CADERNOS: O sr. conhecia Un coup de dés (1897), de Stéphane Mallarmé, quando escreveu “O formigueiro” no final dos anos 50?
dita. Com o neoconcretismo foi diferente? Por quê?
Ferreira Gullar: Eu penso que sim. O neoconcretismo foi mais criativo do que teórico. Basta dizer que tanto o manifesto quanto o diálogo sobre o não-objeto foram conseqüências dos trabalhos que já existiam. Veja bem: como nasceu o Manifesto Neoconcreto ? Eu, Lygia Clark, Hélio, Amilcar, todos nós vínhamos trabalhando, conversávamos, trocávamos idéias. Quando decidimos fazer a exposição em 1959, não pensávamos em mudar o nome do movimento. Mas havia a clareza de que existiam dois movimentos dentro da arte concreta. Quando fui refletir sobre as obras que iam ser expostas, propus para os companheiros que não havia mais sentido em usar o nome de concreto. Foi aí que veio o nome neoconcreto. O trabalho continuou. Um dia, a Lygia Clark nos convidou para jantar na casa dela. Chegando lá, mostrou uma obra que não tinha nome. Não era uma escultura. Fiquei olhando, o Mário Pedrosa também. Ela falou: “Não sei que nome botar nisso”. Mário Pedrosa disse: “É uma espécie de relevo”. Eu contestei: “Não é isso – não tem superfície. Se não tem superfície não é relevo”. Ele saiu, o jantar já estava servido – e eu fiquei ali. Lembro que pensei: “Não é pintura, não é escultura; é um objeto. Mas, se eu disser que é um objeto, ora – a mesa é objeto, a cadeira é um objeto. Portanto, esse trabalho da Lygia não é um objeto”. Fui me sentar com os outros e disse: “Descobri o nome. É um não-objeto”. Mário Pedrosa ar gumentou: “Não-objeto não é nada. Objeto é objeto do conhecimento”. Expliquei que filosoficamente ele tinha razão. “Mas o problema”, argumentei, “é que isso é um objeto-não; não é mais uma obra de arte dentro das categorias individuais, mas continua a ser objeto”. No dia seguinte comecei a tomar notas e escrevi a Teoria do não-objeto. Em resumo: tudo nasceu de um trabalho novo; não foi uma coisa assim: olha, teremos que fazer isso ou aquilo.
Ferreira Gullar: Não. A idéia do poema é a seguinte: na minha terra existe um ditado que diz “onde tem formiga, tem dinheiro enterrado”. Esse é um dado. O outro é a desarticulação da linguagem. A semelhança entre as letras e as formigas. Então, juntei as duas coisas. A proposta foi pegar algo que vinha da minha ligação com os surrealistas. De alguma maneira, criar uma linguagem automática, que não fosse resultado da minha decisão: “A formiga trabalha a terra cega; na terra traça o mapa do tesouro”. Fui juntando essas palavras e criando um mapa, um mapa do ouro – onde tem formiga, tem ouro, tem dinheiro. Criado o mapa, todas as palavras saem de acordo com a posição das letras, determinadas pelo mapa, criado aleatoriamente. Mas a partir daí, o poema não é mais aleatório. Ele é rigorosamente determinado. CADERNOS:
O Manifesto Neoconcreto sustentava que um dos “problemas” do concretismo era ter reduzido a página a um “mero espaço gráfico e a palavra a um elemento desse espaço”. Argumentava que é “no tempo e não no espaço [que] a palavra desdobra a sua complexa natureza significativa”. Por isso, dizia ainda, “a página na poesia neoconcreta é a espacialização do tempo verbal: é pausa, silêncio, tempo”. E concluía: “Na poesia neoconcreta a linguagem não escorre: dura”. Qual o poema o sr. considera exemplar dessa teoria?
Ferreira Gullar: “O formigueiro”. Ele realmente não é um poema concreto. “O formigueiro” tem essa duração de que falaria mais tarde o Manifesto Neoconcreto. CADERNOS:
Outra diferença que o sr. sempre sustentou em relação aos concretos foi o fato de o movimento ter produzido, de acordo com sua análise, “muita teoria”, em comparação com a obra de criação propriamente
CADERNOS:
Isto é perfeitamente claro nas artes plásticas. E na poesia? 36