CLB Clarice Lispector

Page 75

se continuasse produzindo livros, adquirisse uma habilidade detestável. Um pintor célebre – não me lembro quem – disse, certa vez: ‘Quando tua mão direita for hábil, pinte com a esquerda; quando a esquerda tornar-se hábil também, pinte com os pés’. Eu sigo esse preceito.”

se seu ‘ainda escreve’: pergunto se, com os meus escritos duramente humildes estou incomodando a alguém. A quem? Se você sabe de pessoas de quem eu esteja atrapalhando o caminho ‘literário’, me diga os nomes e eu juro que guardarei segredo. Recuso-me a ser importante. O ‘sucesso’ jamais me subiu à cabeça. Continuo sendo uma escrivã paciente. O grande Alceu Amoroso Lima, que me deu a honra de escrever sobre mim desde meu primeiro livro, vaticinou, meu Deus, há muitos anos, que eu ia estar numa trágica solidão nas letras brasileiras. Até um tempo atrás eu não o entendi. Mas agora sinto isso na carne. Olhe, eu escrevo por nenhum motivo especial, e, se existe algum motivo, surgiu quando eu tinha um pouco menos de 7 anos de idade e comecei a escrever.”

(“Escritora mágica”, por Isa Cambará. Revista Veja. São Paulo, 30.07.75)

“Eu não poderia viver sem escrever. Mas passei uns oito anos de aridez. Sofri muito. Pensei que não escreveria mais, nunca mais. Então veio de repente um livro inteiro, que é A paixão segundo G.H.. Aí não parei mais. Trabalho todos os dias. Nada, agora, me impede. Nada me perturba, nem mesmo uma emoção como essa do prêmio. Hoje mesmo trabalhei.”

(“Clarice Lispector, mais um livro. E a mesma solidão”. Sem assinatura. O Globo. Rio de Janeiro, 25.08.77)

(“Clarice Lispector: ‘Já tentei reformar o mundo. Mas quem sou eu, meu Deus, para mudar as coisas?’”, por Edilberto Coutinho. O Globo. Rio de Janeiro, 29.04.76)

“Eu acho que, quando não escrevo, eu estou morta. [...] É muito duro o período entre um trabalho e outro e, ao mesmo tempo, é necessário para haver uma espécie de esvaziamento da cabeça para poder nascer alguma outra coisa. E se nascer... É tudo tão incerto!”

“A sua pergunta – ‘por que ainda escreve?’ – me insulta, apesar de você não querer me insultar. O que quer dizer ela? Que chega de escrever bobagens? Ou significa que você acha que eu já tenha dado tudo o que tinha para dar? Por que escrevo? Pergunto a você: por que você ainda bebe água? Responda. Estou esperando. Mas me dê uma resposta que seja inspirativa. Já ouvi me dizerem, para me agradar: ‘Você não precisa mais escrever, você já faz parte da literatura brasileira’. Mas que inferno, e eu lá desejo entrar em alguma literatura do mundo? O futuro já é passado, não me interessa mais. Ou você pensava que eu escrevia para criar alguma notoriedade? Eu lhe juro que nunca bajulei críticos a fim de ter deles uma interpretação elogiosa. Minha relação com os críticos é essa: eu não agradeço elogios, para deixá-los livres para falar mal de meus outros livros. E nunca – mas nunca – me defendi por carta ou telefone quando me atacam. A grande maioria dos que me interpretam, eu não conheço nem de nome. Todos estão livres de mim. Es-

“Bom, eu, agora, eu morri. Vamos ver se renasço de novo. Por enquanto eu estou morta. Estou falando de meu túmulo.” (“Clarice Lispector”, por Júlio Lerner. Panorama Especial, programa gravado em 01.02.72 e levado ao ar pela TV Cultura. São Paulo, 28.12.77)

“Escrevo simplesmente. Como quem vive. Por isso todas as vezes que fui tentada a deixar de escrever, não consegui. Não tenho vocação para o suicídio. Um jornalista me perguntou: Por que é que você escreve? Então eu lhe perguntei: Por que você bebe água? A honestidade é muitas vezes uma dor.” (Apud BORELLI, Olga. Clarice Lispector – Esboço para um possível retrato, p. 24) 73


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.