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DENTRO DAS QUADRAS DA PORTELA

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O Baile Charme

O Baile Charme

100 ANOS DE HISTÓRIA, E AINDA

No ano de 1926, a junção dos blocos carnavalescos “Baianinhas de Oswaldo Cruz” e “Conjunto Oswaldo Cruz” dá origem à escola de samba que, no ano de 1935, viria a se chamar Portela Ainda sob o nome de “Vai Como Pode”, a escola conquista em 35 seu primeiro título com o enredo “O samba dominando o mundo”, de autoria de Antônio

Caetano - também responsável pela primeira implementação de uma alegoria em um desfile Desde então, a Portela vêm acumulando vitórias e é hoje a escola de samba carioca com o maior número de títulos: 22 no total

Antônio Caetano foi o responsável pela instituição do branco e azul como cores da escola, em homenagem à Nossa Senhora da Conceição, padroeira da Portela; assim como instaurou a águia como símbolo. Entretanto, além dele, outros personagens como D. Esther, Heitor dos Prazeres, e, principalmente, Paulo Benjamim de Oliveira - ou Paulo da Portela tornaram a escola tão grandiosa e revolucionária como segue até hoje.

Para o carnaval de 2024, o enredo chama-se “Um defeito de cor” e é baseado no romance de mesmo nome de Ana Maria Gonçalves. Usando do estilo narrativo da obra, a Portela imagina os caminhos da mãe preta, Luiza Mahin, que, pelas próprias palavras de seu filho Luiz Gama, era: “uma negra africana, livre da nação nagô, de nome Luiza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã ( ) era baixa, magra, bonita, a cor de um preto retinto, sem lustro, os dentes eram alvíssimos, como a neve. Altiva, generosa, sofrida e vingativa. Era quitandeira e laboriosa”.

A escola busca honrar todo o caminho trilhado na dor que é ser uma mulher negra na história afro-brasileira. Pegadas essas, comuns à diversas mulheres negras, que buscam o sentido da própria existência e mantém-se como resistência para sobreviver.

AUTOR: LUCAS CAVALCANTI

Entrevistas

Júnior Schall, diretor de carnaval.
Gilsinho, intérprete oficial.
Nilce Fran, coordenadora da ala de passistas.

A PORTELA PELOS PORTELENSES

Com 100 anos de história - até mais do que isso fora dos registros oficiais - a Portela já foi casa para muitos, e continua sendo. Entre alguns dos portelenses, a Imercult conversou com três deles, respectivamente, da esquerda para a direita, nas imagens acima: Júnior Schall, diretor de Carnaval da escola; Gilson da Conceição, o Gilsinho, intérprete oficial; e Nilce Fran, coordenadora da ala de passistas á 25 anos

“(...) a Portela é o meu caminho, é o meu reconhecimento, é o meu conhecimento, é o meu lar, é a minha história (...). Onde eu piso eu sou a Portela, e, modéstia à parte, onde eu chego as pessoas sabem que eu sou Nilce da Portela.
O QUE É A PORTELA PARA VOCÊ?

Júnior Schall: Eu estou voltando para a Portela, e a Portela hoje é a manifestação de momentos de pura felicidade, essência alegria, vivências, e a manifestação do senso empático como um todo, como um grupo. Por quê ele é meu, ele é seu, ele é dele, quando chega aqui ele vira nosso. É uma coisa que não tem fórmula, só acontece. Somos uma escola, somos um só.

Gilsinho: Cara Portela, eu nasci aqui, né? Tenho 53 anos de Portela, então nasci aqui. Então, a Portela é uma parcela muito grande do que sou hoje, eu devo à Portela, eu devo ao meu pai, que foi um baluarte da escola, então a Portela tem um peso muito grande na minha vida. Eu já fiz muita coisa aqui, fui ritmista, olhei pra harmonia - mas não entrei porque meu lance sempre foi música. Então eu caí no lugar certo e na escola perfeita.

Nilce da Portela: A Portela é uma escola muito matriarcal, muito família, sabe? A Portela é aquela escola que a gente chega e você entra ali, na minha sala, e tem o Guaraná, o bolo, a água. A gente se senta e fica até de manhã, a gente comemora o aniversário... Somos uma família. A Portela para mim é quase tudo, só não é tudo pois eu tenho meus netos e eles são a minha vida, mas é o meu caminho, é o meu reconhecimento, é o meu conhecimento, é o meu lar, é a minha história, é a Portela. Onde eu piso eu sou a Portela, modéstia à parte, onde eu chego as pessoas sabem que eu sou Nilce da Portela.

O QUE É NECESSÁRIO PARA QUE AS FUTURAS GERAÇÕES MANTENHAM VIVA A TRADIÇÃO DO SAMBA RAIZ?

Nilce da Portela: A Portela fez história, ela foi pioneira ao idealizar e implantar o samba-enredo nas escolas de samba, teve a primeira ala coreografada, baluartes e passistas históricos e que deixaram sua marca. Eu, hoje, com 57 anos de idade, entendi, há 30 anos atrás, que eu precisava preservar o malandro, a cabrocha, o chapéu de Panamá, né? o surdo de terceira, a nágua na porta bandeira. Então, para fazer mais 100 anos, a Portela precisa que sua história seja perpetuada e qualquer um que chegue preserve isso, com humildade e respeito.

Gilsinho: Venham para dentro das escolas de samba, venham curtir o samba verdadeiro, samba que é feito com amor. O samba que é feito com carinho, samba que é feito com consciência, né? Com liberdade. Então venham para dentro das escolas de samba para aprender cada vez mais o que é um samba de verdade.

Júnior Schall: Tem coisas que não passam pelo meio físico né? Como dialogar com novas mídias e redes sociais, e o que está fora da chamada “bolha do carnaval”. Isso ‘tá’ fora do plano físico mas ele precisa ser observado. A constatação física é você ver, por exemplo, a nossa diretora artística e de passistas Nilce Fran renovando a cultura do samba pelos passistas; o nosso mestre de bateria Nilo Sergio, renovando pelos novos ritmistas. Essa essência de constatação física talvez seja a chama maior de manutenção do carnaval. Já a constatação que sai da bolha, é muito importante e o carnaval deixa isso num plano perigoso. E o legado, ele só vai ganhar essa questão de valor, se ele puder entender como ele conversa, como ele dialoga com o novo, e a Portela está trabalhando e aprendendo muito a dialogar com o novo. A Portela, assim como outras grandes agremiações, não encontra fronteiras. Isso aumenta a tua capacidade de dialogar com o público em geral. Por que a essência do carnaval como manifestação genuinamente preta, teve que sofrer algumas alterações È claro, que muito mais duras, no sentido mais drástico da palavra, mas tiveram que acontecer, e acontecem. Você só não poder perder os pontos que alicerçam sua cultura de base: respeito ao pavilhão, respeito ao teu solo sagrado, àqueles que já se foram. Você educa para o que vem com base no que passou, e debaixo do mesmo teto, da mesma Portela.

COMO A PORTELA TEM TRABALHADO PARA MANTER O SAMBA RAIZ E, AINDA ASSIM, SE ADAPTAR AO CONTEMPORÂNEo?

Nilce Fran: Eu cresci no tradicional, eu cresci escutando música de raiz, entendendo que o samba era respeito. Portela é uma escola mais velha, centenária né?! Então, mesmo entendendo o novo, a Portela é e vai ser tradicional. Eu educo meus alunos para que, no dia em que eu não estiver mais aqui, não desrespeitem a tradição da Portela. A história, tudo que nós aprendemos, a Portela é uma escola quase arcaica, as vezes é. Uma escola que exige respeito, então mesmo ‘aí’ fora havendo toda essa mudança, inovação, modernidade, o tradicional é a cara da Portela. E eu não consigo ver, daqui a 50, 100 anos, isso mudar.

Gilsinho: O samba é diretamente ligado à cultura afro-brasileira, né?! Ele veio de Além-Mar, como a gente conhece a história, veio numa difusão do “semba” da África. Chegou no Brasil e se tornou essa ‘coisa’ tão bonita que é a cultura hoje. Faz parte da cultura brasileira, o brasileiro já nasce sabendo, mais ou menos, o samba né?! Então, a gente fica feliz em ver nossa bandeira sempre contínua, sempre batendo lá em cima. A Portela tem muito para apresentar, ensinar, dar para toda a população, né?! O samba não pode morrer jamais E como eu falei antes, a escola atrai cada vez mais gente interessada em descobrir todo o brilho, a potência que o samba tem. A própria bateria da Portela tem um projeto, né?! De ensinar novos ritmistas e aproveitar esse ritmo na própria bateria . A Portela é primordial por ter 100 anos, ela tem muita à ensinar, têm muito à fazer e é sempre pioneira em algumas coisas.

Samba enredo para o ano de 2024.
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