Béra Underground
A cena musical alternativa de Porto Velho
Sumário
No início dos anos 2000, o rapper Boca passou a chamar de MPBéra uma fusão rítmica que concilia instrumentos locais com termos tipicamente rondonienses. Foi uma resposta ao caráter pejorativo dado ao termo beradeiro. Hoje o ritmo MPBéra está consolidado i
Versões Ausentes apresenta seleção musical de Rondônia
Inventário do Hip Hop
Militantes criam documento histórico do movimento
DJ há três décadas
Vilber Scratch tem grande histórico de dedicação ao rap
Endereço do reggae 17
Casa na zona Leste recebe shows de recebe há 16 anos
Defesa ambiental no hardcore
Grupo Coveiros faz ativismo ecossocial no
Repente nordestino
Reggae hereditário
Uma família de DJs adotou o sobrenome “Pedra”, em referência ao grave das batidas da música reggae.
Eles são os proprietários da radiola Princesa do Som, que há 16 anos anima festas na zona Leste de Porto Velho.
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Editorial
Viajar para dentro. Essa é a melhor definição para a segunda edição da revista Versões Ausentes. A publicação promove uma verdadeira viagem interna para conhecer a diversidade musical existente em Porto Velho.
Trata-se de uma viagem, porque o ato de viajar prever se deslocar para conhecer outros ambientes e vivenciar novas experiências.
E, em meio ao enorme volume de informações que recebemos diariamente da grande mídia, dos canais de TV e de streaming, as principais referências musicais acabam por ser os produtos culturais do eixo Rio-São Paulo e do exterior.
O público em geral conhece muito mais uma referência musical que está bombando no Spotify, do que os artistas que se apresentam em festivais na própria cidade.
Entre os mais esquecidos e esquecidas, estão aqueles e aquelas que produzem música autoral. A discriminação sobre eles e elas é maior justamente porque fazem shows em que vão apresentar as suas criatividades sem tocar os hits do momento.
E são justamente os e as artistas do âmbito autoral que ganham destaque nas páginas da segunda edição de Versões Ausentes.
A diversidade de sons e temas produzidos em Rondônia já fica nítida nas páginas iniciais, que
servem como “aquecimento”. A nossa equipe traz uma playlist com MPB, MPBera, rock, reggae e rap. Nas reportagens, podemos perceber o esforço dos artistas do hip hop em desbravar a própria história do movimento, como forma de pautar políticas públicas. Além disso, é dada a oportunidade de conhecer a trajetórias de DJs veteranos da cena local, como DJ Vilber Scratch do rap e Neto Pedra do reggae. A equipe de reportagem de Versões Ausentes também deixa a mensagem clara de que marca da música autoral de Rondônia é a luta. Seja ela a luta por maior visibilidade, como também o engajamento nas pautas sociais. Ao longo das páginas, observamos a criticidade em temas como preservação do meio ambiente e valorização da identidade local, por meio de reportagens qualificadas. Neste aspecto de aliar a valorização da cultura local com as narrativas qualificadas é nítido o papel que o curso de Jornalismo da Universidade Federal de Rondônia tem desenvolvido, apesar de ser uma graduação ainda jovem em Porto Velho. As primeiras quatro formandas do curso finalizaram as suas graduações em março de 2024 e três desses trabalhos envolveram a música local. Essas três jornalistas - Alana Bentes, Aline Araújo e Ana Laura Gomes - também contribuem para esta edição da revista Versões Ausentes.
“Versões Ausentes” é uma publicação do grupo de extensão e pesquisa BARRAS - Bloco de Ações em Rap, Rádio e Ausências Sonoras.
Editor-chefe: Professor Dr. Carlos Guerra Júnior.
Equipe editorial: Alana Bentes, Ana Laura Gomes e Lídia Aciole.
Reportagens: Alana Bentes, Aline Araújo, Ana Laura Gomes, Emily Costa, Felipe Nascimento, Lídia Aciole do Carmo e Márcia Chaves.
Infografia: Alana Bentes.
Fotografia: Aline Araújo, Emily Costa, Izabela Muniz e Márcia Chaves.
Edição de capa: Alana Bentes.
Diagramação e Identidade Visual: Alana Bentes; Ana Laura Gomes e Professor Dr. Carlos Guerra Júnior.
Opinião
Por: Rafael Altomar, músico e publicitário
Porto Velho é uma cidade que foi forjada sob múltiplas identidades, um lugar que, devido aos seus ciclos migratórios, tem seu passado e presente entrelaçados em um emaranhado de culturas e histórias. De fato, existe e sempre existiu muitas Porto Velhos dentro desse velho porto do velho. No âmbito artístico, mais especificamente na linguagem musical, a cidade já foi retratada de diversas formas, sendo o Dengo do Poeta da Cidade, Mestre Ernesto Melo, o amor em forma de cariberana do mestre Caribé, o caso sério do béra B.O.C.A. (Beradero Organizado Com Atitude), o CAOS do professor Dinho Reis e banda Malcriados ou até nas esquinas do tempo do professor Binho. A verdade é que a história sempre é contada pelos “vencedores”. Salvo alguns relatos em páginas quase esquecidas, poesias e músicas quase não ouvidas, quem teve voz foram os chamados pioneiros, as sentinelas avançadas que tinham por missão primordial ocupar esse território desde os tempos da coroa até a Nova República. Nesse processo histórico que produziu um verdadeiro genocído étnico cultural, restaram apenas cacos de uma identidade originária massacrada, quase não havendo, por exemplo, registros que honram a coragem do povo Mura, que por resistir à imposição do ‘progresso’ quase foi dizimado durante a epopeica construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré.
A Construção da Estrada de Ferro trouxe para a cidade pessoas de mais de 50 nacionalidades, o que tornou essa região numa grande Babel beradeira que nas margens do rio Madeira habitavam o “Alto do Bode” em noites quentes regadas a música latina, caribenha, blues e jazz. O “Alto do Bode” era um morro ali perto do bairro Triângulo que o Regime Militar literalmente tratorou. Arrancou o morro, as casas e os moradores de lá. Diziam as boas línguas que ali era o reduto da revolução.
Mas nessa babel beradeira, onde estava e o povo béra? O povo ribeirinho quando chegava na “capitár” eram chamados de BERADEIRO! No tom mais pejorativo possível: “Tu é béra é?”, desferiram com tom de crueldade os moleques (doidos da baladeira) nas escolas de nossa cidade. Em meados dos anos 90 já existia o MH2O, Movimento Hip Hop da Floresta, que já unia a cultura ribeirinha, afro e indígena na linguagem do hip hop, de onde surge no começo dos anos dois mil, um rapaz chamado Áquilas de apelido B.O.C.A junto com sua banda Quilomboclada, revolucionando o termo Beradeiro, o subvertendo em elogio, que foi o ponto de partida para um movimento de ressignificação, descoberta e valorização da cultura local.
A partir dessa fagulha, das entranhas da “Oficina do Rock” , pelas mentes, mãos e suor da galera da tribo do rock que se reunia na antiga praça do Half, hoje praça Aluízio Ferreira, surge o “Festival Beradeiros” com três edições realizadas, de 2005 a 2007. Esse festival foi a mola propulsora de um movimento muito importante para a cena local, movimentando as bandas locais.
Com o fim do “Festival Beradeiros” surgem outras iniciativas como o Coletivo C.A.O.S, que de 2009 a 2012 produziam quase semanalmente as “Béra Nights” em bares undergrounds da cidade como a saudosa Batkverna, Iceberg e outros locais como o Beco do Sapateiro. Nesse contexto surge a Banda Beradelia, dedicada a falar e valorizar a cultura local. Hoje são diversas as iniciativas artísticas em diversas linguagens, teatro, artes visuais, dança e também empresariais que ressaltam a cultura beradeira. Acredito que está emergindo da lama do Madeira uma Nova Porto Velho nova, mas essa história, só está começando.
* Rafael Altomar é músico da banda Beradelia, designer e publicitário.
Perfil: Conheça a história do baixista de uma das bandas pioneiras do punk em Porto Velho
Por: Felipe Nascimento
Nos anos 1990, em Porto Velho, capital de Rondônia, surgiram as primeiras bandas punk, são elas, Malcriados, Vítima do Sistema, DHC, dentre outras. Um dos pioneiros desse estilo musical na cidade foi o Marco Aurélio Garcia da Silva, atualmente com 51 anos. Elle foi um dos fundadores da banda Delinquentes da Humanidade em Caos - DHC, juntamente com Eduardo Santana Júnior e Luiz Afrânio Calzavara.
Marcos Aurélio conta que o pai e o irmão eram músicos. Ele ouvia muita música punk de bandas brasileiras, como Olho Seco, Cólera, Garotos Podres, Desordeiros do Brasil e Ratos do Porão. Como Marcos e Eduardo moravam no mesmo bairro e mantinham interesses musicais em comum, decidiram montar uma banda, ali nascia o DHC.
“Andávamos de skate. A banda começou no Marechal Rondon. Eduardo morava em Belém, mas sempre vinha para Porto Velho, daí começamos a ouvir sons e músicas. Na época eram Garotos Podres e Desordeiros do Brasil. Lembro do lançamento do disco Sub, da banda Ratos do Porão. Esse disco foi uma das melhores produções de punk”, conta Marcos Aurélio ao lembrar do início da história da banda. Eduardo Santana trouxe muitas novidades da capital paraense, onde o cenário do punk era maior. Assim, ele colaborou grandemente na criação da banda e influenciou pessoas neste estilo musical.
Antigamente, as três bandas, Malcriados, Vítima do Sistema e DHC tinham presenças confirmadas nos shows punk de Porto Velho. Tocavam também em um lugar conhecido como “A pista de Skate do Toninho” e no “Barão do Solimões” onde ocorriam a maioria dos eventos punk daquela época. Marcos Aurélio tocava o instrumento contrabaixo, Eduardo Santana era guitarrista e Luiz Agrário o baterista. Essa foi a primeira formação do DHC. Eles tocaram juntos por uma década e che-
Marco Aurélio é um dos fundadores do grupo Delinquentes da Humanidade em Caos - DHC
garam a se apresentar em Cuiabá (MT).
“A experiência foi boa, banda excelente.Isso aconteceu entre os anos de 2002 e 2004, não tenho a data certa. As pessoas adoraram a gente! Acho que a única banda de punk a sair de Porto Velho para tocar em outro lugar fomos nós naqueles anos”, lembra o baixista. Marcos Aurélio também recorda que em sua viagem junto com a banda DHC, eles se apresentaram com duas bandas conhecidas de Cuiabá, “Bloqueio Mental”e “GTW”, que até hoje seguem carreiras. Nesta oportunidade, os integrantes da banda Delinquentes da Humanidade em Caos puderem abstrair conhecimentos a respeito deste gênero musical.
Atualmente, o músico é integrante da banda Resistência, que surgiu com a parceria de integrantes de outras bandas punk. Marcos ainda desempenha a mesma função, segue como baixista. Mas ele ressalta que as bandas pioneiras como o DHC foram essenciais para que outras surgissem, servindo como influência à elas.
Além de instrumentista, Marcos Aurélio também é compositor e já escreveu a música SOS rio Madeira, uma música que clama pela preservação ambiental e narra a respeito da destruição do principal cartão postal natural de Porto Velho: o rio Madeira.
Rondônia de vários ritmos
Grupo Minhas Raízes
Nesta seção, apresentamos as músicas e um pequeno texto de apresentação de grupos locais de variados ritmos. É um convite para você mergulhar no mundo criativo de artistas locais que abrangem uma ampla variedade de gêneros. Será uma oportunidade de descobrir e apreciar vários talentos e conhecer a diversidade artística presente em Rondônia.
Aqui, você encontrará músicos talentosos, cada um desses artistas traz sua voz única e perspectiva para a cena artística local, enriquecendo nossa comunidade e nos proporcionando experiências culturais enriquecedoras.
Fizemos uma seleção criteriosa e debatemos bastante entre a nossa equipe sobre quais artistas deveriam estar presentes. Sabemos que Rondônia possui muito mais artistas talentosos, mas buscamos fazer uma seleção que abrangesse uma diversidade de gêneros musicais, diferentes cidades e gerações diversas. Espero que gostem e façam uma viagem profunda pela música local. Boa viagem!
Banda Quilomboclada
A Banda Quilomboclada foi formada em 2004, a partir de uma reunião de amigos com diferentes origens musicais.
O grupo decidiu combinar suas influências naturais e adquiridas, resultando em um estilo musical diversificado chamado MPBera (Música Popular Beradera), que é uma mistura eclética de sons, evitando rótulos convencionais.
Banda Beradelia
A banda Beradelia também é uma forte representante do movimento MPBera em Porto Velho e existe há mais de 10 anos.
Os temas abordados pelo grupo buscam fortalecer a identidade local “beradeira”, através de termos e expressões locais em uma pegada que tem uma vocação para o rock, mas realizando uma mistura autêntica com ritmos locais.
Banda Distopia
Formado em 2005, o Minhas Raízes surgiu como um coral de crianças da comunidade rural de Nazaré, distrito que fica às margens do Rio Madeira e faz parte do município de Porto Velho.
O grupo musical é liderado, desde o início de suas atividades, por Timaia Nunes, filho de Maciel Nunes, que fundou a Vila de Nazaré na década de 1960.
A Banda Distopia faz parte do movimento de rock alternativo em Porto Velho. Criada em 2017, ela tem como compromisso levar mensagens positivas por meio da música.
Durante a pandemia do Covid-19, o grupo lançou músicas que desejavam “unir nossos corações, mesmo quando a solidão parece dominar”.
Ernesto Melo é um renomado sambista e compositor, destacando-se por suas músicas sobre a história de Porto Velho e seus personagens folclóricos.
Fundador de grupos musicais, venceu festivais e recebeu títulos de destaque, incluindo “Mestre da Cultura Popular Imaterial” em 2018 e “Imortal” pela Academia Rondoniense de Letras. Sua música “Porto Velho meu Dengo” é um grande sucesso reconhecido nacionalmente.
Gabi Shima
Gabi Shima é uma artista de Vilhena, em Rondônia, cantora e compositora.
Compõe e toca rock alternativo e começou sua carreira com rock de garagem com uma banda apenas de garotas, que foi o ponto crucial para começar a escrever e gravar as músicas.
Rapper Txepo
Artista indígena independente de Rondônia, Txepo Suruí é da etnia Paiter Suruí, seu povo vive em Cacoal, Rondônia.
Atualmente morando em Porto Velho, Txepo aborda temas referentes aos povos originários, mas também compõem loves songs. Entre seus singles mais tocados nas plataformas digitais, estão “Balmain”, “Se Joga” e “Coração Turista”. O artista tem uma parceria musical com o famoso rapper Xamã, no clipe “Inefável”.
O rapper Lucas Emanuel, de 26 anos, mais conhecido como MC Pugga ZS, foi o vencedor da Liga Estadual de rap em Rondônia no ano de 2023. Sua admiração pelo movimento começou desde adolescente.
E em mais de 10 anos de envolvimento com as batalhas e composições próprias de rap já dividiu o palco com grandes nomes do cenário nacional do hip hop, como Raffa Moreira, Froid e Dfideliz.
Yás é uma artista acreana que mora em Rondônia desde a adolescência e tem, em seu repertório, canções autobiográficas com influências do indie, pop e MPB. Ela tem influência de artistas como Caetano Veloso e Maria Bethânia.
Lançou o EP “Todo Sentido”, em 2022. O EP conta com cinco canções que abordam temas como amor, dores, saudade e despedida.
Jhuka Andrade é compositora e rapper desde os seus 13 anos. Dentro das vertentes que a inspiram a compor e cantar, está a quebra de tabus musicais, a miscigenação de estilos, a luta antirrascista e antifascista.
Ela também se identifica como feminista e pretende, através das suas letras, defender e fortaleçer todas as mulheres que, de alguma forma, ainda se sentem oprimidas e desrespeitadas na sociedade atual.
Negra Mari é rapper e produtora cultural. Ela produziu e coordenou o Festival Béra Rap em 2022, que reuniu artistas de todo o estado de Rondônia.
Nas suas letras, Mari aborda temas como racismo, preconceito, gênero e a luta das mulheres negras. Ela se destaca principalmente pelo seu ativismo e resistência no movimento hip hop.
ações em várias partes do estado desde a década de 1980
Catalogando 35 anos de Hip Hop em Rondônia
Inventário foi produzido em 2023, com o objetivo de mostrar a importância
social e cultural do movimento e reivindicar políticas públicas nacionalmente
Por: Ana Laura Gomes
Em 2023, o Hip Hop completou 50 anos de existência. Para marcar esta data, em uma articulação inédita, representantes de todos os elementos da Cultura Hip Hop (breaking, DJ, graffiti, MC e conhecimento), em todo Brasil, começaram em fevereiro do ano passado uma construção coletiva para comemorar o cinquentenário e reivindicar reconhecimento e direitos da cultura. A mobilização é chamada de Construção Nacional da Cultura Hip-Hop e cada estado tem o seu grupo de trabalho (GT) para cuidar das ações que foram desenvolvidas em prol da comemoração.
Como primeira ação, a Construção elaborou e
protocolou, junto ao Ministério da Cultura, uma proposta de Decreto de Valorização e Fomento à Cultura Hip-Hop, que foi a assinada pelo Presidente Lula no dia 20 de novembro de 2023. O texto do decreto foi analisado pelos Ministérios da Educação e Cultura, Igualdade Racial e Casa Civil, que também reconheceram a importância do movimento.
Outra ação que está sendo implementada é a aprovação de um Projeto de Lei que reconhece a Cultura Hip Hop como Patrimônio Imaterial Nacional junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Para fortalecer e impulsionar a aprovação desse
Participante do movimento hip-hop desde a década de 1980, Edjales
projeto, a Construção Nacional criou o Inventário
Participativo da Cultura Hip Hop Brasileira, que foi entregue ao IPHAN. Para isso, cada GT estadual ficou responsável por reunir as informações sobre a história do movimento no seu estado.
Em Rondônia, o GT contou com 10 pessoas que representam todos os elementos da cultura. Nomes como Jhuka Andrade, Sandra Braids, Dentinho, Fama, Gaspar Knypell, Carla Letícia, Magno e Galber, famosos na cena do hip hop do estado, compõem o grupo. Edjales Benício, também conhecido como Fama, e a rapper Jhuka Andrade, ficaram com a missão de escrever o inventário estadual.
De acordo com Edjales, o curto prazo e a inexperi-
NASCIMENTO DO HIP HOP MUNDO
O Hip-Hop surgiu na década de 1970 entre os latino-americanos, os jamaicanos e os afro-americanos nos Estados Unidos, na cidade de Nova York. Nessa época, essas comunidades enfrentavam diversos problemas de ordem social, entre elas estavam a pobreza, violência, racismo e falta de infraestrutura para as necessidades básicas, como saúde e educação. Logo, a cultura Hip-Hop se tornou um canal de luta contra a repressão social e em prol das reivindicações de políticas públicas que atendessem as comunidades.
ência em escrever inventários foram os principais desafios enfrentados no processo.
“Esse inventário é uma peça técnica do IPHAN, e não tivemos formação pra fazer, eu pensei ‘cara, eu nunca fiz isso na vida’, aí me falaram ‘mas tem o manual, lê o manual’”.
Edjales se refere ao Manual de Aplicação do IPHAN, intitulado Educação Patrimonial: inventários participativos, um livro com mais de 130 páginas. Ele disse que tentaram seguir à risca esse manual fornecido pelo Instituto.
“Eu peguei o modelo do estado do Amazonas, que foi um dos primeiros estados a concluir o seu inventário e me baseei nele para escrever o nosso. Demoramos pouco mais de dois meses para fazer. Nós não enviamos no prazo, fomos um dos últimos estados a enviar”, diz Edjales.
Para Edjales, o maior desafio foi escrever. “Tem uma galera da nova escola que não tem muita memória do início do rap, tem também as questões pessoais, trabalho, família, não tivemos muito tempo e nem experiência para elaborar esse tipo de estudo. Mas pelo menos nos esforçamos para fazer e agora vai para análise do IPHAN.”
O inventário participativo de Rondônia está dividido em 11 capítulos que contam o surgimento e
desenvolvimento do hip hop em Rondônia. No texto, encontramos um capítulo dedicado à história do breakdance, outro capítulo revela informações dos principais artistas, movimentos e grupos formados na época, como o grupo Comunidade Manoa, do Movimento Hip Hop da Floresta, além de grupos de rap, entre eles, a Família Atitude Central. O inventário ainda se dedica a citar diversos nomes de membros valiosos para o movimento, que contribuíram para a expansão dos cinco elementos. Outro capítulo é dedicado a falar das batalhas de rima no estado, muito famosas entre os jovens rappers. O documento foi escrito como um verdadeiro memorial do hip hop em Rondônia, que chegou ao estado aproximadamente há quatro décadas. Nele, encontramos informações inéditas. Em primeiro lugar, a principal fonte de informações para a escrever o texto foram os depoimentos de vários membros e nomes importantes da cultura, entre eles estão o do próprio Edjales Benício, também conhecido como Fama, que foi dançarino de break na juventude e hoje fomenta o elemento conhecimento; Leandro Moraes (Dentinho), que hoje é conhecido no estado pelo seu trabalho com o grafite, mas começou no movimento como dançarino de break; Fred Gomes, músico e produtor; Negra Mari, poetisa e rapper; e a rapper Sandra Braids. Todos eles foram fontes ‘memoriais’, e usaram as suas lembranças e memórias da cultura hip hop no estado para enriquecerem o texto com informações. Como segunda fonte de pesquisa foram utilizados os trabalhos acadêmicos que tratam sobre o movimento hip hop no estado. Edjales disse ter ficado surpreso com tantas informações encontradas em monografias ou artigos sobre a cultura. Ele não imaginava que o movimento já fosse objeto de pesquisa de vários estudantes. Foram usados exatos três trabalhos de conclusão de curso (TCC) como referências bibliográficas.
O documento é dedicado ao rapper e membro fundador do Grupo Família Atitude Central (ATC - Porto Velho), Rodrigo Lopes, o Rodrigão, que faleceu em 2020 em decorrência de complicações da Covid-19.
Após essa etapa, Edjales explica que o GT entrou em uma nova fase: criar o plano de ação das comemorações, com os eventos e projetos que serão realizados. Edjales explica que o movimento espera apoio governamental para realizar as ações, mas, se não conseguirem o apoio, a ideia é se aliar aos movimentos sociais e organizações não governamentais para colocar o plano em prática.
“A gente tá pensando num baile, a ideia é fazer lá no Ferroviário (o Clube Ferroviário é um local tradicionalmente utilizado para a realização de eventos sociais há quase seis décadas), um baile que vai tocar as músicas antigas e novas, as várias linguagens do rap. A gente quer fazer um baile temático dos 50 anos da cultura hip hop. Nós também entendemos que as seletivas para o Duelo Nacional de MC ‘s já fazem parte das comemorações, as seletivas estão aí rolando”, conta Edjales.
Além disso, o plano de ação vai incluir um circuito de batalhas de bboys, mostra de grafite, atividades de formação e debates sobre o hip hop. “Nós vamos ter muitos eventos das artes do hip hop e a ideia é fazer eventos integrados e eventos de debates, formação,
né? De pensar em como vai ficar o hip hop daqui em diante, também estou com uma ideia de fazer um trabalho de formação nas questões técnicas, a parte de figurinos, cenários, operadores de mesa de som, técnicos em iluminação, tentar fazer uma formação mais técnica do hip hop. O foco maior das atividades serão em Porto Velho, mas também queremos levar algumas ações para cidades do interior”, enfatiza Edjales, destacando que houve seletivas para o Duelo Nacional de Mc’s em Cacoal e Ouro Preto do Oeste.
Já a poetisa e cantora Jhuka Andrade, de 21 anos, ficou com a parte de edição do texto. Por ser jovem e não guardar memórias do início do movimento no estado, Jhuka contribuiu da maneira que pôde.
“Eu sou da nova geração, então eu já cheguei ‘surfando no hype’ deles (antigas gerações), então não tinha muita coisa que eu pudesse fazer a não ser editar. Pegar as informações dentro dos meus conhecimentos e editar. Eu falei ‘Edjales, é você e a Sandra, são vocês que estavam aqui desde o começo, então não tem muito o que eu fazer além de ser editora’, e eu só consigo falar a partir da terceira
RONDÔNIA NO DUELO NACIONAL
Em 2020, a MC Carla Letícia e outros rappers da cena rondoniense fundaram A Liga - Associação Rondoniense que realiza projetos e experiências culturais e conecta uma rede de jovens em todo o estado de Rondônia. A Liga realiza diversas batalhas de rap, como a Batalha do JK, na Praça Ceu; Batalha do Skate Park, na praça do Skate Park; Batalha do Cohab, na Zona Sul de Porto Velho, e a Batalha do CDJ no município de Candeias do Jamari. A Liga também realiza anualmente as seletivas para o Duelo Nacional de MC ‘s (DNM).
Em 2024, o Duelo Nacional de MC ‘s completa 12 anos. A competição é organizada pela Família de Rua em parceria com organizações locais em todas as regiões do Brasil. O projeto nasceu em 2012, com a participação de sete estados da federação e, ao longo dos anos, seu alcance foi se ampliando gradativamente. A primeira edição com a participação de todos os estados brasileiros foi em 2022.
A grande final acontece tradicionalmente em dezembro no centro de Belo Horizonte (MG), debaixo do Viaduto Santa Tereza.
e quarta geração, que foi o que eu vi”, explica ela. Jhuka considera que existam quatro gerações do movimento hip hop em Rondônia, e que a primeira iniciou-se com a dança break.
O inventário possui um capítulo contando resumidamente a história de Jhuka. Ela conta que o texto foi solicitado pelo Edjales e escrito por ela. Além disso, a cantora relata que decidiu trabalhar na edição para aprender sobre as gerações anteriores, através da leitura do texto durante seu trabalho como editora. Jhuka diz não se sentir totalmente satisfeita com o trabalho, pelo prazo curto para a sua produção. Ela sonha em fazer um inventário mais completo, entrevistando a galera das antigas gerações e contando com o apoio acadêmico, principalmente dos estudantes interessados no tema. “Nós entregamos o material que tinha que entregar, mas eu ainda tenho muita vontade de me juntar com os universitários, e fazer um inventário para nós mesmos. Sem ser essa loucura para enviar pro IPHAN, para a criação de um dossiê que vai tornar a cultura um patrimônio cultural e imaterial. Mas um inventário pra gente, pra dizer ‘aqui tem hip hop, aqui tem história’, é isso”, finaliza Jhuka Andrade.
Mixando o passado e o presente
Vilber é DJ há três décadas, duas delas dedicadas ao hip-hop
Por: Emily Costa
Nascido nas paisagens do Norte, Vilson Bezerra é uma das figuras que representam a cena do rap rondoniense. Com uma carreira de três décadas, ele une forças para desenvolvimento da cultura hip hop em Porto Velho. Mais conhecido como “Dj Vilber Scratch”, e com raízes na cena local, Vilber incorpora elementos autênticos, sendo um dos únicos DJ da cidade que utiliza discos em suas performances. Sua trajetória musical reflete nas batidas e mixagens, combinada com a energia pulsante do rap contemporâneo. O amor pela música cresceu enquanto admirava
a coleção de discos de seu pai. À medida que começou a frequentar discotecas e ouvir rádios locais, sua curiosidade sobre a teoria por trás dos ritmos despertou. A amizade com um vendedor em uma loja de discos na cidade resultou no desenvolvimento de suas habilidades como DJ. Esse momento marcou o início de sua paixão musical, que eventualmente o levaria a se tornar uma figura na cena do hip-hop de Rondônia.
Vilson, aos 13 anos, começou a tocar em festas do bairro com equipamentos emprestados de seu amigo discotecário. Com o passar do tempo e ao
começar a trabalhar, o menino amante dos discos de vinil deu início à sua própria coleção. Mas nem tudo era tão fácil naquela época. Para adquirir sua primeira vitrola, precisou economizar todo o seu salário durante um ano. Esses foram seus primeiros passos na jornada como DJ.
Ao tocar os hits da época, ele sentia sua imaginação limitada no estilo musical. Foi quando conheceu, através de um amigo que participava de batalhas de rimas, um ritmo que possibilita aos DJs liberdade para criar e mixar de forma autêntica. O hip-hop o levou a mergulhar em um mundo de irmandade e criatividade.
“O movimento é o movimento, sabe? Foi no Hip Hop que eu me encontrei como DJ. A cultura me trouxe experiências e vivências únicas para a minha caminhada”, ressalta Vilber.
O DJ relata que as edições das batidas eram feitas
manualmente, já que naquela época os computadores ainda não eram populares. A tarefa de tocar em shows de rap era extremamente minuciosa, exigindo uma atenção maior do DJ. Era um grande desafio alinhar perfeitamente a rima com o ritmo da mixagem, pois qualquer falha poderia interromper os MCs que estavam se apresentando. Para aprimorar seu trabalho no estilo musical, Vilber decidiu estudar as técnicas de DJs renomados daquela época, como KL Jay. Foi assim que aprendeu técnicas como o ‘Scratch’, que é uma mixagem feita com vinis para criar efeitos sonoros durante uma música,através do movimento controlado da agulha do toca-discos sobre um disco. Foi nessa mesma época que também surgiu seu nome artístico, “Vilber Scratch”.
“ Com 30 anos de trajetória , parece que cada vez eu me envolvo mais na cena do rap local.”
Vilber se considera um dos pioneiros ao tocar nos shows de rap com os MCs locais. Mas seu envolvimento na cena não parou por aí. O jovem sempre acreditou que precisava conhecer um pouco de tudo para contribuir para sua carreira. Foi com essa vontade de conhecer outros estilos musicais que o DJ Vilber também fez parte da banda de rock local Quilomboclada, onde misturaram a linguagem beradeira com o estilo ‘maracatu’. Por volta dos anos 2000, a figura do ‘mixador’ nos estilos musicais não era tão comum, a banda da qual Vilber fazia parte era uma das únicas com um DJ como integrante. Ele relata que, ao se apresentar em um festi-
val em Ji-Paraná, tocou com sua banda e com cerca de outras sete, já que não havia outro DJ para fazer participações, pois geralmente eram apenas as bandas de outros estados que tinham esses tipos de músicos. Foi assim que o DJ vivenciou uma ampla variedade de experiências, desde freestyle, que são rimas de improviso, até subir ao palco em nível nacional, como quando o grupo de rap Racionais veio a Porto Velho.
A cultura hip-hop fortaleceu as vivências e contribuiu para a ideologia de Vilber, que incentiva a juventude local a expressar suas vozes por meio da arte e da música. Ele explica que é importante representar a cultura e ser um atuante na ponte tradição e inovação o torna um dos embaixadores dos movimentos que representam a cultura na região Norte. O DJ acredita que a cultura e a cena transcendem os limites dos padrões musicais. O hip hop é uma maneira de falar sobre os problemas da sociedade de uma forma que incentiva reflexões e desperta a consciência por meio de rimas e autenticidade. Além disso, é uma forma de se sentir pertencente a uma comunidade.
“O hip-hop sempre trouxe à tona as causas sociais. É uma forma de se expressar através da música. E o foco é mesmo é o povo da periferia”, destacou. Atualmente, DJ Vilber ainda é ativo no rap e é um
dos únicos da cidade que utiliza o ‘toca-discos’ em suas apresentações. O entusiasta de discos de vinil já atingiu a marca dos 40 anos e possui uma vasta experiência que acumulou ao longo de um extenso período dedicado a estudos teóricos, incluindo formação em música. Continua envolvido na cena do hip hop, mas agora também compartilha suas ideias para enriquecer a jornada de outros artistas, atuando como produtor musical de artistas, como a MC Jucka Andrade. Além disso, ele se engajou em causas sociais e promove juntamente com outros participantes, a cultura por meio de atividades que ocorrem nas áreas periféricas da cidade.
Vilber é considerado o terceiro DJ de hip hop de Porto Velho. Antes dele, já existiam os DJs Dedei e Frank. Naquela época, cada grupo de rap tinha o seu próprio DJ e Wilber foi membro do grupo Família Atitude Central. Atualmente, os MCs muitas vezes se apresentam sem um DJ. Quando o DJ é solicitado, recorrentemente precisa passar o som para vários MCs que constroem carreira solo. Com isso, o DJ precisa se reinventar a cada show, para que o público não sinta a falta de entrosamento entre o DJ e os MCs.
O endereço do reggae em PVH
Residência na Zona Leste realiza, semanalmente, encontros do gênero, com o objetivo de promover a cultura maranhense
Por: Lídia Aciole
Oanúncio em frente a casa de “Vende-se dindin” colocou dúvida na nossa reportagem de que estávamos no local certo.
A pintura no portão da bandeira da Jamaica, local de surgimento do reggae, confirmou que estávamos na casa mais antiga a realizar eventos de reggae em Porto Velho.
Sem qualquer identificação, a reportagem da Versões Ausentes entrou no local e o DJ logo anunciou no microfone: “sejam bem-vindos vocês que estão aqui pela primeira vez”.
Maria Francisca Silvas Reis , conhecida por Maria do Reggae, é a dona da casa. Lá é sua própria resi-
dência, que fica na avenida Amazonas, 8787, bairro Escola de Polícia.
Ela diz que trata os clientes como seus familiares e conhece todos. “Sei quem é a primeira vez, a segunda vez, já sei a comida que os clientes mais gostam”. E conta que o local nunca registrou violências, e brigas são comportamentos não aceitos. “aqui todos se respeitam muito e o reggae já formou até casais”.
O nome “Jackeiras” Reggae Clube é uma referência às jacas que caíam no quintal de Dona Maria, enquanto as pessoas dançavam reggae no quintal. O quintal nos fundos da casa de Dona Maria foi o primeiro lugar da moradia dela que recebeu as festas.
A renda melhorou e ela pôde criar uma estrutura forrada de cimento, onde ficam os DJs e o público. As bandeiras da Jamaica e do Maranhão estão estendidas, junto com as bandeiras de Porto Velho de Rondônia. A Jamaica é o local onde surgiu o reggae. Já o estado do Maranhão é o berço do reggae no Brasil e local de nascimento da Dona Maria. Apenas a mesa de jantar de Dona Maria evidencia que se trata de uma moradia, mas já há uma divisão maior do que seria o Jackeiras Reggae Clube e a Casa da Dona Maria, algo que não existia no início.
A primeira entrevista de um artista veterano
“Mas quem será esse povo que quer me entrevistar?”. Essa foi a pergunta feita por José Vicente Neto, o Neto Pedra, ao seu filho Jeferson Pedra, quando soube que a revista Versões Ausentes o procurava para fazer uma reportagem.
O personagem desta matéria - e que concedeu a primeira entrevista na carreira - é um dos DJs mais antigos do reggae em Porto Velho. Trata-se de Neto Pedra, de 55 anos, que nasceu em Rosário, um dos municípios mais antigos do estado do Maranhão. Quando ele era jovem, Rondônia estava sendo conhecida como porto das esperanças.
José Vicente, ou melhor, Neto Pedra, emigrou para Porto Velho em 1988, com apenas a quinta série concluída, em busca de encontrar essa “terra de oportunidades”, onde já vivia alguns dos seus parentes. Primeiro trabalhou como gari e em 1990 ingressou na Prefeitura de Porto Velho. Hoje trabalha como operário de máquinas pesadas.
várias habilidades. “Quando a música toca você simplesmente sente se ela é boa ou não, reggae é talento mais esforçado”.
Maria conta que trazer a cultura do Maranhão era um sonho, e não considera as pessoas que chegam em sua casa como clientes, mas como sua família. Desempregada, ela afirma que os eventos realizados aos sábados são o principal sustento dela. Aliado a isso, tem um quiosque onde vende refrigerante, cerveja, cigarro, alguns bombons e o já mencionado dindin. “Tinha o caldo também, que eu costumava fazer e parei. Todos sentem falta e ficam pedindo”.
Ele foi tocado pela magia do reggae maranhense ainda criança e cultivou a cultura de ouvir e dançar ao som do gênero durante toda sua infância e juventude. Mas para viver a busca por oportunidades profissionais em Porto Velho, ele precisou deixar algumas coisas para trás, inclusive o costume de dançar ao som de radiola de reggae todos os finais de semana.
Em Rondônia, Neto até conheceu alguns regueiros, mas o gênero musical era pouco conhecido e os eventos eram raros. A partir daí, floresceu o sonho de criar um radiola de reggae para fortalecer esse movimento cultural na cidade.
Ela é tratada com prestígio pela comunidade do reggae. Em seu aniversário, a foto dela foi colocada no cartaz e os artistas afirmaram que se tratava de uma homenagem à empresária do reggae. “Eles dizem, mas eu não me coloco assim. É eles que fazem a festa pra nós, eu estou só pra agregar.”
Tocar reggae como DJ sempre foi um sonho, mas ele só começou a ter as primeiras oportunidades na década de 1990 e até ter os seus próprios equipamentos, essas chances eram raras.
Apesar de ter pouco estudo (fundamental incompleto), sua vivência com a música lhe fez desenvolver
Ele conta que a princípio seu desejo era tocar na praça e levar para a comunidade hippie, mas que não deu muito certo. Chegou a frequentar e tocar em eventos do movimento Hip Hop e até em casas de show de pagode, mas sua paixão mesmo era o reggae, que havia aprendido lá no Maranhão. Com esse sonho latente, Seu José começou a tocar em bares e à medida que conseguia recursos com seu trabalho investiu em equipamentos. Além dos equipamentos, era preciso uma identidade musical. E isso começava por escolher um nome artístico. A origem do nome “Neto Pedra” surgiu de uma cultura cultivada no Maranhão, de apelidar as músicas como “pedras”, porque nesse ritmo prevalece o grave nos sons. “Muitos interpretam errado o nome pedra, por existir uma droga chamada pedra, mas a ideia surgiu porque as pessoas não falam ‘coloca uma música, mas uma pedra’ por conta dos graves”.
O surgimento da radiola própria
Há 16 anos, Neto Pedra decidiu montar a sua própria radiola, a Encantadora Princesa do Som, que nasceu com o intuito de promover festas de reggae em Porto Velho com regularidade.
Desde que o projeto iniciou, a Encantadora Princesa tocou algumas vezes em locais como o Mercado Cultural, a Praça da Estrada de Ferro Madeira Mamoré e até no aniversário da cidade de Porto Velho. Ainda assim, o reggae continuou esquecido e recebendo poucos incentivos. “Muitas pessoas acham que reggae é coisa de maconheiro, porque não conhecem o ritmo, mas depois que a pessoa começa a conhecer e a dançar o reggae ele começa a gostar”.
Ele conta que já recebeu críticas de amigos por investir tanto na radiola e não ter retorno algum, mas afirma que o objetivo é desenvolver a cultura, dançar e se divertir com o reggae. Um dos seus sonhos é fazer o reggae parte dos principais eventos da cena cultural de Porto Velho e tocar em shows maiores.
Apesar de levar uma vida simples, Neto já gastou mais de 80 mil reais na radiola, dinheiro que não fica nem próximo de ser alcançado com os pequenos cachês que recebe. Porém, tem a resposta na ponta
da língua quando alguém critica o investimento. “O Reggae é uma cultura, uma vez um amigo meu criticou por investir tanto no reggae e não ter retorno, mas ele tem umas daquelas motos de esporte que cobra um investimento de aproximadamente 400 mil reais, o reggae pra mim é cultura e esporte assim como a mto de corrida é para ele, ambos não dão retorno financeiro”.
Atualmente, a Radiola Encantadora Princesa do Som é acompanhada por cerca de 800 pessoas em eventos maiores.
PAIXÃO HEREDITÁRIA
A paixão pelo reggae contagiou toda a família. Atualmente o seu filho, Jefferson Pedra, toma a frente dos eventos e instala os sons. Jefferson conta que seu envolvimento com o gênero começou na infância ao ouvir o seu pai tocando e na adolescência começou a ajudar seu pai no movimento.
Jefferson Pedra começou como auxiliar, depois passou a substituir o pai, quando Neto precisava viajar ou se afastar. Agora, o filho já assumiu o posto de DJ principal.
O repente em Porto Velho
João Matias realiza shows de rimas improvidas típicas do Nordeste
Por: Ana Laura Gomes
João Matias Pinheiro, ou Matias Neto, como é popularmente conhecido, é natural da cidade de Luís Gomes, no Rio Grande do Norte. Em 1987, mudou-se para Porto Velho, e trouxe consigo a arte do repente.
O repente, também conhecido como cantoria, é uma forma artística poético-musical amplamente praticada no Nordeste do Brasil. É uma manifestação cultural que se destaca pela habilidade de improvisar estrofes, ou seja, na criação espontânea das composições durante a apresentação. Realizado geralmente em duplas, os repentistas dialogam uns com os outros e com o público enquanto improvisam versos.
Matias teve uma infância difícil, a fonte de renda
da sua família vinha do trabalho na roça, o que não era uma tarefa simples. Sem perspectivas de um futuro melhor, ele parou de estudar na quarta série e passou a ajudar a sua família no trabalho.
“Os meus pais eram agricultores, pessoas simples do interior. Eu trabalhava na roça com eles e fui crescendo sem muitas esperanças, sem muitos sonhos. Eu concluí a quarta série na escola rural, mas meus pais não tinham condições de me mandar para estudar na cidade”, conta Matias.
Mas o jovem sem esperanças viu tudo mudar quando conheceu o repente: “Eu descobri esse dom, do repente, vendo os repentistas cantarem, lá perto de casa, o meu pai gostava muito. Aí comprei um violão porque a minha ideia era ser cantor de brega, isso com 16 anos. Mas eu via os cantores se apresentando e eu pensei que também era capaz de cantar. Um dia eu cantei com um parceiro e disseram pra mim que eu era poeta, um poeta repentista.”
Após descobrir o dom, Matias começou a viajar aos fins de semana para realizar as apresentações musicais e durante a semana ajudava a sua família com o trabalho na roça. Ele lembra com saudades que no nordeste a cultura do repente é muito valorizada, e que não falta trabalho para os artistas. No final de 1986, João Matias recebeu a proposta de vir trabalhar na construção civil em Porto Velho, ao chegar aqui, realizou um trabalho como pintor na Universi-
dade Federal de Rondônia (Unir), e da universidade ele nunca mais saiu.
“Quando eu cheguei aqui, não encontrei um parceiro para cantar, então fui trabalhar como pintor. Um dia eu realizei um serviço na Unir e fiquei sabendo que logo iria abrir concurso para a minha área. Eu pensei que seria uma forma de me estabilizar aqui na cidade. Fiz o concurso e passei.”
Depois que entrou na universidade, o repentista voltou a estudar. Concluiu o ensino fundamental, fez o curso de técnico em contabilidade, se graduou em jornalismo e também finalizou uma pós graduação. Agora está focado em entrar para o mestrado. Atualmente, Matias trabalha na parte administrativa do Departamento de Artes, mas também já passou pelo setor de almoxarifado e patrimônio da universidade, onde ficou por 27 anos.
Matias explica que na década de 80, o repente era mais conhecido na cidade, principalmente pela influência dos nordestinos que migraram para cá devido aos ciclos econômicos, entre eles o da borracha e do ouro. Neste período, e já com um parceiro, Matias realizou várias apresentações e shows pela cidade. “Naquela época os homens que migraram pra cá sentiam falta daquela cantoria.”
Os anos foram passando, o número de apresentações foi caindo, e o parceiro de Matias retornou para o nordeste. Hoje em dia, o repentista relata que dificilmente é convidado para realizar apresentações. “É interessante que os jovens gostam, aplaudem, acham bonito, mas não conhecem, não sabem como
“A gente não ensaia , tudo vem do improviso,
o poeta repentista tem o dom de criar ”
Matias Neto Repentista
participar e interagir com o repentista. Não conhecem a cultura. No nordeste todo mundo sabe o que é um repentista, nós não vamos está lá cantando e o público vai pedir uma música, como o que acontece aqui, lá eles vão pedir um gênero dentro da nossa cantoria”, finaliza o repentista.s
Matias divide as funções da universidade com seu trabalho na rádio Rio Madeira. Aos sábados ele comanda o Raízes Nordestinas, um programa voltado para a música, com muito forró pé de serra, cantoria e entrevistas dentro do quadro Papo de Poeta.
Amazônia Rica e Bela: Histórias das lendas e crendices do povo amazônico em versos de cordel
Em 2020, João Matias foi convidado pela professora Samira Margotto para participar de uma aula de geogravura com os estudantes do terceiro período do curso de artes da Unir. Ele levou a sua viola e cantou para os estudantes. Ao fim da aula, a professora o convidou para lançar um livro com suas composições. O repentista rapidamente respondeu: “professora, é o meu sonho”.
E assim nasceu o livro “Amazônia Rica e Bela: Histórias das lendas e crendices do povo amazônico em versos de cordel”, com investimentos do próprio autor e da professora. O livro reúne lendas, cantorias e um pouco da história pessoal de Matias, e está passando pelas últimas correções antes de ser lançado. O artista explica que ao chegar em Porto Velho, foi conhecendo as lendas e tomando gosto por elas. Aos poucos ele foi conhecendo e se apaixonando pela cultura beradeira. Assim, ele misturou a cultura nortista e a cultura nordestina no seu livro lançamento.
Hardcore de crítica social e ambiental
Por: Alana Bentes
Em meio à cena musical de Porto Velho, uma banda de hardcore transmite mensagens poderosas por meio do trash metal e que vai além dos padrões convencionais do gênero, conectando-se com o público e abraçando causas sociais e ambientais.
A Banda Coveiros surgiu em 2000, quando Giovanni Marini, o vocalista e Delcleciano Monteiro, baterista, estavam no 2º ano do Ensino Médio e se juntaram para formar uma banda, com o objetivo principal de participar de um evento da escola. Dois anos depois, Iuri Micheletto, baixista, se juntou ao grupo. Após se reunirem pela primeira vez, o grupo nunca mais se desfez, e com 23 anos de criação, continuam em atividade.
Além de seu som brutal e envolvente, a banda se considera parte de um movimento macro que defende a floresta. Por meio de suas letras e fora dos palcos, os músicos demonstram seu comprometimento com a proteção do
meio ambiente e o combate à degradação da Amazônia.
“A questão climática e meio ambiente é uma discussão que vem sido debatido desde quando a banda surgiu, e agora mais do que nunca, não há como você não falar de uma questão política, classe social, sem falar de clima. A gente sabe que quem vai mais se ferrar com as mudanças climáticas são áreas pobres “, diz Deocleciano. Dentre as inspirações de bandas de hardcore e trash metal de Porto Velho, o grupo destacou a influência da banda Merda Seca.
“Chegou um momento em que para eles e para gente era importante fazer música própria. Vamos compor, falar da nossa realidade, dos anseios que a gente tinha e criticar o sistema e a sociedade”, diz Iuri Micheletto. A banda se define com uma ideologia política de esquerda, e inspirações anarquistas. “Na época que começou a banda, a gente escreveu uma música chamada
“esgoto”, que a Nova Porto Velho tinha muito esgoto aberto. Então, a banda sempre teve essa perspectiva de esquerda e crítica social de Porto Velho”, enfatiza Giovanni. Além disso, Giovanni destaca três modos em que os Coveiros se conecta com o público: o primeiro é o estilo de som, segundo são as letras e o terceiro é o posicionamento político.
Coveiros rompe com os estereótipos e moldes convencionais do trash metal, trazendo elementos inovadores para seu som e performances. A banda busca inspirações não somente no punk, trash metal, mas em vários outros estilos musicais, como MPBera e rap. Giovanni chegou a participar de uma música do Grupo Quilomboclada de MPBera, chamada BoiCore. A música juntou o MPBera, hardcore e o rap e expressou características do povo beradeiro, bem como a resistência indígena, com ênfase no boi bumbá.
O grupo também cita sobre o estilo musical que eles tocam ser rotulado, e destacam que não é preciso ser uma pessoa problemática para fazer esse tipo de som. “A gente toca um estilo agressivo e violento, e por muitos anos, é muito estigmatizado, mas todo mundo aqui estuda, trabalha e tem família”, diz Giovanni.
ABRIL PRO ROCK
Coveiros não é apenas uma banda convencional de trash metal, além de representar uma voz poderosa com críticas sociais, sua música e atuação engajada conectam-se diretamente com o público.
A banda ainda tem dificuldades financeiras e precisou fazer uma vakinha online, para garantir a participação no festival “Abril Pro Rock”, que ocorreu em abril de 2024 em Recife. Foi uma oportunidade única para a banda expandir seu alcance e levar suas críticas sociais e sua música envolvente para um público ainda maior.
Mesmo sendo uma banda do circuito underground, o grupo Coveiros possui vários fãs que conhecem as letras do grupo
“A música é uma expressão artística que leva o público a um
senso crítico mais apurado e enxerga a realidade do cotidiano de outra ótica.”
Música Popular…Beradeira?
Grupos musicais afirmam que criaram mistura rítmica autêntica
COMO SURGIU O
HARDCORE PUNK?
O hardcore punk é um gênero musical que se originou como parte da segunda onda do movimento punk no final dos anos 1970. É conhecido por ser ainda mais rápido e agressivo do que o punk rock tradicional. Sua ideologia enfatiza o antiautoritarismo, a liberdade anárquica e a oposição ao consumismo, entre outros princípios revolucionários.
No Brasil, o movimento punk surgiu no final dos anos 1970, durante o período da Ditadura Militar. O punk no Brasil se destacou por ser um movimento particularmente combativo, dialogando intensamente com a juventude brasileira e servindo como um meio de expressão e protesto contra as injustiças e repressão do regime autoritário da época.
Texto: Aline Araújo
Música Popular Beradeira. Nem semelhança, e muito menos mera coincidência com a Música Popular Brasileira (MPB). Houve um pensamento lógico por parte de Ákilas Batista, o Boca, de 48 anos, ao pensar em um termo para designar as músicas que estava criando junto à recém-criada banda Quilomboclada, de Porto Velho, ainda em 2003.
“Na época, eu pensei: vou usar alguma coisa daqui e outra de fora. Até que uma vez perguntaram que tipo de música a gente tocava. Aí eu falei, MPBera, Música Popular Beradeira. Isso há 20 anos atrás era um pouco difícil de engolir”, relembra, rindo.
Mas a musicalidade da banda não tinha nenhuma relação com a MPB, gênero que surgiu na década de 1960 e revelou artistas como Elis Regina e Chico Buarque. Enquanto a primeira se inspirava no folclore e ritmos tradicionais vindos de outras regiões do país, a MPBera quis fazer a mesma fusão de sons, só que com
o rap, reggae, rock, boi-bumbá, elementos do terreiro de umbanda (batuque africano) e outros ritmos. “Já tinha uma galera fazendo essa mistura de sons em Porto Velho, como Bado e Binho, Zezinho Maranhão e Augusto Silveira. A MPBera surge, com a Quilomboclada, da necessidade de intitular o que a gente estava fazendo”, ressalta.
E o difícil de engolir na época vem do termo, beradeiro. Designado para identificar uma pessoa que mora na beira de um rio, era considerado pejorativo e até mesmo um xingamento por parte de moradores da cidade.
O termo MPBera também não foi definido por um acaso. Além de buscar a mistura que a MPB trazia na música, Boca buscou informação e consciência de estudos artísticos que foram do Movimento Antropofágico - assimilar outras culturas, mas não copiar - até filosóficos, como a Transvaloração de Nietzsche, que questiona valores transmitidos como absolutos.
“Na hora de fazer uma música chamada Beradeiro, ouvi de alguém que as pessoas daqui nunca iam querer ser chamadas assim. A gente não pode trocar o que não tem, não é? E o que tem é a nossa identidade. Outra vez perguntaram por que beradeiro, mas esqueceram da pergunta óbvia: por que não?”, lembra. No processo de pegar o que acontece fora e misturar com o que está dentro, a MPBera se transforma em uma miscelânea de ritmos do Norte e de outras regiões do Brasil. O resultado é uma musicalidade nortista e beradeira, como explica Boca.
“A MPBera teve uma origem, mas não é um consenso. Ainda continua em construção pelos artistas daqui que assumem ou se identificam com o gênero, criando suas letras e desenvolvendo vertentes”, ressalta.
Até 2007, Boca permaneceu na Quilomboclada junto com Samuel Pessoa, que integra a banda até os dias atuais. A banda também foi composta pelos membros Radar, mestre Xoroquinho, Tino Alves, Flammareon Jackson, Laureano, Foca e Adriano. Com a ressignificação da ideia beradeira através dos novos elementos, a banda sentiu o impacto da recepção local. “Éramos uma nova geração, ainda jovem, fazendo uma ruptura. Sofremos também, porque falar de uma ideia beradeira era algo absurdo, era como ir contra a pororoca na época”, relembra. Apesar das dificuldades do pioneirismo, a banda
Na hora de fazer
uma música chamada
Beradeiro, ouvi de alguém que as pessoas daqui nunca iam querer ser chamadas assim .
Boca Vocalista do Quilomblocada
“Foi uma honra gravar esse álbum. Muito porque a Quilomboclada só fazia parte do imaginário portovelhense, pois os shows eram muito esporádicos, não tínhamos nenhuma música nem vídeo gravado até então”, destaca Samuel.
Samuel Béra Band: um novo projeto caboclo
Atualmente, o vocalista da banda Quilomboclada segue em um novo projeto musical, o Samuel Béra Band. Além dele, a banda conta com o baixista Adriano Pato, o guitarrista João Luiz, o percussionista Mestre Xoroquinho e o baterista Rodolfo Bártolo. O grupo, segundo Samuel, representa um amadurecimento do movimento cultural beradeiro, que inclui a MPBera.
Além de buscar trazer a defesa pela identidade local e o sentimento de pertencimento, o grupo quer também sair do discurso e, através da música, falar da importância da Amazônia, da defesa dos povos indígenas. “Queremos ter um sentido ao tocar, nos mínimos detalhes, e que a experiência seja captada para as futuras gerações”, salienta.
Não só na musicalidade, os detalhes também contemplam os instrumentos, como a guitarra da banda, a Bera Caster, feita com madeira de reaproveitamento 100% amazônico.
Um outro momento de celebração para a nova banda é o show Noites Berafônicas, que busca resgatar a valorização da música autoral e das raízes culturais. “É um público novo, e quando tocamos, sentimos que en-
tram na mesma frequência energética”, salienta João. E quanto ao futuro, a banda já se encontra na fase de pré-produção de novas músicas para gravação. O grupo planeja para os próximos meses um show especial, o “Caboclo Digital”, de músicas autorais e com a releitura de clássicos regionais.
Até lá, a banda se relaciona com o seu público através do Instagram (@samuelberaband), onde vai divulgar todas as novidades para quem deseja fazer parte do movimento musical nortista, seja beradeiro ou não.
O QUE É A BANDA BERADELIA?
A banda Beradelia é também uma referência local na MPBera. A tese de doutorado, escrita por Gustavo de Abreu (UFPR), propôs que o grupo portovelhense faz a manifestação da beira. Ou seja, a busca das origens nativas, como ser da beira do rio, mas também uma “psicodelia”, uma mistura de culturas em uma só, daí o termo “Beradelia”. A tese ainda cita outros artistas como exemplos de cultivar o ritmo MPBera, como a banda de reggae Leão do Norte, e as bandas de rock Malcriados e Coveiros.
Álbum de fotos: Nazaré , um mergulho na cultura ribeirinha
O Festival de Nazaré do baixo Madeira é uma celebração que acontece entre as comunidades rurais e ribeirinhas. O Festival ocorre no distrito de Nazaré, localizado à 150km do centro de Porto Velho, mas em território ainda pertencente a capital de Rondônia. O acesso a Nazaré se dar apenas por transporte fluvial.
O Festival é responsável por reunir as pessoas da comunidade, celebrar a cultura ribeirinha e preservar a sua identidade através de apresentações culturais, tais como a dança do seringandô, a quadrilha tradicional, o carimbó e o boi Curumim.
O Festival atrai anualmente vários turistas, que desejam ter maior contato com a cultura ribeirinha. Esse evento atingiu uma marca histórica e importante para valorização da cultura local, sendo reconhecido como Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial de Rondônia. O reconhecimento ocorreu por meio do Decreto nº 28.188, de 14 de junho de 2023.
O espetáculo já existe há 50 anos. Em 2023, ocorreu entre os dias 28 e 29 de julho de 2023. A repórter da revista Versões Ausentes Márcia Eduarda esteve na edição de 2023 e traz um álbum de fotos exclusivas.
Artistas locais
O palco do Festival de Nazaré tem como prioridade a atuação de artistas daquela comunidade. Muitos artistas rondonienses e até de outros estados estiveram presentes, mas eles se tornam plateia, porque o momento de brilhar é daqueles grupos que residem na própria comunidade.
Boi-bumbá
Grupo de dança Boi Curumim representa a tradição do boi-bumbá no Festival de Nazaré. Crianças, jovens e idosos se unem no espírito de alegria, repassando a tradição entre gerações.
Paikicés, o personagem
A palavra Paikicés tem origem na linguagem dos índios Munducurus e significa cortadores de cabeça. Na tradição cultural nortista, essa palavra é adaptada para pessoas que defendem a cultura local com vigor e coragem. Um exemplo é o boi Caprichoso, do tradicional Festival de Parintins, que chama os carregadores de alegorias como paikicés, por serem considerados guerrilheiros que estão prontos para qualquer desafio. No Festival de Nazaré, o cantor Nei Lima faz uma performasse musical se transformando em um Paikicés. Ou seja, um guerrilheiro indígena.
Pôr do sol
O Festival de Nazaré ocorre durante três dias consecutivas, com atividades em vários horários. Há momentos para curtir as belezas locais, a culinária e as atrações culturais. No final da tarde, é unânime o desejo de repousar a atração mais escolhida pelos visitantes é repousar um pouco desfrutando o belo pôr do sol do baixo Madeira.
Voluntários garantem o sucesso do evento
Contato com a natureza
Mesmo com a grande força cultural trazida pelo evento, os recursos não são abrangentes. Com isso, os voluntários são fundamentais para que o sucesso do evento seja garantido. Um exemplo é Marivalda Morais, voluntária na confecção das fantasias do Festival de Nazaré.
Coletividade em primeiro lugar
A doutora em história social pela Universidade de São Paulo (USP) Márcia Mura (de branco) se dedica a resgatar a memória do povo Mura no Rio Madeira. Ela não gosta de aparecer sozinha. Em todas as vezes que foi chamada para ser fotografada, convidou familiares e membros do do coletivo Mura. Ela entende que a coletividade é o que prevalece na sua bandeira de vida, que é resgatar a memória do povo Mura.
Uma das maiores riquezas do Festival de Nazaré é a possibilidade de garantir uma experiência de imersão na natureza. O local não possui telefonia celular ou internet. Com isso, os visitantes vivenciam nesse contato com a natureza de uma forma profunda.
Partilha de experiências culturais
Religiosidade
A religiosidade também está presente no local. A estátua de Nossa Senhora de Nazaré é uma das atrações. Os católicos aproveitam o momento no distrito, para rezarem e fazerem suas preces e agradecimentos.
A partilha de experiências é uma das marcas principais do Festival de Nazaré. O coletivo Mura é uma das maiores atrações do evento, mas nesse registro ao lado, as integrantes do coletivo estão prestigiando atenciosamente as demais atrações do evento.