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O prêmio Nobel
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O prêmio Nobel
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No dia 10 de dezembro de 1982, a Colômbia vivia uma grande festa. O país inteiro celebrava. Um de seus filhos colocava um belo sorriso no rosto de sua gente com o maior prêmio jamais alcançado em toda a sua história: o prêmio Nobel de literatura.
Devido às diferenças de fuso horário, várias horas antes, às quatro da tarde e sob um céu acinzentado, as portas do luxuoso Palácio dos Concertos de Estocolmo foram abertas para dar início à pomposa cerimônia presidida pelo rei Carlos Gustavo XVI para a entrega do reconhecimento mais prestigiado do planeta ao escritor colombiano e outros seis ganhadores em outras áreas do conhecimento. O fundador desses prêmios, o cientista Alfred Nobel, inventor da dinamite, deixou ao morrer um capital milionário que destinou quase em sua totalidade a esses recompensados com a esperança de estimular a humanidade a trabalhar pelos mais elevados desígnios do saber e do bem-estar de todo mundo. Desde 1900, cientistas, economistas, políticos, filantropos e literatos competem por essa honrosa distinção, a mais importante do mundo. Por
disposição do rei, o único prêmio que não é entregue em Estocolmo é o da Paz, concedido conjuntamente entre Suécia e Noruega, e conferido no mesmo dia em Oslo. Nesse ano os ganhadores haviam sido os ativistas antinucleares Alva Myrdal, da Suécia, e o diplomata Alfonso García Robles, do México, que receberam a recompensa das mãos do rei Olavo da Noruega em uma imponente cerimônia.
Gabito se sentou em um lado do salão, formando com os ganhadores de outras disciplinas do saber um semicírculo diante do monarca e na presença de um auditório de 1750 pessoas, entre membros da família real, diplomatas e destacadas figuras mundiais que haviam chegado ao rigoroso protocolo black tie para os homens e vestido longo para as damas –, todos os convidados vestidos de preto com exceção do Nobel colombiano. Minutos depois, o auditório, proveniente de toda a parte do mundo, ficaria de pé para escutar os acordes da Filarmônica de Estocolmo interpretando o hino nacional sueco abrindo a cerimônia.
Em seguida, um membro da academia sueca começou a ler os motivos que os levaram a escolher o ganhador de cada prêmio, que consistia em uma medalha de ouro, um diploma de reconhecimento e uma autorização para retirar no dia seguinte o montante do prêmio, que naquela época era de 1.150.000 coroas. Gabriel García Márquez foi o último a receber o prêmio, de pé sobre um círculo no qual se destacava a letra N, de cor amarelo dourado.
Nesse momento Rosa se deu conta do quanto significava na vida de seu aluno, que com uma solenidade incomum para o
seu temperamento caribenho, aproximava-se do pódio com o pergaminho com o seu nome e uma pequena caixa forrada em veludo mostarda na qual se destacava a medalha de ouro com a imagem de Alfred Nobel.
“Dedico este prêmio à minha primeira professora do colégio Montessori de Aracataca, que aos cinco anos me ensinou a amar a literatura”, haviam sido as palavras emocionadas do escritor minutos antes, diante da imprensa. Palavras que ecoaram treze mil quilômetros de distância e que Rosa Fergusson escutaria com seus olhos banhados em lágrimas.
Era como se uma daquelas chuvas torrenciais de Aracataca caísse como uma enxurrada sobre suas bochechas. Alheia à gritaria que se aglomerava em torno de um clube noturno de Miami, onde acompanhava a cerimônia com a devoção de um milagre, ela não desgrudava os olhos da tela da televisão.
Depois de um recesso de quarenta e cinco minutos, a imponente cerimônia foi transferida ao majestoso edifício da Prefeitura, em um evento que seguia um protocolo rigoroso acompanhado por oitocentas e cinquenta pessoas. O suntuoso banquete é uma tradição gastronômica que começou com uns aperitivos, com todos os convidados sentados. O cardápio incluía filé de rena marinada com molho Dijon. E como sobremesa, o refinado Parfait Glace Nobel, que consiste de sorvete com cobertura e umas frutas pequenas, que foi entregue pelos garçons muito cerimoniosamente depois que apagaram as luzes por uns instantes e um rufar de tambores anunciava a entrada de cento e cinquenta garçons uniformizados segurando as bandejas fulgurantes com as chamas do flambê, em um
espetáculo digno de conto de fadas. Uma noite que o escritor não imaginava nem em sonhos e que compartilhou com sua aliada em tempos difíceis, sua esposa Mercedes Barcha, e seus filhos Rodrigo e Gonzalo.
Ao terminar a sobremesa, e seguindo a tradição, era a vez do prêmio Nobel de literatura falar. O autor colombiano pronunciou em espanhol um memorável discurso que depois seria impresso em todos os jornais do mundo.
Enquanto em Estocolmo era uma grande noite solene de celebração, na Colômbia o relógio apenas marcava dez da manhã, e nesse momento o país latino celebrava o extraordinário acontecimento. Nessa noite os noticiários do continente destacaram a notícia da premiação que na Colômbia foi transmitida em sua totalidade e sem comerciais.
Em Miami, esse grande momento foi anunciado com o prato principal da noite em um centro noturno colombiano, onde foi instalada uma enorme tela de projeção. Rosa se juntou a algumas amigas da classe de inglês que esperavam as imagens entre ritmos tropicais e vallenatos colombianos. Logo, o salão ficou em silêncio e a tela foi ligada para dar início à entrega do Nobel, precedida pelos acordes clássicos da Orquestra Filarmônica da Suécia. Rosa não perdeu um detalhe; podia-se dizer que era tanta a sua felicidade que até seus olhos refletiam luz.
“Prêmio Nobel de literatura: Gabriel García Márquez”, anunciou uma voz.
“Rosa, Rosa”, sentiu que diziam suas companheiras em festejo quando se viu a imagem de Gabito recebendo o prêmio e
as palavras que minutos antes havia pronunciado na coletiva de imprensa prévia ao grande momento.
“Dedico este prêmio à minha primeira professora, que me ensinou a escrever e a amar a literatura.”
Rosa ficou sem palavras. As lágrimas rolavam pelas suas bochechas. Era muita emoção para uma noite.
Minutos depois se deu conta de que esse grande momento que havia presenciado significava também o fim do reencontro que haviam preparado. — Agora vai ser muito mais difícil vê-lo — disse muito séria, pensando no convite que o escritor havia feito. — Gabito vai estar muito ocupado viajando pelo mundo.