CONFLUÊNCIAS
Às margens de Rosa O INVENTOR DE MUNDOS E O VIAJANTE DO SERTÃO, O HOMEM SENTIMENTAL E O DIPLOMATA ERUDITO SÃO AS PERSONAGENS QUE SURGEM DAS MEMÓRIAS DE DORA FERREIRA DA SILVA, JOSÉ MINDLIN, RUBENS RICUPERO E DO VAQUEIRO MANUELZÃO
Edu Simões/IMS
Nascida em Conchas, no interior de São Paulo, em 1918, a poeta e tradutora Dora Ferreira da Silva publicou em 1970 seu primeiro livro, Andanças, reunindo trabalhos escritos desde 1948. Seguem-se obras como Talhamar (1982), Retratos da origem (1988), Poemas da estrangeira (1995) – incluídos em Poesia reunida (Topbooks, 1999), que recebeu da Academia Brasileira de Letras o prêmio Machado de Assis. Tradutora dos poetas Rainer Maria Rilke, Friedrich Hölderlin e Saint-John Perse e do pensador suíço Carl Gustav Jung, foi casada com o filósofo Vicente Ferreira da Silva (1916-1963). Com ele, editava a revista Diálogo e promovia tertúlias literárias e grupos de estudos na casa da rua José Clemente, em São Paulo. Após a morte do marido, criaria a revista Cavalo Azul. Com Hídrias (Odysseus, 2004), ganhou pela terceira vez o prêmio Jabuti. Este depoimento sobre Guimarães Rosa foi escrito por Dora Ferreira da Silva poucos dias antes de sua morte, no dia 6 de abril de 2006.
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João Guimarães Rosa, bardo do Brasil, inventor de mundos, a nossa paidéia, o nosso Homero. Di-
plomata, homem de cultura polimórfica, de finura inesquecível, foi no entanto como Riobaldo que apareceu sem aviso prévio na porta da rua José Clemente, 324, lá pelas 15 horas de 1957. Era uma tarde ensolarada não sei de que dia, Vicente não estava em casa, a empregada faltara. Sozinha e lenta, eu acabara de me vestir após o banho. A campainha tocou. Pus rapidamente um lenço como turbante para prender os cabelos molhados e fui olhar pela janela do meu quarto, que fica no segundo andar. O jardim é grande e de longe avistei (ou acreditei ver) um homem alto montado a cavalo à frente do meu portão. Curiosamente, ao mesmo tempo eu o conhecia e não conhecia. Um pensamento rápido aumentou aquela visão singular: ‘Deve ser alguém que acabou de descer de um disco voador’. 59
24/11/06 – 20h