheira perfeita.

Rosa parecia ter acreditado na história da viagem do suposto pretendente à Costa Rica. Mas um domingo, no restaurante Versailles da Pequena Havana, depois de pedir arroz com frango, refletiu em voz alta: — Os homens perdoam tudo em uma mulher, menos o passar dos anos — disse com certa tristeza. — Por que diz isso? — perguntou a jornalista. — Porque é uma realidade da vida — respondeu.

Então, olhando-a firmemente nos olhos, a jornalista se atreveu a fazer uma pergunta que remoía sua mente há vários dias. — Conta-me algo, Rosa. Gabo disse que quando menino era apaixonado por você... Mas para mim acho que o papel se inverteu. Seja franca comigo. Por acaso agora é você que está apaixonada por ele? — Ai, minha filha, não diga algo assim. Não vê que, embora eu seja viúva, ele está muito feliz casado com Mercedes? Além disso, isso nunca aconteceria. No início, eu era uma mulher e naquela época nunca pensei em Gabito senão como sua professora; era meu aluno querido, apenas um menino cheio de fantasias. Depois eu me casei, e ele também montou seu lar.

Ambos fomos felizes... Digamos que eu fui um sonho impossível, e ele também o meu. — É uma bandida... Você se dá conta disso tudo — disse sorridente.

Depois ficou pensativa. E continuou finalmente revelando o seu segredo, esse que desde muitos anos tratava de ocultar, mas que lhe dava sentido ao seu passado e enchia de ilusão o outono de sua vida. — Se o que sinto hoje por Gabito é amor? É verdade, tem um pouco disso... Afinal descobri. Mas as coisas são assim. Estava marcado no destino que nossas vidas nunca coincidissem. De todas as maneiras, eu me sinto agradecida. Prefiro viver nas suas lembranças com o frescor da juventude, como sua professora.

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