12 Revista Diálogo - Janeiro a Abril de 2019

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Sumário.

2 EDITORIAL

5 SÃO CLEMENTE MARIA HOFBAUER Apóstolo e Patrono de Viena

6 A HERANÇA ESPIRITUAL DE SANTO AFONSO

11 AS INQUIETAÇÕES DE

SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO

13 SANTO AFONSO E A CONGREGAÇÃO

15 UM MESTRE EM MEIOS

RELIGIOSOS Recordando ao rev. Matthew Meehan, C.Ss.R. 1913-1998

18 O OLHAR

CONTEMPLATIVO DE MARIA: ÍCONE DE REALIDADES CONVERGENTES

26 COMO É BELA A MORTE... DOS ESCRITOS ESPIRITUAIS DE MADRE MARIA CELESTE CROSTAROSA

29 CULTURA DIGITAL E VIDA RELIGIOSA

Expediente. REVISTA DIÁLOGO Revista de Formação e Informação da Província Redentorista de São Paulo Edição n. 12 - Janeiro a Abril de 2019 Superior Provincial Pe. Marlos Aurélio da Silva, C.Ss.R. Coordenador Editorial Pe. Mauro Vilela da Silva, C.Ss.R. Redator Pe. José Inácio Medeiros, C.Ss.R. Revisão Bruna Vieira da Silva Luana Galvão Design e Diagramação Henrique Baltazar

31 PADRE PELÁGIO SAUTER Ano devocional

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Editorial. A QUEM SOMOS ENVIADOS

Fazemos chegar, em suas mãos, prezado leitor, a primeira Revista Diálogo deste ano de 2019. Uma revista que chega em um tempo novo, marcado pelo início de um

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novo governo civil em nosso Brasil e também por uma nova equipe de animação provincial, composta pelo novo superior provincial e seus conselheiros.


Por isso, nada melhor do que uma revista que, com seus artigos e textos, possa nos ajudar, encorajar e animar na vivência de nosso SER redentorista, dedicado à evangelização dos mais abandonados, conforme o carisma fundacional de Santo Afonso de Ligório. O carisma afonsiano foi tomando formas e assumindo conotações diferentes, conforme a realidade do tempo, da cultura e mesmo do espaço geográfico, onde a Congregação Redentorista se instalava e atuava. O primeiro artigo desta revista é dedicado à impressionante figura de São Clemente Maria Hofbauer, conhecido popularmente como “o Apóstolo de Viena”. O texto do Brendan C. MacDonald, da vice-província de Fortaleza, realça o vigor apostólico desse homem do século XIX, em meio aos grandes desafios que enfrentou, trabalhando pela renovação da fé cristã no coração da Europa. Sempre destemido, sabia recorrer ao Cristo Eucarístico, sobretudo, nos momentos de maior dificuldade. No segundo texto desta revista, que nos foi cedido a partir do site da igreja São José, localizada no coração da capital mineira, Belo Horizonte, vemos descortinar a razão própria de nosso ser e de nosso agir como redentoristas, continuadores que somos da herança espiritual de Santo Afonso. À recordação do imenso amor de Deus por nós, pois “foi ele que nos amou primeiro”, nós somos convocados a viver nosso chamado à santidade primordial. Esse é o caminho de nossa redenção e de demonstração de nosso amor para com Deus. Esse dinamismo nos motiva na opção pelos muito feridos de nosso tempo. Isso também dá sentido aos atos de mortificação que fazemos. Nessa linha de pensamento, o texto nos diz que a mortificação refere-se ao ideal cristão de “morrer para si”; refere-se à luta contra o egocentrismo, a fim de

que o amor de Deus fique livre para crescer e desenvolver-se. Santo Afonso, que, muitas vezes, é descrito como “Doutor da Oração” por considerar a oração tão essencial para a vida cristã, escreveu vários livros inteiramente dedicados a ela. Entre tantos formatos de oração que ele nos propõe em sua espiritualidade, como a devoção mariana e a busca constante pela eucaristia, ganham realce a força e o poder da meditação, que para ele não devem consistir apenas ou demais em especulações abstratas sobre as verdades da fé. Muito mais importante, diz ele em seus livros, é a afeição do coração que acompanha essa reflexão. Assim chegamos ao terceiro tema da revista, que, escrito pelo padre Roque Silva Alves, da vice-província da Bahia, mostra-nos as inquietações de Santo Afonso, tão humano como cada um de nós. Padre Roque ousa fazer uma comparação com o processo de reestruturação, vivido na vida religiosa consagrada, já adotado por tantas ordens e congregações e posto em marcha de forma muito mais decidida e realista em nossa congregação neste quadriênio. Em nossa prática pastoral, falamos muito de Afonso como doutor da oração, devoto, propagador da devoção mariana mais verdadeira e com diversos outros títulos. Mas, nos tempos turbulentos em que vivemos, diante dos muitos desafios que somos chamados a enfrentar, é legal resgatar outra dimensão da grande figura desse homem do Século das Luzes, principalmente nesse tempo tão necessitado de novos métodos missionários e dinamismo apostólico. Ousamos até parafrasear: medo sim; inquietações sim; mas covardia e apequenamento não! Outro texto desta revista, que é pequena em seu tamanho, com trinta e duas páginas, mas muito suculenta em seu conteúdo, vai nos falar ainda de Afonso em seu relacionamento

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com a nascente congregação. Em primeiro lugar, Afonso tinha a convicção verdadeira de que a congregação não era obra sua, mas sim de Deus. A segurança de ser uma obra de Deus motiva os congregados, desde os que primeiro a ele se juntaram para o compromisso com a perseverança. A perseverança na congregação garante a salvação a si mesmo e de muitas almas, sendo este o axioma divulgado em suas cartas circulares. Após acompanhar alguns textos que expressam o ideal fundante de Santo Afonso, passamos a analisar um personagem pouco conhecido de nossa Congregação, mas importante pelo seu trabalho pioneiro nos meios de comunicação. Com a cortesia de M. C. Havey, arquivista dos redentoristas da província de Edmonton-Toronto, apresentamos a figura do padre Matthew Meehan (1913-1998). Um primeiro programa idealizado por ele para a rádio e para a televisão chegou a 800 canais e, a partir daí, ele nunca mais parou. Quando a televisão a cabo se espalhou pelos Estados Unidos e pelo Canadá, seus programas ganharam ainda mais divulgação. Mas, paralelo a isso, ele desenvolveu atividades pastorais e educativas, como a pregação das Santas Missões, e ainda desemprenhou ofícios na Casa Geral, servindo como consultor em eventos especiais: canonização de São João Neumann, beatificação de Pedro Donders e outros eventos de comunicação. Ele é considerado um pioneiro da evangelização religiosa em Ontário e toda a sua documentação foi recolhida e está sendo catalogada e estudada. O padre Dennis J. Billy, da província de Baltimore (EUA), com o texto “o olhar contemplativo de Maria: ícone de realidades convergentes”, leva-nos a refletir sobre a importância de Maria para o mundo. Essa reflexão é enraizada na doutrina da fé católica, apoiada pela piedade católica tradicional e a

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devoção à Virgem, e nas questões relevantes e urgentes do mundo de hoje. Toda reflexão teológica madura deve levar em conta os conceitos de Deus, a pessoa humana e o mundo. É um texto muito propício especialmente quando procuramos levar à prática, em todas as suas consequências, do tema deste Sexênio para sermos verdadeiramente “testemunhas do Redentor, solidários para a missão, em um mundo ferido”. Ainda retiramos alguns excertos dos escritos espirituais da Beata Madre Maria Celeste Crostarosa sobre a morte, o que por si só parece um contrassenso em um mundo onde se apega tanto à vida. Mas, não é a toa que São Francisco chamava a morte de “irmã”, pois morre bem os que se esforçam por bem viver. Para concluir a revista, trazemos um texto do padre Biju Madathikunnel, que, na época, era o diretor do centro de comunicação do governo-geral em Roma. Padre Biju, hoje superior provincial de sua província, na Índia, clareia muito bem os riscos e desafios da cultura digital e aponta caminhos para a evangelização nas plataformas atuais, porque as grandes mudanças que testemunhamos hoje estão remodelando nossa vida religiosa e o modo como evangelizamos. Para concluir, apresentamos um curto texto que fala da vida e das virtudes do padre Pelágio Sauter, o “Apóstolo de Goiás”. Neste ano, celebra-se um Ano Devocional para propagar ainda mais a devoção a esse homem de Deus, especialmente para as muitas gerações que não tiveram oportunidade de conhecê-lo em vida. Só me resta desejar que sua leitura seja fecunda e fomentadora de um reencantamento do seu SER e AGIR redentorista, neste ano de mudanças e adaptações. Pe. Inácio Medeiros, C.Ss.R. Editor pe.inacio@gmail.com


SÃO CLEMENTE MARIA HOFBAUER Apóstolo e Patrono de Viena São Clemente Maria Hofbauer

Pe. Brendan Coleman McDonald, C.Ss.R. Vice-Província de Fortaleza

No dia 15 de março, a Igreja católica e a Congregação dos Redentoristas celebram a festa de São Clemente. Um olhar sobre a vida do Redentorista São Clemente pode nos ensinar muito sobre um sonho feito realidade, sobre a oração e o serviço, sobre a perseverança na vida cristã, sobre a santidade alcançada, vivendo o dia a dia e usando cada momento do tempo para seu fim apropriado. Clemente não foi um fazedor de milagres ou um visionário, apenas um grande e santo redentorista, que serviu o povo de Deus com o máximo de sua capacidade. Ele nasceu no dia 26 de dezembro do ano de 1751, em Tasswitz, na Morávia. Era o nono de 12 filhos, nascidos do casal Paulo e Maria Hofbauer. Foi batizado com o nome João e, somente vinte e cinco anos depois, mudou-o para Clemente. Desde cedo, sentiu uma vocação para a vida religiosa. Peregrinou várias instituições religiosas, mas, com seus poucos estudos, não conseguiu ser aceito. Então teve de aprender uma profissão. Trabalhou em uma padaria durante vários anos. Aos 29 anos, depois de ter sido padeiro em três lugares e eremita em dois, Clemente entrou para a Universidade de Viena. Durante uma peregrinação à Itália em 1784, Clemente e seu grande amigo e companheiro Tadeu Huebl decidiram entrar em uma comunidade religiosa. Movidos pelo exemplo dos Redentoristas e pela fama de santidade de Santo Afonso de Ligório, o fundador dos redentoristas, escolheram

essa congregação religiosa. Os dois foram aceitos no noviciado redentorista de São Julião, em Roma. No dia 19 de março de 1785, fizeram seus votos como redentoristas. Dez dias depois, foram ordenados sacerdotes redentoristas. No dia 20 de junho, com o padre Tadeu, voltou a Viena, onde quis estabelecer a Congregação. Não era possível devido às leis em vigor naquela época. Então foram para Varsóvia, onde se encarregou da igreja alemã de São Beno. A igreja de São Beno tornou-se uma missão contínua com um programa diário de pregações, instruções, confissões e devoções. Em 1808, quando Napoleão fechou a igreja, Clemente voltou novamente para Viena, onde ficou até sua morte. Como capelão no convento na igreja das Ursulinas, teve uma influência extraordinária na cidade inteira. Trabalhou para a renovação católica nos países de idioma alemão. Foram-lhe concedidos o título e a responsabilidade de vigário-geral da Congregação Redentorista. Também foi o grande responsável pela expansão da Congregação Redentorista fora da Itália. Alguns o consideram o segundo fundador da Congregação, não na linha de fundação, mas na de propagação. Clemente faleceu no dia 15 de março de 1820, foi beatificado por Leão XIII e canonizado por São Pio X em 20 de maio de 1909. Em 1914, o papa Pio X concedeu-lhe o título de Apostólico e Patrono de Viena.

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A HERANÇA ESPIRITUAL DE SANTO AFONSO Santo Afonso Maria de Ligório

In: igrejasaojose.org.br

Considerando todos os diferentes tipos de trabalhos que Santo Afonso fez para o reino de Deus, pode parecer precipitado tentar estabelecer sua maior realização. Entretanto, talvez a maior delas tenha sido sua habilidade em pregar o Evangelho e explicar a espiritualidade católica de maneira que as pessoas simples pudessem prontamente entender. A popularidade mundial de seus escritos espirituais pode ser atribuída a sua intuição compreensiva da condição humana e a seu estilo prático. Embora seja impossível resumir, em um pequeno livrete, todos os ensinamentos espirituais de Santo Afonso, o panorama apresentado aqui pode nos suprir

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de luz e inspiração. As questões seguintes são essenciais ao entendimento do que é frequentemente chamado de “espiritualidade afonsiana”. Elas abrangem o que designamos como seu legado espiritual. 1. Nosso chamado à Santidade

Diferente dos severos professores de seu tempo, Santo Afonso afirmava que Deus chama todos os homens e todas as mulheres à santidade. Não era necessário, insistia ele, correr para o deserto ou entrar para um monastério, a fim de alcançar a santidade cristã; não era obrigatório que alguém desistisse do “mundo”, do casamento ou da família. Uma citação explica sua opinião: “É um grande


erro dizer: ‘Deus não quer que todos sejam santos’ São Paulo disse: ‘A vontade de Deus é esta: vossa santificação’ (1Ts 4,3). Deus quer que todos se tornem santos, cada um em sua ocupação; o religioso exatamente como um religioso, o secular como um secular, o padre como um padre, o casado como uma pessoa casada, o comerciante como um comerciante, e as outras pessoas de acordo como caminham na vida”. 2. O Amor de Deus por nós

Para Santo Afonso, santidade significa o amor de Deus. Tudo mais é secundário. O Amor vem primeiro. A expressão “o amor de Deus” tem duas dimensões: o amor de Deus por nós e nosso amor por Deus, em retribuição. Santo Afonso tentou de diversas maneiras fazer com que as pessoas compreendessem o quanto Deus as ama. Um tema sempre presente em seus escritos: lembre-se o quanto Deus tem amado você! Uma típica frase sua: “Se o amor de todas as pessoas, todos os anjos, todos os santos fossem colocados juntos, eles não se igualariam à menor parte do amor de Deus por você”. Esse amor de Deus por seu povo é manifestado de forma visível na pessoa de Jesus – a dádiva de amor do Pai. Para Santo Afonso, Jesus Cristo é tudo! Dificilmente, encontra-se uma página em seus escritos em que o nome de Jesus não aparece. Com ênfase particular, ele escreveu sobre “os grandes sinais” do amor de Jesus por nós: sua Encarnação, Paixão e Morte e a Eucaristia. Ele insistiu para todos meditarem, com frequência, sobre “a manjedoura, a cruz e o tabernáculo”. É digno notar que Santo Afonso escreveu um livro inteiro para cada um desses grandes mistérios cristãos. Além disso, dois de seus livretes, O Caminho da Cruz e Visitas ao Sagrado Sacramento, ainda são best-sellers pelo mundo. 3. Nossa Redenção

De todos os mistérios cristãos, a Paixão e Morte de Jesus Cristo foi o que tocou Santo Afonso mais profundamente. Ele

frequentemente pregava e escrevia sobre esse fato; recomendava a todos que meditassem diariamente sobre esse tópico. Para Santo Afonso, o fato do Pai ter enviado Jesus, seu Filho amado, para sofrer e morrer pelos nossos pecados, era um sinal de “amor inacreditável”. O mistério da Redenção era um ato de amor tão grande da parte de Deus, que Santo Afonso escreveu: “Deus está com problemas, louco de amor, perdeu a cabeça de tanto amor”. A imaginação vívida e a ternura italiana de Santo Afonso estão presentes em seus escritos sobre o sofrimento e a morte de Jesus. Entretanto, como mostra Joseph Oppitz, C.Ss.R., “sua preocupação com a Paixão não era um interesse mórbido em sofrimento, sangue e morte…, mas sim uma realização vívida do significado existencial da Cruz, passado, presente e futuro, na parcimônia da vontade de salvação de Deus”. Para Afonso, o sofrimento de Jesus era, acima de tudo, os sinais visíveis de seu imenso amor por nós. Por isso deu este conselho: “Pensando na Paixão de Jesus, não devemos refletir tanto sobre os sofrimentos pelos quais passou em consequência do amor com o qual perturbou as pessoas”. 4. Nosso Amor a Deus

O grande amor de Deus por nós, manifestado em Jesus, exige nosso amor em retribuição. Em um dos livros mais famosos de Santo Afonso, A Prática do Amor a Jesus Cristo, a frase inicial é esta: “A total santidade e perfeição de uma alma consiste em amar Jesus Cristo, nosso Deus, nosso bom soberano e nosso Redentor”. Porém, como nós humanos podemos responder melhor ao amor de Deus? Para Santo Afonso, é imitando Jesus, que disse de si mesmo: “Porque desci do céu não para fazer minha vontade, mas a vontade de quem me enviou” (Jo 6,38). Ecoando esse princípio evangélico, Santo Afonso desenvolveu um resumo básico a respeito de nossa resposta ao amor divino. Nesse resumo, temos o que é mais característico da espiritualidade de Afonso:

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“Toda santidade consiste no amor de Deus, e esse amor consiste em conformidade à vontade divina; assim, toda santidade consiste em conformidade à vontade divina”. Em sua grande intuição, Santo Afonso sabia o quanto seria fácil nos enganarmos na vida espiritual. “Algumas pessoas, escreveu Afonso, desejam tornar-se santos, mas a sua maneira. Elas querem amar Jesus Cristo, mas a seu modo… Elas amam a Deus, mas em seus termos.” O verdadeiro teste de amor é nossa aceitação da vontade divina. Afonso dizia que essa vontade está manifestada nas Escrituras, a Palavra Viva de Deus, e na Igreja, guiada pelo Espírito, que ensina questões de fé e moral com a autoridade do próprio Deus. Além disso, a vontade divina nos é mostrada nos deveres e nas responsabilidades de nossa vocação – e muito concretamente, nas circunstâncias particulares de nossa vida aqui e agora. “O ponto principal está em abraçarmos a vontade de Deus em todas as coisas que nos acontecem, não apenas quando estas são favoráveis a nossos desejos, mas quando são também contrárias. Quando as coisas vão bem, até mesmo os pecadores não encontram dificuldades em estarem de acordo com a vontade divina; porém, os santos também estão de acordo nas circunstâncias contrárias a seu amor próprio. É nisso que é mostrada a perfeição do amor de Deus.” 5. Nosso Amor ao Próximo

O amor a Deus sempre vem primeiro. “Este é o maior e o primeiro mandamento” (Mt 22,38). Entretanto, o amor ao próximo também é essencial porque é um mandamento “igual ao primeiro”. Santo Afonso viu uma estreita relação entre esses dois mandamentos. “Por que devemos amar nosso próximo? Porque ele é amado por Deus! Devemos amar todos aqueles que Deus ama”. Assim como nosso amor por Deus deve ser mostrado de forma prática e concreta, devemos também mostrar nosso amor pelo próximo. Santo Afonso enfatiza

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que os seguidores de Jesus Cristo devem “viver pacificamente juntos” e praticarem a “tolerância mútua”. Essa paz não consegue desabrochar em um coração cheio de desconfianças, amarguras ou aversões. “Se desejas praticar a bela virtude da caridade, escreveu Afonso, empenhe-se em rejeitar todo julgamento precipitado, toda desconfiança, toda suspeita infundada em seu próximo.” Além disso, todo verdadeiro seguidor de Cristo possui o sério dever de ajudar os pobres e os necessitados. Santo Afonso dizia que devemos compartilhar com os pobres não apenas o que temos em abundância, mas até mesmo, se necessário, aquilo que consideramos essencial para nós.

6. Nosso desprendimento

Uma palavra sempre presente nos escritos espirituais de Santo Afonso é a palavra italiana distacco. É difícil traduzi-la para o português. Normalmente, é traduzida como desprendimento. A ideia básica é esta: o amor de Deus deve ser a primeira prioridade para o cristão. Ele deve esforçar-se, constantemente, para estar de acordo com a vontade divina. Qualquer coisa que pareça vir antes do amor de Deus deve ser, corajosamente, colocada de lado. Santo Afonso sabia claramente que o maior inimigo do verdadeiro amor de Deus era o falso amor ao ego. O egocentrismo, a seus olhos, era a raiz de todo mal. “Muitas pessoas fazem da vida espiritual uma profissão, escreveu Afonso, mas são adoradores de si mesmos.” Esse egocentrismo mostra-se na ambição exagerada, no temor ao respeito humano, no orgulho. Distacco é o esforço consciente do cristão para dominar a praga do egocentrismo. 7. Nossos atos de mortificação

Na espiritualidade de Afonso, é a mortificação que prepara o desprendimento. A mortificação refere-se ao ideal cristão de “morrer para si”; refere-se à luta contra o egocentrismo, a fim de que o amor de Deus fique livre para crescer e desenvolver-se.


É uma faceta dos ensinamentos de Jesus: “Quem procurar sua vida há de perdê-la; e quem perder sua vida por amor de mim há de encontrá-la” (Mt 10,39). Santo Afonso gostava de fazer uma distinção entre a mortificação externa e interna. A mortificação externa refere-se à disciplina dos sentidos, tais como o jejum, a abstinência, o controle das palavras, a modéstia dos olhos. A mortificação interna refere-se à disciplina do coração, isto é, ao controle das paixões e do amor próprio desordenados. De acordo com Afonso, certamente existe lugar para mortificações externas na vida dos cristãos, especialmente quando é necessário evitar o pecado ou quando a lei da Igreja exige, como é o caso do jejum e da abstinência na Quaresma. No entanto, Afonso acreditava que a mortificação interna era muito mais importante e muito mais rara. Ele escreveu sobre aqueles que se ocupam com jejuns e outras austeridades corporais, mas que, ao mesmo tempo, “não se esforçam para superar determinadas paixões, por exemplo, certos ressentimentos, certas aversões, curiosidades e certos apegos perigosos”. Tais cristãos, para Santo Afonso, não serão capazes de progredir na verdadeira santidade. 8. Uso da Oração

Santo Afonso, muitas vezes, é descrito como “Doutor da Oração”. Por considerar a oração tão essencial para a vida cristã, escreveu vários livros inteiramente dedicados a ela. De todos seus livros, considerava seus tratados de oração mais valiosos para as pessoas simples. Em suas orações, encontramos sua melhor compreensão teológica. Afonso opôs-se com vigor aos teólogos rígidos que consideravam a oração domínio apenas de uma elite espiritual. Ele dizia que orar era possível a qualquer pessoa: Deus concedeu a todos os homens e as mulheres, até aos mais pecadores, a graça de orar. Devemos pedir a Deus qualquer graça de que necessitemos, e ela nos será concedida!

9. Orações para pedir

Há uma forte ênfase nos ensinamentos de Santo Afonso sobre as orações que pedem alguma coisa. Alguns professores e pregadores daquela época rebaixavam essa oração insinuando que ela não era “pura ou elevada” o suficiente para as pessoas santas. Santo Afonso rejeitava esse ponto de vista. Ele insistia que ouvíssemos, de preferência, os ensinamentos de Jesus: “Pedi e será dado; buscai e acharei; batei e será aberto” (Mt 7,7). Se somos tentados a pensar que os santos se tornaram santos por meio de alguma fórmula mágica não disponível para o resto da humanidade, estamos errados. Para Santo Afonso, os santos tornaram-se santos porque oravam! “Todas as graças, por meio das quais se tornaram santos, foram enviadas a eles como respostas a suas preces.” Esse mesmo caminho está aberto para cada um de nós. “Precisamos de humildade; deixe-nos pedi-la e seremos humildes. Precisamos de paciência nas tribulações; deixe-nos pedi-la e seremos pacientes. O que desejamos é o amor divino; deixe-nos pedi-lo e ele nos será dado.” 10. Oração a Maria

De modo muito especial, Santo Afonso insistia para que rezássemos a Maria, nossa Mãe abençoada. Ele escreveu um tratado completo sobre o papel de Maria no plano de salvação de Deus: as Glórias de Maria. Por ser tão amada por Deus e responder totalmente a esse amor, ela deveria ser nosso modelo na vida cristã. Além disso, Maria é capaz de interceder por nós. “Ela é cheia de graça; porém, essa plenitude não foi concedida apenas para si, mas também para que compartilhasse conosco.” 11. A Importância da Meditação

Santo Afonso também enfatizava a meditação frequente, isto é, a reflexão interior e a resposta à Palavra de Deus. “As verdades de fé são realidades espirituais, não podem ser vistas com olhos físicos, mas apenas com os olhos da alma, por meio da reflexão e

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meditação.” Muitas vezes, Afonso comparava a meditação ao fogo. “A meditação afeta a alma como o fogo afeta o ferro. Se o ferro está frio, é muito duro e só pode ser moldado com muita dificuldade. Porém, coloque-o no fogo e logo ele amolece e cede aos esforços do ferreiro… Assim é nosso coração: frequentemente duro e obstinado. Mas sob a ação das graças que recebemos na meditação, nosso coração torna-se flexível, dócil e pode ser moldado por nosso Mestre e Senhor.” Entretanto, para Santo Afonso, a meditação não deve consistir demais em especulações abstratas sobre as verdades da fé. Muito mais importante, diz ele, é a afeição do coração que acompanha esta reflexão. “Após ter meditado sobre algumas verdades eternas, e Deus ter respondido a seu coração, você deve também falar a Deus. Faça isso, inicialmente, dando forma às afeições, aos atos de fé, aos agradecimentos, à humildade ou esperança, mas, acima de tudo, por meio de atos de amor e contrição.” 12. Devoção à Eucaristia

A grande oração de louvor e agradecimento é a celebração do sacrifício e sacramento da Eucaristia. Santo Afonso encorajou católicos a se juntarem sinceramente na celebração da Eucaristia, fazendo os propósitos básicos pelos quais ela foi instituída, propósitos deles próprios: “Primeiro, honrar e glorificar a Deus. Em segundo, agradecer-lhe todas as graças e os benefícios. Terceiro, tomar satisfações de nossos pecados e dos pecados dos outros. Quarto, adquirir as graças de que necessitamos”. Mesmo fora da missa, como nos ensina a Igreja, a Eucaristia deve ser reverenciada com grande devoção. Essa devoção estava no coração de Afonso. Em seu famoso Visitas ao Sagrado Sacramento, ele oferta uma ampla variedade de sentimentos e orações para essa devoção. A verdade básica está contida nesta frase: “Deixe-nos, então, aproximarmo-nos de Jesus com grande confiança e afeição; permita nos unirmos a ele e pedir suas graças”.

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AS INQUIETAÇÕES DE SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO Santo Afonso Maria de Ligório

Pe. Roque Silva Alves, C.Ss.R. VP de Salvador, BA

Enquanto, nesses últimos tempos, falamos muito da reestruturação de nossa Congregação e da reconfiguração de nossas unidades redentoristas entre províncias e vice-províncias, devemos voltar nosso olhar para Santo Afonso e ter nele nossa fonte inspiradora e reunificadora. Portanto, as inquietações de Santo Afonso, fundador dos Missionários Redentoristas, não foram apenas atividades ocupacionais ou ativismo pastoral como nós dizemos hoje. Elas foram a busca mais profunda de sua realização vocacional como cristão, padre, fundador, bispo e santo. Quando jovem, aos 16 anos de idade, já era advogado formado (1712). Mesmo assim, engajava-se nos movimentos leigos (irmandades) de assistência e de acompanhamento aos mais necessitados:

visitava constantemente os doentes nos hospitais dos “incuráveis” de Nápoles, acompanhava, com suas orações, os que eram condenados à forca e prestava assistência a seus familiares. Nos tribunais, decepcionou-se com as injustiças orquestradas pelos “homens da lei”. Como padre diocesano (1726), criou um movimento pastoral de assistência religiosa para os pobres das periferias de Nápoles, chamado de “Capelas Vespertinas”, porque se reuniam ao cair da tarde na região portuária da cidade ou em praças públicas; pregava às Santas Missões e desejou ir, como missionário, evangelizar na China. Cansado da intensidade das atividades pastorais, recorreu às montanhas de Scala para descansar e recompor as forças físicas. Lá se deparou com a

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imensa realidade dos “cabreiros” desassistidos e abandonados. A partir disso, germinou em seu coração a semente de fundar um grupo de missionários para a evangelização dos mais pobres. Como fundador, juntamente com alguns companheiros, criou a Congregação do Santíssimo Redentor (1732), para evangelizar as populações desassistidas e pobres do meio rural; exigia e incentivava uma boa formação acadêmica, moral, espiritual e apostólica de seus confrades e candidatos da Congregação. Fazia questão de que sua Congregação fosse de vida missionária dentro e fora dos conventos. Suas 110 obras publicadas expressam a qualidade de sua competência, de sua inspiração espiritual e de sua preocupação apostólica. Como bispo de Santa Ágata dos Godos (1762), preocupava-se com a formação acadêmica, espiritual, moral, eclesial e pastoral do clero de sua diocese e de seus diocesanos. Mandou pregar as Santas Missões e os retiros em todas as paróquias de sua diocese para os diversos grupos religiosos e leigos; recomendava pregações bem preparadas, que servissem como palavras de conforto a seus diocesanos; era solidário com os pobres e necessitados a ponto de mandar vender peças e móveis de seu bispado para matar a fome dos carentes. Depois de sua trajetória de vida, morreu no dia 1º de agosto de 1787, em Nocera dei Pagani, Itália, com noventa e um anos de idade. Foi canonizado em 1839 (papa Gregório XVI) e declarado doutor da Igreja em 1871 (papa Pio IX). Em 1950, o papa Pio XII o declarou patrono dos Confessores e Moralistas. Diante desse grande personagem, que viveu no chamado “século das luzes” (XVIII), precisamos resgatar a grandeza da visão missionária de Santo Afonso, principalmente nesse tempo tão necessitado de novos métodos missionários e dinamismo apostólico. Quando o papa Francisco, em sua Exortação Apostólica Gaudete et

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Exsultate, fala da Santidade nos seguintes termos: “Todos são chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra. És uma consagrada ou um consagrado? Sê santo, vivendo com alegria tua doação. Estás casado? Sê santo, amando e cuidando de teu marido ou de tua esposa, como Cristo fez com a Igreja. És um trabalhador? Sê santo, cumprindo com honestidade e competência teu trabalho a serviço dos irmãos. És progenitor, avó ou avô? Sê santo, ensinando com paciência as crianças a seguirem Jesus. Estás investido em autoridade? Sê santo, lutando pelo bem comum e renunciando a teus interesses pessoais” (14), aprofunda e atualiza o pensamento de Santo Afonso. Em 1768, Santo Afonso publicou seu livro Prática de Amor a Jesus Cristo, o qual foi considerado uma das principais obras da ascese e da espiritualidade cristã moderna da época, pois apresentava o caminho fundamental de uma espiritualidade autêntica, que tem como essência o amor a Jesus Cristo: “É um grande erro dizer: ‘Deus não quer que todos sejam santos’. São Paulo disse: ‘A vontade de Deus é esta: vossa santificação’ (1Ts 4,3). Deus quer que todos se tornem santos, cada um em sua ocupação; o religioso exatamente como um religioso, o secular como um secular, o padre como um padre, o casado como uma pessoa casada, o comerciante como um comerciante, e as outras pessoas de acordo como caminham na vida”. Por isso, os santos estão no caminho da Igreja (Povo de Deus) e, por que a Igreja trilha no caminho da santidade (Deus), ela deve estar sempre atualizada em seus ensinamentos e em sua prática de vida espiritual. Pois ela é regada pela graça de Deus, pelos testemunhos dos santos e das santas da Igreja triunfante e pelo labor cotidiano e apostólico da igreja militante, missionários e missionárias, leigos e leigas protagonistas da evangelização na messe do Senhor.


Santo Afonso Maria de Ligório

SANTO AFONSO E A CONGREGAÇÃO

Sua expansão

Em 1773, depois de um certo tempo, desde a nomeação dos superiores, dois padres reitores estiveram com Santo Afonso, que então era bispo de Santa Ágata dos godos. Sua conversa nos revela seu pensamento sobre o futuro da congregação.

Falaram-lhe sobre a perseguição que então acontecia contra nós, contaram-lhe que em qualquer lugar se dizia que sua morte iria determinar nossa ruína. Santo Afonso os ouviu tranquilamente; depois, animado por santa confiança, disse-

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-lhes com voz firme: “não temais, pois a congregação não será destruída nem antes nem depois de minha morte. Não sou eu, é Deus que a fundou. Não é obra minha, é obra de Deus”. Alguns dias antes, exprimira o mesmo pensamento: “a congregação é obra de Deus, Ele a tem guardado por anos e continuará a defendê-la. A salvaguarda da congregação depende, primeiramente, de Deus, depois de nossa conduta. Estamos unidos a Deus, fiéis às regras, praticando a caridade para com todos; somos principalmente humildes, pois o orgulho poderia nos destruir como destruiu tantas outras” (PADRE BERTHE. Vida de Santo Afonso, II, p. 328). Em 1783, dez anos depois, a propósito do maravilhoso desenvolvimento das casas, Santo Afonso anunciou que Deus iria servir-se dessas casas para desenvolver a congregação; os inflamados defensores da divisão seriam os mais ardentes a exigir a reunificação; e, por fim, a união se realizaria, mas somente após sua morte. Essas profecias foram realizadas na letra. Ele dizia: “Deus permitiu nossa divisão para sua maior glória; cobriu com uma nuvem nossas casas, para estender e fortalecer a congregação no Estado Pontifício”. E mais tarde: “Você vai ver os mais ardentes defensores do cisma farão, em breve, o impossível para conseguir a reunião de suas casas a nossas, mas será o que Deus vai querer”. E por fim: “Portem-se bem para com Deus, e Deus não abandonará a congregação. Depois de minha morte, todas as dificuldades desaparecerão”. Em 1847, o padre Dechamps, que se tornou depois cardeal-arcebispo de Malines, e o padre Pilar encontraram nos arquivos da casa de Ciorani essa previsão de nosso pai, Santo Afonso, autenticada pelo seu confessor: “não duvidem, a congregação vai se aguentar até o dia do juízo, pois não é obra minha, mas obra de Deus. Durante minha vida, vai

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crescer na escuridão e na humilhação, mas depois de minha morte, ele vai abrir suas asas e se alargará principalmente nos países do norte”(PADRE BERTHE. Vida de S. Afonso. II, p. 328). Perseverança

A perseverança na congregação garante a salvação a si mesmo e a muitas almas. Esse é um axioma divulgado nas cartas circulares de nosso pai, Santo Afonso, e cada redentorista o considera como norma certa, segura e o conserva como precioso tesouro. O santo fundador dizia: “um sacerdote na congregação salvará mais almas em um ano do que salvaria ele fora da congregação durante toda a vida. E, quanto ao lucro pessoal, um membro do Instituto vai adquirir mais méritos em um ano com a prática da obediência do que em dez anos no meio do mundo, onde levaria uma vida caprichosa e sem regra”. “Virá o dia em que, como nós devemos esperar, nos veremos reunidos todos na pátria da felicidade eterna; lá não estaremos mais divididos; então, centenas e milhares de pessoas, que, por certo tempo, tinham estado longe do amor de Deus e, dependentes de nosso ministério, tiveram a felicidade de voltar em graça com ele, vão se encontrar reunidas a nós para amá-lo e tornar imortal nossa glória e nossa felicidade” (Circulares de 8 de agosto de 1754-29 de julho de 1774). Ainda diz em outro lugar: “Eu guardo por certo que a grande parte dos tronos dos serafins, deixados vazios pelos desgraçados companheiros de Lúcifer, será ocupada pelos religiosos. Entre as sessenta pessoas que a Igreja inscreveu durante o século passado no catálogo dos santos ou dos abençoados, apenas cinco ou seis não pertencem às ordens religiosas” (Verdadeira Esposa, vol. I, c. II). "Não basta fazer boas obras, é preciso fazê-las bem."(Santo Afonso)


UM MESTRE EM MEIOS RELIGIOSOS Recordando o rev. Matthew Meehan, C.Ss.R. 1913-1998 Pe. Matthew Meehan, C.Ss.R.

Cortesia de M. C. Havey Arquivista dos Redentoristas de Edmonton-Toronto.

Padre Matthew nasceu, no dia 27 de abril de 1913, em Toronto, sendo seus pais Matthew Meehan e Helen Goodwin. Ele foi o primogênito de oito filhos, cresceu com a religião irlandesa e cultura irlandesa. O ambiente religioso e a forte fé de seus pais o influenciaram em direção ao sacerdócio.

Como coroinha, serviu regularmente na capela das Irmãs de São José, crescendo assim em virtude e encorajamento para o sacerdócio. A irmã Odelia, CSJ da St. Clare School, providenciou que Matthew pulasse o 8º ano, para ele entrar no St. Mary's College, em Brockville. Era o mais novo e o menor da

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turma. Nos últimos anos da universidade, participou de produções dramáticas e debates, escrevendo contos e artigos para a revista College Review; venceu concursos de oratória, incluindo o concurso de idosos, em 1930, com um discurso entusiasmado sobre a necessidade da bandeira do Canadá. Após a formatura em 1931, entrou para o noviciado redentorista em Saint John, New Brunswick, professando seus primeiros votos em 1932. Depois de estudar teologia e filosofia no seminário Santo Afonso de Woodstock, Ontário, foi ordenado no dia 20 de junho de 1937. Um ano depois, foi nomeado para uma paróquia no oeste do Canadá. Logo depois, foi selecionado para estudar pós-graduação e treinamento de idiomas, uma vez que era necessário ser fluente nas línguas alemã, italiana e eslava para prestar assistência pastoral nas paróquias do oeste do Canadá. Ele obteve um diploma em 1939 no Pontificium Institutum, em Roma; em 1940, concluiu o doutorado com uma tese intitulada “O poder cognitivo de acordo com Santo Tomás de Aquino”. Logo após a queda da Holanda, em maio de 1940, padre Matthew retornou ao Canadá e foi nomeado professor de filosofia, inglês e elocução no seminário de Woodstock. Participou de um curso de verão no Instituto de Pregação da Universidade Católica da América, após o primeiro ano de ensino. Mais tarde, escolheu estudar comunicações, participando de um curso de jornalismo na Marquette University em 1944 e, no ano seguinte, no Summer Radio Institute na Queen’s University em Kingston, Ontário, para aprender as artes de falar, escrever e dirigir para o rádio. No dia 9 de novembro de 1947, padre Matthew começou a corrida com a transmissão da TransCanada Catholic Hour. O programa começou com um hino introdutório de dois ou três minutos, um discurso de até 20 minutos e foi concluído com um hino. Em seus programas, havia uma audição fácil e um roteiro polido. No

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entanto, o apelo foi o tema da vida familiar. De seus primeiros roteiros de rádio aos roteiros de televisão, 45 anos depois, ele explorou diferentes aspectos da vida familiar, com foco em casamento, filhos, adolescentes e vida doméstica. Conforme explicou em um artigo de jornal, sua mensagem central da vida familiar era: “Seu lar é o verdadeiro coração da nação”. Com a televisão substituindo o rádio como um meio popular e com o sucesso do show Bispo Fulton Sheen, “A vida vale a pena ser vivida”, o gerente da estação de rádio Hamilton sugeriu ao padre Matthew um trabalho na estação de televisão, recentemente lançada na cidade. No dia 2 de dezembro de 1956, padre Matthew lançou seu primeiro programa de televisão, que foi ao ar na TV CHCH. Começando como uma versão televisionada do programa de rádio, nele havia cinco minutos de notícias, cinco minutos de um problema moral e cinco minutos de um pensamento para a semana. O programa alcançou uma audiência de 50.000 pessoas na área de Toronto-Hamilton-Niagara-Buffalo. Em 1960, foi estendido para 30 minutos. Além dos programas, ele preparou roteiros e apareceu no Programa Sagrado Coração, criado pela organização jesuíta de rádio e televisão em St. Louis, Missouri, a maior distribuição católica naquele momento. Vinte programas de televisão para cada série apareceram em mais de 800 estações nos EUA. Para o rádio, Matthew registrou 40 segmentos de oito minutos sobre temas como “A comunidade cristã, esperança, pecado e humildade”. Durante sua carreira na radiodifusão, foi nomeado reitor (1952-1959) de sua Alma Mater no St. Mary’s College. St. Mary’s tornou-se o local das conferências pastorais e missionárias de verão e das peregrinações paroquiais ao santuário mariano do campus. Depois de St. Mary’s, padre Matthew foi nomeado pároco e reitor da igreja de São Patrício, Toronto (1959-1964), supervisionou os aspectos finais da redecoração da igreja, estabeleceu um coro infantil e acrescentou


o título de igreja do santuário da Mãe do Perpétuo Socorro para a igreja, como um sinal exterior e o símbolo do logotipo do boletim semanal da igreja. No centenário da paróquia, em 1961, padre Matthew deu início às celebrações, com uma missa especial no Dia de São Patrício, as quais foram transmitidas pela CBC, semanalmente até a Páscoa. Em 1964, o programa foi estendido a um programa telefônico de uma hora aos domingos à noite e foi considerado “o primeiro” em comunicações católicas canadenses. Nesses shows, ele convidava uma personalidade local ou um especialista para discutir uma variedade de temas. De vez em quando, seu irmão Joe ligava para prová-lo. Padre Matthew respondia às perguntas sem reconhecer quem estava ligando. Mais tarde, organizou e planejou uma conferência pública pelo padre Francis J. Connell em Family Morals e um concerto de música sacra. Um tríduo solene, ocorrido de 6 a 8 de dezembro e celebrado pelo cardeal James McGuigan, da arquidiocese de Toronto, culminou os festejos do centenário. Um momento crucial ocorreu um ano depois, quando o governador-geral, Georges Vanier, representante da rainha no Canadá, compareceu à missa na igreja. Padre Matthew foi convidado pelo bispo Joseph Ryan da diocese de Hamilton para oferecer a transmissão católica no CHML, uma estação de rádio privada na cidade de Hamilton. Ele também produziu e atuou como comentarista em programas de eventos diocesanos importantes, incluindo seu 125º aniversário, as ordenações, a Missa de Natal, o Dia de Ação de Graças e as cerimônias marianas. Como diretor diocesano das comunicações durante 16 anos, organizou e divulgou transmissão religiosa de 10 estações de rádio AM-FM, 12 estações de televisão por cabo e duas estações de televisão na diocese. Como a televisão a cabo se espalhou pela América do Norte, padre Matthew maximizou sua exposição mediante a

transmissão de programas via satélite. Em 1985, muitas das séries CHCH de Matthew foram televisionadas nos EUA por Eternal Word Television Network (EWTN), a rede de TV a cabo fundada por Madre Angélica, em 1981. Ao mesmo tempo, ele também realizou tarefas papais e sinodais especiais. Os programas semanais terminaram em 1992, quando o pe. Meehan se aposentou da transmissão aos 79 anos de idade. Fora do estúdio e das luzes da televisão, ele era um pregador procurando missões em paróquias e retiros para padres e religiosos. Ele liderou o Marriage Encounter e o Retrouville nos fins de semana e retiros para o Courage, um grupo de apoio para homossexuais católicos em 1986-1990, e escreveu para a revista local. Servindo como conselheiro religioso do Registro Católico, também contribuiu escrevendo colunas por mais de uma década, terminando em 1992. Em uma coluna, ele escreveu um comentário sobre a leitura semanal das Escrituras dominicais, e, na outra, Quadro de Perguntas, ele respondeu a perguntas sobre liturgia, práticas e história. Atuou como consultor da Casa Geral em Roma e de outros centros de comunicação da C.Ss.R. em eventos especiais, como a canonização de São João Neumann, a beatificação de Pedro Donders e as comemorações do bicentenário de Santo Afonso. Organizou institutos pastorais na catequese, bem como um instituto anual para os párocos e todos os pregadores. Não só ele era o capelão católico do time de beisebol Toronto Blue Jays, como também apresentou o nome vencedor de “Skydome” no novo estádio abobadado do time em 1989. Padre Matthew morreu no dia 26 de julho de 1998, com a idade de 85 anos. Em 2011, seus registros de mídia, documentando sua divulgação e carreira jornalística, incluindo roteiros, fitas de vídeo e correspondência, foram doados ao Arquivo de Ontário, que o considerou um pioneiro na radiodifusão religiosa em Ontário.

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O OLHAR CONTEMPLATIVO DE MARIA: ÍCONE DE REALIDADES CONVERGENTES N. Sra do Perpétuo Socorro - Com Santos Redentoristas

Pe. Dennis J. Billy, C.Ss.R. Província de Baltimore

O 150º aniversário do ícone de Nossa Mãe do Perpétuo Socorro ofereceu uma oportunidade única para a família redentorista refletir sobre a importância de Maria para o mundo. Essa reflexão deve ser enraizada na doutrina da fé católica, apoiada pela piedade católica tradicional e pela

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devoção à Virgem, e nas questões relevantes e urgentes do mundo de hoje. Se é verdade que toda reflexão teológica madura deve levar em conta os conceitos de Deus, a pessoa humana e o mundo1 então, olhando para Nossa Mãe do Perpétuo Socorro, temos de ver o que o ícone diz sobre essas três realidades, estudar


a maneira como eles interagem e dizer algo sobre sua relevância para o mundo de hoje. Um mundo, muitos mundos

Como um objeto histórico, o ícone da Mãe do Perpétuo Socorro pertence a um mundo e a muitos mundos. É o mesmo mundo que Maria andou cerca de 2.000 anos atrás, quando carregou seu filho em seus braços macios e amorosos. É o mesmo mundo do evangelista São Lucas, que, segundo a lenda, pintou as primeiras imagens da Virgem e do Menino e forneceu aos fiéis um retrato sagrado a ser venerado junto com as santas palavras do Santo Evangelho. É o mesmo mundo do iconógrafo medieval desconhecido, que pintou o ícone sagrado de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e deu à Igreja uma nova janela para a eternidade, por meio da qual olhamos os mistérios divinos e refletimos sobre ele. É o mesmo mundo de Pio IX, que deu o ícone aos Redentoristas e encomendou-os em janeiro de 1866 para “fazê-la conhecida em todo o mundo!”2 E é o mesmo mundo dos peregrinos do século XXI, muitos dos quais viajarão para Roma e outros destinos durante o Ano do Jubileu para ajoelhar-se diante do ícone, venerá-la e apresentar suas necessidades e pedidos a Nossa Santíssima Mãe. Este mundo é um, mas sempre em constante mudança. É o mesmo mundo, mas também muito diferente, de cada um de nós que caminha calmamente, com passos incertos, na jornada perigosa mediante do tempo e do espaço. Ao longo dos séculos, o mundo viu inúmeras mudanças na linguagem, cultura, religião e nas perspectivas; os anais da história dão testemunho de inúmeras civilizações que vieram e foram. Na grande configuração das coisas, a terra não é apenas uma partícula insignificante de pó celestial, em uma pequena galáxia sem importância e incrivelmente imensa, mas inequivocamente finita (e em grande parte vazia) universo. Como resultado,

os homens podem perder facilmente seus apoios e se sentirem perdidos em um mar de incertezas e relatividades competentes. Aqueles que se abrem à luz da fé, no entanto, escutam as palavras do salmista ecoando em seu coração: “Quando eu vejo seus céus, o trabalho de seus dedos, a lua e as estrelas que você criou, o que é homem para que você se lembre dele, e o filho do homem, para lhe dar poder? (Sl 8,4).3 Os ícones habitam tanto um mundo como muitos mundos. São mais do que obras de arte religiosas. Neles estão incorporados a fé, porque o iconógrafo coloca todo o seu ser, corpo, coração, mente, alma e força nessa nova criação. Eles foram qualificados como “janelas para a eternidade”, “teologia visível”, “lentes contemplativas”, “presenças sacramentais de realidades sagradas”. Eles são feitos dos frutos da terra – madeira, cal, têmperas, pigmentos, placas de ouro e outros ingredientes – e devem ser reverenciados como instrumentos sagrados de oração. Eles falam no silêncio do coração daqueles que os olham e se permitem ser contemplados pela presença que os apontam. Eles estão enraizados no mundo, mas apontam além dele. Eles expulsam a escuridão do coração e abrem a fé. Tiram o medo e inspiram esperança; dissipam o ódio e estimulam o amor. Eles batizam o tempo na fonte do silêncio eterno e estendem a promessa da vida plena em uma nova criação. Unem o mundo com os muitos mundos que habitam em um mundo além do um e dos muitos e, ao fazê-lo, transmitem uma mensagem ao mundo e a todos os seus habitantes. O ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro lembra o mundo perdido em falsos sonhos e em promessas quebradas; a salvação, que está ao alcance da mão; e Deus, que nunca desistirá, pois Ele enviou seu Filho para atrair a si todos os homens e para fazer novas todas as coisas (cf. Jo 12,32, Ap 21,5).

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Homem velho, homem novo

Assim como a lua reflete a luz do sol, Maria é o reflexo radiante da graça de seu Filho. Tudo o que Maria faz aponta para Jesus. Ela o trouxe para nosso desolado mundo e leva todos os que renascem nele para um mundo completamente curado, elevado e transformado em virtude de sua Encarnação e de seu mistério Pascal. O ícone de Nossa Mãe do Perpétuo Socorro centra as verdades mais essenciais da fé cristã: Cristo entrou no mundo (mistério da Encarnação), deu-se a nós completamente (Paixão e Morte), converteu-se em alimento para nós (Eucaristia) e em uma fonte de esperança (Ressurreição). Esses quatro temas se encontram no coração da fé católica e são elementos fundamentais da espiritualidade Redentorista. São verdades eternas, nascidas no tempo, que, em sua qualidade, é ordenado para a eternidade. Eles marcam a passagem do antigo para o novo mundo, do homem velho, para o homem novo, desde o primeiro Adão até o segundo. A Boa-Nova de Jesus Cristo proclama que o homem velho deu lugar ao Novo. Por meio do mistério da Encarnação, a antropologia (o que dizemos sobre a humanidade e a ação no mundo) está agora, para sempre, intimamente relacionada com a teologia (o que dizemos sobre Deus e a ação divina no mundo). Esperamos que Jesus, o novo Adão, diga-nos sobre o sonho de Deus para a humanidade e o que significa ser plenamente vivo. Como São Irineu de Lyon (c. 180), “A glória de Deus é o homem vivo”.4 Jesus, “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6), revela o sonho de Deus para a humanidade. Esse sonho vai além de nossa “louca esperança”. Ele reconhece que fomos feitos por Deus, porque, por causa de nossa humanidade caída e da propensão ao pecado, não podemos alcançá-lo por meio de nossos

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próprios esforços. Nas palavras de Santo Agostinho de Hipona (354-430), “Você nos fez, Senhor, para você, e nosso coração está inquieto até que possa encontrar a paz em você”.5 Fomos criados por Deus, mas fomos presos em uma venenosa “desintegração” de nós mesmos como resultado das seduções do pecado original e dos estragos causados em nossa mente e em nosso coração. Deus entrou em nosso mundo no mistério da Encarnação não só para curar a humanidade de feridas purulentas e restaurar sua antiga dignidade, mas também para transformá-la e elevá-la a novas alturas. Como São Atanásio de Alexandria (295-373) ensina: “O Filho Deus tornou-se homem para que possamos nos tornar Deus”.6 O sonho de Deus para a humanidade é a divinização da humanidade. Se o pecado de Adão tivesse a ver com a humanidade errada na tentativa de “ser como deuses” (Gn 3,5) e a cruz de Cristo plantada no Gólgota, “lugar do crânio” (Mt 27,33) traz para o resto da humanidade do pó de onde vem e o molda em uma nova humanidade, que não só foi criada à imagem e semelhança de Deus, mas também a faz participar e compartilhar sua própria divindade. Em outras palavras, o que a humanidade não pode alcançar por meio de seus próprios esforços, Deus concedeu gratuitamente como um dom. Ele, que é o próprio Amor, capacita a humanidade para compartilhar seu amor e transformar a humanidade de dentro para fora: o corpo (soma), a alma (psique), o espírito (pneuma) (1:5:17), como membros de seu corpo na comunidade dos fiéis (1Cor 12,12). Ou seja, Jesus, o Homem-Deus, o Verbo encarnado, que era, ao mesmo tempo, totalmente humano e totalmente divino, veio ao mundo para resgatar a humanidade das armadilhas do Maligno em todos os níveis de sua estrutura antropológica. Ele fez isso se despojando (kenosis) e entrando no seio da Virgem


Maria, a “nova Eva”,7 a primeira filha da nova humanidade, que, por causa de seu coração humilde e amoroso, permitiu que a Palavra de Deus tomasse forma em seu seio e, portanto, iniciou-se o processo de participação da humanidade na vida divina (Theosis). O Deus louco

Santo Afonso de Ligório disse uma vez que Deus era “Iddio pazzo”, um Deus louco de amor pela humanidade.8 Ele não acreditava que o amor divino fosse separado ou sem paixão, mas viu isso como a convergência de todas as autênticas expressões de amor. Como destaca o papa Bento XVI, em sua encíclica Deus caritas est, amor apaixonado (eros), amizade (philia), afeição humana e natural (Storge = amor familiar) são curados e transformados em caridade cristã (ágape).9 O amor autêntico implica dar como receber, subindo e descendo como os anjos na escada de Jacó (Gn 28,12).10 Consiste no dom do amor e na necessidade do amor. Deus é a fonte de todo amor verdadeiro. Ele é um pai, amigo, amante e marido; um Deus ciumento e um Deus generoso. De acordo com Santo Afonso, Deus está apaixonado pela humanidade e está disposto a tomar medidas extremas para levar o ser humano a um relacionamento íntimo com ele. Os teólogos nos dizem que “O amor de Deus é amplo (difusivo) por si só”.11 Deus se recusa a conter seu amor dentro de si mesmo; livremente, derrama nos atos da criação a redenção e santificação, que são, respectivamente, como a obra de Deus, Uno e Trino, a perfeita comunidade de vida, atribuída respectivamente ao trabalho do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Santo Afonso chamou à oração “o grande meio de salvação”.12 A oração está no centro de sua visão espiritual e teológica. “Se você orar, você será salvo”, ele gostava de dizer.13 Sem oração, seria impossível encontrar o caminho para Deus. Aqueles que pararem de

rezar se perderão, acabarão vagando por toda a eternidade em busca de algo para preencher o buraco em seu coração, um buraco que só pode ser preenchido por Deus. Afonso foi categórico sobre o papel central da oração para nossa salvação: “... Eu digo e repito, e continuarei repetindo em toda a minha vida, que toda a nossa salvação depende da oração; e que, portanto, todos os escritores em seus livros, os pregadores em seus sermões, todos os confessores nas instruções a seus penitentes não devem inculcar nada além de oração contínua”.14 Queria que cada pessoa recebesse graça suficiente para rezar e considerar que é a chave em que os mistérios de Deus se unem aos mistérios do coração humano. Como um instrumento de oração, o ícone da Nossa Senhora do Perpétuo Socorro abre uma janela para a eternidade que permite a Deus testar o coração da pessoa que reza e o encontra em intimidade consigo mesmo. Coloca a oração no centro da história humana, que Cristo viveu, andou pela terra e ainda vive com os membros de seu corpo, a Igreja. Jesus era conhecido em seu tempo não apenas como profeta, professor ou autor de Milagres, mas também como homem de oração. Ele compartilhou um relacionamento profundo e íntimo com “Abba”, seu Pai do Céu, e muitas vezes procurou lugares tranquilos e solitários, onde Ele poderia passar a noite em oração e comunhão com o Pai no vínculo íntimo do espírito, que eles compartilhavam. Ensinou a seus discípulos a orar e queria que todos aqueles que acreditavam nele fossem guiados pelo mesmo espírito, que o guiou e lhe pediu que sacrificasse sua vida pela vida do mundo. Encorajou seus discípulos a dirigir-se a Deus como “Abba, Pai”, como Ele próprio fez. Eles confiaram nele em todas as coisas, como as crianças confiam em seus pais, por amor. Uma frase da oração do Pai-Nosso: “Venha a nós o vosso reino, seja feita a sua vontade,

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assim na terra como no céu” (Mt 6,10) parece muito próxima das palavras inspiradas no humilde fiat de Maria, “isso se faça de acordo com a tua palavra” (Lc 1,38), e sugere que Jesus aprendeu muito bem as intimidades da oração com sua mãe. Maria, “uma mulher coberta em silêncio”,15 ensinou a todos os seus filhos a orar. Se Deus é para nós “Abba, Pai”, Maria é para nós o que ela era para Jesus: uma mãe amorosa e compassiva. Santa Maria, Mãe de Deus

O ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro descreve Maria, a Mãe de Deus (Theotókos), segurando e confortando seu filho Jesus. Ela segura o filho de uma maneira que também parece apresentá-lo ao mundo. No ícone, os três elementos da reflexão teológica madura – Deus, a humanidade e o mundo – manifestam-se, visível e misteriosamente em jogo, de uma maneira que conta uma história sobre o amor da Mãe de Deus para Deus, para a pessoa e para o mundo, onde vivemos.

A história

O ícone ativa nossa imaginação pedindo-nos para desenhar um momento especial na vida da Virgem (Madonna) e da Criança. Ele nos pede para desenhar em nossa mente a imagem do menino Jesus, que está despertando de um terrível pesadelo. O sonho dos santos arcanjos Miguel e Gabriel, acima dele, com os instrumentos de sua paixão, deixa-o muito perturbado, que o desperta, a ponto de fazê-lo fugir para os braços de sua mãe, em busca de ajuda. A sutil inclinação da cabeça de Maria mostra que ela estava olhando para o filho para o consolar e, agora, também para os espectadores para lembrá-los de se voltarem para ela em caso de necessidade. Seus olhos, de fato, seguem o do espectador que olha sua imagem de diferentes pontos de vista no espaço e no tempo. Dessa forma, o ícone conecta a narrativa da paixão e morte

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de Cristo à vida do crente. Aqueles que veem o ícone com os olhos da fé, não só veem uma bela pintura de grande valor estético, mas, um convite para unir a história de sua vida à de Jesus e Maria, a Mãe de Deus, que também é Mãe nossa, Mãe da Igreja e Mãe da nova humanidade. O mundo

Desencadeando nossa imaginação, o ícone também toca o mundo, o externo à mente e os muitos dentro de nossa mente, criados a partir dos pesadelos, que nos assombram de diversas (e, às vezes, muito sutis) maneiras. O mundo é lindo, mas também muito perigoso. Guerras, assassinatos, fome, desastres naturais, doenças, acidentes mortais, violência e a lista continua. A possibilidade da morte paira em nossa volta à margem de nossa consciência e, às vezes, até nos aborrecem. Seria muito fácil alcançar as vozes do medo, que nos rodeiam – as que são reais e aquelas que são quimeras da imaginação – e permitem que nos paralisem. Seu olhar se afasta de seu filho, e ele se volta para nós, para o mundo e para os muitos mundos que habitam nossa mente. Ele irradia amor, consolo, ajuda e proteção, que ressoa com as palavras atribuídas ao discípulo amado, a quem Jesus confiou sua mãe enquanto pendurava na cruz (cf. Jo 19,26): “no amor não há medo, mas o amor perfeito arranca o medo ...” (1Jo 4,18). O olhar contemplativo de Maria nos convida a ter uma visão mais profunda do mundo que nos rodeia. O que nos obriga a aprofundar as aparências e a viver a vida, como é suposto ser vivida. Somos convidados a nos juntarmos a ele nesse olhar contemplativo e a reconhecer nossos medos pelo que são. Seu olhar no mundo nos lembra uma verdade básica do Evangelho: o amor é mais forte do que a morte. O ícone mostra Maria lembrando seu filho pequeno essa verdade fundamental, em um momento em que ele era fraco e vulnerável. Isso nos lembra


que o mal é a falta de amor e que um dia será lançado fora da presença penetrante da luz divina. Na imagem, essa luz brilha por meio de Maria e seu filho. Nossa esperança é que também brilhe em nós e ponha o mundo em fogo.

A promessa de nossa glória presente e futura ainda está viva no ícone. Isso nos lembra nossa dignidade humana fundamental, que tem suas raízes neste mundo e, de algum modo, misteriosamente, no transcende.

O ser humano

O Deus de Jesus Cristo

O ícone fala da relação de uma mãe com seu filho. Não é qualquer mãe e qualquer criança, mas a Mãe de Deus e o Salvador do mundo. Jesus revela o que significa ser verdadeiramente humano. Maria nos mostra que a vida divina, que brilha em seu filho, também brilha nela e pode brilhar em nós. O ícone foi chamado de “janela para a eternidade”. Janelas transparentes, condutoras de luz. Dão luz aos quartos escuros e permitem que os homens olhem para o mundo a seu redor. O ouro, como pano de fundo, penetra em Jesus e em Maria e promete penetrar em nós, brilhar, através da janela do ícone, e entrar em nossa alma por meio de nossos olhos. Essa luz divina é outro nome para a graça. Maria, a Mãe de Deus e a Mãe da Igreja, está cheia de graça. Ela também nos quer cheios de graça, porque a graça abre caminho para o céu. O ícone nos lembra que o velho mundo desaparece lentamente, e, pouco a pouco, o espaço se abre para o novo mundo. A antiga humanidade, oprimida pelo pecado e pela morte, encontra-se em um processo de renascimento e, nesse processo, transforma-se em uma nova humanidade, guiada pelo Espírito e livre para viver sua herança como filhos e filhas de Deus. Por isso, lembra-nos que o mistério da redenção é algo mais que simplesmente a cura de nossa primordial ferida autoinfligida, mas uma elevação e transformação de nossa existência. O ícone nos lembra que Cristo se tornou homem para criar nossa humanidade em sua divindade e, ao fazê-lo, produziu uma mudança em nós, que vai além de nossos sonhos mais profundos.

Cada história tem um autor, como qualquer ícone de pintor. Um iconógrafo desconhecido está atrás do ícone da Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Fazer o ícone é para ele um exercício espiritual, uma participação em um regime de jejum e oração, seguindo diretrizes concretas para sua realização. O artista produz um instrumento de oração que justapõe os símbolos e as imagens que transmitem a sensação de outra dimensão que vai além do tempo e do espaço para um mundo além. De forma semelhante, mas muito mais profunda, está Deus Pai na história que o ícone diz. Como o autor da nova criação, a descrição da encarnação de Cristo, a paixão, a morte e a ressurreição, vem de sua mão. Fala do Deus de Jesus Cristo e transmite seus sonhos e suas esperanças pelo futuro da humanidade. É a história de um amor infinito que é capaz e está disposto a fazer coisas aparentemente impossíveis. Como nos lembra o Evangelho, “para Deus tudo é possível” (Mt 19,26). Porque Deus é amor, o ícone nos lembra que seu sonho para a humanidade está intimamente relacionado com o sonho que ele próprio possui. Graças a Cristo, o divino e o humano estão intimamente unidos. A humanização de Deus em Cristo termina na divinização da humanidade em Maria e em todos aqueles que recorrem a ela e seu filho, forjando a graça transformadora pela incorporação do Filho à vontade do Pai por meio de sua Encarnação e seu Mistério Pascal. Santo Afonso expressou da melhor maneira, “o paraíso de Deus é o coração do homem”.16 A história contada pelo ícone é a história

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de Cristo e sua mãe Maria; é a história da humanidade e do mundo. É também a história de Deus e do poder de seu amor, para iluminar a escuridão de nossa alma, poder descansar na manjedoura de nosso coração, permitir que seu Espírito habite em nós e, em última instância, levar-nos para casa. Conclusão

O ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro liga nossa história à de Maria e seu filho. Conecta nossa imaginação e nos convida-nos a contemplar uma humanidade divinizada que vive em uma nova criação baseada no amor a Deus e na vida no Espírito. É uma obra de arte sagrada, que revela nossos anseios e nossas esperanças mais íntimas, o que nos encoraja a ver o mundo e nosso lugar nele como obra de um Deus amoroso e compassivo. O olhar contemplativo de Maria toca o coração daqueles que a meditam na fé, recebem-na com esperança e aceitam seu convite com compaixão e amor. O ícone conta a história de uma mãe e seu filho, a Mãe de Deus e o Salvador do mundo. A história também é nossa história, porque Maria não é apenas a Mãe de Deus, mas também a Mãe da Igreja; e nós, a comunidade dos fiéis, somos membros de seu Filho ressuscitado e glorificado. O ícone nos desafia a “caminhar pela fé, não pela visão” (2Cor 5,7), e nos ajuda a ir mais fundo do que as aparências e ver o mundo, que nos rodeia, de modo calmo e contemplativo. Com esse olhar, somos capazes de perceber a verdade das coisas e seu significado em torno de nós, como se fôssemos tocados pela graça de um Deus amoroso. Em 1866, o papa Pio IX deu o ícone da Nossa Senhora do Perpétuo Socorro aos Redentoristas, pedindo-lhes que o fizessem ser conhecido em todo o mundo. Ele fez isso porque entendeu uma verdade muito simples: a história de Maria está intimamente ligada à do Evangelho e sempre acompanhará

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aqueles que carregam sua mensagem até os confins da terra. O papel do ícone, no mundo de hoje, não é fornecer soluções concretas para problemas difíceis e complexos, mas lembrar as pessoas de que sua história está intimamente relacionada com Maria e seu filho. O ícone nos diz que a transformação do mundo deve começar com a transformação do coração humano. Esse tipo de mudança só será possível quando as pessoas soltarem suas defesas, abrirem seu coração e fazerem-se vulneráveis ao doce amor, compassivo e misericordioso do Emmanuel, Deus conosco (Mt 1,23). No final, o ícone de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro oferece um convite a todos os tipos de oração: vocal, meditativa, contemplativa, litúrgica, devocional, comunitária, pessoal. Que tudo de nossa parte convide Deus para nossa vida e peça-lhe jogar um papel ativo no nosso mundo. Santo Afonso chamou à oração “os grandes meios de salvação”, porque ele entendeu que poderia levar a transformação ao coração humano. Uma vez que isso fosse alcançado, a busca de soluções para os problemas que pesam em nosso coração e em que o mundo parece tão intimamente ligado se veria imersa em uma luz muito diferente. Nota Biográfica: Dennis J. Billy, C.Ss.R., ensinou por mais de 20 anos na Academia Alfonsiana de Roma, Pontifícia Universidade Lateranense. Agora ocupa a cátedra John Krol de teologia moral no seminário São Carlos Borromeo em Wynnewood, Pensilvânia, e também serve como professor de teologia católica na Fundação Teológica Graduada em Mishawaka, Indiana. NOTAS

Ver N. Max Wildiers, The Theologian and His Universe: Theology and Cosmology from the Middle Ages to the Present (New York. The Seabury Press, 1982), 1. 1


The Perpetual Help Story (Liguori, MO: Liguori Publications, 1976), 50. Ver também The Redemptorists, http://www.cssr.com/english/whoarewe/iconstory.shtml (acesso 30 março 2015). 3 Todas as citações bíblicas são da The Catholic Study Bible: The New American Bible Revised Edition (New York, Oxford University Press, 2011). Ver também The Holy See, http://www.vatican.va/archive/ ENG0839/_INDEX.HTM (acesso 30 março 2015). 4 Irineu de Lião, Adversus haereses, 4.20.7. Ver também Catecismo da Igreja Católica, n. 294, http:// www.vatican.va/archive/ENG0015/__P19.HTM (acesso 25 março 2015). 5 Agostinho de Hipona, Confessions 1.1, trans. Rex Warner (New York, New American Library, 1963), 17. 6 Atanásio de Alexandria, De incarnatione, 54.3. Ver também Catecismo da Igreja Católica, n. 460, http:// www.vatican.va/archive/ENG0015/__P19.HTM (acesso 25 março 2015). 7 Irineu de Lião, Adversus haereses, 5.19.1. Ver também o Concílio Vaticano II, Lumen gentium, n. 56, The Holy See, http://www.vatican.va/archive/ hist_councils/ii_vatican_ council/ documents/vat-ii_ const_19641121_lumen-gentium_en.html (acesso 30 março 2015). 8 Afonso de Ligório, Selected Writings. The Classics of Western Spirituality (New York/Mahwah, NJ: Paulist Press, 1999), 268. Ver também, Idem, L’amore dell’anime, 2.11 in Opere ascetiche, vol. 5 (Roma: Sant’Alfonso, 1943), 33. 9 Papa Bento XVI, Deus caritas est, n. 3-8, The Holy See, http://w2.vatican.va/ content/benedict-xvi/ en/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20051225_ deus-caritas-est.html (acesso 30 março 2015). Ver também C.S. Lewis, The Four Loves (San Diego/New York/London: Harcourt Brace Jovanovich Publishers, 1960), 184. 10 Papa Bento XVI, Deus caritas est, n. 7, The Holy See, http://w2.vatican.va/ content/benedict-xvi/ en/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20051225_ deus-caritas-est.html (acesso 30 março 2015). 11 Ver, por exemplo, Pseudo-Dionysius, On the Divine Names, 4.1.20; The Celestial Hierarchy, 4.1 in Pseudo-Dionysius: The Complete Works, trans. Colm Luibheid, The Classics of Western Spirituality (New york/Mahwah, NJ: Paulist Press, 1987), 93-94, 156. 12 Afonso de Ligório, Prayer, The Great Means of Salvation in The Complete Works of Saint Alphonsus de Liguori, ed., Eugene Grimm, vol. 3 (Brooklyn/St. Louis/ Toronto: Redemptorist Fathers, 1927), 22. 13 Ibid., 49. Ver também Catecismo da Igreja Católica, n. 2744 http://www.vatican.va/archive/ ENG0015/__P19.HTM (acesso 30 março 2015). 2

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Liguori, Prayer, The Great Means of Salvation,

15 Ver John W. Lynch, A Woman Wrapped in Silence (New York/Paramus, NJ: Paulist Press, 1941, 1968). 16 Afonso de Ligório, The Way to Converse Always and Familiarly with God in The Complete Works of Saint Alphonsus de Liguori, ed., Eugene Grimm, vol. 2 (Brooklyn/St. Louis/Toronto: Redemptorist Fathers, 1927), 395.

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COMO É BELA A MORTE... Dos escritos espirituais de Madre Maria Celeste Crostarosa Maria Celeste Crostarosa

(F-M, n. 131, Exercise d’amour pour chaque jour, 4 avril).

Como é Bela a Morte quando se viveu bem! Morrendo para esta vida, já na própria morte, encontra-se a vida... Para as almas justas, morrer é adormecer na paz... A alma justa está à espera da hora marcada. Eis chegada a hora: para uma alma que ama não há notícia mais alegre e feliz, porque para ela o combate está terminado; porque tudo o que ela deixa, na realidade, já o havia abandonado há muito tempo... Mas a maior de todas as alegrias é a de poder em breve possuir seu Bem-amado, que, ao longo de toda a sua vida,

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nela viveu aqui na terra, isto é, ao longo de toda a sua morte para o mundo. A posse desse amor, no qual ela viveu e o qual foi crescendo e amadurecendo sempre, a morte lhe dará na verdadeira vida... Observe, então, minha filha, como é bela a morte quando se vive morrendo! (F-M, n. 141, Exercices spirituels de decembre, méditation 11). Como é bela a morte! Essas palavras são de amor. Maria Celeste é uma mulher que arde de amor pelo Senhor. A morte de que fala, ela a viveu durante toda a sua vida de nômade


e de fundadora. Além disso, cada eucaristia era para ela ocasião de partilhar a morte e ressurreição de seu amigo Jesus, pela salvação do mundo. Assim, ao término de uma vida, movimentada e marcada por toda sorte de tempestades, o testemunho de Maria Celeste é um grito de fé e um canto de esperança. Ela relembra aquela passagem de São João, que gostava de comentar em seus escritos: “Aquele que existia desde o princípio, aquele que ouvimos, que vimos com nossos olhos e que nossas mãos tocaram é o Verbo, a palavra de Vida. Sim, porque a vida se manifestou e nós a vimos e dela damos testemunho; nós vos anunciamos essa Vida eterna, que existia junto do Pai e se manifestou a nós. Isso que nós vimos e ouvimos, nós o anunciamos a vós também...” (1Jo 1,1-3). Maria Celeste deu e continua dando testemunho dessa vida de amor de Jesus. Como um eco à palavra dele: “eu vim trazer fogo à terra!”, ela escutou Jesus dizer-lhe um dia: Que o amor seja meu alimento e a chama, na qual você se inflame dia e noite, até que se torne fogo! Todo o seu ser seja um com o fogo, de tal forma ele a queime! E aspire depois: que esse fogo consuma, e você se aniquile sob as cinzas da verdadeira humildade. Não sendo mais você quem vive, continuará, por isso, vivendo e queimando nessa chama eterna, que arde sem cessar e faz jorrar sua luz por toda a eternidade. Seja reduzida ao nada da cinza, que produz esse fogo divino, esteja morta ao mundo, a toda criatura, a toda coisa terrena, não viva senão de amor até se tornar, totalmente e sem qualquer diferença, fogo com o Fogo (F-M, n. 33, Exercices spirituels de decembre, mé ditation 20). Maria Celeste ardeu nesse fogo de amor até sua derradeira hora. O que chama atenção é que, em 14 de setembro de 1755, na festa da Exaltação da Santa Cruz, nada fazia prever a proximidade de sua morte. No entanto, lá pelo

meio do dia, ela sentiu suas forças declinarem estranhamente. Pediu que chamassem um padre. Tendo começado sua vida religiosa no Carmelo de Marigliano, a espiritualidade dessa Ordem deixou marcas nela. Ao aproximar-se a morte, ela se lembrou da oração de Teresa d’Ávila ao agonizar, pois essa oração havia inspirado muito seus escritos: “Meu queridíssimo Senhor, eis enfim chegada a hora que tanto esperei. Há bastante tempo nós nos vemos, meu Bem-amado Senhor! Já é hora de nos colocarmos a caminho. Está tudo combinado. Partamos! Que se faça a tua vontade. É chegada a hora de sair deste exílio. É chegada a hora em que minha alma poderá fartar-se de ti, a quem tanto desejei”. Ela recebeu então a unção dos enfermos e a eucaristia como viático, isto é, como o diz a palavra, como alimento para sua última viagem. Pediu em seguida que o padre lesse em voz alta a paixão de Jesus, segundo o Evangelho de João. Em silêncio, escutou a palavra do Crucificado: “Tudo está consumado! E inclinando a cabeça, entregou o espírito” (Jo 19,30). Nesse momento, Maria Celeste, unida ao sacrifício pascal de seu amigo, inclinou a cabeça e deu o último suspiro. Era por volta das três da tarde. Uma sexta-feira. Um misterioso perfume de rosas tomou conta do quarto da morta. Era como se fosse sua assinatura: “Crosta-Rosa”, rosa de fogo! Era também uma mensagem. A última: o evangelho da rosa. Esse era o evangelho que Gandhi gostava de apresentar desta maneira: “Deixai, pois, vossa vida nos falar. A rosa absolutamente não fala, ela se contenta em espargir seu perfume. E, então, mesmo o cego, sem ver a rosa, sente seu perfume. É esse todo o segredo do evangelho da rosa”.

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Esse é também o evangelho de Maria Celeste: sua vida e sua morte nos fazem ver, como por uma transparência, a vida e a morte de Jesus, a quem ela tanto amou. Nessa mesma hora, em Materdomini, a uma centena de quilômetros dali, seu amigo Geraldo, muito doente – que morrerá no mês seguinte –, exclamou diante do irmão Estevão Sperduto, enfermeiro que o assistia: “Meu irmão, hoje Maria Celeste voou para o céu, para receber a recompensa de seu grande amor por Jesus e por Maria”. Um santo, Geraldo Majela, acabava de “canonizar”, por assim dizer, aquela a quem, já havia anos, o povo chamava “a santa priora”. Por isso, nos dias que seguiram a sua morte, o povo de Foggia e dos arredores fez vigília em torno de seu caixão, repetindo com tristeza: “A santa Priora morreu! A santa Priora morreu”. E nós, hoje?

Quando rezamos, será que pensamos em nossa morte? Será que pensamos nela como Maria Celeste, não como uma catástrofe, mas como um encontro com nosso melhor amigo? Como um encontro a ser preparado? A ser preparado como uma festa? Maria Celeste havia meditado longamente a paixão e ressurreição de Jesus, seu amigo, sobretudo na hora da comunhão. Será que empregamos tempo em refletir sobre a morte sofrida por nosso amigo Jesus, que é, agora e sempre, o Crucificado-Ressuscitado? Será que aceitamos participar dessa morte e dessa ressurreição do Cristo, quando participamos da eucaristia? Somos felizes, como Maria Celeste, por descobrir o quanto “ a morte é bela”, quando triunfa em nós, na força do Espírito Santo, a vontade de amor de nosso Pai do Céu, que a todos nós quer salvar e que nos convida, por isso, em cada eucaristia, a comungar o Cristo morto e ressuscitado?

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Oremos com Maria Celeste Em vós (Jesus), Deus Pai me deu a vida. Ó morte preciosíssima, que me ressuscitou para a vida! Sim, meu Amor, Verbo bem-amado de Deus, vós dais assim a vida àqueles a quem quereis fazer viver. Mas Deus Pai não vos ressuscitou antes que houvésseis padecido vossa dolorosíssima morte. Da mesma forma, vós não realizais na alma essa preciosa ressurreição, se a alma não começa por morrer, ao longo de toda a vida, em seus sentimentos interiores e exteriores, em vossa morte, para daí ressuscitar para uma vida nova de amor, em vós, o Verbo de Deus, vida de todas as coisas.


CULTURA DIGITAL E VIDA RELIGIOSA Pe. Biju Madathikunnel, C.Ss.R. Centro de Comunicação Roma – Itália

Vivemos em um mundo onde todos somos bombardeados com toneladas de informação. Por vezes, devido à quantidade e ao ritmo com que a recebemos, é muito difícil para nós processá-la. Os avanços tecnológicos que vemos na vida cotidiana são exponenciais. A ciência, a mídia e a tecnologia mudaram a forma de como os seres humanos viveram no

passado. Hoje pensamos de forma diferente, comunicamos a experiência de forma diferente e processamos a informação de uma maneira diferente. Muitos de nós já viram como a ciência e a tecnologia transformaram o estilo de vida nas últimas duas décadas. A velocidade com que as mudanças ocorrem é tão rápida que alguns não conseguem

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acompanhá-las. Nós não interagimos uns com os outros da mesma forma que interagíamos há dez anos. A maneira de como obtemos as informações e os recursos para o conhecimento é completamente diferente do passado. As relações são redefinidas nessa nova cultura da revolução digital. Imagens de mídia estão remodelando a percepção pública da religião, das crenças e do secularismo. Estamos muito bem conectados neste mundo digital e nesta cultura digital. No entanto, não podemos nos comunicar com pessoas que realmente estão necessitadas e sofrendo. Cultura digital – riscos e desafios

Como sabemos, a cultura de nosso tempo é digital, e a vida religiosa deve aceitar essa realidade, aproveitar o bem que ela traz e aprender a administrar os riscos e desafios que ela representa. Se nos colocamos no contexto dessa cultura digital, podemos encontrar três grupos de pessoas. O primeiro é um grupo de pessoas que nasceram antes desse período de mudança exponencial e, ao mesmo tempo, lutam para acompanhar as mudanças neste mundo, especialmente no mundo digital. O segundo grupo é daqueles que nasceram mais ou menos na época dessa grande transição e caminham junto com as mudanças. As pessoas desse grupo conseguem se adaptar às mudanças e podem aprender sobre tecnologia e mídia. Elas são chamadas de imigrantes digitais. O terceiro grupo é daqueles que nasceram nessa cultura digital e são bons em tecnologia e mídia. Eles são os chamados filhos da era digital ou nativos digitais. Podemos encontrar esses grupos em nossa Congregação. Cultura digital e missão

Não há dúvida de que as grandes mudanças que testemunhamos hoje estão remodelando nossa vida religiosa. Às vezes, elas nos mudam ainda que sem nosso

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conhecimento consciente. A maneira como vivemos nossa vida religiosa, a forma como expressamos nossa fé, a forma como nos envolvemos no ministério, a forma como interagimos uns com os outros etc., tudo mudou em algumas décadas. A lacuna entre as gerações está se ampliando. A distância entre as pessoas que são amigas da tecnologia e as que não são está ficando maior. Em nossa comunicação verbal, o vocabulário e o significado das palavras são diferentes para os jovens de hoje, em comparação com alguém que não está em sintonia com essa cultura digital. Esses tipos de diferenças são, por vezes, evidentes em nossa vida religiosa, por exemplo, entre formadores e estudantes. Muitas vezes, os jovens são mais espertos do que seus pais e formadores, devido a sua capacidade de adaptação à nova tecnologia. É hora de pensarmos seriamente sobre essa realidade da cultura digital e como podemos ser mais eficazes em nossa vida e missão. Segundo o papa Francisco, “o mundo digital pode ser um ambiente rico em humanidade; uma rede não de cabos, mas de pessoas. A imparcialidade da mídia é meramente uma aparência; somente aqueles que se deixam em sua comunicação podem se tornar um verdadeiro ponto de referência para os outros. Compromisso pessoal é a base da confiabilidade de um comunicador. O testemunho cristão, graças à Internet, pode atingir as periferias da existência humana” (Papa Francisco, 24 de janeiro de 2014). Aqui o papa Francisco espera que, com a ajuda da tecnologia e da comunicação, possamos alcançar as periferias. É responsabilidade da Igreja refletir sobre como podemos usar os meios para alcançar os mais abandonados e pobres. Nós, Redentoristas, temos uma missão específica para alcançar as periferias do mundo. No entanto, mais do que nunca, temos de pensar de outra forma no contexto de desenvolvimentos tecnológicos e novos significados de comunicação.


Pe. Pelágio Sauter

PADRE PELÁGIO SAUTER Ano Devocional

O dia 23 de novembro é lembrado pelos goianos como o aniversário de morte do Venerável padre Pelágio Sauter. No Setor Ana Rosa, em Trindade, GO, fica a igreja do Santíssimo Redentor, onde estão seus restos mortais. Lá se reúnem os devotos para a novena e festa, que têm como intenção o pedido por sua beatificação. A novena marcou a abertura de um Ano Devocional, promovido pelos missionários redentoristas de Goiás.

As celebrações começaram no dia 16 de novembro de 2018, às 19h30, com missa presidida pelo padre André Ricardo, superior provincial dos redentoristas. As celebrações, que seguiram até o dia 25, sempre no mesmo horário, foram precedidas pela oração do Rosário, atendimento de confissão e adoração eucarística. Nos fins de semana do novenário, também foi realizada uma quermesse perto da igreja.

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Ano Devocional

A decisão de realizar o Ano Devocional do padre Pelágio foi tomada pelos redentoristas de Goiás no Capítulo Provincial de 2017. O então superior provincial dos redentoristas de Goiás, padre Robson de Oliveira, nomeou uma equipe para levar à frente essa programação, liderada pelo coordenador da região pastoral, onde está a igreja do Santíssimo Redentor, padre Bráulio Maria. A abertura oficial do Ano Devocional foi marcada para o dia 23 de novembro de 2018. “Será uma grande solenidade para abrir um ano de muita graça e peregrinação. Queremos levar a mensagem e a devoção do padre Pelágio às paróquias e comunidades. Pelágio fez e continua fazendo milagres na vida das pessoas que invocam seu nome”, explica o religioso. Diversas outras iniciativas estão previstas e, oportunamente, serão divulgadas. Entre elas, a realização de um congresso missionário sobre a santidade, visitas às paróquias para divulgar a devoção, visitas a hospitais, divulgação de milagres, coleta de novos casos, transmissão de uma missa semanal pela TV e de uma bênção aos enfermos por meio do rádio, diretamente da igreja do Santíssimo Redentor. A solenidade de encerramento do Ano Devocional está marcada para 23 de novembro deste ano. História

Padre Pelágio Sauter veio da Alemanha para o Brasil, em 1909, e nunca mais regressou a sua pátria. Viveu em Goiás por 47 anos, onde dedicou sua vida no cumprimento do apostolado. Percorreu centenas de comunidades, quase sempre a cavalo, tornando-se conhecido e estimado pelo povo. Entre suas predileções, estavam os pobres e enfermos. Trabalhou mais em Trindade. Os romeiros, quando visitavam o Santuário do Divino Pai Eterno, não voltavam para casa sem pedir também a bênção do padre Pelágio. Ele faleceu dia 23 de novembro de 1961, na Santa Casa de Goiânia. Seu processo de beatificação

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foi aberto em 1998, e, em 7 de novembro de 2014, o papa Francisco concedeu a ele o título de Venerável.


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