Revista de História da Arte (n.º5 / 2008)

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va r i a · a co r n a i lu m i n u r a p o rt u g u e sa

a cor na iluminura portuguesa uma abordagem interdisciplinar

Homenagem ao investigador e amigo Fernando Galván Freire (Universidade de León)

Preâmbulo A cor na iluminura medieval portuguesa: uma abordagem interdisciplinar, foi o nome dado ao projecto que começou pelo estudo de dois manuscritos datados, do fundo do Mosteiro de São Mamede do Lorvão, os designados, Livro das Aves e o Apocalipse do Lorvão: apesar da diversidade do fundo a identificação destes dois manuscritos com cólofons1, em que surge referência à datação e ao local de produção, torna-os especialmente importantes. Foi em torno deles que se juntaram duas equipas de investigação, a de História de Arte2 e a de Conservação e Restauro3. Para os historiadores de arte, apesar destes manuscritos terem sido objecto de vários estudos, permaneciam dúvidas quanto à sua genealogia, à existência de um scriptorium com capacidade para os produzir, à constituição e qualidade da paleta de cores e às opções estéticas dos iluminadores. À partida estávamos conscientes da originalidade que estes manuscritos apresentavam no contexto da iluminura do românico. Contudo, era necessário um estudo rigoroso que só uma caracterização material podia dar resposta; um estudo dos materiais pictóricos e técnicas que permitisse obter o máximo de informação, no estado actual dos conhecimentos, nomeadamente quanto à composição das tintas4 e construção da cor5. Assim nasceu o grupo interdisciplinar que partindo destes dois manuscritos estendeu a sua pesquisa aos restantes do fundo do Lorvão, conservados na DGARQ / Torre do Tombo, pertencentes ou atribuídos ao século XII – 1º quartel do século XIII. Com base no período cronológico estabelecido foram seleccionados nove manuscritos6, representativos de uma grande riqueza artística e de uma diversificada paleta de cores, a partir dos quais foram elaborados estudos codicológicos bem como uma análise dos dados estilísticos e iconográficos. Esta análise será ulteriormente aprofundada no âmbito do projecto “A cor da iluminura medieval portuguesa no contexto Europeu: partilha e singularidade”.

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r e v i s ta d e h i s t ó r i a d a a r t e n º 5 - 2 0 0 8

1. Cólofon do Livro das Aves “Ad honorem dei et sancti Mametis in monasterio laurbanense est scribtus [sic] liberiste IN Dlebus Iohanis abbatis FINITO LIBRO DONA DENT~ LARGIORA m a g i s tro (data entre as letras de m,a,g,i,s, de magistro)” (ANNE DE EGRY, O Apocalipse do Lorvão e a sua relação com as ilustrações medievais do Apocalipse. Lisboa, F.C.G., 1972, p.32) ; cólofon do Comentário ao Apocalipse do Lorvão “Iam liber est scriptus / qui scripsit sit benedictus / qua … … / ERA MCCXIIa [1189] / Ego egeas qui hunc librum scribsi si in aliquibus / a recto tramite exivi, delinquenti indulgeat / karitas que omnia superant.” (HORÁCIO AUGUSTO PEIXEIRO, Um olhar sobre a iluminura do Apocalipse de Lorvão. Tomar, Instituto Politécnico de Tomar, Escola Superior de Tecnologia, Departamento de Tecnologia e Artes Gráficas, 1998. Dissertação de provas públicas para professor coordenador, p.71). 2. Tendo como coordenadora Maria Adelaide Miranda (FCSH-UNL) e como bolseira investigadora da Fundação para a Ciência e Tecnologia, Ana Lemos. 3. Tendo como coordenadora do projecto Maria João Melo (FCT-UNL), membros da equipa na FCT-UNL: Ana Claro e Fernando Pina; e como bolseira investigadora da Fundação para a Ciência e Tecnologia, Catarina Miguel. 4. Uma tinta é constituída essencialmente por uma cola e um colorante. A cola, o ligante, serve para fixar a cor e habitualmente quer-se transparente quando seca; o colorante pode ser um mineral, um composto inorgânico sintético ou um corante natural. Outros compostos, os aditivos, podem ser adicionados para melhorar a cor, certas características como a adesão, a fluidez na aplicação e a resistências mecânica, ou ainda a estabilidade e tempo de vida. 5. A abordagem das teorias da cor é obviamente complexa, tentar quantificar e racionalizar algo que produz emoções e interpela os nossos sentidos de forma tão directa será sempre um desvendar de enigmas. [J. Seixas de Melo, M.J. Melo, Ana Claro, “As moléculas da cor na Arte e na Natureza” in Boletim da sociedade Portuguesa de Química, nº100, 2006, pp. 33-44] No entanto, poderemos escrever que a


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