REVISTA ORIENTE OCIDENTE - N.33, II SÉRIE, 2016 (ANUAL)

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quistas que de Malaca se estenderam até à China e ao Japão, os missionários entregaram-se à tarefa de construir igrejas, hospitais e colégios, outros tantos focos de irradiação da cultura ocidental e latina. Corporações religiosas e civis fundaram Misericórdias, uma criação tipicamente portuguesa que se espalhou por todo o Oriente; contavam-se mais de trinta no final do século XVII. Já ao longo do século XVI foram aparecendo dicionários e obras de divulgação religiosa e moral em sânscrito, tâmil, concani, chinês e japonês, impressas em tipografias que se instalaram a partir de 1553 em Goa e Cochim, logo de seguida em Macau e Nagasáki. Os poderes civis e religiosos mantinham uma colaboração estreita e eficiente para garantir o sucesso das respetivas empreitadas. Uns e outros estavam conscientes da vulnerabilidade por serem minoritários e emigrantes: o espaço de intervenção militar e comercial limitava-se a pequenos pedaços de orla marítima e insular distantes uns dos outros, onde o mérito e o reconhecimento do valor dos intervenientes dependiam de muitos fatores, por vezes perturbados pela intriga e a malvadez dos concorrentes. No continente, o poder Mogol impunha-se, a partir de 1520, como uma nova e emergente força política e militar de obediência islâmica sunita, consolidando o domínio do (atual) Paquistão até ao Bangladeche; a hegemonia do Grão Mogol no espaço indiano duraria desde então até à colonização britânica, que começou em meados do século XVIII através da Companhia Britânica das Índias Orientais. Um dos governadores da fortaleza de Malaca foi Duarte Coelho Pereira, descendente bastardo do toscano Gonçalo Coelho – um dos capitães a quem o rei D. Manuel confiou o levantamento topográfico da costa

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brasileira em 1503, na companhia de Américo Vespucci. Duarte Coelho Pereira chegou ao oriente em 1506, foi embaixador, o primeiro português a abordar a Cochinchina (em 1523) e durante duas décadas no oriente deu provas de excelentes qualidades como militar e governante. Acompanhava Jorge Álvares nas primeiras incursões exploratórias por terras chinesas quando este faleceu em 1521 e deu-lhe sepultura junto ao padrão que o mesmo tinha erguido no refúgio clandestino da ilha de Tamão; D. João III escolheu Duarte Coelho Pereira como donatário da capitania de Pernambuco (em 1534, a Nova Lusitânia), a que teve maior sucesso em todo o Brasil. Era casado com Brites de Albuquerque, sobrinha do grande Afonso. Ainda estão de pé as ruinas da igreja de São Paulo, por ele fundada em 1512 e onde foi sepultado São Francisco Xavier. Outro dos escolhidos para donatário de duas capitanias foi o cronista João de Barros, um dos homens mais cultos e respeitados do reino, que nunca tomou posse delas, apesar de ter gasto a fortuna e ter perdido dois dos seus filhos em tentativas frustradas de colonização. Outros donatários de capitanias tinham sido militares e administradores no Oriente: Vasco Fernandes Coutinho esteve em Goa e Malaca com Afonso de Albuquerque, recebeu a capitania do Espírito Santo e lá gastou sem sucesso toda a sua fortuna; Francisco Pereira Coutinho, homem rígido e severo por terras africanas e indianas – o rusticão - perdeu tragicamente a vida na capitania que lhe coube em prémio, a da Bahia. Os comerciantes portugueses alcançaram o Japão (que Marco Polo não visitou mas do qual teve notícias e divulgou com o nome de Cipango) ao longo do ano de 1543 e os pioneiros da façanha terão sido Fernão Mendes Pinto e os seus companhei-

ros Cristóvão Borralho e Diogo Zeimoto, ao desembarcarem, quiçá em risco de naufrágio e sem autorização nem conhecimento do governador Martim Afonso de Sousa, numa das ilhas do arquipélago de Osumi, a de Tanegashima. A introdução da arma de fogo (o bacamarte) foi a primeira grande novidade técnica vinda do ocidente e que modificou por completo a arte e o sucesso militar naquele país que era então governado por senhores da guerra, ao jeito do feudalismo europeu medieval. Ainda nos nossos dias se comemora anualmente na ilha, com o Festival da Espingarda, esse primeiro encontro com os portugueses. A partir de 1547 os mercadores japoneses visitavam Malaca e no ano seguinte frequentavam Goa levando com eles, de regresso ao Japão, as primeiras novidades sobre o modo de vida dos forasteiros latinos. Os missionários jesuítas chegaram à cidade de Kagoshima no mesmo ano em que os seus companheiros chegaram ao Brasil, 1549. O comércio com os nanban jin, os “bárbaros do sul”, desenvolveu-se rapidamente, em menos de uma década, graças ao apoio estratégico de Macau e manteve-se por largos anos monopólio dos portugueses. Em 1581 um cartógrafo português, talvez o jesuíta Inácio Moreira, desenhava a primeira carta geográfica do Japão. Porém, a presença dos europeus em terras tão distantes e culturas tão diferentes sempre foi precária e recheada de imprevistos. A fixação dos portugueses em algumas partes do continente asiático foi difícil: os espaços então sob controlo do Grão Mogol indiano (atual Paquistão, Índia continental e Bangladeche) assim como a China, resistiram à presença dos novos forasteiros apesar das tentativas que se estenderam e falharam por mais de quarenta anos. O imperador mogol só permitiu o


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