Edição 522

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Inside

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Fabrício Oliboni fabrioliboni@gmail.com

Café Há alguns verões escrevi uma coluna sobre café. Nesse verão vai ter texto sobre café também: hoje. O café faz parte da vida de muitas pessoas. Várias, quase todas. Eu chutaria, sem nenhum embasamento estatístico, 93% da população mundial. Os outros 7% são de uma galera muito isolada, tribos com pouco ou nenhum contato com o “homem moderno” ou de regiões de culturas muito distintas aos costumes ocidentais. Pensando bem, acho que só 3% das pessoas no planeta Terra não tem café no seu dia a dia, de uma forma ou outra. O café me ronda por todos os lados. E eu não gosto de café. Nunca gostei e as chances de eu gostar não tem crescido muito nessas minhas quase três décadas de vida. Me enquadro nos 97% acima, porque mesmo não sendo um adepto da bebida, ao menos umas 5x por semana alguém me oferece café. Voltando para a porcentagem, se você me conhece minimamente, sabe que eu não curto café. Mesmo assim, 87% desse pessoal me oferece café em algum momento. Implicância, zoeira, esquecimento ou – a mais provável alternativa – esperança. Sim, esperança de que, em algum momento, eu me renda ao sabor e ao aroma de uma das tantas variações de café. Sendo bem franco, até o cheiro do café não me apetece. Sim, neste exato momento sou odiado por 91% da população mundial pelas minhas fortes declarações contra o café. 91%, sim, porque 6% do dado anterior é da minha turma, dos que não são “usuários de cafeína quente”. Ah, já respondendo a eventuais acusações, já tentei gostar de café algumas vezes. Falhei miseravelmente. Ou melhor, o café falhou em me conquistar. As pessoas, de modo geral, são muito firmes nas suas preferências. Defendem e querem te trazer para o lado delas, e isso em assuntos como política, futebol, música, comida... Algo natural, buscar similares e pessoas que gostem das mesmas coisas que você gosta muito. O caso do café parece um fanatismo fora do comum às vezes. Tem gente que simplesmente não aceita que possa haver um ser humano que não goste de café. Já vi adultos terem muito menos argumentos ao convencer uma criança a torcer para o time deles, em comparação com um defensor ferrenho do café. Sigo resistente, podem continuar tentando. O único café que “tomo” é o da manhã. Uma péssima piada, que me faz figurar ainda com mais destaque na lista de personas non gratas de Farroupilha. Café é uma preferência nacional, e ouso dizer mundial, então seguirei como um incompreendido nessa minha não adesão ao clube do café. Eu iria encerrar esse texto garantindo que seguirei sem tomar café. Mas as coisas não andam bem no Brasil, por isso precisamos de um pouco de esperança, então deixo aqui a mensagem de que talvez 2018 seja o ano que eu vá gostar de café. Pessoas, sigam me oferecendo café, vai que... Esperança, e – talvez – café. #pas * Agente de intercâmbio e bacharel em Relações Internacionais

FARROUPILHA, 26 DE JANEIRO DE 2018

Primeiro Parágrafo

Um passado revisitado em incursão afetiva e emocional Falecido no último dia 5, Carlos Heitor Cony teve, no meio autobiográfico “Quase Memória”, sua obra mais íntima e pessoal, o apogeu de uma rica carreira literária Ramon Cardoso ramon@jornalinformante.com.br

U

m contador de histórias seria uma apropriada definição de Carlos Heitor Cony. O escritor fluminense, que faleceu no início do mês, expôs essa virtude de maneira plena em “Quase Memória”. Publicado em 1995, ele foi vencedor do Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro em 1996, ano em que também foi contemplado com o Prêmio Machado de Assis, conferido pela Academia Brasileira de Letras. Tudo inicia quando Cony recebe, na saída de um restaurante, um embrulho que, por inegáveis indícios, seria endereçado a ele por seu pai. A grande questão é que Ernesto Cony Filho havia falecido há mais de 10 anos. Evidente que o pacote o deixa atordoado. Ele retorna ao escritório, cancela compromissos e inicia uma jornada repleta de nostalgia e saudosismo, que tem seu pai como protagonista. Ela começa por sua infância, relatada no período em que estudou no Seminário, e como, pelos mais variados motivos, seu pai se fazia presente em sua vida, ainda que estivesse longe de casa.

Professor concursado no município, lhe era garantido ter outro emprego e quase nada é falado sobre o magistério de Ernesto, mas sim do período em que transitou pelas Redações dos grandes jornais cariocas. Mas sua profissão de jornalista era invariavelmente deixada de lado por outras ambições, por mais surreais que fossem. “Aliás, fazia parte de seus truques interiores partir de uma realidade estéril para um sonho grandioso”, comenta Cony. E Ernesto sempre parecia movido por grandes metas. Pouco importava sua utilidade ou relevância prática, o importante era ter um objetivo e correr atrás dele. O que o pai do escritor revelava, sobretudo, conforme o relato do filho, era um apetite insaciável por viver. “Até hoje, considero que o pai vivia satisfeito naquele tempo. Sempre vivera satisfeito, era do tipo que recebia um bom dia como uma homenagem, de tudo em que se metia dava um jeito de extrair prazer pessoal, era o sujeito que todo dia, ao dormir, pensava consigo mesmo: ‘Amanhã farei grandes coisas’!”, cita Cony. A forma intensa como viveu o tornava um sujeito especial. Em capítulos curtos, o escritor revela passagens absurdas e cômicas, dramáticas e trágicas, que pautaram a trajetória de Ernesto e que tiveram reflexos em toda família, mas em especial


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