REVISTA ORIENTE OCIDENTE - N.33, II SÉRIE, 2016 (ANUAL)

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A questão da emigração chinesa via Macau ...

em que se pode ler a seguinte legenda: “Estamos aqui, estamos gozando todas as delícias da imigração chinesa. Quem diria!” (v. figura 5). Ainda que predomine a ironia, o que evidencia certa insatisfação, nota-se que até os periódicos que se opunham veementemente à emigração chinesa – como a própria Revista, – por fim, mesmo que a contragosto, tiveram de admiti-la, para o bem da lavoura brasileira. O Diario do Rio de Janeiro, durante as três décadas analisadas, manteve uma postura por vezes contraditória, porém, em sua maioria, favorável à emigração chinesa tanto para o Brasil quanto para outros países na América, baseada, muitas vezes, nos relatos da experiência nesses países vizinhos. Ressaltamos, assim, a importância do trabalho com os periódicos em estudo interdisciplinar, recompondo a história sob perspectiva de quem a vivenciava no calor dos fatos, o que tem importância inegável na reconstituição de uma época. Destacamos, também, a importância de trabalhar com fontes primárias, aproveitando o vasto acervo do Real Gabinete Português de Leitura, nossa

fonte de estudos e de pesquisa, conforme assevera Eduardo da Cruz: A hemeroteca do Real Gabinete tem sido, cada vez mais, alvo de interesse dos pesquisadores. Longe dos antigos pressupostos de que a imprensa apresentava a ‘verdade’ sobre um fato, ou de que era mero registro fugaz de ideias ou faits divers, importantes historiadores, sobretudo da Nova História, passaram a se ocupar dos jornais e revistas de uma época como portadores de visões distintas sobre um mesmo acontecimento, além de analisá-los como veículos que intervinham nos processos e episódios de seu tempo33. A emigração chinesa para as Américas foi, portanto, questão fundamental no debate sobre desenvolvimento da agricultura brasileira no século XIX, formado o impasse do fim da escravidão africana. Com a pressão externa para a abolição da escravatura, era necessário pensar em medidas alternativas que mitigassem os prejuízos e ocupassem a lacuna de mão de obra que seria deixada pelos escravos negros.

Sem bases fundamentadas na razão, os opositores dessa causa agiam movidos pelo preconceito e nada mais. O Diario, do modo como foi possível, foi mediador desse debate, levantando outras questões – como as publicações sobre cultura chinesa – bem como os depoimentos do resultado da experiência da emigração em países vizinhos, como forma de comprovar que os chineses eram, de fato, uma alternativa de mão de obra para a lavoura. Ainda assim, essa polêmica se arrastou por mais algumas décadas (pelo menos até a de 1890, conforme demonstramos pela Revista Illustrada). Destacamos, por fim, que a função de um jornal de grande influência, como foi o Diario do Rio de Janeiro no século XIX, é, mais do que transmitir informações, ser formador de opinião, suscitar e alimentar debates, trazendo diversos pontos de vista. Apesar de se pretender, de início, não político, o papel a que se prestou o Diario foi certamente de grande relevância para a formação do pensamento da sociedade oitocentista a respeito da questão da imigração chinesa no Brasil.

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CRUZ, 2014, p. 7.

Bibliografia Cruz, Eduardo da. “A Hemeroteca Oitocentista do Real Gabinete Português de Leitura”. in: ____ (org.). No giro do mundo: os periódicos do Real Gabinete Português de Leitura no século XIX. Rio de Janeiro: Real Gabinete Português de Leitura, 2014. Diario do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1850-1878. Lima, Fernando. Macau: as duas transições. Macau: Fundação Macau, 1999. Mendonça, Salvador de. Trabalhadores Asiaticos. Nova Iorque: Typographia Novo Mundo, 1879. Oliva, Osmar Pereira. “Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Eça de Queirós e a Imigração Chinesa – qual medo?”. In: Revista da Anpoll. Vol. 2. N. 24. 2008. Seyferth, Giralda. Colonização, imigração e a questão racial no Brasil. REVISTA USP. n.53. São Paulo: USP, 2002. Sodré, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.

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