Cinema IMS-RJ - Folheto Janeiro/2017

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SESSÃO CINÉTICA: VIAGEM AO FIM DO MUNDO A VERTIGEM DO DESESPERO

Enquanto soam os acordes dissonantes e as imagens justapostas de Alegria, alegria, uma outra forma de colagem começa a se engendrar no filme que tem início. A canção de Caetano dá o tom de uma aventura cinematográfica vertiginosa, ao mesmo tempo fragmentária, povoada de citações (visuais, sonoras, literárias) e portadora de uma energia íntegra, encorpada num ritmo febril. Viagem ao fim do mundo exibe uma forma dramatúrgica exuberante, sem precedentes e sem herdeiros no cinema brasileiro. Uma viagem de avião reúne uma fauna insólita – uma freira, um jovem leitor de Machado de Assis, uma garota-propaganda, um tarado medroso, um grupo de jogadores de futebol – e opera como um microcosmo-alegoria-dispositivo para as memórias-devaneios de cada passageiro, que, mais que personagem, é um disparador de relações com outros tempos, espaços e regimes de enunciação. O avião turbulento é o instável ponto de ancoragem do drama e a caixa de ressonância de uma proliferação de monólogos interiores que partem de cada rosto para convocar outras cenas, que se multiplicam entre o found footage e as entrevistas, as encenações oníricas e as derivas documentárias pela rua. Cada figura dramática é uma entidade povoada por vozes estrangeiras que se entrecruzam numa harmonia assíncrona. A musicalidade da montagem garante um ritmo contagiante, pontuado por longos movimentos (a meditação da freira que incorpora a angústia religiosa de Simone Weil e se duplica no monge Thomas Merton) e entrecortado por ataques breves, como o inesquecível diálogo entre Jofre Soares e a moça que diz ser um erro de continuidade do filme, pois só aparece nos planos ímpares.

Na quinta-feira (19) às 19h30, o cinema do IMS-RJ exibe, em 35mm, Viagem ao fim do mundo, de Fernando Coni Campos. Após a sessão haverá um debate com os críticos da revista Cinética, disponível em: revistacinetica.com.br

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O título decadentista é só a porta de entrada dos paradoxos. O primeiro longa de Fernando Coni Campos está grávido de começos: “originalíssimo tour de force” (Ewerton Belico), “pioneiro do ensaio cinematográfico na filmografia brasileira” (Jean-Claude Bernardet), “filme de invenção absoluta” (Julio Bressane). A energia inaugural está em cada fotograma, mas o que prometia ser o nascimento triunfal de uma trajetória reluzente terminou por constituir o primeiro passo de uma carreira acidentada, subterrânea, cujo marco inicial permanece “sem lugar em nossa historiografia” (Belico). Viagem ao fim do mundo é ao mesmo tempo “uma das obras mais instigantes e inteligentes realizadas no período” (Ruy Gardnier) e um filme abortado pela historiografia brasileira, que não soube ainda lidar com o cinema de Coni Campos. Também pudera. “Não havia nada semelhante no panorama cinematográfico brasileiro” (Bernardet). Uma sequência pode começar com um plano-detalhe de uma página de revista, convocar uma entrevista farsesca, deslizar por uma experimentação abstrata e retornar à poltrona do avião. Outra pode partir da leitura


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