Revista serrote 5½

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9. Obras escritas por, respectivamente, Stendhal e Benvenuto Cellini. [n. do e.]

10. Fausto é o protagonista da obra-prima de Goethe; Faublas é o protagonista de Les amours de chevalier de Faublas, série de romances escritos por Jean-Baptiste Louvet. [n. do e.]

talento criativo com as tropas da produção mecânica é, de fato, a ofensa mais grave do leitor mecânico. Em segundo lugar, em virtude de sua paixão por versões “populares” de temas obscuros e complexos e por confundir as mais precipitadas banalidades científicas requentadas com as concepções lentamente amadurecidas de um pensador original, ele retarda a verdadeira cultura e diminui a quantidade possível de trabalhos realmente duradouros. O hábito de confundir juízos morais e intelectuais é a terceira causa de sua perniciosidade para a literatura. A inadequação do credo literário da “arte pela arte” tem sido reconhecida. Não é requerendo que o escritor imaginativo seja sensível a “questões sutis” que o leitor mecânico interfere na produção de obras-primas, mas pela sua inerente incapacidade de discernir as “questões sutis” de qualquer livro, por mais notável que seja, que apresente algum obstáculo incidental a sua visão. Para aqueles que consideram a literatura uma crítica da vida, nada é mais enigmático do que essa incapacidade de distinguir entre a tendência geral de um livro – seu valor técnico e imaginativo como um todo – e suas características meramente episódicas. Talvez seja natural que o leitor mecânico confunda o amoral com o imoral; ele pode ser perdoado por uma classificação errada de livros, como La Chartreuse de Parme ou Life de Benvenuto Cellini.9 Sua perniciosidade à literatura está em sua ignorância contumaz do fato de que qualquer representação séria da vida deve ser julgada não pelos incidentes que apresenta, mas pela percepção que o autor tem de seu significado. O livro nocivo é o livro banal: ele depende do escritor, e não do tema, quer a contemplação da vida resulte em Fausto ou em Faublas.10 Para se aferir a falta dessa percepção no leitor médio, deve--se voltar para o livro comum “impróprio” da atual ficção inglesa e norte-americana. Nessas obras, usufruídas sob protesto, com a desculpa de que são “desagradáveis, mas tão poderosas”, vê-se o reflexo da imagem que os grandes retratos da vida deixam na mente do leitor mecânico e de seu romancista. Há a colocação de incidentes “dolorosos”, mas o restante, não sendo percebido, é deixado de fora. Por fim, o leitor mecânico, por sua demanda de literatura peptizada e sua incapacidade de diferenciar entre os meios e o fim, orientou mal as tendências da crítica, ou melhor, produziu uma criatura a sua própria imagem – o crítico


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