O soul nosso que dormiu um dia

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UNIVERSIDADE DE SANTO AMARO (UNISA)

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO PARA RÁDIO E TELEVISÃO

Igor Cruz

O soul nosso que dormiu um dia

São Paulo

2007


Igor Cruz

O soul nosso que dormiu um dia

Monografia apresentada para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Rádio e Televisão da Universidade de Santo Amaro, sob a orientação do professor Marcelo Cardoso.

São Paulo

2007


O soul nosso que dormiu um dia Igor Cruz

Monografia apresentada para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Rádio e Televisão da Universidade de Santo Amaro, sob a orientação do professor mestre Marcelo Cardoso.

Data de Aprovação ____/____/____

Banca Examinadora

______________________________________________________ Professor Marcelo Cardoso

______________________________________________________

______________________________________________________

Conceito Final:___________________


DEDICATÓRIA Dedico esta obra à Noêmia, aos amigos e à Juliana, com amor.


“A música acompanha o movimento da sociedade”

Wilson Simoninha


Ao Hyldon, Tony Hit’s, Simoninha, Willian Magalhães, Dom Salvador, Gerson King Combo, Pedro Alexandre Sanchez, Lucimara Martins, pessoas e artistas incríveis que me fizeram aprender muito. À Juliana Cássia, pelas traduções, pelas revisões e por estar sempre presente. Aos amigos que continuam amigos e que compreenderam a ausência diante de uma tarefa muito prazerosa para mim. Ao meu orientador, professor Marcelo Cardoso, que tanto me ‘multou’ durante a elaboração do projeto e por fim, minha mãe Noêmia, que embora não tenha participado do trabalho diretamente, sofreu indiretamente com as alterações de humor que ocorreram por esta longa e inquietante jornada.


SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT

INTRODUÇÃO..................................................................................................05 JUSTIFICATIVA................................................................................................07 OBJETIVO........................................................................................................08 METODOLOGIA...............................................................................................09

CAPÍTULO 1 DAS VOZES NEGRAS, UM PROTESTO PARA O MUNDO...........................11

CAPÍTULO 2 BRASIL: A FILIAL DO SOUL .........................................................................16 2.1 – As principais personalidades do soul no Brasil......................20

CAPÍTULO 3 O SOUL PARA O BRASIL..............................................................................24

CAPÍTULO 4 O SOUL NOSSO QUE SE DISPERSOU ........................................................27 4.1 – Fatos que levaram a soul music brasileira à dispersão.........27 4.1.1 – Os casos Tony Tornado.........................................................27 4.1.2 – O caso Erlon Chaves..............................................................31 4.1.3 – O caso Wilson Simonal..........................................................32 4.1.4 – Os Movimentos.......................................................................35 4.1.5 – A chegada da Disco Music.....................................................39 4.1.6 – Entendendo o processo de dispersão..................................41

CAPÍTULO 5 O SOUL NOSSO DE HOJE EM DIA...............................................................51


CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................54

ANEXOS..........................................................................................................57 Anexo 1 – Entrevistas.........................................................................57 Anexo 1.1 – Entrevista com Wilson Simoninha...............................58 Anexo 1.2 – Entrevista com Pedro Alexandre Sanchez..................70 Anexo 1.3 – Entrevista com Dom Salvador......................................81 Anexo 1.4 – Entrevista com Willian Magalhães...............................83 Anexo 1.5 – Entrevista com Gerson King Combo...........................91 Anexo 1.6 – Entrevista com Hyldon..................................................93 Anexo 1.7 – Entrevista com Tony Hit’s...........................................102 Anexo 2 – Documento oficial do DOPS.....................................................103 Anexo 3 – Mensagens de correio eletrônico.............................................105

BIBLIOGRAFIA.............................................................................................112 FILMOGRAFIA..............................................................................................113 WEBGRAFIA.................................................................................................114


RESUMO Na década de 1950 surge nos Estados Unidos mais uma vertente da música negra. Depois do gospel, o blues e o jazz, apresenta-se ao mundo o soul, fruto de uma mistura de ritmos e ideologias essencialmente negras. No Brasil, o ritmo ganhou notoriedade e adeptos a partir do final da década de 1960. Diversos músicos, já muito conhecidos pelo público brasileiro, adotaram a novidade e resolveram incrementar suas produções com um toque de música negra importada. A inovação foi muito bem recebida pelo país, porém, com as regras do regime militar e as imposições mercadológicas trazidas pela indústria cultural, o fenômeno de absorção encontrou sua queda e foi praticamente deixado de lado pelas gravadoras, livrarias, emissoras de rádio e conseqüentemente por uma parcela da sociedade. Esta monografia vem desvendar os problemas que transformaram este panorama, antes favorável à soul music brasileira, em uma tentativa de preencher o vazio existente na bibliografia que envolve o tema.

Palavras-chave: Música. Negra. Soul. Brasil. Indústria cultural.


ABSTRACT

The 1950's appears in the United States one more slope of black music. After gospel, blues and the jazz music, it is presented to the world almost simultaneously to rock'n roll, the soul music, fruit of one mixed of rhythms and essentially black ideologies. In Brazil, the rhythm gained notoriety and adepts from the end of the decade of 1960. A lot of musicians already known by the Brazilian public, had adopted the newness and had decided to develop its productions with a touch of imported black music. The innovation was well received by the country, however, with the rules of the military regimen and the marketing impositions brought by the cultural industry, the absorption phenomenon flopped and practically was oblivious for the recorders, bookstores, senders of radio and consequently for a parcel of the society. This monograph comes to unmask the problems that had before transformed the panorama favorable to Brazilian soul music into an attempt to fill the existing emptiness in the bibliography that involves the subject.


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INTRODUÇÃO

Ao soul music apresentada ao mundo conquista seu pequeno espaço na música brasileira a partir do final da década de 1960 até os dias de hoje. A música negra soul, produzida no Brasil aqui tratada como a soul music brasileira, adquiriu estilo próprio na década de 1970, contando com músicos que trouxeram forte influência das vozes e instrumentos deste gênero lançado nos Estados Unidos. O estilo compreendido no Brasil aderiu também às peculiaridades no modo como se apresentavam os artistas em suas performances que marcaram uma época para um grande público, além da ascensão para o mercado fonográfico no Brasil. Em pleno regime militar era difícil transmitir alguma mensagem ideológica, como ocorria com a música popular brasileira e suas vertentes, porém, a alta produção musical se dá ininterruptamente de modo que a censura não se torna fator necessariamente inibidor para a criação de novas modalidades musicais brasileiras, novos ritmos e novos artistas que vinham a se consagrar num momento posterior. A música dançante estadunidense estava em alta com bandas como, Earth, Wind and Fire, Marvin Gaye e James Brown. Alguns discotecários e artistas, mais especificamente nos subúrbios do Rio de Janeiro, interessados na novidade, resolveram implementar o estilo ou parte dele no Brasil em suas músicas e performances de palco e obtiveram sucesso tanto nos bailes, em que as músicas eram tocadas, quanto para o mercado fonográfico que investiu pesado no estilo. Artistas como Elis Regina, Gal Costa, Tim Maia, Jorge Ben e Wilson Simonal, já conhecidos pelo público, começaram a inserir o novo ritmo da música importada nas novas produções musicais, de modo ‘abrasileirado’, criando mais uma vertente da música nacional, a soul music brasileira. A década de 1970 foi sem dúvida uma época de maior efervescência cultural para o mundo. Os movimentos musicais lançados nas décadas anteriores se consolidaram nesta década, influenciando o mercado fonográfico e gerando novos estilos para o ramo da música. Enquanto a indústria cultural se instalava de acordo com um novo regime econômico recém-chegado (o capitalismo), os novos gêneros de música voltados para um consumo imediato se firmavam, causando uma transformação mercadológica para o ramo, em que artistas que ainda investissem em um mesmo estilo ficariam para um segundo plano na questão dos gostos de um público que sempre aguardava uma novidade.


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No Brasil, as transformações no mercado fonográfico também se firmaram em paralelo ao regime político da época. Enquanto a música negra estadunidense passava por transformações rítmicas, a música de mesmo gênero brasileira foi sofrendo seus embates mercadológicos e políticos até o ponto de se tornar secundária para o público consumidor de soul music produzida no país. Todas as questões relacionadas a um gênero de música produzido no Brasil e de forte influência estadunidense, adquirem aqui um espaço para a reflexão e demonstração de como se deu todo o processo de dispersão 1 da soul music absorvida e difundida por artistas brasileiros. Desde o início desta trajetória, passando por seus problemas políticos, questionando e revelando os principais fatores de sua derrocada e o seu reconhecimento posterior que contou e ainda conta com as mídias alternativas para a sua disseminação, além de salientar o seu reconhecimento fora de seu país de produção.

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Termo adequado para o assunto da monografia que expressa o sentido de um gênero musical que foi debandado, esquecido, dissipado, afastado, deixado de lado por uma parcela da sociedade que optou por outros estilos de música em conseqüências de fatores estudados e expostos ao longo desta monografia.


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JUSTIFICATIVA

Este projeto vem complementar a debilitada história da uma transição histórica para a música brasileira, desde a ascensão à dispersão do estilo, enfatizando a influência cultural e musical no público em geral, questionando a absorção de novos ritmos e ideologias num momento propício, contendo informações pertinentes à inserção do assunto na história da música brasileira, de forma a explorar conceitos históricos de uma década de efervescência cultural. Tudo isso inserido a um movimento de música negra, especificamente a soul music da década de 1970, compilando a dança e a riqueza musical em seu contexto. Este trabalho vem compreender a soul music brasileira, como uma vertente da música nacional esquecida e praticamente relegada nos finais da década de 1970, boa parte devido à repercussão da ditadura militar e, num segundo momento, influenciada por fatores relacionados à indústria cultural que propunham, a substituição de um estilo musical por outros, levando suas conseqüências esperadas de um modelo econômico recém instalado na cena musical. A proposta do pesquisador se dá logo após a percepção da ausência bibliográfica e a desinformação de diversas fontes ligadas à música com relação ao assunto aqui proposto. De acordo com as questões histórico-culturais relacionadas a soul music produzida no Brasil, levantaram-se informações sobre como este estilo musical se perdeu tão brevemente aqui no país, logo após uma breve ascensão e de proporções populares. Um movimento praticamente esquecido por um longo período de tempo e apenas lembrado pelo mercado da música independente, pesquisadores ou músicos que procuram mesclar as peculiaridades do estilo para se tornar fiel ao seu trabalho ou para a produção voltada para fins comerciais. Sendo assim, esta proposta de pesquisa apresenta motivos oportunos para que a monografia circule como teoria e documentação histórica no mercado audiovisual e literário, de forma que atinja o seu maior número de pesquisadores, seguidores ou simplesmente curiosos.


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OBJETIVO

O Brasil, em meados da década de 1970, atravessou um bom momento para a música em termos de criação e vendagem, principalmente para a soul music, a música negra que foi assimilada por diversos artistas negros brasileiros que vinham conquistando fortemente o seu espaço, além de adquirir sua identidade no modo de se produzir este gênero musical. Os festivais da canção deram popularidade a artistas como Tim Maia, Cassiano, Wilson Simonal, Dom Salvador, Tony Tornado e Gerson King Combo, que investiam em parceria com grandes gravadoras em uma novidade musical, buscando uma identificação nacional para o estilo. Em poucos anos, estes artistas se tornaram conhecidos para a música brasileira, porém, encontraram pela frente empecilhos que mudaram consideravelmente o rumo de suas histórias e, conseqüentemente, a história da música brasileira. Um fenômeno de ascensão que foi disperso. Para tanto, o ostracismo de diversos músicos e personalidades perdeu espaço na história da música brasileira, ao contrário de outros gêneros, como o Tropicalismo e a Bossa Nova que contam com uma bibliografia extensa. Tais empecilhos, supostamente levaram ao esquecimento e a uma possível rejeição de um gênero que foi e é importante não só para a música brasileira, mas também para a história da cultura do país. Sendo assim, o objetivo primordial desta monografia é demonstrar o processo de dispersão sofrido pela soul music brasileira no Brasil a partir do final da década de 1970 e suas características que estiveram ligadas ao cenário político e econômico da época. Ao pesquisar o tema tratou-se a atuação e desempenho da soul music brasileira na década de 1970 enfocando os principais fatores responsáveis de sua dispersão, sem deixar de ressaltar a importância que este estilo musical deixou para a história da diversidade da música brasileira, apontando seus principais acontecimentos e expoentes. Durante a análise do gênero se questionou também o processo de aceitação da disco music e o rock’n roll no Brasil em substituição de outros estilos musicais, como por exemplo a própria música negra em questão.


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METODOLOGIA

Durante o desenvolvimento desta monografia foram realizadas as pesquisas bibliográficas, entrevistas e visitas a casas de shows em São Paulo. No caso das pesquisas bibliográficas, foram realizadas visitas a bibliotecas da USP (Universidade de São Paulo), principalmente da ECA (Escola de Comunicação e Artes), FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) e o IEB (Instituto de Estudos Brasileiros) em São Paulo. Na cidade do Rio de Janeiro foram visitadas as bibliotecas do CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), MIS (Museu da Imagem e do Som) e a Biblioteca Nacional. Também foram utilizados artigos de revistas, jornais, dissertações e publicações na Internet. As pesquisas foram efetuadas de acordo com o contexto histórico, personalidades importantes da época, autoridades relacionadas à cultura popular e musical. Para pesquisas feitas por meio da Internet considerou-se não só tema como principal requisito para realização das pesquisas, mas também, a idoneidade com relação às informações da página visitada, sempre confrontando as informações colhidas na rede com a bibliografia já consultada. No caso das entrevistas, enfocam-se as personalidades que influenciaram diretamente no contexto histórico musical, principalmente músicos, produtores e críticos. As entrevistas foram realizadas pessoalmente pelo pesquisador do projeto, porém, outras entrevistas relacionadas e publicadas na Internet vêm servindo de apoio para complementação de dados históricos. Foram entrevistadas seis importantes personalidades do gênero musical em questão: Wilson Simoninha, Dom Salvador, Hyldon, Gerson King Combo, Willian Magalhães e o discotecário Tony Hit’s que contribuiu efetivamente para a difusão da soul music na cidade de São Paulo. A sétima pessoa foi Pedro Alexandre Sanches ex-crítico de música do jornal Folha de São Paulo (1994 – 2004), que entrevistou alguns nomes que faziam parte do contexto da soul music brasileira da década de 1970, como Tony Tornado e Hyldon. O jornalista trabalha na editoria de cultura da revista Carta Capital. Os momentos mais importantes destas entrevistas poderão ser conferidas nos anexos desta monografia. Tais métodos foram adequados e por conseqüência, imprescindíveis, devido às diversas informações que foram coletadas de acordo com a visão de cada autor, visando sempre à informação em comum para atingir o objeto trabalhado e pelo fato


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de existir um pouco material relevante sobre este gĂŞnero musical em seu devido perĂ­odo. .


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CAPÍTULO 1 DAS VOZES NEGRAS, UM PROTESTO PARA O MUNDO

Quando se estuda um ritmo musical brasileiro e suas conseqüências sociais e culturais, faz-se necessário reconhecer sua influência e sua procedência de modo que se leve em consideração, o processo de absorção, compreensão ou tradução de um gênero de origem importada de um outro país. Um breve histórico, fiel a suas fontes mais convictas, torna-se imprescindível para demonstrar o que foi apresentado ao mundo como soul music. Entre 1914 e 1920 os Estados Unidos da América passaram pelo processo de êxodo rural de ex-escravos negros das fazendas de algodão, oriundos do sul do país, deixando o campo e migrando para o norte e oeste buscando melhores condições de vida. Junto com as famílias, migrou também a música gospel, cantada nas igrejas protestantes da zona rural estadunidense. A religiosidade dos negros em suas canções, também conhecida entre diversos estudiosos e autores como spirituals, misturou-se com outro ritmo rural, o blues. Antes disso, o blues sofreu transformações harmônicas e com a chegada em solo urbano, no norte dos Estados Unidos, eletrificou-se, transformando-se em rhythm and blues. A próxima etapa das fusões musicais, deu-se no momento em que alguns talentos negros resolveram experimentar mais uma vez e o resultado foi a mistura da música gospel (religiosa) com o rhythm and blues, apresentando ao mundo a soul music, em sua tradução mais original, na década de 1950, cujo principal nome desta revelação foi Ray Charles. Ainda no sul dos Estados Unidos, antes do processo de imigração, falavase em soul muito antes de suas primeiras revelações, numa tradução livre para o português, ‘alma’, uma alusão à música cantada com a ‘alma’ anterior a todo o processo de transformação rítmica e social, ainda não definido como uma nomenclatura de identificação do gênero e adotada nas igrejas sulistas como um codinome encontrado para a música gospel (SHAW, 1970). Devido a chegada dos novos habitantes no norte e oeste dos Estados Unidos, em busca de melhores condições de vida, essa população negra exigiu a sua compreensão e inclusão na nova sociedade, provocando assim, um certo incômodo social para a maioria da população urbana da época, os ‘brancos’. A soul music lançada ao mundo perdeu o valor religioso e numa rápida adaptação ideológica


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passou a tratar de outro tema como a exclusão social dos negros estadunidenses, gerando assim uma música entendida como ‘de protesto’. A música gospel, por outro lado não encerrou suas atividades religiosas, porém, também passou a tratar temas de cunho social. Em paralelo a isso surgiu no Estados Unidos um líder engajado religiosamente, negro e carismático, o pastor Marthin Luther King, personagem que impulsionou a luta pelos direitos civis de cidadãos comuns e negros daquele país, pregando a não violência na década de 1970, baseado nos ensinamentos bíblicos cristãos. Quase que simultaneamente, surgia outro ícone do protesto negro norteamericano, o islâmico Malcolm X, influente para a temática dos direitos igualitários dos negros nos Estados Unidos. Ambos os personagens influenciaram

indiretamente na temática das produções musicais daquele gênero que viria a se firmar como uma vertente importante da música negra no mundo. O crescimento

do movimento pelos direitos civis afro-americanos naquele país foi praticamente proporcional ao crescimento da soul music. (CLARK, 1963). Em paralelo a todo esse processo de identificação da música negra e a luta por direitos civis, a música foi se transformando. Outras vertentes da música negra como o blues e o rhythm and blues foram mescladas com a música da sociedade ‘branca’, o country e o folk, oferecendo uma ideologia transgressora, juvenil, de quebra de paradigmas e que cresceu em paralelo com a soul music, em uma escala menor no início de sua existência. A partir daí, nos anos 1950, o mundo conhece o um gênero musical revolucionário, no sentido de seu discurso que, além de contestador, apresentava-se como inovador musicalmente, utilizando-se de, na maioria das vezes, poucos instrumentos musicais que levavam às suas apresentações em volumes estridentes e ritmos dançantes de cunho libertário. O rock’n roll, tornou-se, senão o maior, um dos maiores movimentos musicais que o mundo já conheceu e ainda conta atualmente com variantes criadas no mundo todo. Entre seus precursores estão o artista Elvis Presley e Little Richard, que abordavam em sua maior parte a dança e o ritmo, Jimmi Hendrix que se utilizando do blues criou as distorções de guitarra elétrica, influenciando grupos e instrumentistas no mundo todo até os dias de hoje e o grupo The Beatles que levou a popularização do rock’n roll para o mundo, desde o final da década de 1950. Mas enquanto o rock’n roll atingia a sua popularidade, a qualidade sonora da soul music empolgava gravadoras como a Motown, Stax e Atlantic que difundiram


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diversos artistas do gênero que ganharam notoriedade nas paradas de sucesso das rádios de todo o mundo. A mensagem de uma possível comunhão pacífica transmitida pela música soul, somada à qualidade incontestável das gravações e das performances de palco contagiaram o público consumidor de música dos Estados Unidos, da Europa e do mundo. Muitas dessas músicas tornaram-se populares e artistas como Otis Redding, Aretha Franklin, os Temptations e outros nomes passaram a ser amplamente conhecidos e marcaram grandes hits para o mundo, entre consumidores de rock’n roll e pop, além, é claro, dos próprios consumidores da soul music (SHAW, 1970). A soul music também impulsionou a derivação de outras vertentes muito próximas da sua sonoridade e ideologia. No final da década de 1960 surgiu o funk (reação à absorção sonora e ideológica da soul music) e mais adiante o hip hop (reação à comercialização do funk, que respeitava seus valores sociais sem uma característica totalmente musical). Os sonhos dos artistas de soul para um convívio fraterno entre as raças deram lugar, entre os afro-americanos estadunidenses, ao sentimento de exclusão de comunidades étnicas, apartadas das demais etnias e em conflito permanente entre elas. Say It Loud (I'm Black and I'm Proud), gravação antológica de James Brown, registrou como nenhuma outra o pulso afro-americano para os direitos civis dos Estados Unidos naquele momento. O funk dava ênfase absoluta ao ritmo em detrimento parcial da melodia que abolia o acompanhamento de orquestras nas gravações. Era mais abertamente dançante, corporal e "agressivo" que a música soul e contribuiu para extrair a música negra da igreja para as ruas. Quanto à ideologia dos direitos igualitários dos negros, esta se estabeleceu e formou adeptos pelo mundo e, muito antes de atingir o seu objetivo, diversos grupos étnicos conviveram com os confrontos e boicotes entre eles, chegando próximo de uma guerra civil (SHAW, 1970). Depois de todo o movimento “musical-revolucionário” ou “social-musical” ter sido reconhecido no mundo todo, as gravadoras perceberam o lucro como seu principal objetivo e passaram a investir no lado comercial da soul music. No início da década de 1970 alguns novos artistas negros da soul foram construídos para o processo capitalista da música no mundo e grupos essencialmente negros como Earth, Wind and Fire e Curtis and Mayfield, que já trabalhavam o funk como principal ramo de atividade musical, foram lançados ao mercado, atingindo um sucesso imediato, com suas músicas prontas para serem consumidas. O mote da soul music


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começou a se dispersar dando lugar a propostas comerciais e atingindo outros objetivos, sem a mesma força em seu contexto social. Quem agradecia eram as pistas de danças, as lojas e as gravadoras do mundo que lucravam o suficiente com o lançamento de outros artistas, mantendo-se fiéis à qualidade musical oferecida desde a década de 1950, nos primeiros tempos da soul music. A evolução da música negra não parou. Durante quase toda a década de 1970, as gravadoras descobriram a sua verdadeira mina de ouro, pois enquanto produziam música, o mundo dançava em paralelo com o rock’n roll que também já havia se estabelecido e gerado diversas vertentes, algumas até revolucionárias, porém, ainda pouco lucrativas (em comparação com a música negra) para os interessados na vendagem de discos ou num consumo mais imediato. Em 1975, o grupo Earth, Wind and Fire, emplacou o disco That’s the Way of the World, de sucesso absoluto em várias rádios e pistas de dança do mundo. Alguns teóricos acreditam que este disco, além de outros igualmente importantes desta fase, pode ter sido a porta de entrada para um gênero musical que eclodiria mais tarde, no final da década de 1970, provavelmente em 1978, causando furor em puritanos da música e provocando espasmos de felicidade em quem visava o consumo como principal objetivo. Abriam-se as portas para a Disco Music, um movimento também negro que perdera todo o senso de protesto ou revolução em sua produção e execução, ocupando espaços cada vez maiores em bailes, rádios, gravadoras, lojas, festas e o que mais levasse em consideração a união de pessoas pela confraternização mútua e o sentimento de felicidade causado pelo ritmo dançante. A história e a produção da música negra estadunidense jamais encontraram seu fim, pois levou para o mundo a música, o consumo, os ideais e os artistas que conquistaram toda uma geração, fazendo a década de 1950, 1960 e 1970 ferver culturalmente para o mundo. A Disco Music ganha seu espaço em outro capítulo, em que contribui para a compreensão do processo da substituição de gêneros musicais ao longo do tempo, a evolução da música, a intervenção comportamental para a sociedade, deixando o sentimento de saudosismo para os adoradores da soul music e para os produtores e músicos que passaram a produzir em escala ínfima. O diagrama abaixo ajuda a compreender melhor o que acontecia com a música negra estadunidense após a Segunda Guerra Mundial, a partir de 1950.


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A SOUL MUSIC E SUAS DERIVAÇÕES

GOSPEL & BLUES 1910 RHYTHM AND BLUES 1950

ROCK’N ROLL 1950

SOUL MUSIC Década de 1950

FUNK Década de 1970

DISCO MUSIC Final da década de 1970 HIP HOP Década de 1970


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CAPÍTULO 2 BRASIL: A FILIAL DO SOUL

Na década de 1960 a soul music estadunidense passou por uma releitura social e musical do próprio estilo e artistas como Ray Charles, Stevie Wonder, Marvin Gaye e posteriormente James Brown conquistaram notoriedade junto ao público e no mercado fonográfico. O soul se estabeleceu como gênero, ganhando força com seus ‘sub-gêneros’, o funk e o hip hop e logo se disseminou pelo mundo com produções em larga escala, além de promover diversos artistas negros. E, no Brasil a absorção do gênero foi muito bem sucedida. No final da década de 1960, início da década de 1970, o DJ

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Ademir Lemos e o radialista e animador de festas

Newton Duarte, mais conhecido como Big Boy, além de outros artistas, especificamente nos subúrbios do Rio de Janeiro, interessados na novidade, resolveram implementar o estilo ou parte dele no Brasil com músicas dos discos de artistas internacionais. As músicas e as performances de palco obtiveram sucesso tanto nos bailes em que as músicas eram executadas, quanto para o mercado fonográfico que investiu pesado no estilo, visto que este ramo de atividade (a música), na época, atravessava um bom momento fazendo com que as gravadoras investissem nas novidades brasileiras. 3 As grandes empresas do disco na década de 1970 tinham um grande elenco de músicos e bandas que conquistaram seus espaços no mercado fonográfico e ganharam destaque nos anos em que lhes foram oferecidos para atuarem e serem reconhecidos pelo público consumidor de música. Artistas como, Tim Maia e Wilson Simonal, já conhecidos por um grande público, começaram a inserir novos elementos (arranjos e sonoridade) da música importada nas novas produções musicais, criando mais uma influente vertente da música nacional. Ainda sem uma primeira classificação, a soul music, numa versão brasileira, 2

foi

compreendida

por

diversos

artistas

que

aclamavam

seu

DJ ou disc jockey, numa tradução fiel para o português significa, aquele que brinca com o disco, que manuseia ou que coloca para tocar discos em seus toca-discos nos bailes ou manifestações culturais. 3 As vendas de discos passam de 5,5 milhões de unidades em 1966 para 52,6 milhões em 1979 segundo dados da ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Discos). A ABPD foi criada em 1958 e tem sede no Rio de Janeiro. A associação congrega empresas do setor fonográfico que a mantém financeiramente. Dentre suas funções estão: o levantamento de dados estatísticos sobre o mercado de discos; o combate à pirataria; a defesa dos interesses das empresas do setor. É também a ABPD quem emite os certificados autorizando as gravadoras a concederem aos artistas os discos de ouro, platina ou diamante.


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reconhecimento na época (ASSEF, 2003). Pedro Alexandre Sanchez, crítico de música e jornalista cultural, quando questionado sobre uma possível influência da música norte-americana no Brasil, comenta:

“...o que chama a atenção e é engraçado que nesse momento, 68, 69, todo mundo fica meio soul, a Elis, Gal (...) o que me faz pensar que houve algum tipo de modismo em 68/69 e eu não sei exatamente detectar o que é... época em que o Stevie Wonder estava estourando, mais forte, aconteceu alguma coisa que veio de lá (EUA) e que o Brasil assimilou e encorpou, e aí teve tudo aquilo, Tony Tornado, a soul music ou o funk, ambos, nos festivais da canção, eu estou querendo dizer que é um tipo de música maravilhoso, que eu adoro, acho o máximo, mas eu acho que entrou num circuito de moda mesmo, moda que daí tinha o black power, tinha... misturar com flower power, era um momento de muitos movimentos culturais jovens...” 4 A soul music, recém absorvida e compreendida no Brasil, ganhou destaque no V Festival Internacional da Canção de 1970. Diversos artistas como Ivan Lins, Cauby Peixoto em dupla com Fábio, Wanderléa e o maestro Erlon Chaves que interpretou uma música de Jorge Ben, aderiram ao estilo na interpretação de suas canções, além de Dom Salvador e Grupo Abolição e Tony Tornado (MELLO, 2003). Os jornais da cidade do Rio de Janeiro publicavam algumas notas sobre o circuito de música negra que estava invadindo o país, começando pela cidade maravilhosa:

“Quando a música vocal negra norte-americana foi relançada, em fins da década de 60, sob o nome de soul, ela encontrou, no Brasil um cantor, compositor, letrista e violonista já pronto a assimilá-la e aproveitá-la na elaboração de seu próprio estilo: Tim Maia” (...) “O Soul brasileiro por ele lançado, é uma delícia sonora (...) mantendo-se, há meses, entre as gravações mais vendidas do Brasil.” 5 Com relação ao comportamento das pessoas (em sua maior parte negros) que freqüentavam os bailes suburbanos, este foi se identificando pelo modo como essas pessoas se vestiam e cultivavam suas cabeleiras ao estilo black power 6 , lançado nos Estados Unidos. Em meados dos anos 60, o sentimento libertário e a 4

Pedro Alexandre Sanchez, entrevista ao autor desta monografia em 04 de jun. de 2007, São Paulo. VASCONCELOS, Ary. A assimilação perfeita. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22 de nov. 1970. Caderno B, p. 1B. 6 Movimento negro estadunidense politizado lançado no final da década de 1960 que proclamava o fim da exclusão racial e os direitos igualitários dos negros nos Estados Unidos. 5


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luta por direitos iguais eram latentes na população negra estadunidense. Personagens de liderança como Malcom X, Martin Luther King e os Panteras Negras (grupo político criado na década de 60) influenciaram milhares de negros com seus discursos sociais pelo fim da segregação. Stokely Carmichael, por exemplo, militante do movimento negro nos Estados Unidos, foi o responsável pela criação da expressão black power, em português "poder negro". A expressão passou a caracterizar não apenas uma luta em prol da comunidade negra, mas também um novo tipo de penteado. O black power, representado na figura de cabelos bem crespos e volumosos, era um sinônimo de afirmação racial (WOLFE, 1997). Na década de 1970 o estilo se popularizou no Brasil, especificamente no Rio de Janeiro, e era cercado de preconceito e conotação marginal. A denominação “soul music brasileira” ou “soul brasileiro” foi conquistada num momento posterior a sua origem por diversos teóricos, críticos, músicos adeptos do estilo. Para Pedro Alexandre Sanchez, não havia um rótulo definido para o que Jorge Ben fazia na época e afirma que: “o Jorge Ben é o mais genial dos artistas de soul brasileiro, porque ele pegou e fundiu aquilo com o samba de um jeito que virou uma terceira coisa, que aquilo devia ter outro nome, ninguém nomeou aquilo até hoje”. E com relação à produção de Tim Maia de 1978, Sanchez ainda afirma: “...não merecia chamar soul music, deveria ter um outro nome, deveria ter um nome que a gente tivesse inventado para nossa música que é (...) é dificílimo e se achar não pega...”. 7 Wilson Simoninha concorda quando perguntado sobre uma possível definição de nomenclatura:

“...cada um chamava de um jeito, não teve uma marca que ficou clara e que e definida (...) Eu chamei também durante muito tempo de soul music, hoje em dia, eu não sei se é bom ou se é ruim, a Sandra (de Sá) usa muito a ”música preta brasileira”, mas assim, por um lado eu acho que é normal por que o rock é uma parada americana e está completamente imbuída dentro da nossa realidade hoje também, da mesma forma que a soul poderia ser, da mesma forma que hoje em dia a gente faz um rock completamente brasileiro, tem a influência do rock’n roll americano, mas tem uma característica brasileira”. 8

7

Pedro Alexandre Sanchez, entrevista ao autor desta monografia em 04 de jun. de 2007, São Paulo. Wilson Simoninha, entrevista concedida ao autor desta monografia em 28 de mai. de 2007, São Paulo.

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É

possível

que

os

próprios

músicos

daquela

época

ainda

não

compreendessem a palavra soul como terminologia da música produzida por eles mesmos, empregando assim a palavra black, entitulando o estilo como música black nacional. Apenas alguns críticos se aventuraram a teorizar publicamente como soul brasileira, a música negra brasileira ainda em processo de transformação e produção. O estrangeirismo usado para definir gêneros da música na década de 1970 já era uma realidade no Brasil, o uso da palavra rock’n roll era constante e o emprego das palavras estrangeiras black, soul e funk, talvez pudessem caracterizar uma perda de identidade da língua colonizadora exercendo uma possível “máinfluência” para o bom desenvolvimento das palavras em português. Willian Magalhães, produtor musical e líder da Banda Black Rio atualmente, expõe sua visão diante de eventuais dúvidas sobre a nomenclatura ideal para uma música negra estadunidense sendo produzida no Brasil e por brasileiros, quando afirma que “...o termo soul é um termo americano. Mas se você falar a música black brasileira aí eu acho que você vai conseguir ter uma diferenciação.” 9 Mas, assim como o rock’n roll, o soul, o black, o funk e mais tarde o hip hop, já estavam na ‘boca do povo’, para definir gosto, estética, influenciar gerações e construir a história das décadas destes movimentos culturais no Brasil. Este estrangeirismo das nomenclaturas musicais ganhou força e se autodefiniu com a ajuda de uma sociedade consumidora de música de todos os estilos. A notoriedade é tanta que as pessoas que viviam em uma juventude transgressora, de quebra de paradigmas, liberdade sexual, do jargão “paz e amor”, entendiam e até hoje entendem, o gosto do estilo musical como parte integrante da própria personalidade de cada um, desvendando uma possível influência no comportamento (ILARI, 2005). Além disso, a vestimenta também exercia e sofria influências de estilos musicais. No caso da soul music, uma música predominantemente negra, foi perfeitamente visível, pelos trajes ou pelo modo como cuidavam dos cabelos, aqueles mais simpatizantes do gênero, freqüentadores de bailes blacks, DJ’s e artistas relacionados. Wilson Simoninha afirma que “...a música acompanha o movimento da sociedade...” 10

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Willian Magalhães, entrevista concedida ao autor desta monografia em 18 de jul. de 2007, São Paulo. 10 Wilson Simoninha, entrevista concedida ao autor desta monografia em 28 de mai. de 2007, São Paulo.


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2.1 - AS PRINCIPAIS PERSONALIDADES DO SOUL NO BRASIL

A história da soul music brasileira, como todo gênero musical, foi construída por personalidades ligadas à música, portanto se faz necessário citar os ícones que impulsionaram um estilo que passou a confluir o processo de hibridização entre soul music estadunidense e soul music brasileira.

Banda Black Rio: em sua primeira formação possuía sete músicos e pretendia uma música soul mais ‘abrasileirada’ e dançante, misturando elementos de samba e gafieira. Começando pelos bailes do subúrbio, a banda conquistou espaço para a gravação do seu primeiro disco: “Maria Fumaça”, ganhando notoriedade com a faixa título que foi tema musical da novela Locomotivas da Rede Globo de televisão. A primeira formação da banda gravou três discos, Maria Fumaça, Gafieira Universal e Saci Pererê encerrando suas atividades em 1984, ano em que faleceu o fundador do grupo, Oberdan Magalhães.

Cassiano (Genival Cassiano dos Santos): Autor de 6 discos em sua carreira, foi ativista do movimento Black Rio e personagem de um trio que ganhou fama no universo soul brasileiro, “Os Velhos Camaradas”, uma coletânea de músicas compostas por ele, Tim Maia e Hyldon. Cassiano, por motivos desconhecidos da mídia e de pesquisadores, caiu num ostracismo em que personagens da cena soul brasileira não sabem qual o real motivo da desistência artística de Cassiano.

Dom Salvador (Salvador da Silva Filho) e Grupo Abolição: Pianista, compositor, arranjador e admirador da tendência da soul music estadunidense, foi um dos idealizadores do movimento Black Rio e obteve participação notória no V Festival da canção de 1970. Lançou apenas um disco com o Grupo Abolição e mais 7 em carreira solo, incluindo um disco em parceria com Tony Tornado. Dispersou-se do grupo em 1972, exilando-se para os Estados Unidos onde desenvolveu técnicas jazzísticas em suas composições e arranjos. Atualmente faz shows de jazz em restaurantes de luxo na cidade de Nova Iorque.

Gerson King Combo (Gérson Rodrigues Côrtes): Cantor e compositor que iniciou sua carreira aos 28 anos, quando decidiu ser cantor. Depois de participar de vários


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grupos de modesta fama, excursionou pelos Estados Unidos, numa turnê com Wilson Simonal. Retornou ao Brasil em 1972 depois de absorver os mandamentos black, da influente cultura estadunidense muito observada naquele momento da história. Gerson foi agitador da cultura Black, na cidade do Rio de Janeiro, juntamente com Carlos Dafé, Cassiano e o Grupo Os Diagonais, Tim Maia, Sandra de Sá, Dom Salvador e Grupo Abolição e Banda Black Rio. Com a extinção do Movimento Black Rio, afastou-se da cena artística realizando apenas trabalhos esporádicos no ramo musical. Atualmente se dedica a uma instituição de apoio a crianças com deficiência.

Hyldon (Hyldon de Souza Silva): Guitarrista, compositor e arranjador. Num momento já avançado da identificação da soul brasileira e seus elementos sonoros, Hyldon é notado como soul man pelo seu primeiro dos dez discos que lançou, o de maior repercussão, “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda...”. Antes disso produziu discos de Tim Maia, Wilson Simonal, Tony Tornado e Cassiano. Atuou também como guitarrista nas bandas destes artistas.

Jorge Ben ou Jorge Benjor (Jorge Duílio Lima Menezes): Artista negro que começou sua carreira artística em 1961 tocando pandeiro em casas noturnas da cidade do Rio de Janeiro. Muito admirado por artistas do Tropicalismo, foi convidado a se apresentar no programa Divino Maravilhoso, de Caetano Veloso e Gilberto Gil exibido pela extinta emissora Tupi de televisão. Jorge Ben gravou 37 discos, incluindo um de participação, quatro coletâneas e um acústico. Um dos cantores mais interpretados no Brasil e no mundo, acumulou mais de 60 intérpretes em seu currículo. Nomes como Tim Maia, Wilson Simonal, Elis Regina e Caetano Veloso constam como intérpretes do lado nacional. Pelo mundo, artistas de jazz 11 como Ella Fitzgerald e Dizzie Gilespie cultuam o cantor e compositor em suas músicas e até cantores românticos não necessariamente ligados à música negra faziam parte deste repertório, como o cantor Julio Iglesias. Jorge Ben ou Jorge Benjor, ainda produz música mantendo-se fiel às suas origens e suas composições que vão da alquimia a fatos ligados à cultura brasileira como o samba e o futebol, além do

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O jazz é outra vertente da música negra norte-americana com sonoridade muito próxima do blues e que se utilizava de grandes orquestras em suas apresentações. A principal característica deste gênero é o improviso dos instrumentos e vozes durante a execução das canções ao vivo.


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romantismo ligado aos diversos nomes de personagens femininas que ganham destaque em suas canções. Seu último trabalho foi lançado em 2004, cujo título é Reactivus amor est.

Oberdan Magalhães: Instrumentista, arranjador e fundador da Banda Black Rio em 1976, tendo trabalhado antes com o grupo de soul brasileiro Dom Salvador e Grupo abolição, além de ter passado por shows e gravações com diversos artistas da música, como Milton Nascimento e Ivan Lins. Faleceu em 1984 vítima fatal de um acidente de carro.

Tim Maia (Sebastião Rodrigues Maia): Um dos precursores da soul brasileira, violonista e vocalista, realizou um dos seus primeiros trabalhos com Roberto Carlos e Erasmo Carlos, depois viajou aos Estados Unidos retornando com a implementação de elementos de soul estadunidense que ocupava espaço de destaque na mídia musical norte-americana. Lançou 34 discos ao longo de sua carreira, mais quatro coletâneas e dois tributos lançados por artistas mais novos no mercado musical. Tim Maia foi fiel a sua proposta inicial de fazer soul music desde o início da sua carreira até o fim da sua vida. Foi um artista que ganhou fama com suas manifestações empolgantes nos palcos dos seus shows. Faleceu em 1998, vítima de parada cardíaca,

Tony Tornado (Antônio Viana Gomes): Iniciou sua carreira na década de 1950, trabalhando na extinta Rádio Mayrink Veiga no Rio de Janeiro, depois excursionou pelo exterior com o grupo musical Brasiliana. No final da década de 1960 regressou dos Estados Unidos e em 1970 participou do V Festival Internacional da Canção com a música BR-3 de autoria de Tibério Gaspar e Antônio Adolfo, vencedora deste concurso. Gravou apenas dois discos na sua carreira, não dando continuidade em sua carreira de músico, devido a problemas políticos e, logo depois de um exílio, iniciou suas atividades como ator, participando de várias novelas televisivas.

Willian Magalhães: filho de Oberdan Magalhães, é músico, arranjador, tecladista, iniciando suas atividades em 1986, trabalhando como músico e arranjador do disco "Deus Mudança" de Gilberto Gil. Willian retomou as atividades da Banda Black Rio com uma nova formação de músicos em 2001, lançando o disco Movimento,


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entitularizado na Inglaterra como Rebirth, uma alusão ao retorno das atividades da Banda Black Rio da década de 70, visto que, as músicas da primeira formação da banda eram sucesso em casas noturnas e boates de Londres na década de 1990.

Wilson Simonal (Wilson Simonal de Castro): Cantor, compositor, arranjador e apresentador de programas televisivos. Foi um nome popular para a música brasileira da década de 1960 até meados da década de 1970, sendo um dos percussores da soul brasileira, a música negra brasileira daquele momento. Gravou 21 discos e apresentou diversos programas de televisão, sendo o primeiro negro a atuar neste segmento aqui no Brasil. Em 1972, foi acusado pela imprensa, artistas e simpatizantes esquerdistas de ser o delator de movimentos subversivos para órgãos ligados à ditadura militar. Depois da breve e impactante repercussão da acusação do artista, este passou a produzir música em menor escala, amargando o ostracismo até a sua morte em 2000.

Wilson Simoninha (Wilson Simonal Pugliesi de Castro): Cantor, compositor, instrumentista. Filho de Wilson Simonal, começou sua carreira artística ainda na infância e na juventude já trabalhava como músico para seu pai e Jorge Ben. Trabalhou como produtor em três edições do Free Jazz Festival, em 1992, 1993 e 1994) e em duas edições do Hollywood Rock, em 1993 e 1994. Lançou quatro discos em sua carreira, atuando também na área de publicidade com o selo “S de Samba”, onde é sócio e produtor.


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CAPÍTULO 3 O SOUL PARA O BRASIL

A cidade do Rio de Janeiro foi mais uma vez o palco da difusão de outro movimento cultural na década de 1970. Logo depois da Bossa Nova, a cidade maravilhosa abriu as portas para o estado da Bahia, apresentando o Tropicalismo nas primeiras edições do Festival Internacional da Canção, o FIC, realizado e transmitido pelas emissoras de televisão. Na quinta edição do festival, difundiu-se a soul music numa tradução brasileira executada por diversos artistas, através de seus elementos sonoros e performances de palco, a ponto de artistas participantes ganharem notoriedade com suas composições, como foi o caso de Erlon Chaves e Banda Veneno e Tony Tornado. Wilson Simonal, que já era um artista de grande sucesso, não participou pelo fato de ter acompanhado a seleção brasileira de futebol para a Copa do Mundo de 1970, no México, como garoto propaganda da empresa petrolífera Shell que patrocinava a delegação. Na periferia da cidade do Rio de Janeiro, a soul music se firmou como movimento e foi a principal atração para a população economicamente menos favorecida na década de 1970. Os jornais da cidade apuravam a manifestação de música negra de forma abrangente e demonstravam surpresa com os grandes eventos de soul music:

“Em quatro alentadas páginas do Jornal do Brasil, o quadro sumário era traçado: multidões de jovens e negras dos subúrbios do Rio de Janeiro estavam lotando bailes em clubes, galpões e quadras de escolas de samba para dançar ao som de soul music irradiada pela aparelhagem potente das ‘equipes’. Tinham uma linguagem própria, vestuário exclusivo, imensa alegria, habilidade na dança e um amor extremado pelos modelos americanos de afirmação e exaltação da negritude. Seu ídolo máximo era James Brown” (BAHIANA, 1980, p.217). No Brasil, a difusão da soul music, depois de se firmar no Rio de Janeiro, atingiu São Paulo com os bailes de “samba-rock” 12 , nomenclatura usada pelos paulistanos para definir uma outra vertente da música negra brasileira e se referia a 12

O samba-rock pode ser confundido com um estilo de se dançar, independentemente disso, este estilo era parte integrante dos bailes blacks paulistanos e conforme alguns registros de outros autores, tocava-se também na cidade do Rio de Janeiro.


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uma mistura do samba, o jazz e a soul music, seja qual for a combinação, era pouco distinta das músicas dos bailes blacks e ganhava notoriedade pelo modo como se dançava e pela alegria que lhe era peculiar, além de, também ser difundida em sua maior parte para uma sociedade negra da periferia, adquirindo praticamente os mesmos valores comportamentais e sonoros dos bailes que já aconteciam nos subúrbios do Rio de Janeiro (ASSEF, 2003). No documentário 1000 TRUTAS, 1000 TRETAS, RACIONAIS MC’S, produzido e dirigido pelo grupo de hip hop Racionais MC’s, é possível compreender a história dos bailes negros de São Paulo que vem logo após a libertação dos escravos negros, em 1888, depois de ser concedida a lei Áurea que abolia a escravidão no país. Em 1930 começou a chegar informações pelos jornais da cidade sobre o protesto negro estadunidense, inseridas em poesias e em músicas de artistas negros daquele país. Com a ditadura imposta pelo governo Getúlio Vargas nesta mesma década, todo e qualquer movimento no qual houvesse algum tipo de manifestação ‘politizada’ foi banida então, mesmo sem nenhuma conotação de cunho social, os bailes continuaram acontecendo como forma de reunião de negros, nas casas das famílias ou em lugares escondidos da lei. Na década de 1970, as pessoas que ouviam as músicas importadas não faziam nenhum tipo de associação às questões sociais de raça. Com o passar dos anos, os bailes de música negra foi se estabelecendo apenas como diversão, mas sem nenhum discurso engajado com causas negras, mas sim para a exaltação da filosofia da raça, sua liberdade para a dança e a curtição da música. O movimento ganhou força e até clube de futebol em São Paulo. O clube de futebol Sociedade Esportiva Palmeiras, antes conhecido como Palestra Itália, sediado no Parque Antártica na zona oeste da cidade, foi o grande palco de bailes black da cidade. Seu idealizador foi Luizão que além de atuar como DJ nas grandes festas, também promovia shows com artistas nacionais como Carlos Dafé, Tim Maia, Gerson King Combo e internacionais como Parliament, James Brown e ZAP. O Parque Antártica foi o grande reduto de música black no Brasil comportando até 12 mil pessoas em seus eventos de música negra, além de pequenos espaços na periferia com as confraternizações de grupos sociais menores. Gerson King Combo contou sua experiência ante a inauguração do clube que viria ser um dos maiores palcos de música black do Brasil: “Me chamaram para inaugurar o Parque Antártica


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lá em São Paulo, eu fui e tinha muita gente, a coisa ferveu por lá também.” 13 Tony Hit’s, outro importante DJ desde a década de 1950, aderiu ao soul importado já quase na metade da década de 1970:

“Eu só fui conhecer mesmo o James Brown em 1974. No começo, eu não gostava, eu achava muito barulhento, já que eu, quando tocava em bailes, tocava umas músicas mais comportadas, o samba rock era mais comportado. Eu pensava: ‘eu não posso tocar isso nos bailes’, mas depois de uns três meses nenhum DJ, incluindo eu, ficava sem tocar James Brown nas festas e nos bailes.” 14 Segundo Eduardo Silva, um dos discotecários e agitador cultural mais conhecido das décadas de 1950, 1960 e 1970, os bailes de São Paulo também sofreram pressões e vigílias dos militares e muitos eventos foram interrompidos por motivos desconhecidos até os dias de hoje. Os bailes e as músicas se alastraram para outras capitais do país, chegando a Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Brasília, contudo, sem a mesma força, sem a mesma proporção do que aconteceu na cidade maravilhosa e em São Paulo, onde o gênero se tornou uma febre. As cidades que não contavam com sua própria equipe de som nativa, muitas vezes contratavam os animadores dos bailes cariocas e suas equipes de som para lançar o gênero na cidade ou simplesmente trazer a nova atração, visando transformar a novidade em um grande evento de música e dança.

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Gerson King Combo, entrevista concedida ao autor desta monografia em 1º de ago. de 2007, Rio de Janeiro. 14 Tony Hits, entrevista concedida ao autor desta monografia em 28 de set. de 2007, São Paulo.


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CAPÍTULO 4 O SOUL NOSSO QUE SE DISPERSOU

Todos os artistas citados no capítulo 2.1 desta monografia são afrodescendentes, condição que levanta o questionamento sobre um possível agravante racista ocorrido no processo de dispersão de uma música essencialmente negra, antes de ser uma simples tradução, cópia ou até mesmo modismo de um estilo norte-americano da década de maior riqueza musical para o país e o mundo.

4.1 - FATOS QUE LEVARAM A SOUL MUSIC BRASILEIRA À DISPERSÃO

Para compreender o declínio momentâneo da soul music produzida no Brasil, é necessário citar fatos que contribuíram para exercer influência nos diversos eventos que aconteceram com os principais artistas na década de desenvolvimento do gênero musical. A década de 1970 foi marcada por acontecimentos políticos e mercadológicos no ramo cultural, fazendo com que a história da música brasileira ganhasse tristes linhas em algumas publicações de autores engajados no assunto, porém insuficiente para compreender o que realmente aconteceu com a música na época. Intervenções militares e políticas, firmamento de novos modelos econômicos baseados diretamente no consumo e um possível preconceito racial ou de classe social para com artistas especificamente desta cena musical, foram fatores que fizeram parte do processo de dispersão da então soul music brasileira.

4.1.1 - OS CASOS TONY TORNADO

Tony Tornado foi o artista negro de destaque no V Festival Internacional da Canção em 1970, interpretando, em conjunto com Trio Ternura e Quarteto Osmar Milito, a música BR-3, cuja letra é de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar conquistando o primeiro lugar deste festival. Os autores de BR-3 convidaram Tony Tornado, após a recusa de Wilson Simonal e Tim Maia por estarem ocupados com outros compromissos artísticos. O artista, quando regressou dos Estados Unidos em sua primeira viagem ao exterior, trouxe consigo uma aparência do estilo black power de vestir e se portar,


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até então, novidade no Brasil. Tony fazia apresentações musicais em algumas casas noturnas do Rio de Janeiro, onde utilizava suas performances no estilo soul absorvido durante sua ausência do Brasil. Em uma dessas casas noturnas foi descoberto pelos autores de BR-3 que o convidaram para a interpretação da obra, com direito a improvisação de palco. Logo após a sua grande conquista como intérprete, Tony Tornado enfrentou as adversidades da implacável censura militar. Foi sondado por órgãos militares que acreditavam na possibilidade do artista ser o integrante e defensor do violento movimento negro estadunidense daquela época: Os Panteras Negras. Outros fatores colocavam em questão a idoneidade do artista, como a acusação por agressão a sua ex-mulher Edna, frente a uma enérgica discussão de relação que aconteceu em seu apartamento na zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Tony vivia naquele momento um romance público com a atriz ‘branca’ da Rede Globo de televisão, Arlete Sales, apresentadora do Festival daquele ano, de beleza estonteante, como julgava a mídia da época, fato encarado como um escândalo social que veio a ser motivo de incômodo para a classe média ‘branca’ e simpatizantes do militarismo. Não bastasse o incômodo que Tony transmitia ao conservadorismo ofuscado por um possível racismo, o colunista social que participou do festival e foi desclassificado, Ibrahim Sued, defendeu uma hipótese aos órgãos da censura de que a letra da música BR-3 não se tratava exatamente da perigosa rodovia que ligava Rio de Janeiro a Belo Horizonte (BR135), mas sim, de uma alusão a uma pessoa que injetava drogas ilícitas na veia do braço. Em primeira instância, a música foi censurada, devido a pressão exercida pelos militares sobre a gravadora Brazuca, mas depois de alguns meses foi liberada para gravação do disco que compunha 14 canções do V Festival Internacional da Canção. E para agravar ainda mais a sua situação de aversão aos militares, Tony Tornado participou do festival de verão na cidade de Guarapari no Espírito Santo, quando em uma de suas performances, jogou-se para o público e caiu com seu 1,94 metro de altura em cima de uma garota que apreciava o show, deixando a garota paraplégica, levando Tony a responder processos, acusado de estar entorpecido (MELLO, 2003). Sobre o acidente de Tony Tornado, Hyldon comenta:

“Eu estava tocando, era o Festival de Guarapari. E nesses shows que a gente rodava o Brasil inteiro, teve um show em Guarapari que era um festival meio Woodstock, e ele nem usava droga nem era nada disso, ai ele começou a ter um negócio, baixou o santo


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no cara, começou a ficar possuído, voou microfone, voou tudo, o palco era mais de quatro metros, palco grandão, quatro ou cinco metros de altura, nós tocando, o cara começou a falar um monte de coisa. Ai de repente, nós até nos afastamos, afastamos o tripé, voou o pedestal, ai daqui a pouco quando olhei o cara pulou pra baixo, voou mesmo, igual o super homem pra cima, e tava cheio, o cara tem dois metros, fortão, na época ele não tava gordo como agora, ele era musculoso, ai ele caiu em cima das pessoas, e caiu mais em cima de uma menina, que quebrou a clavícula da garota, ai ele caiu no chão e saiu correndo no meio da multidão, foi embora”. 15 Tony Tornado continuou sua carreira nos bailes black da periferia, exercendo a função de mensageiro de valores negros. Certo dia, em 1972 foi surpreendido em seu apartamento por integrantes da milícia federal e levado a Brasília, onde foi convidado ao exílio. Depois de visitar diversos países retornou ao Brasil somente em 1976, quando investiu na carreira de ator, alcançando um modesto sucesso, atuando em papéis como capatazes, mordomos e empregados nas novelas da Rede Globo de Televisão até os dias de hoje (MELLO, 2003). Para melhor entender a música BR-3 de autoria de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar, interpretada por Tony Tornado, Trio Ternura e Quarteto Osmar Milito, a letra pode ser analisada abaixo para situar melhor o leitor com relação à alusão feita na época pelo jornalista Ibrahim Sued e órgãos da censura.

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Hyldon, entrevista concedida ao autor desta monografia em 1º de ago. de 2007, Rio de Janeiro.


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BR-3 Interpretada por Tony Tornado, Trio Ternura e Quarteto Osmar Milito Composição: Antônio Adolfo e Tibério Gaspar

A gente corre A gente morre na BR-3 na BR-3... Há um foguete Rasgando o céu, cruzando o espaço E um Jesus Cristo feito em aço Crucificado outra vez E a gente corre E a gente morre na BR-3 na BR-3 Há um sonho Viagem multicolorida Às vezes ponto de partida E às vezes porto de um talvez

E a gente corre E a gente morre na BR-3 na BR-3 Há um crime No longo asfalto dessa estrada E uma notícia fabricada Pro novo herói de cada mês


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4.1.2 - O CASO ERLON CHAVES

Erlon Chaves, paulistano, maestro, arranjador, pianista, começou a carreira desde muito jovem, compôs para as extintas TVs Excelsior e Tupi, como diretor musical. Vinha de vasta experiência de outros festivais da canção e, em 1970, assumiu a música de Jorge Ben, Eu Quero Mocotó, uma das finalistas do concurso daquele ano. Erlon não era exatamente um homem da soul brasileira, porém, era negro e depois do V Festival Internacional da Canção, apesar de seu reconhecimento como músico, sua carreira não continuou com a mesma notoriedade. Numa segunda apresentação final daquele festival, Erlon comandou um grupo de 40 vozes para a interpretação de Eu Quero Mocotó, algo jamais presenciado nos festivais da canção. O maestro contava com belas mulheres brancas e algumas loiras no palco e, numa performance transgressora, beijou as mulheres na boca com um ar de sensualidade. e portando microfone, proclamou: “É como se eu fosse beijado por todas as mulheres aqui presentes.” A atitude foi entendida como escandalosa e imoral por muitas famílias brasileiras, na época. Os jornais anunciavam aquele gesto como obsceno e desrespeitoso e Erlon foi perseguido, interrogado e preso. O período de ditadura transmitia um clima de medo e instabilidade política, seguida de boicotes e ações dos órgãos da censura militar. Os partidos de direita e os de esquerda se enfrentavam e tinham como inimigo em comum, os alienados em ascensão, aqueles que não tinham um posicionamento político definido ou não discursasse a favor de nenhum dos lados. Wilson Simoninha comentando o mistério da prisão de Erlon Chaves com pesar, afirma que em 1972: “...o Erlon Chaves foi preso, sumiu, desapareceu, apareceu depois no centro da cidade, praticamente nu, sem saber direito o nome dele e veio a falecer no dia em que meu pai foi preso (em 1974).” 16 O fato de Erlon Chaves ser o namorado de Vera Fischer na época, uma catarinense que havia ganhado o concurso Miss Brasil 1969 e já reconhecida com uma das mais belas atrizes da televisão brasileira, também incomodava. Como pena, além de ser preso, o músico foi afastado de suas atividades artísticas durante 30 dias. Abatido, retomou suas atividades apenas com o que trabalhava antes, como produtor e diretor musical de emissoras de TV, além de trabalhar regendo e 16

Wilson Simoninha, entrevista concedida ao autor desta monografia em 28 de maio de 2007, São Paulo.


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produzindo discos de outros artistas (MELLO, 2003). Em 1974 morreu após sofrer um enfarte fulminante. Gerson King Combo acompanhou parte do inexplicável óbito do músico que morreu aos 40 anos de idade e afirma:

“...eu estava lá com ele, fomos comprar um disco ali numa Galeria, no Flamengo, na rua onde ele morava, daí ele tinha esquecido o dinheiro em casa e disse que ia buscar. Ele já estava meio abatido. Subiu para o seu apartamento e demorou muito, eu achei estranho, mas esperei mesmo assim, depois de mais de uma hora, ele apareceu reclamando de uma dor muito forte no peito, chamamos a ambulância, faleceu antes de chegar ao hospital.” 17 4.1.3 - O CASO WILSON SIMONAL

Wilson Simonal era um dos artistas mais populares desde o final da década de 1960 até o ano de 1970. Admirado pela peculiaridade de ser um grande animador de platéia e rejuvenescedor da música brasileira, viajou com a seleção brasileira de futebol para a Copa do Mundo do México, como ‘garoto propaganda’ da empresa petrolífera, Shell. Depois da conquista do título da seleção brasileira, Wilson Simonal retornou ao Brasil para dar continuidade às suas atividades artísticas. Em meados de 1971 após algumas turnês pelo país, percebeu um desfalque na receita de sua produtora e depois de pressionar o seu contador Rafael Viviani, conseguiu confirmar o infrator. Simonal sob a guarda de um segurança que trabalhava para o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), um órgão militar extremista, solicitou ao militar Mário Borges que questionasse o contador de forma enérgica, de modo que conseguisse transmitir um certo ‘medo’ ou uma ‘lição’ para o suposto ‘criminoso’. O militar seqüestrou e torturou o contador de Simonal, que reclamou a abordagem para a polícia. Wilson Simonal foi intimado a depor e condenado a cumprir cinco anos de prisão dos quais cumpriu apenas um mês, depois que seu advogado conseguiu um hábeas corpus ao seu favor (REIS, 2004). O cantor, já muito conhecido pelo público brasileiro naquele momento, não se engajava politicamente. Naqueles anos de ditadura extrema, muitos artistas e alguns segmentos da mídia se posicionavam contra o governo de extrema direita da época. A ditadura militar era, de fato, uma realidade pouco distante. O governo manteve 17

Gerson King Combo, entrevista concedida ao autor desta monografia em 1º de ago. de 2007, Rio de Janeiro.


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órgãos de censura, de perseguição e de tortura atuantes, principalmente com pessoas que assumiam publicamente uma postura de oposição ao governo. Artistas não engajados politicamente ou simpatizantes do governo eram vistos por artistas esquerdistas como alienados. Caso houvesse qualquer tipo de alusão demonstrando alguma empatia pelo governo militar, as mídias (periódicos e revistas) simpatizantes da esquerda certamente ofereceriam duras críticas a esses artistas. Foi o caso do extinto jornal O Pasquim, comandada pelos cartunistas Ziraldo, Jaguar e o jornalista Millôr Fernandes. Simoninha comenta as condições de vida dos principais artistas da época e a sua postura com relação ao que acontecia na década de 1970, período de ditadura militar:

“...eram pessoas, todas de origem humilde, a grande maioria dos artistas genuinamente, Elis era uma artista de origem humilde, o Roberto (Carlos), que também eram artistas de origem humilde, a música brasileira seguia um outro caminho, a música de protesto, a MPB tradicional e todos com uma formação mais universitária, todos claramente sabendo o que estava acontecendo no Brasil com a questão da ditadura, todos atuando muito com relação a isso, e esse artistas que faziam essa música que tinham o compromisso da dança, da festa, acabavam sendo muito mal vistos por esses outros artistas também.” 18

Em 1972, Wilson Simonal foi acusado de ser colaborador do SNI (Serviço Nacional de Informações), outro temido órgão militar, pela revista semanal O Pasquim, em que Jaguar criou e editou o texto, com colaboração de Ziraldo para a capa. O suposto mal entendido foi disseminado devido a um depoimento do advogado do cantor prestado à delegacia que investigava o caso de seqüestro e tortura do contador de Wilson Simonal. O advogado alegou como argumento de defesa que seu cliente prestava serviços em favor do governo. A notícia se alastrou e ganhou proporções graves para a vida artística do cantor. Sobre o incidente com o artista Wilson Simoninha comenta a repercussão da época:

“Uma ocorrência policial virou uma ocorrência política, (...) da noite para o dia surge uma história, que ele era colaborador, isso

18

Wilson Simoninha, entrevista concedida ao autor desta monografia em 28 de maio de 2007, São Paulo.


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da noite para o dia tomou uma força gigantesca, virou uma verdade absoluta e muita gente não quis nem se questionar.” 19 Dada a proporção do caso, iniciou-se o processo de rejeição artística do cantor. As rádios pararam de tocar suas músicas, gravadoras rejeitaram os seus trabalhos e muitos amigos se afastaram para não serem confundidos pela então recém construída índole do artista. Wilson Simoninha comenta o declínio e o afastamento do artista, logo após a sua derrocada:

“...tinha abaixo assinado pra ele não aparecer nos lugares, as pessoas não queriam aparecer perto dele e mesmo quem era amigo e não acreditava naquilo não queria ficar perto do Simonal, sabe por quê? Por que pegava mal pra ele, por que era como se fosse um câncer, ambulante...” 20 Simonal amargou trinta anos de ostracismo seguido de depressão e alcoolismo até falecer de uma doença crônica do fígado em São Paulo.

Outros artistas do gênero (soul brasileira) que também desfrutavam de grande sucesso,

como

Jorge

Ben

e

Tim

Maia,

continuaram

suas

produções

ininterruptamente e não causavam preocupação em nenhum tipo de organização política. Poderiam até ser mal vistos por alguns, como militares, órgãos da censura e até adeptos a movimentos subversivos, mas todos estes perderiam muito tempo se questionassem tipos despreocupados como estes artistas (Tim Maia e Jorge Ben), pois eram tidos como inofensivos, por suas condições mais descontraídas de levar a vida, seus comportamentos e seus discursos apolíticos. Eram mais voltados para a música propriamente dita. Simoninha também comenta estas duas importantes personalidades da música negra no Brasil:

“...o Jorge (Ben), era um cara da paz e do amor e Tim também, não tinham discursos tão radicais, diferentemente do Simonal, o Simonal incomodava, ele tinha um discurso, não político, mas ele tinha um discurso social...” 21

19

Gerson King Combo, entrevista concedida ao autor desta monografia em 1º de ago. de 2007, Rio de Janeiro. 20

Wilson Simoninha, entrevista concedida ao autor desta monografia em 28 de maio de 2007, São Paulo. 21 Idem ao 20.


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4.1.4 - OS MOVIMENTOS

Os movimentos sociais negros tiveram leves e breves repercussões no Brasil. Não houve, nenhum protesto ou movimento de repercussão e que fosse engajado no assunto, apenas uma alusão contra o racismo e a exaltação da cultura negra que propunha o reconhecimento igualitário do negro na sociedade brasileira. Por isso, torna-se indispensável compreender a influência dos fenômenos black power no Brasil e o movimento Black Rio, relacionados à música e sua difusão de valores. O Black Power originário dos Estados Unidos, foi um movimento social que propunha a igualdade dos direitos dos afros-descendentes daquele país. Associa-se a figura de duas personalidades negras que foram mortas de forma violenta e que lutaram por direitos civis dos cidadãos negros: Malcolm X, islâmico e extremista e Marthin Luther King, cristão que ganhou o prêmio Nobel da Paz por atos que bradavam um mundo igual para todas as raças (WOLFE, 1997). Este movimento, cujos representantes mais conhecidos eram os ativistas dos “Panteras Negras”, grupo extremista que lutava de forma radical e violenta pelo reconhecimento da cidadania dos afro-americanos, teve grande repercussão em todas as comunidades negras de diversos países do mundo e, no Brasil, havia uma modesta associação à música soul brasileira ou a bailes da periferia que tocavam músicas estrangeiras de artistas engajados com a causa racial, como James Brown. O uso dos ‘’mandamentos black’’’ cantados pelo artista Gerson King Combo em seus shows e o visual de mais alguns artistas da soul brasileira viraram moda na década de 1970 entretanto, foram discriminadamente fatos agregados a insolência de um negro que poderia desta forma, incitar as gerações mais jovens a uma possível rebelião social. Gerson King Combo conta um episódio de sua detenção e outras pessoas de sua banda:

“...uma vez, os homens (a polícia) foram lá em casa e me chamaram para depor. Perguntaram se eu era dos Panteras Negras, seu eu era de alguma organização terrorista, e eu disse para o delegado: ‘doutor, eu nem sei quem são esses caras direito, o que a gente quer é fazer um som, fazer o nosso som, a gente só quer por o povo para dançar.” 22

22

Gerson King Combo, entrevista concedida ao autor desta monografia em 1º de ago. de 2007, Rio de Janeiro.


36

O movimento Black Rio se deu após um breve apogeu na tradução dos elementos musicais da soul music estadunidense para o Brasil. A queda de artistas negros brasileiros famosos a partir de 1972, fez com que se produzisse em menor escala fazendo com que as apresentações destes artistas ficassem restritas aos bailes do subúrbio junto às equipes de som. Esta queda estava relacionada a movimentos

políticos,

envolvendo

ditadura

e

extremismos

associados

a

perseguições esquerdistas. A soul music brasileira reencontrou nas portas de um movimento de cunho estritamente musical, a sua nova oportunidade para o seu relançamento, seguido de reconhecimento no mercado fonográfico e cultural. O Movimento Black Rio se iniciou na cidade do Rio de Janeiro e propunha a integração de artistas musicistas no mercado fonográfico que absorveram os elementos de soul / funk dos EUA, principalmente em suas músicas e performances de palco durante suas apresentações. Não se tem nenhum registro fundamentado de que o movimento musical, no Brasil, havia algum tipo de manifestação de cunho político e/ou social organizado ou que propunha ações contestadoras a um certo regime vigente da época. Havia uma certa desconfiança por parte de órgãos da censura 23 , num primeiro conturbado momento, com relação a uma possível empatia pelo movimento black power dos EUA, devido ao modo como diversos negros da periferia se vestiam e se comportavam, entretanto, havia de fato, uma difusão modesta com relação aos valores da cultura negra, que se deu através de músicas de alguns artistas negros, como Jorge Ben em, Negro é Lindo, gravada em 1971 e Wilson Simonal em, Tributo a Martin Luther King, gravada em 1969 que foi em primeira instância censurada. Abaixo, nas letras das músicas é possível perceber o sentimento de exaltação negra dos artistas da época.

23

Vide anexos.


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Negro é lindo Jorge Ben Composição: Jorge Ben

Negro é lindo Negro é lindo Negro é amigo Negro também é Filho de Deus Eu só quero que Deus me ajude A ver meu filho Nascer e crescer E ser um campeão Sem prejudicar Ninguém porque Preto velho tem Tanta canjira Que todo o povo De Angola Que todo o povo De Angola Mandou preto velho Chamar eu quero ver Preto velho dizer Eu quero ver preto Velho cantar e dizer


38

Tributo a Martin Luther King Wilson Simonal Composição: Wilson Simonal e Nonato Buzar

Sim, sou um negro de cor Meu irmão de minha cor O que te peço é luta sim, luta mais E a luta está no fim Cada negro que for, mais um negro virá Para lutar com sangue ou não Com uma canção também se luta irmão Ouvir minha voz, oh yes, lutar por nós Luta negra de mais é lutar pela paz Luta negra demais para sermos iguais


39

Outra referência ao que era o movimento de música negra no Brasil foi a afirmação de Gerson King Combo para o Jornal do Brasil de 1976 sobre a intenção dos cantores ou grupos de música soul / funk brasileiro:

“Os blacks daqui não podem tomar os americanos como ídolos, porque eles têm uma série de problemas que nós não temos, o maior de todos sendo o racismo, que dificulta até o emprego dos caras. Na verdade, aliás, os blacks só querem curtir e dançar, nada mais.” (COMBO apud BAHIANA, 1980, p.19) 4.1.5 - A CHEGADA DA DISCO MUSIC

O lançamento da disco music para o mundo foi um dos fatores fundamentais para a dispersão da soul music produzida no Brasil. Para entender melhor a chegada da disco music no país, faz-se necessário compreender o seu nascimento na cultura estadunidense, uma vez que se trata de mais uma vertente da música negra influenciável para todo o mercado fonográfico e cultura mundiais. O grupo negro Earth, Wind and Fire com o LP That’s the Way of the World de 1975 e a cantora estadunidense Donna Summer, depois de ter lançado um disco descompromissado na Alemanha em 1975, podem ter sido os grandes introdutores do estilo musical para o mundo. No mesmo ano, Van MacCoy and The Soul City Orquestra lançou o disco The Hustle, composto pelo próprio Van McCoy que se tornou um estouro em vendas entre discos dançantes na década de 1970 em todo o mundo, fato que foi fundamental para a história do início da disco. Percebia-se uma bateria mais marcante, a presença da flauta e a atuação de um grupo de vocais femininos estridentes. Em 1977, o filme Saturday Night (Os Embalos de Sábado à Noite) que abordava o tema da dança de discoteca, trazia o hit gravado pelo grupo The Bee Gees, Saturday Night Fever, levando a trilha sonora a se tornar um recorde em vendas. Em menos de três anos, nos Estados Unidos, a música das discotecas, ganhou um espaço considerável na mídia, principalmente para o público jovem, branco e de classe média. Quando a disco music se consolidou como um gênero musical para o mundo, passou a atrair pessoas de diversas idades e sexos em direção às pistas de dança de todo o mundo e ganhou simpatia por parte dos produtores de disco e DJ’s. A onda trouxe sucesso e em conseqüência o lucro para diversos selos. A crítica dos jornais estadunidenses disseminavam aquele novo


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produto como um sucesso passageiro, mesmo notando a prosperidade das casas noturnas, gravadoras e emissoras de rádio. O crescimento notório da disco music provocou repulsa e indignação entre os simpatizantes do rock’n roll e da própria soul / funk music e entre os artistas que produziam suas músicas por intermédio de seus próprios talentos. A disco music, não trouxe nenhum compromisso social ou político, visto que foi um produto estritamente comercial, preparado para um consumo imediato e totalmente voltado para a dança. A indignação dos artistas e DJ’s de outros estilos ganhou manifestação notória com data marcada na cidade de Chicago nos Estados Unidos. Em 12 de julho de 1979, o DJ Steve Dahl que tocava rock’n roll em sua emissora de rádio organizou um protesto que moveu o mundo. O DJ anunciou em seu programa, o Disco Demolition Day, planejado para que os fãs de rock’n roll fossem ao estádio para ganhar noventa e oito centavos de dólar, caso eles entregassem uma fita cassete ou disco de disco music. Mais de dez mil discos e fitas foram coletados e no intervalo de um jogo de beisebol no estádio Comiskey Park, o DJ dinamitou todo o acervo na presença de aproximadamente oitenta mil pessoas induzindo o público presente a jogar dentro de campo, discos destruídos e faixas queimadas. A euforia tomou conta da platéia, que terminou invadindo o campo, entrando em confronto com a polícia e impedindo a realização do segundo tempo do jogo de beisebol (SHAW, 1985). A cena musical dispersiva do final da década de 70 acompanhou a mudança e partiu-se em duas correntes principais, a disco music, provinda da música negra (soul / funk) e o punk (uma vertente do rock’n roll). Dos dois gêneros, a disco music foi vista como "comercial", enquanto que o punk foi tido como "subversivo". O tempo se encarregou de misturar os sinais e revelar o caráter comercial e contestador de ambos os gêneros. Em comum, disco music e punk tinham o ímpeto renovador: cada gênero surgiu trazendo consigo seus proponentes e novos candidatos a astros. No Brasil, o movimento chegou um pouco mais tarde, criando uma certa resistência para os mais fiéis à música criada pela habilidade do instrumentista, pelo músico em si. Em 1978, Tim Maia novamente acertou na novidade, produzindo o LP chamado, Disco Club, trazendo elementos sonoros e peculiaridades da disco music, porém utilizando banda para execução e produção das canções. No mesmo ano, na cidade do Rio de Janeiro, a Rede Globo de Televisão lançou a novela Dancing Days


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que tinha como enfoque a dança oferecida pela disco music e era baseada na proposta da casa noturna de mesmo nome, cujo proprietário era Nelson Motta, produtor musical e parceiro de Tim Maia em algumas canções, além de ser amigo pessoal do artista em vida 24 . A primeira discoteca a ser reconhecida no Brasil contou com a presença e atuação das garçonetes, apelidadas de Frenéticas, para o mercado fonográfico utilizando-se do produto disco music e eclodindo para um estupendo sucesso, emplacando a música homônima como abertura do novo empreendimento da emissora que acabara de lançar a novela. E assim a disco music penetrou no mercado fonográfico brasileiro de forma modesta, ou seja, invadindo as discotecas de todo o país a partir de sua importação, portando-se mais como um ritmo essencialmente dançante do que um gênero elaborado musicalmente, além de lançar poucos adeptos ao estilo e dar temática a algumas produções televisivas.

4.1.6 - ENTENDENDO O PROCESSO DE DISPERSÃO

A música negra soul, produzida no Brasil, foi formando uma identidade própria de acordo com suas características e seus ideais. Ao longo deste desenvolvimento se percebe que num primeiro momento (início da década de 1970), o gênero musical, ainda sem uma nomenclatura definida e essencialmente negra em sua descendência perdeu suas forças por influência de fatores basicamente políticos, como vistos neste capítulo, nos casos de alguns dos ícones da soul music brasileira. Sua produção no Brasil, ainda antes da metade da década de 1970, passou a não atingir uma escala satisfatória como no início de sua história, fincando suas raízes no próprio subúrbio, de onde foi oriunda, cultivada, conservada e difundida. Dado os fatores, teoricamente, apenas políticos, a discussão sobre um primeiro momento de declínio do gênero musical em questão, torna-se superficial, pois, não se comprova, de fato, a consumação do preconceito racial por parte da elite. 25 Apenas as hipóteses dos defensores do gênero e raça podem confirmar atos 24

Nelson Motta foi procurado para entrevista e sua assessoria alegou que o produtor estava por demais ocupado, por se dedicar quase que única e exclusivamente à obra biográfica de Tim Maia. Vide anexos.

25

Relativo aos militares de extrema direita e classe média contestadora do regime, dita intelectual e que se declarava ‘de esquerda’, além de ser em sua maioria simpatizantes de MPB de protesto que discursava contra a extrema direita.


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que denunciavam uma certa aversão racial apontada por opiniões contra a difusão da música soul produzida no Brasil, acusada de ser alienante. Ressaltam-se também os boicotes ocorridos na época de procedência oculta e de autoria desconhecida. Logo após uma breve ascensão dos artistas negros que trabalhavam a soul music a partir de uma tradução brasileira, seja ela por modismo ou não, a música negra se manteve em sua maior parte nos subúrbios brasileiros e reaparece para o mercado um pouco atrasada em relação ao que já estava acontecendo com a comercialização da soul music no mundo. Em 1976, numa segunda chance da história de um gênero subentendido como uma vertente da música negra no Brasil, acabou ganhando uma repercussão maior no exterior (BAHIANA, 1980). A população da periferia mantinha os bailes black por intermédio dos DJ’s e não dependiam necessariamente dos artistas músicos que compunham e tocavam com conjuntos ou bandas. Os bailes simplesmente aconteciam e as músicas executadas eram de artistas estadunidenses, como James Brown e Earth, Wind and Fire. Enquanto os grupos procuravam o seu lugar nas gravadoras, as equipes de som, cada vez mais potentes tecnologicamente com seus equipamentos, bradavam seu espaço nos subúrbios das cidades (ASSEF, 2003). Gravadoras internacionais como a WEA 26 (Warner Music), simpatizantes da soul music brasileira encomendaram o produto nacional para distribuição em outros países a partir de 1976. Como por exemplo, as músicas produzidas pela Banda Black Rio que além de ser conservada nos subúrbios, ainda ganhou notoriedade estrangeira, sendo executadas até

mesmo nas pistas de dança européias

(BAHIANA, 1980). O artista negro Gérson King Combo gravou dois discos em dois anos consecutivos, respectivamente em 1977 e 1978, voltando a gravar oito anos depois, em 1986 e após quinze anos, em 2001, gravou outro, dentro de uma proposta de resgate da música negra brasileira, deixando perceptível as mudanças que aconteciam no mercado fonográfico na época. O cantor e compositor Cassiano gravou uma de suas últimas produções em 1976, o álbum Cuban Soul, 18 kilates, retomando suas atividades somente em 1991, quando gravou a coletânea Cedo ou Tarde. Em 2002, Cassiano participou de duas canções produzidas pela atual Banda

26

A gravadora WEA uma das mais importantes gravadoras da época foi procurada para ceder entrevista explicativa sobre o fenômeno de dispersão da soul music produzida no Brasil e não se obteve resposta. Os contatos foram feitos por telefone e correio eletrônico. Vide anexos.


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Black Rio, sob o comando de Willian Magalhães. Depois disso não se teve notícia artística do cantor e compositor. Nesta segunda etapa da existência da soul music brasileira, por volta de 1976, com sua proposta musical e social totalmente definida, o gênero encontrou uma barreira barulhenta e avassaladora no mercado fonográfico. A chegada de outro estilo musical cobriu imediatamente a oferta de qualquer que fosse o tipo de entretenimento cultural relacionado à música, movimento e dança, oferecido principalmente por instrumentistas e produtores da música na época. A disco music ganhou consumidores do ódio ao amor, pois, ao mesmo tempo em que causava repulsa aos adeptos da música estudada e elaborada, causava exaltação, alegria e libertação para o público consumidor de disco music, dentro e fora das discotecas onde eram executadas as músicas, sempre visando a dança entre várias pessoas juntas, com passos combinados e até mesmo ensaiados anteriormente ao que acontecia

nos

bailes

de

disco.

A

produção

das

gravadoras

aumentou

vertiginosamente do final da década de 1970 até o final da década de 1980, dividindo, após esse momento as vendas com outras vertentes que utilizavam elementos eletrônicos para sua produção, o novo modelo de rock’n roll produzido no Brasil baseado no que acontecia com o punk no mundo, além da música denominada pop 27 . Observa-se que no caso da disco music, o gênero não deixava de ter origem em um movimento negro e trouxe uma música industrializada, com arranjos mais simples, tornando-se fácil para o consumo imediato. Willian Magalhães, quando perguntado sobre o ‘apagão’ da soul music produzida no Brasil, comenta:

“...foi algo que aconteceu dentro das gravadoras, tudo que aconteceu na musica, tudo de bom e de ruim foi pelas gravadoras, repensando o que eu falei, tudo que saiu dos artistas, essa coisa da black music em si, foi uma coisa de injeção de dinheiro em cima de outro estilo. (...) Eu acho na realidade que foi muito mais uma coisa industrial que tirou isso, a industria no Brasil a partir de 80 ela começou uma cobrança das coisas que tinha lá fora, a musica começou a virar um business absurdo, em 80 foi o ápice, quem era rico já tinha ganhado desde a década de 40, mas 80 foi aquela explosão”. 28 27

Uma referência à música mais comercial, sem proposta engajada ou de preservação de uma música puramente associada com a cultura de um país ou mesmo de um reconhecimento da elaboração musical. 28 Willian Magalhães, entrevista concedida ao autor em 18 de jul. de 2007, São Paulo.


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Muitos artistas sentiram a pressão das mudanças na evolução do mercado cultural quando se tratava de sua própria música. Hyldon, foi um músico que conviveu muito tempo dentro das gravadoras, produzindo e ajudando a lançar artistas deste segmento musical e explica um fator importante que acontecia no ambiente das gravadoras durante o momento de transição mercadológica:

“O que eu acho que aconteceu nas gravadoras é que antigamente existia um diretor artístico da gravadora. Existia a figura do diretor artístico. Com o tempo acho que o marketing começou a sobrepor o artístico. Se você pegar os presidentes das companhias, você vai perceber que a maioria vem da área de marketing.” 29 Alguns músicos se sentiram excluídos do mercado quando perceberam a substituição de uma música elaborada e criada por instrumentistas profissionais do ramo, por outra produção de qualidade sonora questionável, produzida em larga escala e que não exigia a presença de conhecimento mais amplo do músico em si ou das pequenas orquestras que compunham um conjunto e que ainda havia somente a intenção da vendagem imediata, seguindo o fluxo de um sistema econômico que acabara de assentar, o capitalismo se instalando na indústria cultural. A disco music se tornara um mercado promissor, uma espécie de estilo para pronta entrega, simples para uma produção em larga escala, levando a proposta do consumo e da dança ao alcance de todos e a inclusão das pessoas nas danceterias, dando ênfase à dança, assim como na música black, soul ou funk, que apresentavam grandes grupos ou equipes, que ensaiavam passos, combinavam cumprimentos, cultuavam um segmento na vestimenta e que depois se tornou secundária ao final da década de 1970. O novo gênero que acabara de chegar se instalava em mais uma filial no mundo, o Brasil, e também permitiu que as pessoas atingissem a liberdade da dança em grupo com seus passos combinados e mais sensualidade. Dom Salvador fala sobre o que acontecera na época com a música soul produzida no Brasil:

29

Hyldon, entrevista concedida ao autor em 1º de ago. de 2007, Rio de Janeiro.


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“Acho que também a música estava em transição querendo uma coisa que fosse mais comercial e começaram a fazer aquela mistura de, a fusão, não é, depois aquele negócio, da disco, daí foi por água abaixo não é? Um música mais fácil, o que a gente estava fazendo era um negócio mais elaborado.” 30 Outros músicos e seus grupos, orquestras e DJ’s, caíram direto no ostracismo, por uma questão de sentimento de exclusão injusta, por fatos que eles tinham plena consciência do que eram e sentiam a dimensão causada para uma vertente da música que ajudaram a construir sua tradução, além de mantê-la viva ao longo dos anos de 1970. Gerson King Combo comenta sua fase apagada da cena musical: “Eu demorei muito para continuar a produzir, as gravadoras, depois de 1978, 1979, elas não queriam mais saber de contratar a gente. Com a chegada da disco (music), todo mundo só queria saber de disco, de discoteca daí eu só fui produzir novamente em 1986 e depois muitos anos mais tarde, até eu desistir. Agora é que vem um pessoal atrás de mim e me chama pra cantar...” 31

Além do fator ‘mercadológico-artístico’ que pode ser confundido por um problema praticamente econômico, as canções provindas do movimento Black Rio pareciam não despertar o sentimento da dança nas equipes de bailes e dançarinos da época, apesar do alto investimento das gravadoras, que acreditavam muito mais no soul do que, por exemplo, rock’n roll. Roberto Menescal, um importante nome para a produção musical dos anos 1960 e 1970 e que já foi gerente de produtos da extinta gravadora Phonogram, onde trabalhou com bossa nova em praticamente toda a sua carreira, afirmou: “Parodiando o Midani 32 , que disse que a saída é o rock, eu diria que a saída é o soul, por que o pessoal do black, soul amanhã vai acabar fazendo black samba. Vai ser legal porque vai trazer uma nova maneira de ver o samba” (BAHIANA, 1980, p. 219). Não faltou investimento por parte dos empresários do disco. Muitas gravadoras acreditavam que a soul music produzida aqui no Brasil seria um grande negócio no mercado fonográfico, porém, os empresários do disco e os homens da 30

Dom Salvador, entrevista concedida ao autor desta monografia em 18 de jun. de 2007, São Paulo. Gerson King Combo, entrevista concedida ao autor desta monografia em 1º de ago. de 2007, Rio de Janeiro. 32 Referindo-se a André Midani, outro importante nome da produção musical no Brasil, foi sóciodiretor da WEA, gravadora que financiava os ensaios da Banda Black Rio. 31


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música não esperavam que o gênero fosse mal compreendido, chegando à posição de insignificante pelo público dos bailes, pois a indústria fonográfica trouxe a grande novidade para o consumo imediato e com uma proposta continuamente dançante. Hermano Viana em poucas palavras traça em sua obra O Mundo Funk Carioca, os principais motivos do esquecimento da música soul produzida e interpretada por artistas negros brasileiros:

“Quanto ao soul nacional, as gravadoras também não economizaram verbas de produção e divulgação. A WEA chegou a financiar os ensaios dos músicos que iriam compor a Banda Black Rio. Outras bandas e artistas caíram nas graças da indústria fonográfica: União Black, Gerson King Combo, Robson Jorge, Rosa Maria, Alma Brasileira, além de nomes mais antigos como Tim Maia, Cassiano e Tony Tornado. A maioria dos discos lançados como soul brasileiro foi fracasso de venda. A sonoridade dos arranjos nacionais com exceção dos do Tim Maia, não agradou os dançarinos cariocas. As gravadoras foram pouco a pouco deixando a Black Rio de lado, argumentando que, se existe um bom público de funk (ou soul) no Brasil, ele não tem ‘poder aquisitivo’ suficiente para comprar discos. A imprensa também se cansou da novidade black, o próprio movimento andava em baixa. (...) Quando os filmes de John Travolta e a febre da discoteca chegaram ao Brasil, a maioria das equipes aderiu ao novo ritmo, para o desespero dos fãs de soul” (VIANA, 1988, p. 30). Houve investimento por parte das gravadoras em outro estilo produzido no Brasil. O rock’n roll, que teve a sua primeira aparição com a jovem guarda na década de 1960, é retomado por músicos que simpatizavam com a cena de uma vertente do rock que ganhou notoriedade pelo mundo, principalmente na Inglaterra e Estados Unidos. O punk começava a entrar no Brasil de forma lenta e gradual, com os pequenos festivais de rock espalhados pelo país e então surgiram grupos importantes que traziam os poetas e suas reflexões para os discos e os palcos. Grupos como Aborto Elétrico que depois se dissolveu em duas bandas, Legião Urbana e Capital Inicial, Os Paralamas do Sucesso e Blitz, ganharam um público fiel e cresciam em paralelo com a disco music, não em mesma proporção, mas conquistaram o seu espaço caindo nas graças das gravadoras que começaram a investir de forma audaciosa no estilo. Para Willian Magalhães o investimento no rock também foi causador da dispersão da soul produzida no Brasil e diz que:


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“...de uma certa forma existia um movimento de rock, que estava sendo produzido, era mais aquele pessoal de Brasília, filhos de embaixador, o Herbert, o Renato Russo, são excelentes poetas, eu acho que na realidade o grande diferencial deles foi muito mais a poesia que o som, o que ficou deles na realidade foi a poesia, porque eles nem eram músicos. Já a black music já tinha um crivo mais de músicos posicionados, e acho que o rock era mais bandido. (...) O próprio movimento Black Rio em 75 , esse movimento esse próprio movimento foi bastante suprimido, o ápice foi de 75 a 80 e depois disso entrou o rock’n roll e acabou com tudo (...) a classe média, o pessoal da zona sul do Rio de Janeiro optou pelo rock’n roll.” 33 Hyldon também enxerga que o rock’n roll da forma como era produzido aqui no Brasil e a imposição do ‘jabá’ 34 dado pelas gravadoras, foram fatores determinantes para a mudança no modo de pensar das empresas do disco e admite:

“Acho que caiu muito a qualidade musical e foi na época que as gravadoras começaram a oficializar o jabá, então em 80 começou o jabá, os espaços começaram a diminuir e a pintar as bandas de rock, que era mais barato pra gravar, não tinha mais essa eu e o Cassiano com orquestra, ai tinha o teclado, começou a substituir sopros. Se você pegar a riqueza dos timbres dos anos 70 e 60, apesar que tecnologicamente, depois disso você teve mais tecnologia e menos qualidade.” 35 Com o dilúvio capitalista que inundou as lojas, as casas e as discotecas do Brasil e sua produção em massa de disco e rock, os trabalhos que se vinha fazendo com a música soul / funk no Brasil passou a não agradar a população dos bailes que aderiu à novidade internacional (disco music), também dançante e de fácil assimilação, levando músicos e produtores daquele gênero a buscarem alternativas para sobreviverem no mercado de música ou fora dele. Uns se tornaram produtores de outros estilos musicais, outros foram trabalhar com publicidade, alguns como músicos individuais, como é o caso de Dom Salvador que se exilou do país, e outros abandonaram completamente a carreira em um longo período, como Gerson King 33

Willian Magalhães, entrevista concedida ao autor desta monografia em 18 de jul. de 2007, São Paulo. 34 ‘Jabá’ é vindo da expressão primeira “Jabaculê”. O termo é usado para a cobrança de valores em dinheiro, pré-combinado entre emissoras de rádios e gravadoras que pagam para que a música de um determinado artista toque uma certa quantidade de vezes por dia, em um certo período de tempo ou para que os locutores das emissoras de rádio falem bem do artista e/ou de um trabalho em lançamento, em que este último caso esteja realmente acontecendo. 35 Hyldon, entrevista concedida ao autor desta monografia em 1º de ago. de 2007, Rio de Janeiro.


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Combo que, pelo tempo em que ficou de fora de qualquer atividade artística, dedicou-se como funcionário público de uma associação que cuida de crianças carentes portadoras de deficiência física e mental. Cassiano emplacou três títulos que marcaram época (A Lua e Eu, Primavera e Coleção), e são tocadas nas emissoras de rádios até hoje, o suficiente para o artista lucrar até os dias de hoje com suas obras que foram reinterpretadas por vários artistas brasileiros, mas não o suficiente para ser reconhecido pelo público como músico ou compositor, por isso e talvez por algum outro motivo desconhecido por diversos artistas e autores de livros, se autoflagelou artisticamente e conseqüentemente, encontrou o ostracismo dado pelo abandono de sua carreira. Mas esta música em questão não se acabou completamente. Ela continuou existindo e sendo tocada nos guetos ou em pequenos palcos dos subúrbios das metrópoles brasileiras. Artistas como Tim Maia, Sandra de Sá e Jorge Ben conseguiram manter seus sucessos, suas imagens e características na mídia. Simoninha admite o olvido da música soul produzida no Brasil:

“...era uma coisa muito forte, era tão forte, as pessoas dão tão pouca importância a isso, mas era tão forte, que ela conseguiu sobreviver até hoje, em muitos períodos completamente sepultada, pega a década de 90 por exemplo, você não escutava nenhuma música negra, só sertanejo, pagode e tal...” 36 Os fatos se entrelaçaram, encontraram-se e fizeram a história da soul music brasileira ser apagada e dispensada em poucas linhas nos livros de autores realmente preocupados em manter um gênero da música brasileira genuinamente negro nas prateleiras de lojas de discos e livros. A introdução da soul music no Brasil pode ser comparada com a forma com que a disco music se instalou no mundo, claro que numa proporção menor, mas por uma questão de um fluxo inevitável da nova indústria cultural, pois em certos momentos esta foi encarada também como modismo, o que possivelmente pode ter levado a uma deturpação de uma cultura brasileira, devido a onda de soul / funk que acontecia nos Estados Unidos e uma primeira notável receptividade do público brasileiro, tanto nos bailes dos subúrbios, quanto nos festivais de música em que artistas de sucesso difundiram um modo ‘abrasileirado’ de executar este gênero para um grande número de pessoas. No 36

Wilson Simoninha, filho de Wilson Simonal, entrevista concedida ao autor em 28 de maio de 2007, São Paulo.


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caso do movimento Black Rio, houve uma tentativa de se adaptar ao mercado fonográfico, porém, devido à condição de músicos acadêmicos, não se conseguiu ajustar ao processo de imediata assimilação do público consumidor que já contava com outra opção, mais fácil para um rápido consumo. Quando a indústria cultural se implanta num país, modifica a cultura popular porque a produção popular fica padronizada, ou seja, a população não reproduz sua cultura. As características da cultura popular são modificadas. Dá-se uma característica padrão a esta cultura para que seja consumida (aceita) por um maior número de pessoas e lugares. Em razão disso se deturpa, acabando com a cultura original. A indústria cultural faz com que a arte se transforme em produtos que não trazem a capacidade de oferecer reflexões (ADORNO, 1989). No caso da introdução da soul music no país, pode-se afirmar que se trata de um elemento que se fundiu ao Brasil a partir de uma identificação. A cultura negra estadunidense ganhou reconhecimento pelo público brasileiro negro que assimilou, talvez, não em uma realidade ainda implícita com o que acontecia no país (o racismo), mas sim, o fato de o cidadão negro chegar à posição de artista ou simplesmente uma posição de destaque na sociedade, dado a consternação destes cidadãos ao longo da história escravagista do país e a raça marginalizada dentro deste contexto. Segundo ADORNO (1989) o que provém da indústria cultural não é exatamente uma arte que surja de forma espontânea de uma sociedade, o que poderia comprometer o processo de assimilação da música negra em questão aqui no Brasil. Neste caso, trata-se apenas da absorção de um gênero com uma proposta musical de identificação e que carregava a exaltação de raça como mote em sua produção e a empatia pelo ritmo como prioridade em seu legado. O que foi produzido no Brasil como soul, sofreu como tantos outros gêneros musicais no mundo, a sua dispersão, devido a implementação da indústria cultural que cumpriu o seu papel de acordo com a proposta capitalista e que foi dirigida para o consumo das massas determinando o que deve ser consumido de forma rápida e em larga escala. A bibliografia trabalha a dispersão do gênero de forma debilitada, com poucas passagens sobre o ‘período’ de esquecimento do soul no Brasil e sua compreensão musical por parte de diversos músicos, artistas e compositores. Inclui apenas fatores mercadológicos, abrangendo somente a história de transição da chegada da disco e apontando o funk carioca, também conhecido como ‘pancadão’, como uma


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conseqüência comum da transição da música me questão. Não trata exatamente da perda de espaço de um gênero, já assumidamente brasileiro para a época e que sofreu um processo de olvidamento em favor da ascensão de outros, suas conseqüências para os profissionais da música ou mesmo discute com profundidade o racismo e as diferenças econômico-sociais de uma população, como influência para declínios de gêneros musicais. A bibliografia trabalha, por exemplo, os gêneros Tropicalismo e Bossa Nova de modo que suas ocorrências históricas se tornem significativas, atingindo um nível de popularidade satisfatório, o que ainda não é uma realidade para o soul produzido, executado e difundido, no Brasil e para o mundo.


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CAPÍTULO 5 O SOUL NOSSO DE HOJE EM DIA

A soul music, como uma vertente da música negra, marcou uma época e deixou adeptos pelo mundo. Aqui no Brasil, especificamente nos subúrbios do Rio de Janeiro, a soul music tocada nos bailes black ganhou outras conotações, outros ritmos e perdeu quase por completo a temática do orgulho negro. É perceptível por um público consumidor de música, a sensação de domínio brasileiro deste gênero musical aqui tratado, devido ao reconhecimento de outros países pela música genuinamente negra estadunidense que foi misturada aos ritmos brasileiros, como por exemplo, o samba. Tal fato se comprova pela afirmação de diversos músicos e artistas brasileiros que experimentaram o sabor de um modesto sucesso pelas nações que visitaram, durante o período de suas carreiras. Hoje, acredita-se num modelo novo de soul music ou até mesmo numa outra vertente do samba, visto que, a fusão da soul com o samba é percebida até pelos mais leigos que simplesmente admiram a música como entretenimento. Willian Magalhães quando perguntado sobre qual o tipo de música que a atual banda Black Rio produz hoje admite:

“Eu diria mais que isso é um samba novo, porque eu falo? porque o próximo disco da Black Rio vai se chamar de samba novo, porque eu acho que é justamente isso, (...) isso ai que estamos fazendo, na realidade é uma reprodução contemporânea usando os elementos de hoje, as vertentes que a Black Rio fazia na da década de 70.” 37

Na cidade do Rio de Janeiro, logo depois da disco music ser introduzida no Brasil e as equipes de som cariocas adotarem o estilo para os bailes, a periferia conheceu o disco-funk, uma espécie de ‘evolução’ de um produto recém chegado de Miami, levando esta evolução ao que foi chamado posteriormente de charme, já na metade da década de 1980. Com a transformação sonora ao longo das décadas de 1980 e de 1990, conhecemos o que é chamado hoje de funk carioca, como ficou conhecido no Brasil inteiro e com proporções internacionais, produzido e executado pelas equipes de som nos subúrbios do Rio de Janeiro, com diversos temas que

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Willian Magalhães, entrevista concedida ao autor em 18 de jul. de 2007, São Paulo.


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fazem alusão à realidade suburbana da cidade, como o tráfico de drogas, os confrontos de jovens com a polícia, além da conotação sexual muito presente nas letras das canções. Os bailes continuam acontecendo nos subúrbios e ainda mobilizam muitos jovens para o seu consumo, seguido da dança em conjunto nas grandes festas de funk. Nas periferias de diversas metrópoles do país é possível encontrar jovens adeptos ao funk carioca, mas sem a presença efetiva dos bailes. O funk carioca se tornou um produto apenas de ‘vendagem’ em cidades que não sejam o Rio de Janeiro (VIANA, 1988). O hip hop tem presença marcante como movimento ‘músico-social’ para a música negra de São Paulo, principalmente para os jovens da periferia da cidade. A proposta comercial é voltada para mídias ‘alternativas’, mais fechada, menos expansiva em divulgação, apesar de, o público ser amplo e o movimento representar uma ideologia de cunho social. O que os jovens da periferia de São Paulo conhecem como RAP 38 , está nas mãos do grupo RACIONAIS MC’S, formado no extremo sul da cidade por volta da metade da década de 1980. Atualmente no Brasil, o gênero soul está ligado a artistas novos da cena musical, alguns filhos de músicos conhecidos do passado aqui citado, como é o caso de Wilson Simoninha e Max de Castro, filhos de Wilson Simonal, Léo Maia, filho de Tim Maia, Jair Oliveira e Luciana Mello, filhos do sambista Jair Rodrigues e o grupo mineiro Berimbrown que atua mesclando o soul / funk a elementos da música de capoeira, além de Paula Lima, cantora negra de soul brasileiro que atua grande parte de sua carreira no exterior. A Banda Black Rio segue firme desde 2002 quando Willian Magalhães assumiu o comando do grupo e chamou outros músicos para resgatar a proposta da sonoridade original do antigo grupo, lançando o álbum Movimento ou Rebirth como é conhecido na Europa. Willian Magalhães comenta a criação musical da Banda Black Rio, grupo que está presente na cena musical brasileira dos dias de hoje:

“...a Black Rio criou um novo tipo de samba só que com influências, na época eles eram considerados americanizados, hoje em dia é uma referência internacional, e é um orgulho 38

O RAP (do inglês Rhythm and Poetry, ritmo e poesia) é a expressão musical-verbal da cultura hip hop. Normalmente produzida como DJ, enquanto este faz as ‘bases’ musicais em seus discos o MC (Master of Cerimony – Mestre de Cerimônias) ‘canta’, como se estivesse falando ao mesmo tempo em que a música ‘base’ é tocada.


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nacional para muita gente, foi uma forma de música brasileira que foi criada na década de 70, aqui as pessoas não se tocam, mas lá na Europa influenciou o Jamiroquai, os caras vendem milhões de discos e os caras pagam maior pau para Black Rio, mas se eles realmente soubessem fazer exatamente o que a Black Rio fez eles já teriam feito, não é uma coisa impossível de se tocar, mas é uma coisa muito típica daqui, que se faz aqui”. 39 Este estilo é cultuado por jovens que se autodenominam ‘alternativos’, não necessariamente provindos dos subúrbios. Não há distinção de raças ou de classes sociais e a música é cultuada nos grandes centros urbanos, com o apoio de entidades que promovem sua difusão como um resgate de um gênero, genuinamente negro e brasileiro com influências de outros artistas estrangeiros, discursando sobre a música experimental que se mistura a diversas raças e traz influências de outros segmentos da música. Em visita a casas de cultura, em shows de artistas relacionados à música negra soul e suas derivações, é possível distinguir várias pessoas de diferentes etnias presentes em espetáculos do gênero. A produção da soul music no Brasil continua com os músicos adeptos do gênero e seu público que freqüenta e procura espetáculos em casas de shows especializadas no ramo. Em São Paulo, entidades como o SESC (Serviço Social do Comércio) em suas diversas unidades, no ano de 2007, já comportou espetáculos de Hyldon, Banda Black Rio, Dom Salvador, Gerson King Combo, Luciana Mello, Wilson Simoninha, Max de Castro, Léo Maia, entre outros artistas menores da cena, todos eles com um razoável volume de público provando que o músico brasileiro é capaz de, não apenas difundir um estilo influenciado por negros de outro país, mas também de conservar, transformar e fundir com outro gênero musical genuinamente brasileiro que é o samba.

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Willian Magalhães, entrevista concedida ao autor em 18 de jul. de 2007, São Paulo.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A música brasileira sofre transformações constantemente, por influências de outros gêneros musicais executados pelo mundo ou pela mistura que muitos músicos experimentam e acabam ganhando notoriedade de proporções mundiais. Todo estilo que passou pelo Brasil, por aqui ficou e é aproveitado até os dias de hoje por diversos artistas que se interessam por alguma novidade ou algo experimental. Um grande exemplo disso é o cantor e compositor Caetano Veloso que gravou o disco Bicho Baile Show com a Banda Black Rio em 1978 ao vivo no Teatro Carlos Gomes, na cidade do Rio de Janeiro e que ficou conhecido pelo mundo, apesar da pouca vendagem no Brasil, destacando-se pelo fato de um artista relacionado à MPB tradicional, provindo de outro movimento brasileiro, o Tropicalismo, ser o protagonista e o idealizador desta produção de cunho estritamente musical. Sem dúvida houve inúmeros movimentos musicais no Brasil e no mundo, alguns atingindo maior destaque que os outros, como é o caso da bossa nova e o Tropicalismo para o Brasil, e o rock’n roll e a disco music que tomou proporções mundiais, porém, outros movimentos não menos importantes da música brasileira sofreram quedas e se dispersaram de forma injusta, porém compreensível, por um grande fator motivador, que foram as mudanças mercadológicas com a implementação da indústria cultural. Os fatores políticos existiram e de certa forma contribuíram efetivamente para uma influência na dispersão de um gênero que marcou época, transcendeu valores de personalidade e influenciou inclusive na vestimenta de muitas pessoas. Mas as mudanças da indústria cultural e suas propostas de consumo imediato foram determinantes para que os produtores que acompanhavam as transformações do mercado fonográfico escolhessem os ritmos do lucro, ou seja, aqueles que tivessem maior aceitação do público e conseqüentemente maior vendagem de discos. Os músicos brasileiros que produziam uma música efetivamente negra e que fundiam o soul / funk com o samba encontraram no final da década de 1970 algumas dificuldades na aceitação do público para com a música genuinamente brasileira. Analisando os fatos do capítulo quatro, é compreensível o processo de dispersão de um gênero (soul music produzida no Brasil) em sua época e a cobrança mercadológica para uma possível atualização ou evolução da sonoridade no sentido de uma maior aceitação para os ouvidos do público consumidor de


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música que sempre, ainda que involuntariamente, aguarda por uma novidade. Por isso, o artista que atuava no final da década de 1970 tinha como saída para sua música não ser deixada de lado, compreender o que acontecia no mercado fonográfico, nas emissoras de rádio e na indústria cultural dentro de um contexto geral. Infelizmente esta compreensão não aconteceu e não se sabe exatamente se houve alguma orientação para que esses músicos ‘renovassem’ o seu estilo ou investissem em outro, talvez por uma questão de pressão mercadológica para com as gravadoras ou pela ausência de espaço para que o assunto fosse discutido de forma esclarecedora sobre o que acontecia naquele momento (final da década de 1970, início dos anos 80). As produções teriam que ser de acordo com as exigências mercadológicas e conseqüentemente em favor dos anseios do público, no sentido de agradar uma maioria que já conhecia e ouvia os ritmos da moda, como é o caso da disco music para o mundo e do rock’n roll produzido no Brasil que continuava penetrando no cotidiano dos jovens brasileiros. Por mais que o público seja segmentado, existe a necessidade de agradar os ouvidos de outra parcela de consumidores, produzindo sempre alguma peça musical mais ‘comercial’, ou seja, vendável. Por isso, muitos grupos e artistas se perderam e se perdem do seu estilo original a partir do momento em que se tenta elaborar algo ‘comercial’, encontrando dificuldades para voltar para sua primeira proposta, tornando-se dependentes das empresas que regem as normas e os mandamentos do lucro na música. Com a mudança nas mídias (rádio, televisão, internet) e na política mercadológica das gravadoras, hoje é possível encontrar diversos públicos consumidores de música no mundo todo. Muitas pessoas adotam diversos gêneros que satisfazem os seus próprios ouvidos. A música tomou um rumo comercial com o passar das décadas, porém, ainda se torna viável a elaboração de uma música para um público específico, pois com a introdução da Internet como um meio de comunicação crescente a cada dia, as pessoas conseguem ter acesso a informações e até mesmo a qualquer que seja o gênero musical de seu próprio gosto, sem a necessidade de comprar discos como prova de consumo ou de fidelidade ao artista que compõe a cena de seu estilo preferido. Sendo assim, percebe-se que com o passar dos anos a tecnologia e a intenção do lucro estão enraizadas dentro de qualquer pretensão de mudança dentro da indústria cultural. Os músicos que conquistaram seu espaço e os que


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ainda pretendem fazê-lo devem ter a percepção das regras do capitalismo dentro da música visando sempre agradar aos ouvidos de seu próprio público e tentar manter suas propostas iniciais, que é o produto de seu gosto e do gosto de outrem, de modo que não se dependa exatamente de grandes gravadoras para a disseminação de sua produção. Com a adoção dos selos independentes e os modos alternativos de produção musical, além de a tecnologia estar acessível economicamente ao produtor de condições financeiras medianas, a produção de qualquer que seja o estilo é viável e está ao alcance dos simpatizantes do resultado final que é a música. Por isso, o soul produzido no Brasil ainda vive de forma brilhante e muitos músicos e simpatizantes difundem este estilo único de se fazer música, com qualidade, propriedade, reconhecimento e acima de tudo identidade.


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ANEXOS ANEXO 1 ENTREVISTAS

Neste conteúdo encontram-se as entrevistas e outros documentos de suma importância, mencionadas no decorrer do trabalho. Entre as entrevistas temos: - Wilson Simoninha, entrevista concedida em 28 de maio de 2007, realizada na gravadora “S de Samba” em São Paulo. - Pedro Alexandre Sanchez, entrevista concedida em 04 de junho de 2007, realizada em uma cafeteria na Alameda Santos, em frente o prédio da redação da revista Carta Capital em São Paulo. - Dom Salvador, breve entrevista concedida em 18 de junho de 2007, logo após o show, no camarim do SESC Pompéia em São Paulo. - Willian Magalhães, entrevista concedida em 18 de julho de 2007, realizada em seu apartamento na Rua Ministro Rocha Azevedo, bairro Cerqueira César em São Paulo. - Gerson King Combo, breve entrevista concedida em 1º de agosto de 2007, realizada na Instituição em que trabalha no bairro de Vila Isabel na cidade do Rio de Janeiro. - Hyldon, entrevista concedida em 1º de agosto de 2007, realizada no Shopping da Gávea no Rio de Janeiro. - Tony Hits, entrevista concedida em 28 de setembro de 2007, em sua loja, na Avenida São João em São Paulo. Todas as entrevistas foram resumidas a ponto de acumular apenas informações essenciais para esta monografia.


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ANEXO 1.1 ENTREVISTA COM WILSON SIMONINHA

Igor: Mas já tinha soul ali no que o Simonal fazia, em 68 e 69, já tinha essa influência do soul?

Simoninha: Já. Já tinha uma influência no jeito que ele cantava, em alguns arranjos... outro dia eu estava falando com o Juca Kfouri e ele me falou de uma gravação, que eu falei “Juca, poucas pessoas tem essa gravação” e é uma coisa super negra, super black, numa mistura completamente maluca que eles fizeram que é um grande sucesso do Jair Rodrigues, maravilhoso Jair, uma música ritmicamente muito brasileira, aquela coisa da queixada, aquela coisa do nordeste, do interior e tal... “prepare o seu coração, pra as coisas que eu vou lhe dizer...” O Simonal fez uma versão que saiu em compacto completamente blues, completamente negra, até dá uma destoada da coisa por que é uma coisa super brasileira e os caras compuseram um arranjo com o César Camargo Mariano e tal, esse é o tipo de música que me influenciou e que pirou eles e tal, então a música negra de certa forma está presente na vida destes artistas, eles gostavam do Nat King Cole, gostavam de artistas negros americanos, Ray Charles, que é um embrião. O Simonal por exemplo, começa a se influenciar muito por ele, fez tributo a Martin Luther King, que eu digo que é a primeira música para mim, historicamente, talvez seja a primeira música que fala sobre uma temática negra de uma forma mais adulta na história da música brasileira, por que você tinha músicas dançantes que falavam disso, mas sempre de uma forma jocosa, de brincadeira ou até provocativa, mas assim, sempre disfarçada.

Igor: Essa música é 1967 não é? E ali a gente já sofria a ditadura?

Simoninha: 67. Já, essa música foi censurada a princípio, teve todos os seus problemas, então o auge do nascimento da soul music no Brasil, com alguns trabalhos realizados, se dá a partir de 69, 70 e 71, por que você identifica em vários artistas essa influência muito claramente. Você pega os álbuns da Elis Regina, você pega os álbuns do Roberto Carlos, alguns que são pontuais, depois o próprio Roberto Carlos com aquele álbum, já que traz aquela carga romântica, mas ao


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mesmo tempo vem com como 2 e 2 são 5 que o arranjo é completamente... A Elis grava Black is Beautiful, então todos artistas sofrem uma influência da black music, o Simonal começa a usar bata, começa a colocar essas coisas de negritude em alguns discursos e... aí tem o Festival Internacional da Canção que o Simonal por já estar fazendo muito sucesso, resolve não participar e... já tinha feito outros festivais, tinha feito um em 69 que tinha feito um sucesso absurdo com aquela coisa do Maracanãzinho cantar, não participando como presidente do júri, tinha o Trio Esperança, o Trio Ternura, uma série de artistas que... estava muito forte essa coisa da música negra começando a surgir aqui no Brasil. Daí vem este V Festival Internacional da Canção que o Tony Tornado ganha com a música BR-3, uma música de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar e que também é o ano em que Erlon Chaves faz a apresentação com “Eu quero mocotó” e cria uma polêmica absurda, ele acabou sendo preso depois, era ele a banda dele, a banda Veneno e uma série de bailarinas lindas, brancas, mulatas e negras, evidentemente mais brancas, ele beija na boca, vai cantando a música e vai beijando na boca, um negócio super transgressor e tal, então esse era o quadro, até aquele momento.

Igor: Então 71 pelo menos a situação era popular?

Simoninha: Muito. Super popular! Daí você já tinha o nascimento dos bailes, dos bailes da periferia, tocando as músicas de fora, esse universo de artistas todos brasileiros tocavam nos bailes, começa a ter lá no Rio, o Big Boy, Ademir Lemos, e aí os negros brasileiros começam a se vestir daquele jeito, começam a se identificar...

Igor: Surge o movimento black power...

Simoninha: Quer dizer, surge nos Estados Unidos, em função de todas as lutas sociais também e surge os Panteras Negras, quer dizer, tinha o Martin Luther King que pregava a não violência e tinha os Panteras Negras que era um grupo politizado, armado que pregava inclusive o uso da força para garantir os direitos dos negros americanos. Então esse era o quadro. Então assim, nesse primeiro momento da música influenciada pela soul music brasileira, mas já tinha uma influência claramente americana, mas depois a gente já foi claramente incorporando isso ao


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nosso jeito e acabou virando a nossa música, bom, esse é o ponto. Agora, o que acontecia e o que aconteceu a partir disso? Só lembrando que nessa fase, todos esses artistas eram hiper-populares, todo eles faziam muito sucesso. Só para entender, a gente fala muito dos Mutantes, os Mutantes naquele exato momento, era uma banda, tipo o que seria hoje, guardadas proporções e sem nenhum tipo de comparação, mais é o barulho que faz o Cansei de Ser Sexy, que de repente não consegue colocar mil pessoas aqui pra fazer um show, tem que tocar em casas pequenas e tal, era uma banda assim, super interessante, legal, mas não era...

Igor: Ainda não!

Simoninha: Na realidade nunca chegou a ser, logo depois acabou se desfazendo e ficou a mística e agora quando voltaram... seus discos eram ótimos, o trabalho era ótimo, mas eram pouco populares, a gente fala muito dos Mutantes ou da própria Tropicália como se tivesse sido uma coisa assim, um baita sucesso, foi um negócio assim absurdo, o Divino Maravilhoso, teve um programa que inclusive foi cancelado por falta de audiência e por censura, mas assim, não teve audiência, ninguém assistia, poucas pessoas assistiam, esse outro estilo, não sei se é uma crítica minha a autores e a pensadores, muitos desses movimentos que a gente celebra hoje, sem dúvidas que tem discos incríveis, são artistas incríveis, descobriram essa mistura do rock brasileiro, mas assim, não tinha um valor popular na época, então eu acho muito injusto quando a gente fala da história do Brasil nesse aspecto, por que a gente dá uma importância a uma coisa e não coloca a coisa no devido lugar, historicamente falando. Os grandes artistas usavam este estilo de música também pra fazer sucesso, essa coisa da música negra, Elis Regina, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, enfim tantos outros artistas. Surgiu uma série de artistas fazendo este tipo de música, alguns até a gente nem lembra o nome deles, ou ligados a essa música, isso é um ponto para gente situar assim, a gente lê um livro de história dizendo...a própria tropicália, é claro que a tropicália tem um papel fundamental na história da música brasileira, é óbvio, mas as pessoas colocam, como se fosse um sucesso absurdo naquele momento, como se fosse um movimento que simplesmente mudou a música popular brasileira daquele momento, acho isso até um pouco torpe, ela até influenciou a música popular brasileira, como o Simonal também influenciou, como até alguns autores somente agora tem coragem de dizer, pela história até muitos


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não tiveram coragem de dizer, mas por exemplo, o Simonal e o Jorge Ben são artistas, o autor que eu estou falando, é o Paulo César Araújo que escreveu um livro do Roberto e um livro chamado “Eu não sou cachorro não” e outros autores falam... na realidade a música popular brasileira, quem revolucionou a música popular brasileira foram esses dois. Esse dois artistas foram responsáveis por uma revolução incrível na música popular brasileira, como era a MPB antes e como era a MPB a partir do sucesso do Simonal, o que a gente vive hoje não existia e de certa forma o Simonal foi o responsável por esta... ou nele aconteceu esta mudança. Por que assim, a música brasileira era uma música comportada até então, pintou a Jovem Guarda que era uma coisa de rock que não era considerada música popular brasileira mas trouxe algo muito importante para a MPB. O Simonal era considerado um artista de MPB, os primeiros discos, discos jazzísticos, discos com orquestra, super aplaudido pela crítica, mas num momento ele rompe, “vamos fazer um negócio descontraído”, tem o lance da pilantragem, nem era pra ser pilantragem o nome, era pra ser samba jovem, que era exatamente essa mistura, ia falar “pô vou cantar...”, a atitude, essa atitude que a gente encontra hoje no rock, no RAP, o Simonal fez isso lá atrás, em 65, 66, ia nos programas de bermuda, isso não existia, ia no programa do chacrinha de bermuda, boné, chinelo, isso foi antes dos mutantes, nos primeiros discos lá já tinham guitarra elétrica, acho que foi em 68, teve o manifesto contra a guitarra elétrica, misturavam já um monte de coisa, tiravam um sarro de um monte de coisa e ao mesmo tempo foi um sucesso gigantesco e misturava, começa com uma brincadeira... e sempre muito musical, rico musicalmente, nunca pobre musicalmente, a formação é uma formação que vem do melhor da música brasileira, com muita harmonia e tal, tinha coisas do jazz americano. Esses caras, o Jorge Ben com o estilo dele e tal, que as pessoas pouca é... rompeu, essa mistura, fazer um samba com um suingue diferente, misturando com outras coisas, é, “Mais que Nada” é uma loucura... Eles olhavam assim e falavam “pô, esses caras estão trabalhando a favor do governo, por que eles não estão preocupados em passar mensagem que a gente quer passar” e existia naquele momento um maniqueísmo muito grande, ou você era a favor ou era contra, ou era sim ou era não, então começou a ter uma perseguição, da própria elite, vamos dizer assim da MPB, no sentido de achar que esses caras estavam completamente alienados e estavam ajudando aos interesses da ditadura, do outro lado, a ditadura, e a nossa ditadura, uma ditadura morena, brasileira é uma ditadura


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completamente burra, sem formação realmente política, a gente sabe muito bem. Aquele sucesso acontecendo. O Tony Tornado, num determinado momento, antes, foi até recebido pelo Médici, por que o governo usava o Festival Internacional da Canção (por que ela foi transmitida ao mundo inteiro) para mostrar que o Brasil era um país maravilhoso, que o Brasil era um país bacana, mas assim começam a ter ações, perseguições a esses artistas pela própria ditadura e esses artistas que não tem uma formação começam a não entender “espera aí, nasci pobre, sou preto, agora que eu estou fazendo sucesso, agora que eu estou ganhando um dinheiro, está todo mundo batendo em mim, o que está acontecendo? O pessoal da música e do teatro bate em mim, eu saio na rua, tomo dura, sou preso, tomo cascudo da polícia” e os caras começavam a ficar desesperados por que não entendiam muito bem o que estava acontecendo, naquele momento.

Igor: Sabia-se que se vivia numa ditadura?

Simoninha: Sabia, claro que sabia, mas ao mesmo tempo, essa coisa de que se sabia que se vivia numa ditadura era uma coisa muito relativa. Por isso que eu digo, o pessoal que estava envolvido, mais diretamente e que tinha uma formação universitária, todo mundo sabia que as pessoas estavam sendo presas, mas eram pessoas que tinham uma formação um pouco melhor. Para o meu pai, por exemplo, ele sabia o que estava acontecendo, mas a dimensão disso não era muito clara, no sentido que ele falava “sou negro, sou pobre, passei as maiores humilhações da minha vida, cheguei num ponto agora que eu posso fazer o que eu quiser, tenho carros, posso morar numa cobertura, posso tomar uísque, então por que as pessoas estão batendo tanto em mim” e aí tem um componente chamado racismo que pesa e que a gente não assume nunca, a gente não consegue assumir, por parte da esquerda brasileira esse componente também estava enraizado, eles falavam “quem é esse negro aí, tirando onda, quem é esse cara aí?” é claro que eles não iam chegar claramente e falar “qual é a desse cara, comendo essas gostosas, tirando maior onda enquanto nego fica sendo preso, sendo torturado”, mas o componente racista, até você pode ver, para os artistas brancos essa coisa sempre foi, de certa forma, o pessoal até muito no pé da Elis e a Elis acabou sendo a grande porta-voz, o próprio Roberto rapidamente, o pessoal pegava no pé do Roberto e depois parou de pegar no pé, até os próprios baianos também, a esquerda perseguia eles por que


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achava também um pouco alienante o discurso deles, do Caetano e do Gil e depois obviamente eles também se integraram ao que aconteceu, então começou a surgir, a ditadura começou a entender. Os dois lados começaram a pesar para os caras e acontece o que aconteceu com o meu pai, que eu acho que é uma coisa muito marcante. O que aconteceu com o meu pai? Uma ocorrência policial virou uma ocorrência política, vai sair um documentário do Cláudio Manoel agora e ele vai tocar muito nesse assunto e, da noite para o dia surge uma história que meu pai era ajudante do DOPS, que ele era colaborador, isso da noite para o dia tomou uma força gigantesca, virou uma verdade absoluta e muita gente não quis nem se questionar, na mesma hora, então assim, um dos principais ícones dessa parada toma esse pau. Qual que é a pior coisa que se pode jogar em alguém num momento como esse, na ditadura? É dizer que esse cara é o maior caguete, que o cara era dedo-duro, a pior coisa, se o cara fosse assassino, como muitos até foram e foram perdoados e estão aí até hoje de bacana e idolatrados, tudo bem, mas o maior caguete e dedo-duro é imperdoável, aquele cara que trai o amigo. Então essa coisa pegou de tal forma no Simonal que foi uma derrocada obviamente naquele momento da carreira dele, mexeu muito emocionalmente e todas as coisas que surgiram depois. Então o grande artista desse segmento é decapitado em praça pública, o Tony Tornado começa a sofrer uma série de problemas, coisas esquisitas, sabe, cancelamento de show, censura, a esquerda começa também a patrulhar muito mais, “esse cara aí é amigo do Simonal, será que ele também é o caguete?”

Igor: Então é a direita, a esquerda, o subúrbio não sabia muito o que estava acontecendo, continuavam indo aos bailes e a classe média presa com a MPB tradicional e as músicas de protesto e aí a nossa música negra começa a cair.

Simoninha: Exatamente, uma visão simplista, mas é exatamente isso, daí começa a cair, aí esses artistas começam a aparecer pouco e daí surge, em função da força... começa a surgir com força mais a tradição da música popular brasileira, o violão, as canções, os letristas começam a ganhar, este estilo da música popular brasileira começa a... não uma música pra dançar, uma música mais para cabeça, isso começa a ganhar uma força muito grande, MPB de 74, 75, 76, o samba de raiz que é legal obviamente, começam a ter um espaço maior na mídia com artistas como Martinho da Vila e outros. Dos músicos que faziam este estilo, tem muitos músicos


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bons e tal, o Oberdan, fundador da Black Rio, para sobreviver vão trabalhar como músicos de artistas ou músicos de gravação, mas mesmo assim no meio de 70 surge a Black Rio que é uma banda que o Oberdan Magalhães, pai do Willian Magalhães cria e que já é uma mistura fantástica dessa coisa que é a soul music com a coisa brasileira, música para dançar e tal. É um movimento que tenta surgir, mas depois também... o próprio Lincoln Olivetti que está vivo ainda e o Robson Jorge que é um guitarrista que morreu louco no centro da cidade, começa a fazer um disco também ligado a essa temática. Isso por que também a coisa da discoteca estava chegando, 78 e 79, então tinha muito disso, usava essa coisa próxima, a gente começava a fazer uma música black brasileira usando a coisa da discoteca para ser uma música, então era aceitável, não tinha é... era só coisa musical, não tinha o menor comprometimento com letra ou mais político e era uma coisa mais permitida, a música de discoteca era uma coisa que estava fazendo muito sucesso, então era o final da ditadura. Daí surgiu a Sandra de Sá, começa a surgir uma nova geração de artistas, o Cassiano grava o disco dele em 74 / 75 que já era um compositor de sucesso, compositor de “Primavera”, do primeiro disco do Tim Maia, aí o que acontece, o Tim Maia, o Jorge Ben, esses artistas que eram justamente artistas de ponta, o Tim Maia por aquele jeito dele, doidão e tal, esses caras, tinham um pixe neles, mas assim, o pessoal, na real, não levavam eles tão a sérios, por que achavam eles mais inofensivos, por que o Jorge (Ben), era um cara da paz e do amor e Tim também, não tinham discursos tão radicais, diferentemente do Simonal, o Simonal incomodava, ele tinha um discurso, não político, mas ele tinha um discurso social, se você ver pelas entrevistas, “como assim, no Brasil não tem racismo, o que esse cara está falando?” Então tinha uma coisa assim que as pessoas perdoavam mais “esses caras são mais doidões”. Mas esses caras sofrendo muito, também tendo que sobreviver, eram todos artistas de origem humilde, todos tendo que se virar, então o Brasil criou essa coisa muito louca que a gente conseguiu criar, tanto a direita quanto a esquerda acabaram perseguindo, então foi uma coisa sem vista, foi uma coisa menor, foi uma coisa não tão importante.

Igor: E começou a ficar marginalizado.


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Simoninha: Quanto você traz a questão racial, a melhor forma de você lidar com isso é desmoralizar isso “isso é uma coisa menor, isso não pega nada”.

Igor: Então a partir de 72 já começa a cair, as gravadoras já não acreditam mais...

Simoninha: O Simonal, naquele momento virou um... tinha abaixo assinado pra ele não aparecer nos lugares, as pessoas não queriam aparecer perto dele e mesmo quem era amigo e não acreditava naquilo não queria ficar perto do Simonal, sabe por quê? Por que pegava mal para ele, por que era como se fosse um câncer, ambulante, “o cara é o cagueta da ditadura”, é um negócio assim incrível, então de uma ocorrência policial que o Simonal errou e pagou, chegou a ser preso e tal, foi julgado, condenado, são incongruências históricas do Brasil que ninguém nunca parou pra pensar, por exemplo, o cara é o maior caguete, a serviço da ditadura, no período mais duro da ditadura, você acha que a ditadura deixaria esse cara passar pelo que ele passou, você acha que a ditadura deixaria vazar uma informação desse cara? Ele seria banido dos meios de comunicação que eram controlados pela ditadura, o próprio Boni no documentário do Cláudio Manoel, tem muitas pessoas que prestam depoimento, inclusive muitas pessoas que perseguiam o Simonal naquela época e o Boni fala assim, ‘’isso é um absurdo por que é assim, se o Simonal fosse da ditadura... o Simonal foi boicotado da Globo, seria ao contrário, por que só seria ele na grade da rede Globo e gente teria que engolir’’. Então muita gente aproveitou pra bater no Simonal, mesmo quem não acreditava por que o Simonal representava um sucesso brasileiro naquela época muito grande e isso era uma coisa que obviamente incomodava, então para bater na ditadura, se batia através do Simonal... uma coisa que também nunca falam, o país estava bom para eles, era o crescimento econômico, o milagre econômico, todo mundo ganhando dinheiro, todo mundo trocando de carro, eu converso com muitos amigos, hoje, com cinqüenta anos e tal, hoje com até uma postura política super clara... “depois do que aconteceu com o seu pai, depois dali daquele momento é que as pessoas começaram a entender melhor o que estava acontecendo”, por que na realidade, era um momento de felicidade nosso, o Brasil, a terra maravilhosa, o campeão de 70, televisão a cores, todo mundo podendo comprar televisão a cores, então tinha uma coisa assim que era, enganosos obviamente, “mas eu consegui comprar minha casa própria, estou ganhando dinheiro” muita gente, talvez a grande maioria do povo


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brasileiro, e esses artistas que eram de origem humilde, de certa forma, meu pai também ajudava, mandava dinheiro para fora para os exilados, tinha uma contribuição naquele sentido, mas, ao mesmo tempo, tinha momento de falar “agora que eu me dei bem, querem puxar meu tapete? O que está acontecendo”, meu pai nasceu praticamente na favela.

Igor: E vindo de um lado que ele não esperava?

Simoninha: Exatamente, por que ninguém tinha essa preparação e as pessoas que detinham o poder de comunicação, mais formadas, eram muito cruéis naquele momento com ele, depois que aquele boato surgiu, se inventavam histórias terríveis e aí os próprios movimentos... ele ia fazer show, ameaçavam jogar bomba e isso até o final da vida, por que assim, era uma verdade suprema e ele tinha postura muito arrogante, no sentido de encarar, de falar, “está falando que eu sou o quê?” isso é uma coisa que muita gente não aceita, “qual que é desse neguinho aí? Está querendo encarar? Vamos ferrar com ele”, por que ele não aceitava, isso pra ele era uma que ele queria encarar, então aí a questão da ditadura foi fundamental para isso, isso é uma coisa que foi morrendo, mas sobrevivendo nos bailes, sobrevivendo através do Jorge Ben, no seu estilo de música, através de poucos artistas e de vez em quando ondas surgem...

Igor: A classe social que ouvia mais o nosso som, a música negra, era o pessoal mais do subúrbio mesmo, nessa época aí, 69,70,71?

Simoninha: Mais ou menos, nessa época popularizou total, todo mundo escutava, é claro que, onde sobreviveu essa música foi nessas áreas,

Igor: Certo, então foi muito mais no subúrbio mesmo. O que eu ia te perguntar era se envolvia algum preconceito ou discriminação envolvendo classe social ou raça, mas é claro que você já me falou que havia isso, a classe média também tinha esse certo preconceito, diziam que era música de preto e a gente já viu o que aconteceu lá, então o pessoal acabava deixando de ouvir e de valorizar. E você acha que existe uma nomenclatura pra a soul music brasileira? Como se chamava na época, como o pessoal chamava?


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Simoninha: Não sei, cada um chamava de um jeito, não teve uma marca que ficou clara e que e definida.

Igor: Eu falo que é soul music brasileira...

Simoninha: Eu chamei também durante muito tempo de soul music, hoje em dia, eu não sei se é bom ou se é ruim, a Sandra (de Sá) usa muito a “música preta brasileira”, mas assim, por um lado eu acho que é normal por que o rock é uma parada americana e está completamente imbuída dentro da nossa realidade hoje também, da mesma forma que a soul poderia ser, da mesma forma que hoje em dia a gente faz um rock completamente brasileiro, tem a influência do rock’n roll americano, mas tem uma característica brasileira...

Igor: Mas é o rock brasileiro...

Simoninha: A nossa soul music ou os artistas que dela tem uma influência, como eu, mas que adora cantar samba, adoro, por que samba é negro, é a minha música preta brasileira, entendeu? Também é, a origem e isso é uma coisa que as pessoas discordam, brigam, tem uns pensadores que o samba é uma coisa mais pura, não, não pode ter mistura, e sei lá, é uma grande bobagem, por que assim, tudo é misturado, o samba começou com o maxixe e virou o que é, foi misturado com ritmos nordestinos e tal, começou com uma mistura dessas coisas e se transformou no que é e passa pela bossa nova que hoje as pessoas, enfim, aceitam mais, na época também era muito pixada, as pessoas cobram uma pureza que é impossível, o importante é criar na música que você faz uma identidade com aquilo ou com o país que você vive.

Igor: No Brasil é difícil você ter essa pureza...

Simoninha: Como nos EUA, isso que é uma grande idiotice e nós somos países de imigrantes, nossa música é uma música de transformação, mas só que a gente teve um mérito de uma música que... eu posso pegar a maior influência que eu tiver de música americana, mas do jeito que eu canto, do jeito que eu ponho o meu


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sentimento, já vivi essa experiência, quando eu fiz o “Por trás dos panos”, um longa metragem com a... é, foi mixado nos EUA e eu cantava “Eu e a Brisa” do Johnny Alf, e está no meu disco, no volume 2, e aquele arranjo tem uma coisa de soul music e tem um arranjo, tem um bumbo eletrônico e muita gente aqui torceu o nariz pra essa mistura, o Johnny Alf, um dos pais da bossa nova, quando mixou nos EUA que o cara escutou, o técnico, os engenheiros, gringos escutaram, o cara falou, “música brasileira é um negócio lindo”, essa frase foi muito significativa, por que, por mais que você ache, o cara escutou aquilo nos EUA e nas mesma hora identificou como música brasileira, esse é o poder da nossa música. A gente tem uma idéia de que a música americana é uma música pronta, mas não é, es EUA é um país de imigrantes, foram os negros, foram os europeus, foram os índios que fizeram aquela música, a música americana surgiu no século passado, a música popular americana como a gente conhece, ela surgiu no século passado, surgiu ali nos anos 20, 30, 40 que ela começou a se consolidar e aí depois começou a se transformar com o próprio rock’n roll, com a própria soul music e tal, mas ela começou através dessas misturas.

Igor: Para fechar, eu quero deixar claro aqui na minha cabeça, que é assim, como a gente tem essa influência da música norte-americana, como a gente já disse, tudo tem influência, toda música sofre influência...

Simoninha: Como os americanos têm influência na nossa música.

Igor: O que acontece? Ali na década de 70, a gente teve, essa rejeição da soul music brasileira, ditadura, esquerda, direita, classe média e todo esse processo. Em nenhum momento o subúrbio que ouvia muito mais a nossa música rejeita a nossa música. Eu estou correto?

Simoninha: Correto. Essa música só sobreviveu por causa disso.

Igor: Por que eu cheguei a pensar o seguinte, as músicas que vem de fora, ofereciam uma maior agilidade pra dançar...

Simoninha: Claro que teve uma coisa natural...


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Igor: De repente a nossa melodia deve ter afastado um pouco esse público, mas...

Simoninha: Mas os artistas brasileiros sempre tocavam nos bailes, sempre misturou, é claro que lá você tem uma produção muito maior de música, então você tinha um volume muito grande desse tipo de música.

Igor: Tinha uma maior variedade para tocar...

Simoninha: Maior variedade para tocar, mas os artistas brasileiros, sempre fizeram parte dos bailes e depois a discoteca de certa forma, que era um fenômeno de música negra também, é que os fins, como foi usado e o que virou, virou uma outra coisa, mas também era.

Igor: Teve alguma gravadora que seu pai quis gravar, mais pra frente, e rejeitou?

Simoninha: O Simonal foi um dos primeiros grandes artistas a ser independente, as pessoas não sabem disso, de certa forma, assim, no final da década de 70, ele era... esses discos estão em catálogo ainda, ele estava na “RCA Vitor” e brigou lá com o presidente da RCA, por que o cara falou um monte de bobagem para ele e tal, aí ele resolveu sair, talvez na história da música popular brasileira, junto com Tim Maia, foi o primeiro artista independente, e aí ele fez vários discos como independente, isso quando ainda estava surgindo o movimento da música independente, vinha surgindo com “Metalurgia” que era a banda do Bocato que tinha feito o primeiro disco independente e tal, tinha surgido o primeiro movimento mais forte ou mais próximo do que hoje a música independente, no Brasil, no final dos anos 70, começo dos 80, ele saiu para a música independente, claro que era uma coisa muito mais complicada, que o mercado era completamente dominado pelas mídias e você não tinha forma de divulgação, hoje, é uma coisa complicada, mas é mais fácil, tem Internet, tem uma geração que entende mais isso procura as coisas alternativas e tal, naquela era muito difícil, você tinha três veículos de comunicação para se comunicar com as pessoas, se você não tivesse nisso você estava morto.


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ANEXO 1.2 ENTREVISTA COM PEDRO ALEXANDRE SANCHEZ

Igor: Como eu te disse eu estou fazendo uma monografia em que estou tratando a atuação e performance da soul music brasileira na década de 70, daí pretendo descobrir o por quê que ela atingiu aquele apogeu de 1969 até no máximo meio de 1972, descobrir o por quê que ela decaiu tanto numa época em que o Brasil vinha absorvendo tantas outras culturas de fora e o por quê que tantos artistas caíram num ostracismo. Você que é envolvido com a música e foi crítico muito tempo, você sabe me dizer como foi a atuação e a performance da soul music brasileira nesse curto período de ascensão?

PAS: É uma coisa bem ampla, vamos ver se eu consigo responder... você está falando de soul, basicamente, por que tem funk, disco music, tem várias vertentes...

Igor: é mais voltado para o soul, por que o que acontece, conforme eu venho conversando com músicos, eles vem me dizendo o seguinte que a nomenclatura ideal para se usar no que trata a música negra brasileira, funk, soul, é a soul music brasileira...

PAS: Falando um pouco instintivamente, por que nos EUA essa coisa que a gente conhece como soul vinha mais ou menos desde o início dos anos 60, tinha Sam Cooke, Marvin Gaye, Stevie Wonder, eu acho que no Brasil, posso estar falando uma grande bobagem, mas eu acho que foi o Roberto Carlos que trouxe isso que era o soul Motown e que é notório que ele ouvia, que ele conhecia, às vezes imitava, então, ao longo da Jovem Guarda, não só o Roberto Carlos, mas como outros grupos e cantores, era inspirado em... era uma mistura de Beattles com Marvin Gaye, os caras da soul music lá de fora, acho que isso meio que percorreu a década de 60 inteira, acho que o disco de 68 do Roberto Carlos que se chama “O Inimitável” foi um marco importante, é quando ele começa a sair daquela coisa de yeah, yeah, yeah, aquela mais roquinho e dá uma virada rumo a isso que a gente chamaria de soul, não sei... é impressão minha ou você falou 69?

Igor: 69.


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PAS: Então você está datando a partir de 69?

Igor: Isso, eu estou datando a partir de 69 por que foi aquela coisa que o Tim Maia, Gerson King Combo, eles estavam chegando de Nova Iorque, chegando com a novidade, o Simonal começou também a introduzir esse tipo de balanço, este tipo de suingue na música dele e aí foi aquele estouro até 72, junto com isso tem os DJ’s, o Ademir Lemos e o Big Boy trazendo os discos para tocar nos bailes, então a gente tem esse paralelo aí, tocava a música estrangeira, mas também tocava a nossa, só que em 72 a nossa passa a dar uma sumida...

PAS: Então, pensando, eu diria assim, tudo meio que chutando, não dá para falar cientificamente, mas... vinha o Roberto Carlos de um lado com o yeah, yeah, yeah, e vinha o Simonal de outro, tocando bossa nova, samba jazz, sei lá o que chamava e engraçado que nesse momento, 68, 69, todo mundo fica meio soul, não só eles dois como a Elis, Gal, todo mundo tem a sua... o que me faz pensar que houve algum tipo de modismo em 68, 69 e eu não sei exatamente detectar o que é... época em que o Stevie Wonder estava estourando, mais forte, aconteceu alguma coisa que veio de lá (EUA) e que o Brasil assimilou e incorporou, e aí teve tudo aquilo, Tony Tornado, a soul music ou o funk, ambos, nos festivais da canção, quer dizer, é um tipo de música maravilhoso, que eu adoro, acho o máximo, mas eu acho que entrou num circuito de moda mesmo, moda que daí tinha o black power, tinha... misturar com flower power, era um momento de muitos movimentos culturais jovens lá fora e a gente foi importando, importou inclusive esse, aí acho até meio contraditório, foi um pouco nas mãos de um cara branco que era o Roberto Carlos e de outro negro que era o Simonal, a coisa do final de que você fala, eu não tenho tão clara assim, eu entendo que teve um... teve uns problemas políticos, teve o Simonal, teve um monte de coisa e na minha cabeça, o soul e o funk não acabaram, continuaram, eles não foram mais a grande coisa do momento, mas daí os desdobramentos não param nunca mais, tem discoteca, tem aquela coisa da União Black, a banda Black Rio e tudo mais para o final dos anos 70, aí começa o hip hop...

Igor: O subúrbio ajuda a manter isso?


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PAS: Sim, tanto é que Roberto que era branco, Erasmo que era branco, Jorge Ben e Tim Maia todos são egressos de uma mesma... não se sabe exatamente se eram da mesma turma, eles eram suburbanos do Rio de Janeiro que tinham convívio uns com os outros, chegaram a formar bandinhas juntos quando eram meninos e é desse núcleo que sai... dá para dizer que é a linha de frente, o Roberto e Erasmo por um curto período de tempo, abraçaram essa coisa do show, mas o Tim Maia foi soul music até morrer, sensacional sem dúvida, o Jorge Ben misturava com samba, então dá para entender que os rótulos e as denominações são mais confusas, para mim eu acho que ele é soul music brasileira e não quero nem saber e o Simonal teve a carreira interrompida, então não dá para dizer que rumo ele ia tomar...

Igor: Então vamos entrar agora no Simonal. O Simonal em 72 foi acusado pelo O Pasquim de ser um informante, dedo-duro da ditadura militar, você acha que isso foi um dos motivos que levou a outros? E o Tony Tornado foi exilado também, então teve toda essa bagunça em 1972, com ditadura entrando no meio da nossa música e...

PAS: E as picuinhas do Simonal com a MPB, do Simonal com o O Pasquim e assim por diante, você perguntou se o Simonal seria meio, a causa? Acho que não, acho que o que aconteceu foi conseqüência de uma coisa que vinha antes, acho que essa música black que, seja soul, seja funk, seja o que for mas que em 70 e 71 ela ficou muito forte, ela escandalizou os lares brasileiros, com o Tony Tornado, o Erlon Chaves, esses caras foram para o festival, criando encenações que as mulheres dos militares acharam obscenas. Não sei se você já leu o livro do Zuza Homem de Mello, a Era dos Festivais, é um cara que sabe muita coisa sobre isso e tem conclusões interessantes a respeito, acho que lendo o livro dele que eu aprendi alguma coisa sobre naquele momento, no festival, eu sempre esqueço se é de 70 ou 71, mas aquele pessoal que teve o Mocotó, a BR3, Dom Salvador e a banda Abolição, estava rolando um boom de música negra, via Rede Globo, a Globo ainda não era essa toda poderosa que a gente conhece, mas houve uma penetração imensa, mas assim, o pessoal, os negros invadiram a música popular brasileira naquele ano e eu acho que ninguém gostou muito disso, eu não estou chamando isso de racismo, eu acho que foi um caso de racismo, os caras do O Pasquim, muito legais, muito inteligentes, muito esquerdistas, muito tudo, caíam matando em cima desses caras,


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principalmente do Simonal, eles eram os garotos de Ipanema é uma geração que foi seguindo, foi ficando cada vez mais direitista, mais reacionária, Paulo Francis, não sei se eles já não eram meio “reaças” , vendo o Simonal com as loiras, o Tony Tornado namorando a Arlete Sales, o Erlon Chaves namorando a Vera Fischer, era os negões namorando as loiras, era dinamite tudo isso, em todos os sentidos quando se diz, “o cara negro que fica rico e só quer namorar com loira”, não estamos falando de racismo, longe da gente dizer que eles podem ou não podem, mas era um material explosivo, era um caldeirão que esses caras muito talentosos começaram a mexer...

Igor: O fato de eles serem apolíticos também...

PAS: Isso é o que todo artista sempre diz, fora aqueles que são essencialmente políticos, mas mesmo o Chico Buarque se você perguntar hoje para ele, ele vai falar que não, que a música dele não é política, agora para mim, a música é sempre política e esses caras eram super políticos, não eram políticos no sentido partidário ou falar bem ou mal da ditadura, o Simonal de fato, deve ter feito bobagem ali, algo ou coisas que custaram, no fim das contas, a carreira e a vida dele, agora dizer que não era político eu acho meio balela, acho que era político no sentido comportamental, quando o Tony Tornado aparecia namorando uma loira, ele estava dizendo coisas fortíssimas para aquela sociedade e eu acho que tudo isso foi abafado, não sei se de propósito, provavelmente não foi de propósito, mas a gente tinha uma ditadura de direita carola, beata, católica, violenta era a conjunção dos piores fatores possíveis, em quem que eles iam bater mais rápido? Na galera do subúrbio e qual é a cor da pele da galera do subúrbio? Vai bater na música negra... Os donos da cultura do Brasil não gostaram da cultura e da política e das gravadoras e tudo mais, primeiro foi uma mina de ouro, nem sei se chegou a vender muito disco, mas que houve um boom, não há dúvidas... O Tony Tornado passou um período lá fora e teve contato com os Panteras Negras, o Tony Tornado era um cara politizado, altamente politizado e não era ingênuo o que eles estavam fazendo, não sei se todos, mas por exemplo, o que ele estava fazendo não era ingênuo, ele sabia e ele estava mexendo com coisas perigosas nesse sentido, o que eram Os Panteras Negras, nem eu sei te explicar direito, mas era um movimento político e ele, por um curto período de tempo talvez ele tenha tentado trazer isso, fazer uma versão


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brasileira disso e ele se deu muito mal também, ele parece ser traumatizado, é muito difícil entrevistar ele, eu demorei desde a folha, eu tentava mil vezes e para conseguir foi que, quase por acaso e ele resiste a falar sobre isso, ele não canta mais, ele virou um ator da Globo, mas aconteceu alguma coisa ali, para ter deixado esse cara tão assustado...

Igor: Eu não venho encontrando muita coisa, bibliograficamente falando, não estou encontrando quase nada que explica esse momento de queda.....

PAS: Eu fiz uma matéria, quando teve o troféu Raça Negra, um troféu da Fundação Zumbi do Palmares e ele recebeu um primeiro e fez um discurso, falando: “vocês não sabem como é trabalhar num lugar como aquele onde eu trabalho” que é a Rede Globo, então ele deu uma desabafada lá e só depois disso eu consegui entrevistar ele, que assim, é muito bacana, a gente vê o cara lá fazendo papel de capataz, os papéis subalternos da Globo, mas a gente não tem idéia de como é ali dentro, o cara sabe onde ele está pisando.

Igor: Mas o negro quando ele não é comediante, ele é empregado...

PAS: Mas isso é o papel que ele faz nas telas, vai ver quem ele é por trás, a música poderia não ser politizada mas o Tony Tornado e talvez seja por isso que deu no que deu...

Igor: O Simonal também, não tinha como dizer que ele era apolítico, pois um dos grandes hinos dele na época era Tributo a Marthin Luther King, que foi censurada também. A ditadura militar, ela intervinha também nos subúrbios, nos bailes?

PAS: Eu não sei te responder, mas eu já ouvi dizer que sim, quem fala sobre isso é o André Midani que era o presidente da Philips que era a gravadora do Jorge Ben, do Tim Maia, tem umas histórias esquisitíssimas, que eles contrataram o Simonal na última fase, em 72 e ele fala que a ditadura mandou parar, tenho essa entrevista com o Midani também, isso existe na Folha, isso é importante, por que o presidente da gravadora, foi um gringo que veio aqui e botava a banca e mandava em todo mundo, Caetano Veloso, Chico Buarque, Elis Regina, ele era o grande patrão de


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todos eles e ele gostava dos blacks também, não estou falando nas palavras exatas que eu não lembro, mas, acho inclusive que ele foi chamado a dar explicação e aí tem algum segredo, cobriram que tinha uns crioulos politizados, ligados aos Panteras Negras e cortaram o mal pela raiz, nunca ninguém fala isso, Erlon Chaves, eu não lembro mais a ordem, se o Simonal já estava preso ou não estava, mas ele estava andando em Copacabana e morreu, saiu publicado nos jornais que ele teve um ataque cardíaco, muita gente morreu de jeito esquisito naquela época, não sei, não posso afirmar nada, mas, alguns passarinhos já me falaram, “fica ligado, a morte do Erlon Chaves foi estranha”, ele era maestro da Globo.

Igor: Musicalmente falando, o som que vinha dos Estados Unidos você acha que ele era muito diferente da soul music brasileira, por exemplo pelo que tocava nos bailes, tocava James Brown e tinha vários grupos de dança que dançavam a tal música, mas a soul music brasileira, ela de certa forma, parecia não oferecer o mesmo suingue, o mesmo balanço, o mesmo movimento, para que as pessoas dançassem, embora, muitos dos nossos artistas da soul faziam performances de palco com os DJ’S, mas quando se tratava de música brasileira e música norte-americana, você acha que é muito diferente?

PAS: Acho que dá para fazer um paralelo super legal disso com o hip hop de hoje, é a mesma história dos caras, agora eu sei por que eu entrevisto eles, eu acompanho, eu vejo muito isso, eles se sentem excluídos, eles são excluídos do Brasil, do sistema político brasileiro, da sociedade brasileira, da música brasileira, então, eles não tem identificação com a música brasileira, então eles pegam o modelo lá de fora, os Racionais, todos esses caras, se inspiram no hip hop estrangeiro para fazer a música deles, aí eu volto ao soul, acho que era o que acontecia, se inspiravam nos caras lá de fora, no James Brown e em quem havia lá e tentavam copiar, fazer aqui, na cópia nunca seria tão legal quanto os originais, por que eles eram o que eles estavam copiando, então assim, com o soul a gente pode dizer isso, não era tão dançante? Não sabemos se eles eram ou não eram, o problema é que tinha um James Brown, como é que vinha um Gerson King Combo tentar fazer o mesmo que o James Brown fazia, ia perder. Só que aí eu acho que eles dão o “pulo do gato” sem saber, sem querer que é assim, quando eles ficam interessantes e no que eles são geniais? Na minha opinião, é quando eles incorporam os elementos brasileiros,


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isso para mim, o Jorge Ben é o mais genial dos artistas de soul brasileiro, por que ele pegou e fundiu aquilo com o samba de um jeito que virou uma terceira coisa, que aquilo devia ter outro nome, ninguém nomeou aquilo até hoje. Hoje em dia não mais, mas vai ver um show do Jorge Ben de dez anos atrás, ele foi o cara que mais colocou gente para dançar no país, é um gênio no palco, daí você pega o Tim Maia era, acho que como soul, imitando os americanos, digamos assim, ele é o melhor de todos, ele faz bem, só que aí que canta Canário do Reino, que é um forró, um baião, sei lá o quê, ele tem uma época, pode ser loucura da minha cabeça, mas eu acredito, aquele disco de 77, acho que saiu pela Som Livre, chama Tim Maia só, saiu em CD há pouco tempo, enfim, de 77 em diante, na minha visão, ele pegou a estrutura do partido alto, tipo Martinho da Vila que tem umas regrinhas básicas, não vou saber falar agora, mas é tipo, o cara canta a primeira parte depois entra um vocal feminino, que é a estrutura do partido alto.

Igor: O Disco Clube é assim.

PAS: Sim, exatamente, o Disco Clube, esse que eu estou te falando e um depois...

Igor: Isso.

PAS: Se você for ver a definição de partido alto na enciclopédia, no livro do Ney Lopes, o que ele fala se encaixa direitinho nisso que o Tim Maia fazia nessa época, então assim, você não identificava com o samba, você não estava ouvindo samba, para mim é genialidade do cara que gostava de soul music mas ouvia o Martinho da Vila e fazia fundir tudo isso e aí, não merecia chamar soul music, deveria ter um outro nome, deveria ter um nome que a gente tivesse inventado para nossa música que é...

Igor: Mas é dificílimo achar algum nome...

PAS: É dificílimo e se achar não pega.


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Igor: De tantas pessoas que eu já conversei o próprio Hyldon também fala “não existe, não tenta inventar nome que não existe, chama de soul music brasileira e está tudo certo”.

PAS: O Hyldon por exemplo ele pegava, para mim, ele era da Bahia, mas meio com raízes interioranas, lembra Clube da Esquina, mistura o soul com as toadas interioranas, quem no mundo fez uma coisa daquela? Ele fez dois discos geniais, aquelas músicas que tem naqueles discos ninguém mais fez igual na vida...... mas eu queria mencionar que o que acontece com o rap hoje é igualzinho, já tem samba, é o D2, é o Rappin Hood, é o MV Bill, todos eles rejeitam primeiro a música brasileira, mas acabam incorporando, eles são legais não por que eles fazem rap, parecido sei lá com quem, mas é por que é diferente.

Igor: Hoje você percebe que há um resgate efetivo deste estilo musical, da soul, vamos dizer assim, do ano 2000 para cá?

PAS: Você quer dizer por artistas novos?

Igor: Isso. Por artistas novos, você acha que o que eles fazem é realmente promover o resgate da música negra brasileira que era uma coisa mais rústica, vamos dizer assim?

PAS: Eu não vejo muito com essa pureza que você está falando, talvez a Paula Lima, alguns artistas que são, de fato, negros. Agora se você pegar o Simoninha e o Max, por exemplo, tem isso, só que tem muita bossa nova, tem muito jazz, samba jazz, tem muito MPB e até pela origem deles, eles são filhos de um negro com uma branca, está no sangue deles, então assim, eles tem uma identidade, que de cara você pensa que a soul music está voltando e não é exatamente assim e aí eu não vejo muito quem faça isso de um jeito... até por que o som é do passado, não tem muito como, sei lá, lá fora, eu quando ouço a Macy Gray, eu acho que ela parece muito alguém que podia estar cantando nos anos 70, mas agora...

Igor: E a atual Banda Black Rio?


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PAS: Do Willian, Filho do Oberdan, sim, mas hoje em dia não tem mais aquela coisa, nenhum desses caras vai explodir, vai virar sucesso, as coisas são meio confinadas mesmo.

Igor: Agora pensando por esse lado, do estouro, dessa ascensão, dessa coisa que teve lá na década de 70, hoje, você acha que tem essa possibilidade de estourar, mesmo por que a gente não tem a televisão para ajudar?

PAS: São mil fatores, quem seriam os caras que estariam fazendo uma música tão importante quanto a que eles fizeram seria o funk carioca e o hip hop, só que o hip hop brigou com a melodia, sempre acho um pouco isso, que nos anos noventa a música rachou no meio, foi a eletrônica para um lado e a música sem letra e o hip hop do outro lado tem a letra sem música e o funk carioca meio que reúne essas duas coisas de novo, aí é fora dessa elite cultural que é a gente, então assim, é um outro conjunto de regras, os caras fizeram sucesso, passaram na Globo, todo mundo canta funk carioca, todo mundo rejeita o funk carioca, mas assim, em termos de comportamento o que foi mais justo ao que foi importante naquela época são os funkeiros e os rappers.

Igor: Eu posso afirmar que o Brasil é uma nação antropofágica culturalmente?

PAS: Ah, acho que pode, desculpa mas isso é meio lugar comum, acho que toda nação é antropofágica, criou essa coisa forte, esse mito, quase todos somos, é evidente. O modernismo, tropicália, todos esses movimentos, são basicamente fundados. Mas lá na Inglaterra, o funk carioca é misturado estão fazendo antropofagia com a gente.

Igor: Eu digo no seguinte sentido, do que chega sofrendo a transformação de se adaptar ao que é nosso, às nossas raízes.

PAS: Sim , com certeza.

Igor: Por exemplo, lá na Inglaterra, chega o funk carioca, mas nenhum inglês é fã de funk carioca.


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PAS: Mas por exemplo nos anos 60 chegou o João Gilberto e o Tom Jobim, só que não chamaram de bossa nova. Lá é jazz. Para mim eles assimilaram, antropofagisaram, e aí adaptaram. Eles até na época falavam, ficou uma coisa notória mesmo. Discos com músicas do Tom Jobim não sei o quê. Mas por exemplo, os caras lá pegavam as músicas da bossa nova, o letrista colocava uma letra em inglês, e eles colocavam como parceiro, ou seja, diziam que eles que tinham composto as músicas, ganhavam todo o dinheiro em cima do Tom Jobim, do Vinicius. Não tem o nome disso a não ser antropofagia.

Igor: Eu tenho a impressão de que quando chega aqui, acaba ficando melhor. Quando vem a música de fora, colocam um pandeiro e acaba ficando melhor.

PAS: E a gente continua com um puta complexo de inferioridade, não acreditando muito nisso, no fundo no fundo, tem que ficar se explicando que o brasileiro copiou o soul americano. Ok, e daí? Quem está afim de prestar atenção nos detalhes? Faz uma análise do Tim Maia para ver se ele está imitando alguém. Está imitando o Luiz Gonzaga, misturado o Luiz Gonzaga com James Brown. Nenhum americano no mundo poderia fazer isso.

Igor: Eu penso em colocar isso no meu texto que é o seguinte. Teve um fenômeno bossa nova jazz, absorveu o jazz e o pessoal de fora ficou de boca aberta, ficou bem melhor. Isso aconteceu com a soul music, mas teve esse problema da dispersão, do sumiço, da decadência. E aconteceu com o rock também, o Roberto e o Erasmo, como você mesmo disse tem aquela pegada dos Beatles. E a Jovem Guarda aqui estourou. E teve o rock dos anos 70, a Tropicália... Eu acho que tem música dos Secos e Molhados que é rock progressivo, assim como os Mutantes também. Você vê como absorveu, bem melhor do que sair daqui chegar lá e eles absorverem lá de um jeito que a gente faz aqui. Quando eu falo para você de antropofagia é mais nesse sentido de absorver, e ficar melhor, e adquirir uma identidade nossa, olha isso aqui é soul brasileiro e ponto, isso aqui não é um cara tentando fazer. Que tem influência tem, mas isso aqui é brasileiro e ponto.


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PAS: Com certeza, eu concordo plenamente com você. E até assim, só para complementar, a implicância não é nem do conceito em si nem nada, mas é aquela coisa, vou misturar Mário de Andrade com Oswald de Andrade. Se falar antropofagia lembra Macunaíma, o Macunaíma é um malandro, um herói sem nenhum caráter, é um cara que copia, mas não tem caráter, isso está colado na nossa personalidade. A gente copia, pode até fazer melhor, mas a gente é malandro, é marginal do terceiro mundo, portanto não merece ter feito. Essa parte eu discordo, vamos parar com isso, todo mundo imita todo mundo. O Walt Disney imitou os Irmãos Green e construiu um império em cima disso. Os caras falam que todo mundo faz pirataria. Quem faz pirataria são eles, Hollywood e a indústria fonográfica americana foram construídas em cima da pirataria. E por que a gente não pode também? O Tim Maia é um Macunaíma? Um malandro? Esperto? Se fosse não tinha morrido cedo, ia ficar velhinho milionário, gozando da grana dele. Não era, era um cara genial.

Igor: Pensando em antropofagia de novo, você acha que a gente poderia estar melhor com relação a esse estilo? Você acha que poderia estar mais vivo hoje?

PAS: Não pensa que lá fora não teve ditadura, não teve nada disso. A história é mais ou menos a mesma. Hoje em dia não tem mais Marvin Gaye, Stevie Wonder lança um disco a cada 10 anos. Que é legal, mas também não move montanhas. É que lá, queira ou não queira, a gente goste ou não, a Beyoncé, a Macy Gray, esses caras do rhtym & blues foram segmentos daquilo. E a gente não tem muito isso aqui, talvez ainda por causa dessa interrupção.


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ANEXO 1.3 ENTREVISTA COM DOM SALVADOR

Igor: O que eu quero saber é por que a música soul produzida no Brasil teve uma queda, no começo da década de 1970 e no final:

Dom Salvador: Acho que também a música estava em transição estavam querendo uma coisa que fosse mais comercial e começaram a fazer aquela mistura de, a fusão, não é, depois aquele negócio da disco, daí foi por água abaixo não é? Um música mais fácil, o que a gente estava fazendo era um negócio mais elaborado.

Igor: A chegada da disco foi um fator determinante para essa queda então?

Dom Salvador: Eu acho que sim, eu acredito que sim, por que agora com esse negócio da Internet tem mais possibilidade de se fazer mais coisas, fica mais fácil por que as companhias não se interessam mais pela nossa música.”

Igor: Quem foi o Dom Salvador para a soul music na década de 1970 e quem é o Dom Salvador hoje?

Dom Salvador: Eu mudei meu estilo não é, a gente tem que aproveitar também a onda, agora eu estou totalmente voltado para o jazz americano e essa mistura da música africana com a brasileira.

Igor: Quais foram os artistas da soul mais afetados pela ditadura?

Dom Salvador: Além do Simonal e do Tony Tornado, foram mais o pessoal da tropicália e daquela MPB tradicional, Caetano, Chico Buarque, Gil...

Igor: No seu caso como foi essa ida para os EUA? Alguma coisa relacionada à ditadura?

Dom Salvador: Eles estavam de olho em mim, eles estavam me sondando sim, eles achavam que eu estava envolvido com algumas coisas, com essas coisas feias aí e


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fui aproveitar que eu sabia do estilo, me convidaram e eu aproveitei mesmo e fui embora.


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ANEXO 1.4 ENTREVISTA COM WILLIAM MAGALHÃES

Igor: A primeira questão que eu bato de frente é que eu falo que é soul music brasileira, por que eu falo que é soul music brasileira? Porque por enquanto foi o termo mais adequado que eu achei, tem um pouco de funk...

William: O termo soul é um termo americano. Mas se você falar a musica black brasileira ai acho você vai conseguir ter uma diferenciação. Soul é uma palavra em inglês, mas por mais que tenha sido a coisa que mais tenha rolado com os próprios artistas. Realmente eu acho por essa razão, mas se você fala por outro tipo de parâmetro. Por que eu falo do movimento Black Rio, ele vem depois de um movimento de funk, que aconteceu na década de 70, os sons foram trazidos aqui para o Brasil e durante uma certa época, quando esse movimento veio para o Rio de Janeiro, que por talvez, na verdade a primeira tentativa de fazer um movimento que colocasse a musica tão amada nos bailes, dentro de um contexto nacional, acho que a Black Rio que conseguiu isso, no sentido de resultado físico, conseguiram produzir um som, que tinha essas duas vertentes. Eu chamo isso de um processo antropofágico.

Igor: Já me disseram que isso foi uma cópia...

William: Não é cara, não é, sabe o que acontece, essa cópia, provo pra você que não é, a banda Black Rio por exemplo foi a banda que era do meu pai, que é a Black Rio hoje, respeitando toda a historia e tudo mais, ela simplesmente foi tão forte nessa concepção, o que aconteceu ali é que a leitura lá de fora, foi uma aceitação total, porque tinha um elemento que eles identificavam da soul music, você fala funk music só que o elemento brasileiro dava todo o diferencial, a ponto dos caras ter a Black Rio como referência até hoje, e até hoje ninguém ter conseguido fazer uma Black Rio, a não ser eu mesmo, porque acho que o cara mais próximo no mundo disso sou eu.

Igor: A Black Rio de vocês hoje ela é única. Quem tem feito isso são vocês. A Trama não conseguiu fazer isso, eu respeito os músicos, até tem alguns que eu gosto, mas


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o respeito a esse estilo black com essa pegada de soul e de funk é vocês, que eu conheço são os únicos. Tem a Orquestra Paulista de Soul...

Willian: O que eu estou falando é o seguinte, nem a questão de funk nem soul. A questão da inversão da música brasileira com os ritmos. O que a Black Rio fez tornou a música black brasileira de certa forma com um pouco mais de autonomia em seu próprio terreno. Eu não sei se você sabe, mas a Black Rio foi uma encomenda pelo presidente da Warner que na época se chamava Peter Iterbool. O que aconteceu nessa época, na década de 70, a música negra tava começando a entrar no mercado de uma forma absurda, com um selinho que começou com a idéia de um cara, que o cara sacou, estava entrando no mercado, eles começaram a fazer um som que tivesse aquela leitura, mas que tivesse um diferencial, e aí pintou a Black Rio, foi uma encomenda internacional, e a coisa não teve mais força porque o cara quando ouviu achou que era justamente aquilo que ele queria, só que o cara morreu. Eu acho que é isso, rolou uma coisa antropofágica, isso dentro da musica brasileira, é uma coisa muito nova, qual foi o último grande movimento brasileiro de musica que teve um reconhecimento internacional? Foi a bossa nova, a Tropicália ela pode ter vindo depois, mas ela nem teve o reconhecimento internacional que o movimento Black Rio teve, que a Black Rio era o nome de um movimento, não foi só a Black Rio, teve o próprio Tim Maia, aqueles sambas soul que ele fazia, naquela época, tinha a Lady Zoul , entendeu, tinham várias vertentes de música que exploravam esse ritmo que de uma certa forma era universal, como o reggae, o rock, qualquer país no mundo tem uma banda de reggae ou rock, principalmente mais o black que funde com o samba e o baião, que é o diferencial. De certa forma dos grandes artistas que se destacaram dentro disso foi o Tim Maia, que dentro da obra dele você vê muito mais presente uma alma soul até no final da vida dele, você tem muito samba soul, tem o Simonal, só que o Simonal misturou com uma coisa meio latina, mas também tinha o elemento soul, acho que na realidade, desses registros, o Simonal foi o cara que teve mais registros, mas misturou com uma coisa latina, mas tinha um elemento soul, mas ele teve aquele problema, foi pro DOPS, mais ele foi muito massificado, foi acusado de ser dedo duro dos artistas, acabou com a vida do cara, foi o Pasquim, que falava que ele era um ‘X9’ dos artistas, e não é verdade, na realidade é que ele foi o primeiro negão árduo do Brasil, o cara que realmente chegava com um puta carrão, tinha dinheiro, comia todas as loiras, como diria, 171


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fortíssimo. Isso é uma coisa que tem a ver com essa coisa do boicote a raça negra no Brasil. O próprio movimento Black Rio em 75, esse movimento esse próprio movimento foi bastante suprimido, o ápice foi de 75 a 80 e depois disso entrou o rock’n roll e acabou com tudo.

Igor: Quem manteve o movimento? Porque de certa forma essa música tocava lá no subúrbio do Rio.

William: Eu acho que muito mais o pessoal do subúrbio, o pessoal negro mesmo, e foram poucos artistas, o Tim Maia deu muita sustentação nisso tudo, mesmo ele deu uma sumida nessa época, Tim Maia, Cassiano, Hyldon, e você vê Casinha de Sapê toca até hoje, e músicos, por mais que existisse um movimento industrial do rock’n roll. Começou a rolar essa transação para o rock, eu não tenho nada contra o rock, só acho que o Brasil é um pais de quase 70% de negros e mestiços, tem pessoas que não tem nível de formação para resistir uma imposição industrial. Mas é uma coisa que não estava acontecendo aqui. Eu não tenho nada contra eles não, até respeito a historia dos caras, o que quero dizer é que sempre, a música negra no Brasil, desde os primórdios o samba quando ele surgiu, ele era proibido de tocar em festas era considerado música de bandido, acho que tudo que veio muito dessa manifestação natural de ruas, os bailes funks, o próprio funk hoje em dia é marginalizado, tudo isso teve essa pressão, eu acho que como sempre existiu no Brasil um racismo fechado, tão fechado que o próprio negro não consegue ver que é racismo.

Igor: Além de instituído ele é enrustido.

William: A dificuldade do próprio negro se posicionar no Brasil, é por causa disso, a diferença do negro americano lá é que realmente eles assumiam e iam atrás, o Ku Klux Klan, iam atrás dos negros para matar, ai os caras diziam “ah é, então vamos criar um Black Panter, uma outra organização...” Eu acho que a sinceridade nesse aspecto dá muitas condições de se defender.

Igor: Qual a nomenclatura que você usa para esse som que vocês fazem hoje? Isso é black com samba, black music nacional.


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William: Eu diria mais que isso é um samba novo, porque eu falo? Porque o próximo disco da Black Rio vai se chamar de samba novo, porque acho que justamente mexia numa questão do que acontece hoje em dia, eu acho que esses movimentos, isso ai que estamos fazendo, na realidade é uma reprodução contemporânea usando os elementos de hoje, as vertentes que a Black Rio fazia na da década de 70, eu classifico isso como uma nova vertente da musica brasileira porque hoje em dia o Brasil é um pais que está nessa rede, nesse nível de informação você pode colocar os artistas o cara fazendo rock’n roll no nível que esta tocando lá na Alemanha, a gente tem um cara que faz um reggae com uma excelência, com uma modernidade que tem condições de sensibilizar os caras da Jamaica que criaram isso. Eu acho que o samba, na realidade, uma gama de ritmos brasileiros, os caras do hip hop, do jazz, tão cada vez mais voltados a musica brasileira porque é o ultimo portal digamos assim, porque já fizeram de tudo na música. Acho que essa coisa da mistura do funk com samba, a fusion, não a fusion cartesiana que aconteceu na década de 70 que foi um movimento instrumental, mas a fusão de ritmos que você já mistura, a tendência é cada vez mais é vir para cá, para o Brasil, para América Latina, para África, mas está de certa forma muito mais que no Brasil no sentido de estar fazendo uma música mais internacional, com vários artistas. Enfim, eu acho que no Brasil mais ainda, porque de uma certa forma a África já teve uma colonização européia, a França, a Inglaterra, a música africana está muito mais presente na Europa, dentro de uma perspectiva de fazer parte da cultura de alguns países da Europa por causa dessa questão da colonização e por causa de uma certa vantagem geográfica, de proximidade de pelo menos alguns países estarem ali. Enfim eu acho que o Brasil é o ultimo limiar, eu acho que a música brasileira, por exemplo, o samba e esses ritmos tradicionais são muito tradicionais até hoje. O meu tio avô por exemplo, Alcenir de Oliveira, que foi o cara que compôs o maior samba enredo de todos os tempos, que era Aquarela Brasileira, era do Império Serrano, uma escola de samba que sempre teve aquela postura tradicional, sempre teve aquele conservadorismo, só que o sobrinho dele que era meu pai, já se colocou dentro de uma situação de briga estética, é uma coisa que sempre teve nos movimentos de arte, o Impressionismo, o Romantismo, sempre os que vinha depois tentava superar o anterior, seguindo a linha daquilo que desse um diferencial. O Impressionismo, trouxe uma percussão para orquestra, a percussão árabe, se


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aprofundou mais, em posturas mais atonais, dentro da musica clássica isso é uma avaliação pequena, mas dentro da musica popular é uma avaliação gigante, essa avaliação gigante foi o que a Black Rio criou, ela criou um novo tipo de samba só que com influências, na época eles eram considerados americanizados, hoje em dia é uma referencia internacional, e é um orgulho nacional para muita gente, foi uma forma de música brasileira que foi criada na década de 70, aqui as pessoas não se tocam mas lá na Europa influenciou o Jamiroquai, os caras vendem milhões de discos e os caras pagam maior pau para a Black Rio, mas se eles realmente soubessem fazer exatamente o que a Black Rio fez eles já teriam feito, não é uma coisa impossível de se tocar, mas é uma coisa muito típica daqui, que se faz aqui. E principalmente no Rio de Janeiro que é muito maior a nossa parada. E a forma que a Black Rio tocava, tanto o funk, já tinha uma influência do samba, como eu acho que vários ritmos, o brasileiro sempre vai ter um jeito diferente, até mesmo quando ele toca um jazz. Você pega um César Camargo Mariano, se for analisar na historia dele, ele tocando funk em vários discos, ai vai ver porque ele está em Nova Iorque hoje, porque tem um diferencial, o país dá isso.

Igor: O som que seu pai fazia é o mesmo samba novo que vocês fazem hoje?

William: Tem toda uma diferença de elementos, eu acho que tinha uma coisa de contemporaneidade e essência, a gente manteve a essência, agora os elementos que a gente usa para fazer essa sonoridade são outros elementos e até alguns bem parecidos para ter aquela característica. O que a Black Rio fazia era moderno, a música tem essa coisa da retroatividade, entendeu, você pode fazer um som lá na década de 60... existe um preconceito do pessoal da música erudita. Acho que você estar preso num estilo é uma limitação também. Que regra existe na arte? Você acha que Salvador Dali ou Picasso seguiu alguma regra? É claro que há regras, a historia do classicismo, o romantismo. Mas acho que o grande lance da musica é romper as regras, o jazz foi uma coisa que conseguiu fazer isso, até se fundiu com a música erudita. Filipe Glass é um cara que adora jazz, aquele cara que compôs Rapisod Blues, sabe? Que é um lance de música clássica tocar com várias orquestras do mundo, no fundo a própria música erudita sempre se alimentou da música popular. A estética da música erudita se criou muito em cima de uma estética da música popular. O próprio estrabismo, ele cita num orçamento de uma orquestra,


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você sabe que a Rússia teve influência do Oriente de uma certa forma, o Oriente Médio, como aqui no Brasil, o Villa Lobos foi lá na Amazônia, sacou som dos índios, eu acho que a música foi uma coisa segmentando a outra, como a própria música clássica influenciou o jazz, e com certeza o contrário só que alguns compositores que são mais harmônicos. Agora a pessoa quando é limitada de certa forma, às vezes um cara quer ser um puta pianista, para ele ser um pianista erudito, por exemplo ele tem que ser o maior interprete de Chopain, ele vai ter que se especializar naquilo, ele vai ter que viver a vida de Chopain, dentro da própria música erudita para você se destacar você tem que ter uma especialização. O jazz já é uma coisa que implica no processo de criação na hora da improvisação e isso existiu na música clássica, lá na época do barroco, eles improvisavam.

Igor: A censura da black music de uma certa forma lá na década de 70, a gente teve o apogeu do Simonal, e depois a queda dele em 71 depois das noticias do Pasquim, e ai a gente teve o caso do Tony Tornado, que foi o caso que ele foi exilado, aí a black music teve uma apagada, eu quero saber porque teve esse apagão, se foi por parte da censura militar, ou também por uma parte de uma censura social, das pessoas não quererem mais.

William: Eu acho que sinceramente as pessoas não tem nada a ver com isso, foi algo que aconteceu dentro das gravadoras, tudo que aconteceu na música, tudo de bom e de ruim foi pelas gravadoras, repensando o que eu falei, tudo que saiu dos artistas, essa coisa da black music em si, foi uma coisa de injeção de dinheiro em cima de outro estilo. O rock tava muito presente, então a década de 70 tinha o rock, mas também existia a black music, o próprio Tim Maia, o Cassiano, a própria Black Rio, foi até 84, parou quando meu pai morreu, agora o movimento num todo foi diluído até por outro tipo de musica, que foi a discoteca estava chegando naquela época, então rolou uma certa exposição, e ai o que acontece cara, as pessoas na realidade que curtiam isso, a classe média, o pessoal da zona sul do Rio de Janeiro optou pelo rock’n roll.

Igor: Isso no início da década de 80. O pessoal da classe média de 72 optou pelo que? Eles curtiam também o nosso som. Eu tenho impressão que apagou.


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William: Eu acho que duas pessoas que na época tivesse maior visibilidade, mas existiam tanta musica black de outras pessoas, existia o Copa Sete, existia a banda do Cassiano, os Diagonais, eu acho na realidade que foi muito mais uma coisa industrial que tirou isso, a industria no Brasil a partir de 80 ela começou uma cobrança das coisas que tinha lá fora, a música começou a virar um business absurdo, em 80 foi o ápice, quem era rico já tinha ganhado desde a década de 40, mas 80 foi aquela explosão, de uma certa forma existia um movimento de rock, que estava sendo produzido, era mais aquele pessoal de Brasília, filhos de embaixador, o Herbert, o Renato Russo, são excelentes poetas, eu acho que na realidade o grande diferencial deles foi muito mais a poesia que o som, o que ficou deles na realidade foi a poesia, porque eles nem eram músicos. Já a black music já tinha um crivo mais de músicos posicionados, e acho que o rock era mais bandido.

Igor: No ano de 71, 72 quando teve essa queda na soul, quem parou de ouvir mais o som, o pessoal da zona sul, classe média, branca?

William: eu acho que infelizmente, até hoje em dia a zona sul no Rio de Janeiro, era que davam a idéia para o pais inteiro, a classe média do Rio está destruída.

Igor: Se eles tinham uma opinião poderiam influenciar o povo do subúrbio.

William: Até isso acontecia, essa coisa do subúrbio, o funk, o Furacão 2000, foi uma coisa que foi cultuada por um pequeno número de pessoas e não tinha uma publicidade como tinha um Paralamas, um Legião Urbana, o Chacrinha, rolava no Canecão, só quando o Canecão era aquele lugar que não era o Canecão ainda de hoje em dia, na realidade rolava no subúrbio, era uma casa que tinha banda própria, não era nem considerada uma casa de show, era um bar que tinha um palco, como se fosse sei lá, como se fosse como é o nome dessa casa aqui o Bourbon Street, tem uma banda lá.

Igor: O caso Simonal e o Tony Tornado são os dois casos que mais me chamam atenção...


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William: É que tinha o envolvimento político, mas eu acho que isso deve ter contribuído também de uma forma significativa no sentido de desestimular as pessoas a querer saber desse artista, o Tony Tornado era um cara que tava dançando aí caiu em cima da menina, ninguém no Brasil gosta de viver tragédia, e o Simonal com essa coisa do Dops, o cara acabou morrendo praticamente que na merda, ele contando a história com lágrimas nos olhos, e ele não traiu os caras, o cara estava na crista da onda por que ele ia entregar os artistas? Não entregou os artistas, e isso é escravidão no Brasil, hoje em dia eu acho que sinceramente, a gente cada vez mais tem que voltar com uma reparação, acho que de qualquer forma mesmo as entidades que tentem reparar, não dá para reparar, os negócios das cotas, aqui em SP mesmo, quando acabou a escravidão, os caras contrataram mão de obra italiana, ele existiu, o reflexo dele nessa época, mas hoje o reflexo é muito maior. Você vê a gente, dois negões talentosíssimos, com o new jazz na mão, a nova música do mundo e a gente ta aqui na mão de um pesquisador que um dia pode colocar essa história na mão dos gringos.

Igor: Isso aí é uma intriga minha de ficar procurando disso nesse estilo, principalmente nessa época. Eu percebo uma ausência em 72, 73, 74 tinha pouca coisa, aí em 75 tinha um cara, o Miguel de Deus.

William: Eu diria que a música black , tem uma frase que é ‘o samba agoniza mas não morre’, e acho que a musica black é a mesma coisa, a prova está aí, a musica black, ela está crescendo cada vez mais, está sendo consumida pelas pessoas brancas finalmente com admiração e com respeito, é um processo natural, uma evolução histórica.


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ANEXO 1.5 ENTREVISTA COM GERSON KING COMBO

Igor: Essa onda do Black ficou só aqui no Rio ou você chegou a fazer shows em outros lugares, outras cidades?

GKC: Fui pra tudo o que é lugar, me chamaram para inaugurar o Parque Antártica lá em São Paulo, eu fui e tinha muita gente, a coisa ferveu por lá também.

Igor: Você chegou a conviver com Erlon Chaves? Ele faleceu de um jeito estranho não foi?

GKC: Sim, era muito meu amigo e sofreu algumas pressões por parte dos caras lá... eu estava lá com ele, fomos comprar um disco ali numa Galeria, no Flamengo, na rua onde ele morava, daí ele tinha esquecido o dinheiro em casa e disse que ia buscar. Ele já estava meio abatido. Subiu para o seu apartamento e demorou muito, eu achei estranho, mas esperei mesmo assim, depois de mais de uma hora, ele apareceu reclamando de uma dor muito forte no peito, chamamos a ambulância, faleceu antes de chegar ao hospital.

Igor: Você tinha a fama de imitar o James Brown, você também era politizado, fazia parte de algum movimento, tipo o Black Power?

GKC: ...uma vez, os homens (a polícia) foram lá em casa e me chamaram para depor. Perguntaram se eu era dos Panteras Negras, seu eu era de alguma organização terrorista, e eu disse para o delegado: ‘doutor, eu nem sei quem são esses caras direito, o que a gente quer é fazer um som, fazer o nosso som, a gente só quer por o povo para dançar.

Igor: Você ficou algum tempo fora dos palcos, o que houve exatamente?

GKC: Eu demorei muito para continuar a produzir, as gravadoras, depois de 1978, 1979, elas não queriam mais saber de contratar a gente. Com a chegada da disco (music), todo mundo só queria saber de disco, de discoteca daí eu só fui produzir


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novamente em 1986 e depois muitos anos mais tarde, até eu desistir. Agora é que vem um pessoal atrás de mim e me chama pra cantar...”


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ANEXO 1.6 ENTREVISTA COM HYLDON

Igor: Só para te falar mais ou menos o que eu pretendo disso aqui, é provar uma certa ausência de soul de black, de funk music num certo período de tempo da década de 70. Você percebe mais ou menos entre 72 e 75 tem uma decaída até a Black Rio dar uma estourada.

Hyldon - Não acho isso não, por exemplo, o Cassiano estourou em 73, acho que foi em 73 com a Lua e eu, 73 também foi um ano produtivo do Tim, que lançou o terceiro disco dele eu acho.

Igor - Ele lançou em 70, 71, 72? E depois ele deu um tempo para fase racional?

Hyldon - Não, acho que teve um antes, teve um que tinha os cachorros, eu fiz o segundo dele eu trabalhei naquele disco, tem umas fotos, tem o vinil do segundo disco. Eu conheci o Tim foi nessa época aí, do primeiro para o segundo. Então, no final de 73 só eu estourei umas três musicas, Na rua, na chuva na fazenda, As Dores do mundo, 72, 73,74, 75, fizeram um single. Na Chuva na Fazenda foi single, depois saíram outros singles as Dores do mundo, aí depois saiu o álbum em 75. Depois fizeram um compacto duplo. Todo Sábado e domingo o lado A e As Dores do mundo, e Na Rua, na chuva na fazenda era o lado B do Meu Patuá, e depois estas músicas todas estão no primeiro disco, tem esse trabalho do Tim, tem soul music mesmo. Tem uma dupla também dessa época chamada Tony & Frank, tem o Quinteto Ternura. Em 71 teve o Tony Tornado, eu toquei com Tony, na época do festival, montaram uma banda, eu participei de um show, fiz muitos shows com o Tony, depois eu conheci o Tim, aí eu só tocava com o Tim, tocava até contra baixo e gravava de guitarra. E gravei esses discos que ele fez, eu participei do segundo, já tinha música com ele, gravei a guitarra, Não quero dinheiro, Festa de Santo Reis, era eu na guitarra e tudo, eu fazia as guitarras bases, o Paulinho guitarra, fazia as guitarras solo.

Igor: Por que o Tony Tornado parou?


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Hyldon: Não sei cara, você tem que perguntar para ele, é estranho, Tony Tornado tem a historia parecida de um cara que a gente gostava muito que era o Isaac Hayes, era um cara que estourou, ele tinha uma voz grave, uma grande música mais conhecida, foi o tema do Cheft, que até foi regravado, e na época do Woodstock, teve um festival só de música dele, era o selo que eles tinham, o cara era careca, vestia umas roupas, tinha uma voz gravona, usava uns arranjos maravilhosos, tenho umas versões dele, o Tim Maia gostava muito do Isaac Hayes, depois se passaram anos ele sumiu, e ele começou a aparecer em filmes, fazendo ponta de filmes, ele nunca fala sabe, e ele era meu ídolo cara, quando foi uns cinco seis anos atrás trouxeram ele aqui no Tim, o festival, e aí foi uma puta decepção, ele veio com um músico só, chamou uma banda daqui para tocar com ele. Você via que o cara tava meio fora de forma para tocar. Eu estou te falando porque a história dele é parecida com a do Tony. Do cara que se deu bem com música e depois parou. O Tony diz que foi pela repressão, foi política, não sei o que, mas outro dia nós fizemos um show em SP, o Soul Brasil, então o Tony fez com a gente, conseguiram que ele saísse, porque ele se desiludiu um pouco com música e tal, ele tem uma participação no primeiro disco do Jota Quest. No Pode Crer, Amizade, acho que o Jota Quest já gravou uma música, a Deixa Morrer. Até tinha uma música minha As dores do mundo nesse disco.

Igor: O Tony Tornado teve aquele problema de cair em cima da menina.

Hyldon: Eu tava tocando, era o Festival de Guarapari. A gente tinha assim, a formação era um quarteto.Eu estava tocando guitarra, era eu na guitarra, baterista Pedrinho, o Celso músico mais para jazz, e o Jurandir no baixo. Em alguns lugares o Trio Ternura participava, era os que cantaram com o Tony no festival. E nesses shows que a gente rodava o Brasil inteiro, teve um show em Guarapari que era um festival meio Woodstock, e ele nem usava droga nem era nada disso, ai ele começou a ter um..., baixou o santo no cara, começou a ficar possuído, voou microfone, voou tudo, o palco era mais de quatro metros, palco grandão, quatro cinco metros de altura, nós tocando, o cara começou a falar um monte de coisa. Ai de repente, nós até nos afastamos, afastamos o tripé, voou o pedestal, ai daqui a pouco quando olhei o cara pulou para baixo, voou mesmo, igual o super homem para cima, e tava cheio, o cara tem dois metros, fortão, na época ele não tava gordo


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como agora, ele era musculoso, ai ele caiu em cima das pessoas, e caiu mais em cima de uma menina, que quebrou a clavícula da garota, ai ele caiu no chão e saiu correndo no meio da multidão, foi embora. A gente continuou tocando, demos um final, fomos atrás do palco. Essa hora foi até engraçado, tinha uma ambulância parada atrás do palco para emergência, puseram a garota na ambulância, e de repente as pessoas começaram a ficar revoltadas com a gente também, porque o Tony não tava mais, e aí a multidão enfurecida querendo pegar a gente, a banda, aí nós entramos na ambulância, e a garota, tomando soro já, quebrou a clavícula, aí processou ele, teve os desdobramentos, saiu no jornal, nas revistas de fofoca, foi notícia isso aí. Foi muito engraçado, tirando o lance da garota, a cena foi muito engraçada, correndo no meio da multidão, o povo abrindo, aquele negão correndo, ninguém entendendo nada. Ele continuou fazendo show, ai depois o que aconteceu, show business é assim, você está em evidência, ai gravamos um disco, ele fez dois discos e eu participei desses dois discos dele, aí a carreira dele foi dando uma decaída. Quando ele começou, o Antônio Adolfo, tinha uma empresa, acho que era Brazuca, montaram uma empresa, armaram o Tony porque tinha a Brazuca que era uma banda, que tinha o Tony Tornado, quando ele apareceu foi um estouro total, desenhou aquele símbolo black power e tal, mas depois teve um declínio, faliu a empresa, compraram um andar inteiro em Ipanema para fazer um puta de um escritório, era um cara viajante, não teve muita sustentação, acho que o Tony também por sobrevivência começou a procurar outras coisas para fazer.

Igor: Vocês todos naquela época tinham alguma ligação com o movimento Black Power dos Estados Unidos. Uma ligação mais politizada.

Hyldon: Assim por exemplo, na nossa turma, não tinha um branco. Eu por exemplo sou neto de negro, minha mãe é mulata, sou meio mulato, o Cassiano também é mulato, o Gerson. Mas nossa turma de soul mesmo, o que a gente buscava, não era igual os EUA. Quando conheci o Cassiano a gente excursionou com os Diagonais, então eu aprendi muita coisa com o Cassiano musicalmente. Ele era amarrado no som dele e eu também. Eu ouvia Aretha Franklin, Ray Charles, essas coisas eu gostava de ouvir. Quando eu conheci o Tim, ele tinha morado lá nos Estados Unidos. O Tim trouxe uma coisa diferente do que se fazia, a parte musical, os vocais, de abrir as vozes, e você fazer seus próprios arranjos, apesar de que todo


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mundo sai autodidata, a gente trabalhava com maestro, com orquestra, não tinha nada de movimento, o Tony até fez essa parada. O Gerson depois que gravou foi muito depois, deve ter uma música minha que ele regravou, e tinha uma onda nos bares do rio, começou com o Big Boy. O Gerson fez uma, preencheu o lance de uma coisa tipo James Brown, que usava umas capas, mas era uma coisa mais de visual para fazer show, não tinha nada de racismo, levantar movimento, a gente queria fazer musica legal, de coração, de alma.

Igor: O Simonal. Qual é sua opinião com relação ao que aconteceu com o Simonal, ao afastamento dele, aos problemas que ele teve?

Hyldon: Ele era muito bacana, muito musical. Tem nego que fala o Simonal era isso e aquilo, ele era um cara que fazia samba. Era um cara que era bom na comunicação com massa, era bom em show, tanto é que ele teve programa de televisão, ai depois teve o Imperial que apareceu com a idéia de fazer um tipo de musica que era Pilantragem, foi em cima de um disco, do Trililopes o meu primeiro disco, era o guitarrista, gravou dois três disco em uma casa na Califórnia, era um trio, ele de guitarra, baixo, batera, ele gravava músicas tradicionais latinas, Besame Mucho, então ele foi a primeira regravação do La Bamba, e a regravação dele era ao vivo, e ele era o “chá pun dun“. Então o que o Imperial e o Nonato criaram aqui no Brasil foi criar o samba com essa batida do “chá pun dun”. Tinha um cara americano que era o Chris Montez. Ai ele pegou Meu Limão Meu Limoeiro, César Camargo Mariano gravava com ele, deu um padrão legal, eu gravei um disco com Simonal também em 78.

Igor: Onde eu quero chegar? Quero saber dessa decadência, teve uma decadência, mas foi em menor escala, queria saber, foi por conta do que?

Hyldon: Acho que a musica até os anos 80 não tinha ainda o jabá e as gravadoras tinham um casting muito grande, a Odeon tinha 100 artistas ,a Polygran, Philips, tinha mais 100, a Warner quando começou tinha um monte. Então o que aconteceu, quando eu gravei eu peguei essa época romântica da rádio. Você chegava e gravava um compacto, o cara descobria a música e começava a tocar na rádio, uma porrada de pessoas surgiram, eu comecei, o Cassiano, ai depois as gravadoras


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começaram com essa parada foi nos anos 80, não foi o declínio da soul, foi um declínio da música de qualidade.

Igor: A disco influenciou?

Hyldon: A disco não, foi em 76, 77, para você ter idéia, eu fui nesse ano pro Eua, eu fiquei uns 6 meses em Nova York, quase 8. Assisti Marvin Gaye, o máximo, meu ídolo, maravilhoso, orquestra. Foi no Apolo teatro, fui duas vezes lá, aí quando eu voltei era febre da discoteca em Nova York. Gravei meu segundo disco, que era de acordo, e o Tim tava preparando um disco para Warner. Isso em 78. Eu gravei uma discoteca chamada Estrada Errada, e o Tim tava preparando um disco para Warner chamado Disco Club. E eu gravei com ele esse disco. A gente fez uma música em estúdio, que era uma discoteca, To afim de voltar, eu fiz o piano em estúdio.

Igor: Você chegou a conviver algum tempo com o Erlon Chaves?

Hyldon: Claro. É que você está falando o negócio do Simonal. O negócio todo mundo conhece a história do homem, que ele estava na repressão, acho que não, isso é um boato que criaram, pegam o nego fazendo sucesso, carro do ano, em Ipanema, e ele era um nego marrento, dava a impressão que ele era um cara metido, seboso, até no jeito de falar, acho que isso aí são as próprias pessoas, as mesmas pessoas que aplaudem são as mesmas que apedrejam, então ai aproveitaram essa brecha que houve, um cara que tinha roubado ele no escritório, ai ele chamou a polícia deu uma dura e era o sócio que tava roubando ele. Ai o cara criou um boato que ele era envolvido no DOPS, e na ditadura você não podia falar, ai vira boca a boca, lenda urbana.

Igor: Por que teve o Erlon Chaves que chegou a ser preso.

Hyldon: Teve o quinto festival da canção ele botou uma loira, ele cantava uma música que acho que era Eu quero Mocotó, do Jorge Ben, ai ele botava umas loiras e beijava no final, ai ele falou uma frase no final, ‘eu beijo essas loiras como estou beijando todas as mulheres do Brasil’. Ai teve militar que se sentiu ofendido. Aí liquidaram com ele, foi um bobo alegre.


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Igor: O Gerson deu uma passagem de como foi a morte dele, que estava no dia com ele.

Hyldon: O Gerson tem ligação porque cantou muito com ele, tinha a banda Veneno, faziam apresentação. Outra coisa, o negócio dos anos 80, acho que a música perdeu muito com a música eletrônica, eu adoro música eletrônica, eu acho bom, não existia música eletrônica, era tudo no instrumento, eram os conjuntos de baile, entendeu, o baile era uma grande escola para o músico, ralar, tocar todo tipo de música no baile, eram quatro horas de baile e você tinha que tocar samba, bolero, tcha tcha tcha, rock roll, o hit do momento, era uma escola muito boa para o cantor também, esse negócio do advento da música eletrônica, você vê por exemplo, na nossa época, não tinha nem afinador de guitarra, se o cara não fosse bom de ouvido, não dava para tocar, a gente gravava com quatro canais, dois, com a orquestra toda junta, músico da Orquestra Municipal, tinha uns microfones mas só tinha dois canais. Acho que caiu muito a qualidade musical e foi na época que as gravadoras começaram a oficializar o jabá, então em 80 começou o jabá, os espaços começaram a diminuir, e a pintar as bandas de rock, que era mais barato para gravar, não tinha mais essa eu e o Cassiano com orquestra, ai tinha o teclado, começou a substituir sopros. Se você pegar a riqueza dos timbres dos anos 70 e 60, apesar que tecnologicamente, depois disso você teve mais tecnologia e menos qualidade. Isso reflete nisso dos espaços ficarem pequenos para os artistas. Para você entender melhor, uma gravadora como a Odeon, O Milton Nascimento gravava na Odeon, e não vendiam porra nenhuma, e os caras mantinham porque eles eram bons, você assinava um contrato de quatro, cinco anos, três anos, não era contrato de um disco.

Igor: Você acha que as gravadoras vão acabar? Porque hoje em dia tem estúdio em qualquer esquina.

Hyldon: A gravadora ainda detém, você sabe o que é jabá, é só ligar o rádio, você vai fazer programa de televisão, até programa merreca, quando eu lancei meu disco fui no Programa Raul Gil, tirei o chapéu e tudo no programa dele, mas ele tava mal, e quando fui agora, tava querendo fazer todos os programas para divulgar o disco,


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fiz até o Ratinho, há anos ele me chamava para ir para lá. Ai eu gravei, fui lá, ai a gravadora tentou me encaixar lá no Raul Gil, e ainda pediu uma grana para gravadora! Mas tem dois tipos de jabá, chegou um ponto que o negócio ficou tão descarado que eles começaram a fazer como se tivessem cedendo um espaço para gravadora. Eu vi a entrevista do jornal da Rede Globo, que já que a gravadora que queria fazer ele fazia. Mas é geral, todas as televisões, todas as rádios, a não ser as independentes, todas tem jabá. A MTV tem audiência, então é interessante o cara colocar um clipe. Qualquer lugar que tenha um programa que tenha sucesso. Tem uma rádio em São Paulo, fui lá quando eu gravei O homem tocava muito, ai eu fui lá à rádio, tava acabando de fechar com a Trama, ai fiz um especial na rádio, as seis horas da tarde, ai um monte de gente pedindo a música de novo, era uma música que tinha a ver com São Paulo, ai quando o meu disco saiu, o cara não tocou minha música, ai eu comentei com o pessoal da Trama, ai eles falaram que só não estão tocando as novas, como pararam de tocar as antigas. Eu tinha um empresário o Cacau, ele foi lá, e o cara falou que a música era muito boa, tinha prova disso, e pediu uma grana, 10 mil. Com esse dinheiro fico fazendo música em casa. 10 mil para uma rádio só, para tocar uma ou duas vezes durante o mês... por isso que esse universo é assim. E o povo que não sabe de nada, “você não vai gravar nada não?” Pô, acabei de gravar! Ainda tem uns espaços na imprensa, a imprensa ainda salva isso, e tem que fazer mais show, para você viver de música. Nos Estados Unidos por exemplo se eu morasse lá eu estava rico com o sucesso que eu tenho, mas aqui no Brasil que é assim. O que eu acho que aconteceu nas gravadoras é que antigamente existia um diretor artístico da gravadora. Existia a figura do diretor artístico. Com o tempo acho que o marketing começou a sobrepor o artístico. Se você pegar os presidentes das companhias, você vai perceber que a maioria vem da área de marketing.

Igor: Eu entrevistei o Dom Salvador quando ele foi no SESC Pompéia.

Hyldon: Quando fui para Nova York eu fui lá ver o Dom Salvador numa casa de jazz, fui ver ele tocando uma canja, lotado, ele era muito meu camarada, ele foi praticamente o fundador da banda Black Rio, praticamente, ele tinha um grupo chamado Dom Salvador e o grupo Abolição depois ele foi gravar em Nova York para


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lá com a Mariah, cantora, mulher dele, ai os órfãos fundaram a Black Rio, que era o Oberdan, Luiz Carlos, Aristides...

Igor: Deixa eu te perguntar, você acha que o soul no começo, a black music no Brasil, virou moda?

Hyldon: Não sei, acho que nem pensei em estilo, acho que nem tinha, nem Cassiano, o que a gente queria fazer era música bacana para cantar. A gente cantava, fazia, com o coração, a alma. A base é isso, você fazer uma música com sentimento. Em São Paulo tinha mais esse movimento que aqui no Rio, porque tinha o Chic Show, esse show que a gente fez no Tom Brasil, você vê negão de classe media, eu tirei foto com o avô, que era meu fã, o filho e o neto. Lá acho que era mais, aqui tinha os bailes da pesada, mas sempre era com branco e preto, até que com o funk veio com esses funks novos, o Marlboro, mas nem é esse lance de negro, é lance de pobre, que paga pouco e dança a noite inteira e se diverte. Já fiz até playback, 4 , 5 playbacks numa noite só, chegava lá sem banda, chegava lá carregado, doente, já sem banda, o Tim teve até um processo que ele não quis fazer. Não é um show.

Igor: Eu lembro que uma vez que a gente conversou por telefone, eu disse que precisava encontrar uma nomenclatura, eu não sei se eu chamo de soul brasileiro, samba soul, o William Magalhães disse para chamar de samba novo, eu não posso pegar e falar assim é isso, eu preciso de uma certa definição...

Hyldon: Acho que é soul brasileiro, com s,o,u. A gente teve muita influência, o Gerson fazia uma coisa de cópia dos americanos. Ele disse que foi lá viu tudo que os caras faziam e passavam para cá. Agora a gente, eu e o Tim, colocávamos nossos elementos nas músicas brasileiras, o Tim gravou Gostava tanto de você que é um samba, é você pegar aquela coisa ali e trazer pro seu universo, não é você simplesmente copiar. Você vê a bossa nova, os caras pegaram as canções, o jazz, músicas mais harmônicas e colocaram a bossa nova. Uma coisa que eu achei muito engraçado, quando o Pixinguinha fez a Carinhoso, a crítica meteu o pau falando que ele tava americanizando a música brasileira. As pessoas têm que rotular até você se plastificar. Eu processo todas as coisas que já me influenciaram, processo aqui, sai


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uma coisa minha. Na nossa época tocava música italiana na rádio, tocava música francesa, hoje em dia a molecada não tem isso. Tem gente que é mais radical, o Antonio Nóbrega, no nordeste, o Suassuna, aquela galera, se você for ver música de raiz nossa, o samba é musica afegã, a própria música nordestina teve influência da música árabe não sei porque. Quando você pegar e ouvir tem coisas parecidas, escalas parecidas.

Igor: A música clássica tem isso. Só para fechar aqui, como esses artistas, o Simonal, como eles se superavam, como era visto isso, você acha que tinha um racismo?

Hyldon: Não cara, acho que não existe um racismo no Brasil, acho que é sócioeconômico. Acho que você pega o Pelé, ou um cara que se dá bem no trabalho. Também vai do comportamento da pessoa. Nessa época o Pelá mesmo nunca sofreu racismo que o Simonal sofreu. Se eu to todo mal arrumado, coroa branquela vai segurar a bolsa. Agora se eu estou de terno, bonitinho, isso não vai acontecer. Eu ia numa boate conhecida high society total, eu chamava o cara, falava que era o Hyldon, e ele deixava eu entrar de tênis. E eu não sou branco, o preconceito é mais econômico que social. Você ganha dinheiro fica até mais branco, você viu que a Negra Lee até afinou o nariz?


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ANEXO 1.7 ENTREVISTA COM TONY HIT’S

Igor: Quem trouxe a soul aqui para tocar nos bailes em São Paulo?

Tony Hits: Ninguém trouxe, a gente ficava sabendo, o Luizão às vezes ia para o Rio e ouvia o que os caras estavam tocando lá, daí ele comprou uns discos na Billboard, que era uma loja que tinha lá no Rio e trouxe James Brown e mais umas coisas para gente tocar aqui. Eu só fui conhecer mesmo o James Brown em 1974. No começo, eu não gostava, eu achava muito barulhento, já que eu, quando tocava em bailes, tocava umas músicas mais comportadas, o samba rock era mais comportado. Eu pensava: ‘eu não posso tocar isso nos bailes’, mas depois de uns três meses nenhum DJ, incluindo eu, ficava sem tocar James Brown nas festas e nos bailes.

Igor: E aqui em São Paulo tinha as bandas de soul nacional que tocavam no bailes também ou era só os DJ’s.

Tony Hits: De vez em quando vinha uns artistas tocar aqui no Chic Show, mas as pessoas não gostavam muito de música brasileira, desse soul feito no Brasil, o pessoal queria ouvir música em inglês, por mais que eles não entendessem, eles queriam ouvir as músicas estrangeiras. Tinham o James Brown, tinha o Jimmy “Ho” Bonne mais para frente, daí vieram o pessoal do ZAP... a década de setenta foi a pior e a melhor década para a música brasileira. A melhor, em termos de produção, muita gente estava gravando disco nessa época. E a pior na divulgação e talvez no resultado final. Agente tocava as músicas brasileiras nos bailes o pessoal parava de dançar, pediam outras, não gostavam muito.


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ANEXO 2 DOCUMENTO OFICIAL DO DOPS

Documento

confidencial

‘www.censuramusical.com.br’

que

extraído aborda

da uma

página possível

da

Internet

representação

movimento black power provindo dos Estados Unidos para o Brasil.

do


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ANEXO 3 MENSAGENS DE CORREIO ELETRÔNICO

Tratam-se de e-mails enviados para pessoas e entidades ligadas diretamente ao movimento de música negra que acontecia no Brasil na década de 1970. Entre os anexos estão: - Mensagem de correio eletrônico enviado para o setor de pesquisas de acervo dos jornais O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde. Outras fontes de jornais e revistas também foram procuradas de modo que suas solicitações fossem realizadas de outra maneira, pessoalmente ou por telefone. - Mensagem de correio eletrônico enviado para a assessoria de imprensa de Nelson Motta, produtor musical e dono da discoteca Dancing Days no Rio de Janeiro, no final da década de 1970. Está em lançamento a biografia de Tim Maia ícone da soul music brasileira escrita por Nelson Motta, parceiro em algumas canções com o artista e amigo pessoal. - Mensagem de correio eletrônico enviado para a assessoria de imprensa da WEA (Warner Music), importante gravadora na década de 1970, foi a principal fomentadora da soul music produzida no Brasil.


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Igor Cruz <igorccruz@gmail.com>

Solicitação - Arquivo Arquivo Regional <arquivo@grupoestado.com.br> Para: Igor Cruz <igorccruz@gmail.com>

15 de maio de 2007 15:31

Igor, Não temos em nosso acervo nenhuma pasta sobre soul music. Temos uma pasta com recortes de matérias publicadas sobre a música norte-americana em geral. Não temos como garantir que os textos das reportagens publicadas tenham resposta às suas perguntas. Caso queria solicitar uma pesquisa sobre esse assunto na década de 70, o custo será R$ 60,00. O custo refere-se ao tempo despendido para a realização da pesquisa, independentemente da quantidade de matérias encontradas. Estou à disposição para outras informações, Att. Rose Tel. 3856-2039 (das 12 às 18 horas)

De: Igor Cruz [mailto:igorccruz@gmail.com] Enviada em: segunda-feira, 14 de maio de 2007 17:44 Para: Arquivo Regional Assunto: Re: Solicitação - Arquivo

Em 10/05/07, Arquivo Regional <arquivo@grupoestado.com.br> escreveu: O arquivo do jornal O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde comercializam todo material disponível em seu acervo. As pesquisas são realizadas por profissionais da casa e são cobradas de acordo com o assunto, tempo gasto pelo pesquisador e valor histórico. Os pedidos devem ser feitos apenas pelo e-mail: ( arquivo@grupoestado.com.br), constando o máximo de informações possíveis para a localização do material, como datas, palavras-chave, assunto e objetivo da pesquisa. O orçamento será feito e enviado para sua aprovação sem compromisso. É importante o preenchimento dos dados abaixo para iniciarmos a pesquisa. Assim que tivermos o orçamento, entraremos em contato. Caso tenha interesse, por favor, envie as seguintes informações para darmos continuidade à pesquisa.

Dados necessários para pesquisa: Assunto: A soul music nacional da década de 70 Pagina: Titulo da Matéria: Música nos anos 70 Autor: qualquer autor


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Veiculo (Estadão/JT): os 2 veículos Data da publicação ou período: à partir de 1970 Outras informações que possam nos orientar na busca: Algo relacionado à dispersão / esquecimento deste estilo musical. O que / Quem poderia ter sido responsável por esta dispersão / esquecimento? Quem ouvia este tipo de música? A perfiferia ou a classe média? Se concentrar nos eixos Rio-São Paulo. Finalidade do uso: Trabalho acadêmico de conclusão de curso / monografia

Dados do solicitante do Pedido: Código do Assinante (Caso seja assinante): Nome do Solicitante: Igor Cruz Empresa (Caso solicitado pela empresa): Cargo / Departamento ou Profissão: CPF ou CNPJ: 21301909874 Endereço: Rua José Mauro Mendonça, 170 CEP: 04475-310 Cidade/Estado: São Paulo Telefone: 11 5560 3819 (res) e 11 5662 9567 (com) E-mail: igorccruz@gmail.com ou igor@interlagos.sescsp.org.br Opção pela forma de recebimento: Correio ( ) e-mail ( x ) fax ( ) pessoalmente ( )

Atenciosamente,

Ricardo Matos CDI / Grupo Estado - Centro de Documentação e Informação OESP CONFIDENCIALIDADE DO CORREIO ELETRÔNICO Esta mensagem, incluindo seus anexos, pode conter informação confidencial e/ou privilegiada. Caso você tenha recebido este e-mail por engano, não utilize, copie ou divulgue as informações nele contidas. E, por favor, avise imediatamente o remetente, respondendo ao e-mail, e em seguida apague-o. DISCLAIMER This message, including its attachments, may contain confidential and/or privileged information. If you received this email by mistake, do not use, copy or disseminate any information herein contained. Please notify us immediately by replying to the sender and then delete it. -http://igorccruz.blogspot.com Igor Cruz - Comunicação e Artes Por favor, considere sua responsabilidade ambiental antes de imprimir este e-mail!


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Igor Cruz <igorccruz@gmail.com>

Entrevista com Nelson Motta Lívia Camello <livia@rinoprod.com.br> Para: Igor Cruz <igorccruz@gmail.com>

15 de maio de 2007 16:36

Olá, Igor. O Nelson está muito ocupado com o novo livro sobre o Tim Maia e pediu que você esperasse um pouco pela entrevista. Enquanto isso você pode ler no site um monte de matérias e entrevistas sobre o assunto. Abraços Lívia Camello Rinoceronte Produções From: Igor Cruz To: livia@rinoprod.com.br Sent: Tuesday, May 15, 2007 3:45 PM Subject: Entrevista com Nelson Motta

Boa tarde, Sou Igor Cruz, estudante do 4º ano de rádio e televisão da UNISA em São Paulo e estou realizando um projeto de conclusão de curso, uma monografia que trata a dispersão da soul music brasileira na década de 70. Gostaria de, se fosse possível, agendar uma entrevista com Nelson Motta para que se possa enriquecer o trabalho, pois é sabido que Nelson Motta, é um dos maiores nomes da produção musical brasileira e, nesta época tinha participação fundada com grandes nomes do estilo musical em questão. Como havia dito, pretendo ir ao Rio de Janeiro, entre o final de julho e início de agosto, nas férias do trabalho, porém, caso haja possibilidade de uma entrevista via TELEFONE, gostaria que me fosse informado o melhor dia e horário para a realização da entrevista. Agradeço desde já a atenção dispensada.

-http://igorccruz.blogspot.com Igor Cruz - Comunicação e Artes Por favor, considere sua responsabilidade ambiental antes de imprimir este e-mail!


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Igor Cruz <igorccruz@gmail.com>

Site Lívia Camello <livia@rinoprod.com.br> Para: Igor Cruz <igorccruz@gmail.com>

17 de maio de 2007 13:06

Olá Igor. O site do Nelson é o www.sintoniafina.com.br . Temos lá um grande material de entrevistas. Quanto ao envio de perguntas, não sei ao certo já que o Nelson está ocupadíssimo com o livro do Tim Maia e não está falando com ninguém por conta disso. Abraços Lívia Camello Rinoceronte Produções 55 (21) 8129 4573 55 (21) 2529 8470 55 (21) 2529 8880

----- Original Message ----From: Igor Cruz To: livia@rinoprod.com.br Sent: Thursday, May 17, 2007 10:04 AM Subject: Site

Lívia, bom dia! Tentei acessar o site "rinoprod.com.br" e não consegui. É esse mesmo o endereço? Outra pergunta: É possível eu elaborar algumas perguntas e enviar para o Nelson Motta, enquanto não realizamos a entrevista? Cordialmente, obrigado -http://igorccruz.blogspot.com Igor Cruz - Comunicação e Artes Por favor, considere sua responsabilidade ambiental antes de imprimir este e-mail!


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Igor Cruz <igorccruz@gmail.com>

Questões para Monografia Igor Cruz <igorccruz@gmail.com> Para: adriana.ramos@warnermusic.com

14 de agosto de 2007 18:04

Cara Adriana, gostaria de, se possível, obter uma posição sobre o e-mail abaixo, conforme nos falamos por telefone há algum tempo. É que o prazo de entrega para o TCC está acabando e estas são informações cruciais para o desenvolvimento do mesmo. Obrigado

Em 03/07/07, Igor Cruz <igorccruz@gmail.com> escreveu: Olá Adriana, bom dia, conforme combinado por telefone, segue algumas perguntas relacionadas ao tema: "Soul Music Brasileira, uma censura diferente". Abaixo, logo depois das perguntas, segue uma apresentação e o objetivo deste trabalho: Como era o mercado fonográfico entre 1968 e 1978, financeiramente falando? Quero dizer, a música gerava lucro durante este período?

Mundialmente falando:

No Brasil:

E a soul music brasileira (Toni Tornado, Simonal, Abolição, Black Rio, Cassiano, Tim Maia e outros artistas que se utilizavam do estilo) gerava lucro para as gravadoras?

Há rumores de que a soul music foi rejeitada pelas gravadoras. Se foi, por influência de quem?

Quais foram os principais responsáveis pela queda de "consumo" da soul music brasileira, tanto no que diz respeito a shows, quanto no que diz respeito à vendagem de discos?

Há a influência da disco para esta queda?

Artistas já populares como Toni Tornado, Wilson Simonal, Cassiano, sumiram das mídias incluindo as gravadoras, qual foi o principal motivo?

As gravadoras sofriam pressão pela censura?


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Qual a classe social que mais consumia discos de soul music brasileira?

É sabido que este estilo musical brasileiro, hoje, é muito bem visto em outros países, como era na época (década de 70)? Estarei no Rio de Janeiro entre 30/07 e 04/08 afim de executar outras pesquisas, caso alguém que possa estar melhor relacionado ao tema estiver disponível, eu também terei disponibilidade.

Agradeço desde já. -Igor Cruz - Comunicação e Artes 11 8308 6969 http://igorccruz.blogspot.com http://acervodoigor.blogspot.com Por favor, considere sua responsabilidade ambiental antes de imprimir este e-mail!


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BIBLIOGRAFIA

- ADORNO, Theodor W. A indústria cultural. São Paulo, TA Queiroz, 1989. - ALBIN, Ricardo Cravo. O livro de ouro da MPB. Rio de Janeiro, Ediouro, 2004. - ARANTES, Antônio A. O que é cultura popular. São Paulo, Brasiliense, 1981. - ASSEF, Cláudia. Todo DJ já sambou: a história do disc-jóquei no Brasil. São Paulo, Conrad Editora do Brasil, 2003. - BAHIANA, Ana Maria. Nada será como antes: MPB nos anos 70. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. - CLARK, Kenneth B. O Protesto negro James Baldwin, Malcolm X, Martin Luther King. Trad. Wladimir Gomide, Rio de Janeiro, Guanabara, Laemmert, 1963. - ILARI, Beatriz. Música, Comportamento Social e Relações Interpessoais. Maringá, 2005. Dissertação, Psicol. estud. vol.11 no.1. Departamento de Psicologia Universidade Estadual de Maringá. - MELLO, Zuza Homem de. A era dos festivais – Uma parábola. São Paulo, editora 34 / 2003. - REIS, Aquiles R. O Gogó de Aquiles. São Paulo, A Girafa, 2004. - SABLOSKY, Irving L., (Tradução: Clóvis Marques). A Música Norte-Americana. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1979. - SHAW, Arnold. The World of Soul. Nova York, Cowles, 1970. - SHAW, Arnold. Black Popular Music in América. New York, Schirmer Books 1985. - SZWED, John. Afro-American Musical Adaptation, in Whitten, Jr., Normam, & Szwed, John, org., Afro-American Anthropology. Nova York, Random House, 1970. - TORRES, Ary, Panorama da Música Popular Brasileira. São Paulo: Martins, 1983. - VIANA, Hermano. O Mundo Funk Carioca. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1988. - WOLFE, Tom, (Tradução: Lya Wyler). Radical Chique e o Terror dos RPS. Rio de Janeiro, Rocco Editora, 1997.


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FILMOGRAFIA

- RAY. Direção: Taylor Hackford. Produção: Stuart Benjamin, Howard Baldwin e Karen Baldwin. Bristol Bay; Universal; 2004. 1 filme DVD (152min), son., color. - 1000 TRUTAS, 1000 TRETAS, RACIONAIS MC’S. Direção: Ice Blue, Mano Brown, Roberto T. Oliveira, Fotos Still, João Wainer. Produção: Sindicato Paralelo Filmes. Cosanostra; 2006. 1 filme DVD (226min), son., color.


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WEBGRAFIA CONSULTADA

ALBIN, RICARDO C. Soul Brasileiro. Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, Rio de Janeiro, 2002. Disponível em <http://www.dicionariompb.com.br/verbete.asp?tabela=T_FORM_C&nome=Soul+Bra sileiro> – Acesso em 20/05/2007. ALVES, TOMAZ. Entrevista com Hyldon, Recife, outubro/2005. Disponível em <http://www.coquetelmolotov.com.br/pt/entrevistas.php?cod=44> –Acesso em 30/05/2007. BAPTISTA, CARLOS A. Entre Scratchs e Tambores (17’23’’). Fundação Cultural Palmares, Rio de Janeiro, agosto/2004. Rádio Novela, arquivo MP3. Disponível em <http://www.palmares.gov.br/005/00502001.jsp?ttCD_CHAVE=242> – Acesso em 09/05/2007. GARCIA, LAURO L. Não Suporto Mais Esse Peso, São Paulo, janeiro/2002. Disponível em <http://epoca.globo.com/edic/20000424/cult1.htm > - Acesso em 03/06/2007. MAXWELL, ROBERTO. Remontando a Banda e o Movimento Black Rio, Rio de Janeiro, novembro/2006. Entrevista com Willian Magalhães. Disponível em <http://www.overmundo.com.br/overblog/remontando-a-banda-e-o-movimento-blackrio-pt-1> e <http://www.overmundo.com.br/overblog/remontando-a-banda-e-omovimento-black-rio-pt-2> Acesso em 13/06/2007. MARTINS, ENIO. Entrevista: Hyldon - Soul Brasileiro, São Paulo, outubro/2006. Disponível em <http://www.hyldon.com.br> - Acesso em 30/05/2007. SANCHES, PEDRO A. Entrevista com Tony Tornado e Hyldon, São Paulo, agosto/2006. Disponível em <http://pedroalexandresanches.blogspot.com> – Acesso em 05/06/2007.


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