Coletânea 03 ideia design

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Caro leitor Expediente: Editor

Chegamos ao volume 3 da coletânea que retrata três décadas importantes do século XX, ou seja, décadas de 70, 80 e agora 90.

Camilo Belchior Jornalista Responsável: Cilene Impelizieri 5236/MG Jornalistas: Ana Cláudia Ulhôa Pâmilla Vilas Boas Projeto gráfico e coordenação gráfica Cláudio Valentin A Coletânea iDeia é uma publicação da

Esse período foi marcado por uma série de acontecimentos que definiram os rumos da história da humanidade e que refletem nos dias de hoje. O final da Guerra Fria, o aumento do capitalismo e a globalização são alguns dos elementos que influenciaram a forma como vivemos hoje. O surgimento do computador pessoal e a disseminação da internet mudaram completamente nossos estilos de vida. O Design e suas manifestações tiveram uma crescente ascensão nas sociedades e culturas espalhadas pelos quatro cantos da terra, influenciando nossos costumes, nossa relação com os objetos e artefatos, ampliando também o design como serviço.

Editora PlexuDesign, patrocinada pelo Grupo Loja Elétrica / Templuz, com veiculação gratuita, não podendo ser vendida. Sua distribuição é feita para um mailing seleto de profissionais das áreas

Como no volume anterior, manteremos as mesmas seções, assim, é possível que você, de posse dos três volumes, possa fazer uma reflexão acerca das mesmas disciplinas ao longo de três décadas.

afins ao design e formadores de opinião. Contato: contato@revistaideia.com

Nosso pensamento é demonstrar como o design evoluiu de uma simples disciplina a um processo sistêmico, interagindo com os demais campos do conhecimento, se tornando cada vez mais multidisciplinar e transversal. Boa leitura. Camilo Belchior


índice 04 Seriados 16 Animação 24 Branding 32 Cinema 40 Fotografia 48 Artes Plásticas 54 Iluminação 60 Moda 68 Projetos 74 Design de Produto 82 Arquitetura

Filme Central do Brasil de Walter Sales Devido à sua importância no período que ficou conhecido como Retomada do Cinema Brasileiro, resolvemos usar esta cena do longametragem para ilustrar o nosso índice.



seriados

por Pâmilla Vilas Boas

A verdade está no passado Arquivo X - sucesso que atravessa décadas

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Arquivo X sintetizou o comportamento de uma geração ao criar os personagens Mulder e Scully que se aproximavam muito das pessoas comuns.


Uma revolução nas séries de TV ocorreu na década de 90: a exibição de Arquivo X, que trouxe à tona medos e inseguranças sobre o fim do milênio. Com grandes referências aos clássicos do cinema, Arquivo X pode ser considerada a série com maior impacto da história e uma das mais definitivas para a construção da cultura de seriados tal como conhecemos hoje. Ainda é um dos títulos mais lucrativos do mercado, com nove temporadas e 202 episódios. Nos anos 90, a série alcançou uma média de 9,3 milhões de audiência por episódio, só nos EUA. A trama tem como foco casos não solucionados envolvendo fenômenos paranormais, tendo à frente os agentes do FBI, Fox Mulder (David Duchovny) e Dana Scully (Gillian Anderson) investigadores de arquivos-x. Mulder acredita na existência de extraterrestres e em paranormalidade, enquanto Scully, uma médica cética, é designada para fazer análises científicas das descobertas de Mulder. Um toque surreal, drama, ironia e humor criaram uma atmosfera obscura e surpreendente. A série retornou em janeiro de 2016 com o mesmo clima, mas com algumas atualizações: os atores Gillian Anderson e David Duchovny estão mais maduros e retomam seus personagens da década de 90. Dana Scully agora é médica-cirurgiã de um hospital em Washington DC, enquanto Mulder está aparentemente desempregado e paranoico. A Fox divulgou recentemente que os dois primeiros episódios da nova temporada já somaram mais de 50 milhões de espectadores ao redor do mundo.

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Paixão De onde vem tanto fascínio pelo seriado? Para a pesquisadora Rita Ribeiro, doutora em Geografia e professora do Programa de Pós-Graduação em Design da UEMG, Arquivo X é o divisor de águas dos seriados televisivos, por ter sintetizado o comportamento de uma geração. “Ele é sensacional porque lida com a teoria da conspiração, que mexeu com o imaginário nessa expectativa da virada do milênio. Sempre tememos essa virada. Além disso, criou dois personagens que são emblemáticos e, ao mesmo tempo, contraditórios: Mulder, que tinha uma fé cega no desconhecido e Scully, que se apegava à ciência, mas com uma religiosidade presente o tempo inteiro”, ressalta. Para a pesquisadora, essas características aproximavam muito os personagens das pessoas comuns. A partir desse novo impulso de Arquivo X, uma nova onda de séries de TV apareceu para materializar essa paranoia de transformação do milênio. “O seriado Stranger Things, lançado este ano, é uma derivação de Arquivo X - pessoas normais que se envolvem com coisas

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alienígenas. Isso povoa o imaginário do humano desde quando surgimos na Terra”, aponta. A densidade emocional do personagem da série é fator fundamental para a identificação do espectador, explica Rita. “O lado humano, as contradições têm que estar presentes durante todo o tempo. O homem não vive somente de heróis perfeitos, porque aí não haveria um ponto comum com o qual pudesse se identificar. É justamente através das falhas e da fraqueza do herói - que ainda assim consegue vencê-las - que nos identificamos e almejamos, como ele, conseguir superar nossas próprias O seriado Stranger Things, lançado este ano, é uma derivação de Arquivo X.

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1 - A série Agente U.N.C.L.E (1964) também marcou a expansão dos seriados mundialmente. 2 - Science Fiction Theater (1955-57) foi uma das séries mais importantes da década de 1950. 3 - Viagem ao Fundo do Mar (1964-68) marcou a produção de seriados na década de 1960. 4 - The Twilight Zone (1959-64) foi uma série de ficção científica produzida na época do surgimento da TV e do desenvolvimento do consumo de massas.

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dificuldades e limitações”, afirma. Para ela, Arquivo X foi uma das primeiras séries a criar uma mitologia que se estendia ao longo das temporadas. Além disso, ela apresentava o “monstro da semana” e também histórias individuais para preencher as lacunas, sem deixar de lado o fio condutor da narrativa.

Do cinema às séries Rita explica que a origem dos seriados remete à própria origem do cinema. Já era possível encontrar filmes em formatos seriados nas décadas de 10 e 20, por exemplo. A pesquisadora explica que diversas séries ligadas à ficção científica foram produzidas, com o surgimento da TV e do desenvolvimento do consumo de massas, na década de 50. Duas séries se destacam no período: Science Fiction Theater (1955-57) e The Twilight Zone (1959-64). Para Rita, os anos 60 também marcaram a produção de seriados importantes, como Viagem ao Fundo do Mar (1964-68), O Agente da U.N.C.L.E. (1964-68) e Star Trek (1966). “É na década de 60, com a ideia de aldeia global, que essas séries começam a se expandir para o resto do mundo. Em 70, ainda há um momento bom de séries, inclusive no Brasil. Em 80, elas vão perdendo esse status e entrando mais os gêneros voltados para adolescentes. Em 90 começa a amadurecer de novo, porque já existe um público de seriados que começa a vivenciar um momento da individualização e do consumo”, ressalta. Enquanto no cinema vivemos uma

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interação rápida com o personagem, no seriado a convivência permite o desenvolvimento de uma relação contínua. “Eu começo a ver o filme, me identifico, sofro, o filme acaba eu fico feliz ou triste. No seriado vai se desenvolvendo um processo de amizade. Você conhece o personagem pouco a pouco, a cada episódio uma nuance diferente. Vamos desenvolvendo uma amizade tão grande que, quando percebemos, estamos torcendo pelo personagem”, relata. Esse processo, como afirma a pesquisadora, permite que o espectador conviva com os dramas a cada semana, ou novo episódio, como se fizesse parte do cotidiano dos personagens. “O telespectador vai conhecendo os personagens, travando uma relação contínua, cada vez mais íntima com eles, à medida que suas histórias são contadas e seu passado é revelado”, explica. Rita aponta ainda que evoluímos muito tecnicamente desde a década de 90, mas que mantivemos o formato e a linguagem que ficou bem estabelecida nesse período. “Esse formato se consolida com Jornada nas Estrelas, em 1960. Em 90 há uma retomada

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A cafeteria de Friends e o cartaz cartaz “I want to believe” no escritório de Mulder revelam a importância do design na ambientação e nos processos de identificação dos seriados.


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desses elementos fundamentais que vamos ver em Arquivo X e vai se disseminando para outras séries com mais propriedade”, revela. Outro fenômeno importante, que começa na década de 90, é saída dos atores de sucesso dos seriados para o cinema. Atualmente, esse processo se inverte, sendo muito mais comum os atores consagrados no cinema retornarem para os seriados. “Eva Green, por exemplo, sai do cinema e vai para uma série. Isso por que o fenômeno das séries volta renovado nesses últimos anos. Em 90, um super star holywoodiano jamais aceitaria um papel em uma série. São linguagens nas quais não há tanta separação como existia na época”, relata.

Geração anos 90 Quem não se lembra do cartaz “I want to believe” no escritório de Mulder? Quem nunca quis ter uma cafeteria como a de Friends em sua rua? O que caracteriza Mulder? O que o torna extremamente crédulo? Para Rita Ribeiro essas perguntas revelam a importância do design na construção dos personagens, na ambientação e nos processos de identificação e diferenciação dos seriados.

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Barrados no baile e Confissões de adolescente foram séries que marcaram a juventude da década de 90.

“Como vou construir um personagem se eu não tenho toda uma ambientação que remeta a ele? De quem é a responsabilidade de construir esse ambiente? Do designer de produção, que retrata a pessoa pelos objetos que a cercam, pelas roupas que usa, por exemplo. A gente pensa em Friends e cria o estereótipo da cafeteria. Era a cafeteria dos sonhos de quem assistia a série nos anos 90. A partir do momento que se cria os personagens, o design entra para dar uma existência real a eles”, ressalta. Barrados no Baile, Seinfeld, Plantão médico, Um maluco no pedaço, Blossom, Sawson’s Creek, Friends, Confissões de adolescente e Sex and the City são algumas das séries marcantes da década de 90. É justamente nessa década que elas ganham ainda mais intensidade, graças ao fenômeno crescente do consumo, individualização e fragmentação de identidades, ainda mais profundo na atualidade, explica Rita. A pesquisadora relata que, a partir da década de 90, com as relações sociais que se encontram cada vez mais fragmentadas, os relacionamentos passam a se estabelecer a partir de vínculos frágeis. E, muitas vezes, mediados pelos aparatos tecnológicos, que o processo de encantamento e sedução dos espectadores pelas séries de TV aumenta consideravelmente. As séries, como um espelhamento dessa nova sociedade, passaram a se especializar mais, de acordo com diferentes grupos e tipos de comportamentos. “Desde

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Um maluco no pedaço e Dawson’s Creek revelam a diversidade de séries do período.

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Sexy in the city, Plantão médico e Seinfeld são exemplos do boom dos seriados na década de 90, período de crescimento do consumo, individualização e fragmentação de identidades.

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Desesperate Housewife para donas de casa até série de mãe, de tudo o que puder imaginar. O universo expandiu muito. Cada pessoa escolhe a família que quer. A democracia de séries que vivemos hoje é fruto de 90 e o povo fala que é a década perdida”, brinca. As séries nunca são feitas por acaso e quando são, não passam da primeira temporada, avalia Rita. Para ela é possível enxergar nas séries o contexto histórico vigente e a geração com a qual quer se comunicar.

“Mulder e Scully são baby boomers perfeitos (geração de pessoas nascidas entre 1946 e 1964). Essa coisa da compaixão, da necessidade de salvar o mundo, o engajamento social e político. Friends expressa muito bem a geração X, marcada pelo individualismo. Um grupo de amigos que você gostaria de ter, mas que não hesita em furar o olho um do outro. Uma característica do período histórico que estamos vivenciando hoje”, completa.

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animação por Ana Cláudia Ulhôa

1990:

a década da tecnologia e da

animação brasileira

Quem não deu boas risadas com Olaf, o boneco de neve que sonha em desfrutar das maravilhas do verão, em Frozen – Uma Aventura Congelante (2003), de Jennifer Michelle Lee e Chris Buck? Ou com Sid, uma preguiça gigante que é repleta de boas intenções, mas sempre acaba metendo seus amigos em confusão, na franquia A Era do Gelo (2002 - 2016), de Carlos Saldanha? Esses simpáticos personagens foram desenvolvidos através uma tecnologia que está cada vez mais comum no cinema de animação, o 3D digital. Apesar de ter sido criado em 1984, com o curta The Adventures of André and Wally B., esse tipo de animação só começou a se popularizar durante a década de 1990.

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Frozen - Uma Aventura Congelante, animação em 3D digital lançada em 2013, e The Adventures of André and Wally B., primeira animação em 3D digital lançada em 1984.

De acordo com Marcos Magalhães, animador e um dos diretores do Anima Mundi, inicialmente os recursos trazidos pela revolução tecnológica dos anos 80 provocaram certa resistência no mercado de animação. “A computação gráfica 3D iniciou o processo, causando, por um período de tempo, uma uniformização indesejável - só era possível fazer animações geométricas, sem muito controle e expressão. Os animadores que não entendiam de informática se sentiam deslocados”. Porém, com o passar do tempo, as interfaces foram evoluindo e tornou-se possível reinserir os artistas no controle do processo. “Os saberes já adquiridos por quase um século de animações artesanais puderam ir sendo incorporados e potencializados pelas tecnologias digitais. O encanto dos desenhos animados clássicos nunca se perdeu, mas levou um tempo para que o público e o mercado pudessem acreditar que filmes feitos no computador pudessem ter a mesma magia e poesia dos clássicos”.

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Segundo Cristiane Faria, mestre em Design de Animação pela UEMG, o primeiro longametragem de animação feito 100% em 3D digital foi Toy Story (1995), de John Lasseter, pelo estúdio Pixar. Porém, antes mesmo das aventuras de Woody e Buzz Lightyear serem concebidas, Cassiopeia (1996), de Clóvis Vieira, já estava sendo produzido. A modelagem do longa brasileiro começou em 1992, mas ele só foi finalizado e lançado um ano depois da animação americana. Independente de vencer ou não a

disputa com Toy Story, Marcos ressalta que Cassiopeia é um filme que já merece a admiração de todos por ter sido uma aventura inimaginável para a época. “Mais do que saber quem foi o primeiro a fazer um longa 3D, é importante observar que os brasileiros assumiram desde essa época, uma posição de criadores de conteúdo próprio e não de simples mão-de-obra ou imitação de estúdios estrangeiros. São muitos os pioneiros na animação brasileira que, no século passado, ainda não contavam com um mercado e uma indústria de animação organizada, o que está começando a acontecer agora”.

Cassiopéia (1996), animação brasileira que disputou o posto de primeiro longametragem em 3D digital do mundo.

Toy Story (1995), animação do estúdio Pixar que foi considerado o primeiro longametragem em 3D digital.

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Frankenstein Punk, curta de animação dos diretores Cao Hamburger e Eliana Fonseca lançado em 1986.

Animação no Brasil Cristiane lembra que a animação no Brasil começou em 1917, com a exibição de Kaiser, primeiro desenho animado feito e exibido no país. No entanto, a falta de investimentos fez com que o setor ficasse estagnado até os anos 80, quando foi realizado um grande programa de incentivo à produção nacional. Nessa época, “a National Film Board Canada e a Embrafilme se associaram e a National mandou equipamento e pessoas para ensinar todos os tipos de animação a 10 artistas de diferentes regiões do país, e no final, cada um deles teve que fazer um filme”.

Tzubra Tzuma, curta de animação de Flavio del Carlo lançado em 1983.

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O ratinho em stop motion do Castelo Rá Tim Bum foi criado por Marcos Magalhães durante a década de 1990.

A animação de Alê Abreu, O Menino e o Mundo (2013), concorreu ao Oscar de 2016 como melhor animação.

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Um dos participantes desse projeto foi Marcos Magalhães. O animador recorda que, naquele momento, ele e outros profissionais que participaram da iniciativa da empresa canadense com a Embrafilme, viviam um período muito produtivo e, após essa oportunidade, acabaram realizando “diversos curtas emblemáticos”, como Meow, Frankenstein Punk, Tzubra Tzuma, Planeta Terra e Adeus.

muito mais do que podíamos assistir aqui na TV ou nos cinemas. A ideia era trazer muita informação e estabelecer contatos com os estúdios, escolas e instituições ligadas à animação no mundo todo. Assim, conseguimos sensibilizar o publico, a imprensa e as instituições locais e iniciar um intercâmbio de quase um quarto de século com toda a animação mundial, com centro aqui no Brasil”.

Porém, a situação da animação no país ainda não era das melhores. Magalhães afirma que, no começo da década de 90, o setor continuou a sofrer com a falta de incentivo, já que o governo Collor extinguiu a Embrafilme e cortou recursos da cultura. Para tentar fortalecer e criar de vez um mercado de animação no Brasil, ele e mais três amigos fundaram o Festival Internacional Anima Mundi.

Após a criação do festival, Marcos relata que houve um renascimento da animação brasileira e a produção cresceu geometricamente, até a virada do milênio. “A estratégia deu certo: além de toda a informação, promovemos oficinas gratuitas e workshops internacionais, o que ajudou a formar animadores de alto nível. Os curtas brasileiros melhoraram de qualidade e aumentaram em quantidade, se tornando maioria no festival. A visibilidade internacional de um prêmio, em um festival, abriu portas para os estrangeiros também. Hoje, a animação brasileira é considerada, lá fora, um verdadeiro fenômeno cultural”.

De acordo com Marcos Magalhães, a proposta do evento era “mostrar que no resto do mundo a animação era uma linguagem cada vez mais poderosa e reconhecida, e que havia

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A Era do Gelo 4 (2012) é dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha

Hoje em dia Para o diretor do Anima Mundi o Brasil está indo de vento em polpa. Ele lembra que além de Alê Abreu ter sido indicado ao oscar de Melhor Animação em 2016, vários outros criadores brasileiros também alcançaram sucesso. Segundo Marcos Magalhães, o país conta com várias “séries que são recorde de audiência em canais de TV a cabo internacionais, e longas premiados e reconhecidos em outros festivais prestigiados”, destaca. O animador destaca ainda que “estamos trabalhando a organização de novas oportunidades de produção e de formação, que é o aspecto talvez

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ainda mais carente do setor, mas que está progredindo bem: cada vez mais universidades e escolas livres estão oferecendo cursos de animação de boa qualidade. Como já conquistamos o status de criadores competentes, a expectativa é de que surjam cada vez mais filmes, personagens e séries originais e de qualidade com o talento brasileiro”. Cristiane Faria também acredita que o Brasil está em seu melhor momento. “Agora, temos a animação gerando emprego, renda, sendo indústria e design voltado para essa questão de construção do produto”.


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Devido à complexidade, uma animação pode demorar anos para ser concluída. Assim como os filmes, ela possui as etapas de pré-produção, produção e pós-produção.

Como é feita a animação Para Cristiane Faria, mestre em Design de Animação pela UEMG, conceder movimento e história a desenhos ou objetos inanimados é criar a ilusão da vida. E para que essa ilusão seja confeccionada é preciso, basicamente, produzir uma sequência de desenhos ou fotos que, a cada quadro, tentem imitar uma fase do movimento. De acordo com a especialista, existem três tipos diferentes de animação, o 2D, o stop motion e o 3D digital. Faria conta que, no primeiro caso, o desenho é feito em um plano, que tem apenas os eixos X e Y. Devido a essa limitação, o animador procura técnicas que tentam falsear uma profundidade. “Tenho que usar recursos da pintura para dizer que uma coisa que está no fundo está mais clara e menor, e uma coisa que está na frente está mais escura e maior”. Já no stop motion, Cristiane Faria explica que, ao invés de desenhos, são usados objetos, que podem ser feitos com os mais variados tipos de materiais, como papel, massinha, plástico ou resina. Para criar a sensação de movimento, o animador posiciona as peças escolhidas como se estivessem se mexendo e as fotografa diversas vezes.

No caso do 3D digital, a diferença está no suporte. “O 3D digital é quando pegamos esse universo e levamos para dentro do computador. Nos programas de animação, é preciso fazer um ring e movimentar esse ring igual um boneco. Só que, ao invés de fazer um movimento/foto, um movimento/foto, um movimento/foto, você tem possibilidades de fazer, por exemplo, um movimento e gerar uma curva de movimentos com algoritmos”. Independente do tipo de animação escolhido e das tecnologias usadas, Cristiane afirma que o ato de animar é um trabalho árduo. “Posso fazer no digital e tirar algumas etapas, mas ainda assim a pessoa vai ter que animar frame a frame aquele personagem. Se forem dois personagens, são dois personagens animados frame a frame. E se tiver mais coisas no fundo, essas coisas também vão ter que ser animadas. Por exemplo, no desenho da Branca de Neve, ela era animada por uma pessoa e os passarinhos por outra, e só depois que eles colocavam tudo junto”.

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A década do intangível

Um novo olhar sobre o valor estratégico das marcas

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branding por Pâmilla Vilas Boas

Entregar experiência que traduza o discurso da marca, é o grande desafio da atualidade, afirma o arquiteto Luciano Deos, fundador, sócio e diretor-presidente do GAD, uma das mais importantes consultorias de marca - branding, design e comunicação da América Latina. Para ele, nesse novo estágio, é preciso um desenvolvimento mais profundo e consistente do branding, disciplina que ganhou força no mundo no final dos anos 90. “A primeira camada, que é o conhecimento, já vencemos. A segunda, que é o reconhecimento, começaremos a trilhar agora”, aponta. Para Luciano, vivemos na economia da experiência, na qual ninguém compra mais apenas um produto ou serviço e sim uma experiência, que geralmente está prometida no discurso das marcas e que, por isso, precisa ser entregue na prática. “Toda empresa se propõe a entregar um produto ou serviço que seja reconhecido como valor. O valor é aquilo que ela declara em sua estratégia. Pode ser mais durabilidade, sustentabilidade etc. Esses conceitos, sintetizados na proposta de marca, têm que ser entregues no dia-adia. A empresa faz um ótimo anúncio e um excelente filme. Daí, o usuário compra o produto, que não o atende adequadamente. Ele liga e a experiência é ruim”, conta.

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Luciano é arquiteto de formação e começou o GAD em 1984, no segundo ano da Faculdade de Arquitetura. Na época, montou um atelier com mais dois colegas, com a proposta de integrar soluções de arquitetura e comunicação visual, com foco em ambientes comerciais. Ele percebeu que, naquela época, as lojas e os ambientes de varejo não conversavam com as diversas manifestações da marca. “Percebi que havia encontrado uma oportunidade. No Japão e EUA as consultorias já trabalhavam com o conceito de total design, uma maneira de trabalhar o design integrado, a mesma linguagem no produto, expositor, loja, fachada, vitrine, embalagens, merchandising, arquitetura, comunicação, o que não deixa de ser um pouco o branding. Comecei a perseguir esse modelo em minha empresa. Uma abordagem pioneira na época”. O termo branding, como o conhecemos hoje, começou a ser utilizado no Brasil na década de 90, explica Luciano. “Em 84 falava-se em comunicação visual, programação, identidade. Antes de 80, por exemplo, não se falava muito em design e sim em comunicação visual”, relata. No final dos anos 90, Luciano percebeu esse movimento do branding e o início das consultorias de marcas se formando, muitas delas, a partir de empresas de design. Era comum, nesse período, os grupos comprarem grandes empresas de design e a transformarem em consultorias de marca. Foi nesse momento que o GAD se muda para São Paulo, já visando migrar de uma empresa de design para uma consultoria de branding.

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O GAD’ criou um Programa Estratégico de Comunicação Interna que estabeleceu diretrizes para o novo “Jeito Gerdau de se Comunicar”. O resultado foi uma comunicação mais simples, próxima, inclusiva e humana.


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Nesse período eles realizaram projetos importantes em telefonia móvel e em distribuidores de energia, nos quais foi possível pensar a marca de forma integrada. “Essas empresas eram lideradas por executivos com experiência internacional e já tinham um olhar diferenciado para a marca. Tivemos muito sucesso com esses trabalhos, além de outros no sul, que nos catapultou a chegar a São Paulo e nos posicionar como uma consultoria de Branding Design. Nos anos 2000, participamos dos maiores projetos de branding do Brasil”. Hoje, a GAD já soma mais de 150 prêmios Cannes Lions, London Design Awards, New York Festivals, IF Design – e uma importante reputação nacional e internacional. “Mais do que estar entre as principais consultorias do mundo, acho que a qualidade do que entregamos está dentro do padrão mundial. Temos uma entrega de alto padrão, talvez estejamos entre as 10 do mundo”.

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A nova arquitetura da marca Herval, criada pelo GAD’, começou com a criação de identidades fortes para os negócios da indústria.

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Novo paradigma Foi na década de 90, como explica Luciano, que se começou a falar em empresas que não produziam, apenas administravam suas marcas. Nesse movimento, o grande paradigma foi a Nike, que cresceu exponencialmente na época com um modelo de negócio em que não existiam fábricas. Empresas como a Nike, a Polo e a Tommy Hilfiger levaram a gestão de marca para outro patamar. “O valor não está em produzir, porque produzir passa a ser fácil com o advento da tecnologia. O valor está no conceito do produto e na gestão da marca. O valor sai do ativo tangível, que são as fábricas e máquinas, e passa para o intangível. Há algo aqui que tem mais valor que aquele carro, aquele prédio, aquela máquina. Tem algo que as pessoas pagam mais e é subjetivo”, explica.

A partir desse contexto, entra um tema novo no mercado que é o branding e o olhar estratégico sobre a marca. Até então, ela ainda era vista como tema de identidade, linguagem estética ligada basicamente ao design. Foi na década de 90, quando algumas consultorias, principalmente na Inglaterra, começam a construir metodologias para avaliar economicamente uma marca, que o mercado começa a compreendê-la como um ativo estratégico de valor econômico. “A função e o valor da marca vão além da identidade, expressão, configuração de uma linguagem e de uma personalidade, elas também passam a ser elementos de valor econômico e, consequentemente, maior valor estratégico. As marcas saem das editorias de arte e design e vão para as editorias de economia e negócio dos jornais”, exemplifica.

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iDeia 90’s >> branding

O GAD’ foi responsável pelo projeto de modernização da marca da Embratel. Sem mudanças drásticas, optou-se pelo caminho da evolução da marca.

Luciano explica que, a partir de 90, vários fatores vão desenhar esse cenário do branding como conhecemos hoje. É a época em que o mundo da tecnologia se “comoditiza”, os produtos passam a ser copiados com muita velocidade e a capacidade de diferenciação das empresas volta-se para o intangível das marcas. “Com esses elementos a questão da marca cresce e os grupos de comunicação organizam as consultorias de branding, juntando designers e estrategistas”, aponta. Para Luciano, o tema do branding está consolidado e até um pouco banalizado. O que é normal, qualquer tema que surge vira novidade, depois se banaliza e, por fim, se acomoda. De um lado a banalização tira o valor e do outro promove a atividade. “Qualquer coisa

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O trabalho do GAD’ foi descomplicar para criar a marca nacional de medicina diagnóstica.


iDeia 90’s >> branding

No processo de revitalização da marca, do produto e da embalagem o desafio do GAD’ não foi apenas modernizar as embalagens, mas sim resolver uma série de variáveis técnicas, sem descaracterizar a origem e credibilidade Lubrax.

que se faça relativo à marca chama-se branding e não é bem assim. Branding é uma palavra que está na boca do mercado e das pessoas. Virou um tema de negócio e gestão de marketing”, avalia.

Luciano Deos é hoje reconhecido como um dos principais nomes em branding. Ao longo de seus 30 anos de carreira, dirigiu e liderou centenas de projetos para empresas como Gerdau, Claro, Petrobras, Vivo, entre outros.

Na contemporaneidade, o grande desafio é empregar o discurso da marca no produto e no serviço. “Nós temos uma visão de branding estruturada em quatro etapas: análise, estratégia, experiência e ativação. As empresas ainda fazem a estratégia e a ativação, mas onde o jogo é decidido, que é na experiência, poucas conseguem empregar. Esse é o grande desafio do momento”, revela.

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cinema por Ana Cláudia Ulhôa

Da derrocada ao retorno “O cinema nacional estava morto e enterrado”. Para o jornalista Breno Lira Gomes o final da década de 80 e início de 90 foi um dos piores momentos para a sétima arte no Brasil. A crise econômica e a decisão do então presidente Fernando Collor de Mello de extinguir a Embrafilme, estatal que atuava como produtora e distribuidora desde 1969, fez com que a produção de curtas, longas e documentários reduzisse drasticamente no país. Porém, os tempos ruins não duraram muito. Já em 1991, o próprio Collor sancionou a Lei de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Rouanet. No ano de 1992, o governo municipal do Rio de Janeiro fundou a distribuidora Riofilme. E em 1993, o novo presidente da república, Itamar Franco, criou uma legislação de investimento específica para a área de cinema e vídeo, a Lei do Audiovisual.

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Central do Brasil, filme de Walter Salles lanรงado em 1998.

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iDeia 90’s >> cinema

A economia brasileira também começava a se recuperar. Para combater a hiperinflação que assolava o país, a equipe econômica de Itamar desenvolveu o Plano Real. Implantado no ano de 1994, o programa modificou a moeda nacional e conseguiu estabilizar os índices econômicos do Brasil. Com um cenário propício a novos investimentos públicos e privados, a realidade da indústria cinematográfica brasileira começou a se modificar. “Quem estava aposentado voltou a trabalhar, surgiu uma nova geração de cineastas, porque apareceram mais escolas de cinema, e regiões do país que você não imaginava que iam fazer filmes, passaram a produzir”, afirma Breno. Além de aumentar o número de longasmetragens lançados ao ano, a qualidade técnica das obras também surpreendeu e o Brasil voltou a chamar a atenção tanto dentro quando fora do país. Carlota Joaquina – A Princesa do Brasil (1995), de

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Central do Brasil foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro e melhor atriz em 1999.


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O que é isso companheiro?, filme de Bruno Barreto lançado em 1997. Também foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

Carla Camurati levou um milhão e meio de espectadores às salas de cinema. Já O Quatrilho (1995), do cineasta Fábio Barreto, O que é isso, companheiro? (1997) de Bruno Barreto e Central do Brasil (1998), dirigido por Walter Salles foram, inclusive, indicados ao Oscar. Segundo Lira Gomes, a principal característica dos filmes dessa época é a vontade de mostrar o país. “No Carlota Joaquina, a diretora está contando uma história nossa. Em Central do Brasil, você tem a câmera do Walter Carvalho andando naquela imensidão que é o Nordeste. Eduardo Coutinho, com Edifício Master, mostra a grandiosidade que é o Brasil num prédio em Copacabana, que tem milhões de pessoas dos mais diversos lugares, com as mais diversas histórias. De 1995 até 2005, os primeiros 10 anos da retomada, acho que a preocupação maior era contar histórias brasileiras, seja com uma adaptação literária, um roteiro original, ficção ou documentário”, diz.

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Edifício Master lançado em 2002 pelo cineasta Eduardo Coutinho.

Cartaz do filme O Quatrilho, de 1995, dirigido por Fábio Barreto.

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No documentário, Eduardo Coutinho retrata o cotidiano dos moradores de um edifício em Copacabana.

Carlota Joaquina, A Princesa do Brasil Entre os longas-metragens que marcaram o período, Breno Lira Gomes destaca o filme de Carla Camurati. Ele conta a história da infanta espanhola,que se casa com o príncipe de Portugal Dom João VI e é obrigada a acompanhar a corte lusitana em viagem para o Brasil. Para o jornalista, Carlota Joaquina, A Princesa do Brasil se tornou importante por ser considerado o marco inicial da retomada do cinema brasileiro, já que foi o primeiro a conquistar novamente os olhares do público e da crítica para o que estava sendo feito no país. Porém, produzir esse longa não foi nada fácil. Carla Camurati conta que seu orçamento foi bem apertado, cerca de R$600 mil. “Na realidade, eu conseguia dinheiro para filmar duas semanas e aí ia a outra empresa, apresentava o material que já tinha filmado, conseguia mais um patrocínio e filmava mais duas semanas. O Carlota era um projeto sustentável, porque, como não havia dinheiro para ir comprando coisas novas, os cenários e figurinos eram reaproveitados o tempo inteiro”. Até a linguagem do longa-metragem foi pensado para que a equipe pudesse gastar o mínimo possível. “O filme tinha uma linguagem que tentava se apropriar dos elementos chave de cada país, para que você pudesse contar a história”. Ele também possuía um narrador, “então, você tem aí a imaginação, podendo te ajudar e não há necessidade de ser realista”. Como tudo no longa, a distribuição também foi feita de forma independente. “O que eu queria fazer com o Carlota era exatamente distribuir um filme como se fosse uma peça de teatro, então a gente ia cidade por cidade. Ficava lá uns dias antes para fazer a estreia, dar entrevistas, era uma coisa que, na época, também não se fazia, que era dar atenção ao Brasil como um todo durante lançamento. Aí, eu e Bianca de Felipe fizemos isso e deu muito certo. Ele ficou onze meses em cartaz, porque era O Quatrilho concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro no ano de 1996.

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Cena com Marieta Severo e Marco Nanini. Carlota Joaquina era um filme histórico com um toque de chanchada.

um filme que a gente fazia fechado, não tinha 500 milhões de cópias. Mas tinha uma média excelente de espectador por cópia”. Depois de lotar os cinemas de todo o país, Carlota Joaquina, A Princesa do Brasil, repetiu o sucesso em vídeo. Em uma época em que as produções brasileiras não ultrapassavam a marca de cinco mil cópias vendidas, o filme de Carla chegou a 20 mil fitas. “Eu não esperava o sucesso que foi, não tinha noção. Mas é impressionante como Carlota é um filme que tem empatia com o público. Ele tem uma coleção de atores que são muito especiais, tanto na comédia quanto no drama, e tem vários momentos muito saborosos”.

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Cartaz do filme Carlota Joaquina – A Princesa do Brazil (1995), de Carla Camurati.

Carla Camurati, diretora do filme Carlota Joaquina – A Princesa do Brazil.

Mesmo com todo o trabalho, Camurati conta que Carlota Joaquina foi um projeto muito prazeroso. O fato de enfrentar dificuldades não é visto por ela como um problema e sim como uma coisa natural da área. Afinal, de acordo com a diretora, fazer cinema nunca foi e nem será fácil. “A tecnologia barateou, mas, ao mesmo tempo, a competição aumentou. Então, cinema é uma atividade delicada e é preciso fazer com muito afinco. Não dirijo há muitos anos exatamente por isso. Um filme requer estudo, foco, porque não é só a dramaturgia do roteiro, é a dramaturgia das imagens, a coordenação da equipe bem focada na construção disso, senão você acaba fazendo uma coisa banal que não vai a lugar nenhum”, conclui.

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Libertação da fotografia A partir dos anos 90 a fotografia se torna imaterial e livre dos dispositivos impressos

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Fotografia por Pâmilla Vilas Boas

Foi a partir dos anos 90 que as fotografias digitais começaram a se libertar de tecnologias impressas e a criar uma nova esfera puramente de imagens imateriais. A afirmação, do pesquisador Peter Lunenfeld, aponta para o impacto global das imagens digitais em nossa sociedade. Professor do departamento de Design | Media Arts da Universidade da Califórnia, UCLA, Peter Lunenfeld é membro da comissão interdisciplinar de Humanidades Digitais e bacharel em História pela Universidade de Columbia, além de Ph.D. em Cinema, Televisão e Novas Mídias pela UCLA. É ainda um dos autores do livro “Digital Humanities” (Humanidades Digitais), publicado em 2012, e autor do “The Secret War Between Downloading and Uploading: Tales of the Computer as Culture Machine” (A guerra secreta ente downloading e uploading: Contos do computador como máquina de Cultura) de 2011. Por fim, Peter é também o criador e diretor editorial do multi-premiado projeto “Mediawork”, uma série que redefiniu a relação entre o discurso acadêmico e o design gráfico, e ainda entre a publicação de livros impressos e internet, em uma interseção de mídia, arte, design e tecnologia. Em entrevista à Revista iDeia, o pesquisador fala sobre a transformação cultural possibilitada pelas novas formas de produção e circulação das imagens fotográficas.

A série “At Any Given Moment” é uma video instalação da artista Rebeca Méndez que explora nossa relação com a natureza mediada pela tecnologia.

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iDeia Design: Porque alguns especialistas dizem que os anos 90 foram um momento histórico tão importante como o próprio nascimento da fotografia? Peter Lunenfeld: Apesar das tecnologias de imagens eletrônicas terem existido por décadas, foi a partir dos anos 90 que as fotografias digitais começaram a se libertar de tecnologias impressas e a criar uma nova esfera puramente de imagens imateriais. Esse desenvolvimento libertou os usuários das limitações econômicas, com respeito ao número de imagens que eram capazes de circular pela cultura, uma transformação fundamental de quantidade em uma nova qualidade, para citar Walter Benjamin. iD: Qual a importância do design nesse processo de incorporação da tecnologia digital na fotografia? PL: O ponto principal, trazendo design e fotografia juntos, com o advento da imagem digital, foi o desaparecimento fundamental da diferença entre

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“CircumSolar, Migration 3” de Rebeca Méndez é um vídeo projetado em escala arquitetônica onde a paisagem marinha pode ser entendida como um código genético para a preservação evolutiva.


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o gráfico e o fotográfico. Texto e imagem puderam ser colocados em camada e entrelaçados por amadores sem nenhum treinamento no que constituía disciplinas de fotografia (enquadramento, contraste, claridade) e design gráfico (tipografia hierárquica, relacionamento de cores, legibilidade). É essa fluidez entre o gráfico e o fotográfico que traz até nós a ubiquidade de coisas, como www.memegenerator.net. iD: Qual o impacto da fotografia digital no design e nas novas mídias? PL: Uma questão melhor poderia ser, “O que, da fotografia digital, que não impacta o design e novas mídias?”. Em outras palavras, o impacto é global. Projeto de identidade visual, mural e instalações de vídeo, o “Tsunami” foi criado pela artista Rebeca Méndez para o restaurante Tsunami Asian Grill em Las Vegas. A proposta da artista é transformar imagens estáticas em campos abertos e fluidos para a experiência visual.

iD: Qual o impacto da fotomontagem em nossa sociedade atual? PL: Penso que queremos nos referir à colagem fotográfica (pois montagem implica no relacionamento temporal de mídias dinâmicas

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como filme e televisão). A colagem é uma parte central de nossa cultura de mídia social, eu diria. Pinterest é explicitamente uma mídia de colagens, mas também é a timeline no Facebook. A timeline não é uma página discreta, como uma revista de fotografia do século passado, é, ao invés, uma rolagem contínua. Nos primórdios do Facebook as imagens tendiam a ser estacionarias, mas agora são dominadas por uma colagem de montagens, para combinar as duas questões. iD: Podemos dizer que vivemos numa era pósfotográfica? PL: Absolutamente não. Nós vivemos em uma sociedade pós-imagens fotoquímicas, com certeza, mas nós nunca fomos uma sociedade tão gravada e capturada como somos hoje. iD: Como você vê a relação do digital na fotografia artística atualmente? PL: Existe arte fotográfica que se preocupa com a história e a estética dos processos fotoquímicos dos séculos XIX e XX; existe arte fotográfica que se concentra no reconhecimento de tecnologias de imagem digital, e também existe uma grande área de trabalho que conecta as lacunas ou as ignora completamente.

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A video instalação “CircumSolar, Migration 1”, de Rebeca Méndez segue uma pequena ave marinha que tem a migração mais longa de todos os seres vivos na terra.


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iD: Qual o impacto do projeto Mediawork? PL: spero que os livros - que combinaram importantes pensadores com grandes designers, para criar o que chamei de bombas da mente teóricas - possam continuar a inspirar pessoas a terem pensamento crítico e experimentarem mídias, além de se transformarem em utilitários do século XXI para fazer cultura que produz significado. iD: Quais projetos você está envolvido atualmente? PL: Fui extremamente felizardo em passar o último ano na Huntington Library, na Califórnia/EUA em uma bolsa de pesquisa. Eu tenho trabalhado em um novo livro sobre as vidas culturais de Los Angeles no século XX.

A fotomontagem como processo em Desgin

Fotomontagens que o fotógrafo Rogério de Souza vem produzindo desde 1990, década em que a interferência nas imagens ganhou um novo patamar.

A cena de fundo é de marte, quando a Nasa disponibilizou imagens em alta resolução do solo marciano. Colada a esse fundo, uma espécie de mulher astronauta dispara sua arma contra o além. O fotógrafo Rogério de Souza, mestre em Design pela UEMG, criou diversas fotomontagens inspiradas em ficção científica, surrealismo e filmes B. Rogério acaba de defender sua dissertação

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de mestrado sobre a fotomontagem digital como resultado de um processo em design gráfico. “Chamo de design por se tratar de um procedimento metodológico. Trata-se da criação da própria imagem como objeto de design. Para chegar a essa imagem, por exemplo, foram feitos rafes, pesquisei um conceito, direção, luz, sombra, figurino, maquiagem, ou seja, elementos que não estavam ali. Tudo isso é planejado e segue uma metodologia de design”, explica. Rogério explica que o processo de montagem fotográfica data do início da fotografia, com a utilização de negativos diferentes e múltiplas exposições em laboratório. Apesar disso, a ideia dessa forma de construção de imagem se aliar ao design ainda não é muito difundida e, durante muito tempo, se criticou esse processo de interferência. “Sempre gostei desse tipo de interferência, desde o analógico, em que eu fazia no negativo. O pessoal

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das artes tinha mais abertura para isso. Havia uma linha de pesquisa na Escola de Belas Artes da UFMG, que era fotografia expandida. Trata-se exatamente de expandir os limites do aparelho, do suporte fotográfico”, afirma. A montagem fotográfica e a interferência nas imagens ganharam um novo patamar com o lançamento do Photoshop na década de 90. O pesquisador ressalta que o questionamento: “mas isso não é mais fotografia” que se fazia nos anos 90, com o advento do Photoshop, era o mesmo dos primórdios da fotografia. “No movimento surrealista no século XIX, faziam-se essas intervenções com exposições em laboratório tão perfeitas, que parece o Photoshop hoje em dia. Com a era digital, não faz mais sentido dizer que não é mais fotografia. Nem a própria fotografia é mais material, passou a ser numérica”, afirma.


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Fotomontagens que o fotógrafo Rogério de Souza vem produzindo desde 1990, década em que a interferência nas imagens ganhou um novo patamar.

O fotógrafo ressalta que, nos anos 90, pela qualidade ainda restrita das câmeras digitais do período, ainda se fotografava em analógico, principalmente em produções comerciais. “Geralmente a fotografia era produzida em analógico, escaneava-se e se trabalhava digitalmente em softwares de edição”, revela. Ele conta que, no período ainda se discutia muito se as câmeras digitais seriam capazes de superar o analógico mas, com o passar da década, as câmeras foram se tornando cada dia mais potentes, o custo reduzindo até desembocar no que vivenciamos hoje. Rogério aponta ainda que, na década de 90, com o avanço tecnológico, muitos afirmavam que a profissão de fotógrafo iria acabar. “Essa ideia também vem do século XIX. Com o advento da fotografia, acreditava-se que a pintura iria acabar. O melhor das câmeras fotográficas é que elas ainda não fotografam sozinhas”, completa.

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artesplásticas por Ana Cláudia Ulhôa

Uma reflexão sobre arte e design 48 48


As obras de Beatriz Milhanez estão entre as mais caras da geração 80. As obras de Beatriz Milhanez estão entre as mais caras da geração 80. As obras de Beatriz Milhanez estão entre as mais caras da geração 80.

Olhar para a cadeira Red and Blue (1917), de Gerrit Rietveld, e não se lembrar das telas repletas de formas geométricas em vermelho, azul e amarelo de Piet Mondrian é difícil. Se deparar com uma lata de sopa de tomate da marca Campbell, na prateleira de um supermercado, e não imaginar a série Campbell’s Soup Can (1962), de Andy Warhol, é quase impossível. Não é à toa que desde a primeira metade do século XX as escolas de design têm se perguntado: “afinal, quais os limites entre a arte e o design?”. De acordo com Giselle Safar, professora de História do Design da UEMG, as primeiras discussões sobre o assunto começaram na escola alemã de design, artes plásticas e arquitetura Bauhaus, em 1919. A partir daí, diversas experiências foram realizadas até chegar à década de 1990 quando, finalmente, o design descobriu como utilizar as influências da arte para criar produtos que unam, de maneira equilibrada, funcionalidade e recursos estéticos.

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Para explicar todo esse processo, a equipe da Coletânea iDeia bateu um papo com a professora, que também esclareceu quais são os pontos de aproximação e distanciamento entre a arte e o design, a influência que cada uma tem sobre a outra e o que tem sido debatido atualmente nas escolas de design espalhadas pelo mundo. iDeia Design: O que aproxima e o distancia dessas duas áreas? Giselle Safar: São dois elementos fundamentais de aproximação. Em primeiro lugar, a arte e o design refletem o contexto no qual estão mergulhados. Por mais que uma arte seja vanguarda, ela está espelhando demandas, anseios, condições tecnológicas, valores culturais

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e o design também faz isso. Nesse aspecto específico, se estabelece uma pequena diferença, porque a arte é potencialmente mais livre do que o design, então, ela pode experimentar mais. O design sempre tem compromissos comerciais ou funcionais. O segundo elemento comum é que tanto a arte quanto o design levam em consideração um série de elementos, que têm a ver com percepção, sensibilidade, estética, valor de gosto. Quando olhamos uma obra de arte de qualquer natureza, falamos sobre formas, cor, textura e fazemos a mesma coisa ao observar em um objeto de design. Isso é levado em conta na hora em que um profissional está realizando um projeto. Então, esses são dois elementos de aproximação muito forte. Agora, o que


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distancia? O objetivo. A arte é feita pelo artista e ele está se expressando. Muito embora seja desejo do artista ser compreendido por um maior número possível de pessoas, ele não precisa disso para fazer a arte dele. A arte já se justifica pelo momento em que ele está se expressando, ou seja, o artista faz arte para ele mesmo. A sociedade vai absorver aquilo à sua maneira, o designer não pode se dar a esse luxo. Designer não faz projeto de design pra si mesmo, ele faz sempre para o outro. Ele faz para a empresa, para o usuário, para a sociedade, então você tem uma diferença de objeto.

Série Campbell’s Soup Can (1962), de Andy Warhol, que é composta de 32 quadros representando as latas de sopa da marca americana Campbell.

iD: E como começa essa história da arte influenciar o design? GS: No século XX, você vai ver isso com uma força maior, justamente porque a arte parte para um vocabulário abstrato, que é mais possível de ser aproveitado pelo design. Quando você tem uma arte como no passado, que trabalha com figuras, isto é, pinturas ou esculturas figurativas de pessoas, guerreiros, deuses mitológicos, já não é tão possível aproveitar. Mesmo porque, estávamos em uma época em que a produção industrial ainda era insipiente, não havia uma produção muito grande, o trabalho ainda era muito artesanal. No século XX, o vocabulário estético de forma, cor etc, que tanto a arte quanto o design compartilham, fica mais fácil de ser aproveitado, porque fica abstrato. Quando chega à arte contemporânea, a partir dos anos 60, em que a arte busca outros suportes e começam as performances, instalações, aquelas manifestações artísticas que quebram os paradigmas, é possível notar que o design não vai aproveitar os elementos estéticos, mas sim o conceito, ou seja, da mesma forma que a arte contemporânea busca aproximarse do expectador, fazê-lo sentir do ponto de vista sensorial e não aquela coisa sublime do sentimento estético apenas, o design também faz isso quando incorpora elementos que incomodam, questionam ou fazem ir além do simples uso. Então, há essa aproximação acontecendo muito forte, seja formal ou conceitualmente, no século XX. iD: Quais as escolas/movimentos que ficaram mais marcados por isso? GS: A Bauhaus é um exemplo muito importante para nós de como é possível apropriar-se dos princípios da arte para utilização no design. Nenhum aluno da Bauhaus pretendia fazer arte quando fazia um trabalho de design, mas eles estudavam por meio da arte. Na aula da Bauhaus sobre materiais, por exemplo, o professor pedia para fazer uma composição, utilizando vidro, madeira, metal. Aí, saía uma composição artística parecendo uma escultura, sem forma definida, mas harmoniosa. O aluno era levado a harmonizar madeira, metal e vidro por meio da arte. Dessa forma, quando fosse projetar um produto que usasse os mesmos

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A Op Art, movimento que explora imagens que geram ilusão de ótica, inspirou diversos estilistas ao longo do tempo.

materiais, ele já teria se habituado, por meio da arte, a lidar com aqueles elementos. Outro movimento muito importante, que mostra essa integração entre arte e design, é o de Stijl holandês ou neoplasticismo. Ele tem uma relação muito forte também. Recentemente, a exposição do Mondrian mostrou isso. Então, isso acontece em vários momentos. No caso da Bauhaus chama mais atenção, porque ali foi transformado em processo pedagógico, mas o tempo todo é possível ver isso acontecer. iD: E o Alchimia e o Memphis? GS: O Alchimia era uma espécie de estúdio experimental, eles não tinham ali, naquele momento, preocupação com a parte comercial ainda, era como se fosse um momento para experimentar novas ideias, mas quando viram o potencial mercadológico que isso tinha, há o surgimento do Memphis. O Memphis vai fazer essa aproximação com a arte, com o lúdico, com todas as linguagens contemporâneas que estavam acontecendo, para poder criar uma identidade diferente do produto e atingir determinados grupos de mercado. Já no Alchimia foi mais uma ideologia, no Memphis já foi um aproveitamento daquela ideologia para entrar em determinados nichos 52

de mercado, que eram, no caso, os das elites esclarecidas, intelectuais, yuppies que começavam a ter um ou outro objeto Memphis como elemento de distinção. iD: Essa edição da Coletânea iDeia tem como temática os anos 90, então gostaria que você me falasse um pouco desse período também. Como ficou essa história em 90, depois que o Memphis começa a perder força? GS: Depois da década de 80, que foi mais ou menos uma explosão dessas linguagens todas, os anos 90, em linhas gerais, foram um período de busca de equilíbrio, em que o pessoal começa a perceber que não podemos transformar o design em algo extremamente tecnicista e que os componentes estéticos, semióticos também são importantes, então, tudo isso é uma herança. Mas, eles abandonam, na maior parte dos casos, essa coisa tipo “oba oba” que estava, essa solução fácil. Por exemplo, os irmãos Campana vão chamar muita atenção, porque continuam explorando esses mesmos valores da década de 80 no trabalho deles. Mas, quantos irmãos Campana temos? A maior parte não está fazendo isso. Por que eles são apreciados? Não é tanto pela qualidade do produto, mas por continuarem um discurso para


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lembrar ao mundo do design que os elementos artísticos, semióticos, lúdicos são importantes. Mas, o grosso da produção dos anos 90 não vai caminhar nesse sentido, vai começar a buscar um ponto de equilíbrio. iD: Em seu artigo “Arte e design – uma relação”, você diz: “Atualmente, os conhecimentos que se referem à arte estão muito presentes nas Escolas de Design, e apesar de alguns equívocos”. Quais equívocos são esses? Quais os pontos positivos e negativos dessa influência da arte no design? GS: Na verdade, a influência seria positiva, só que depende de como se faz essa transposição. Você tem dois extremos. Um deles é quando está preparando profissionais de design, mas enfatiza a arte pela arte e não a arte como instrumento para aprender a equilibrar formas, cores, elementos de uma maneira geral para entender as expressões de cada contexto. Assim, fortalece muito a arte pela arte - isso é errado. Outro extremo é quando há a eliminação total do discurso artístico, que fica uma coisa tecnicista, extremamente funcional. Então, parte para um ou outro extremo, isso depende muito da postura do professor, do corpo docente, da coordenação de um curso. É o tom, é a mão pesada para um lado ou para o outro.

iD: Eu queria inverter um pouco agora. Como você enxerga a influência do design na arte hoje em dia? GS: A influência do design na arte não é só atual. Isso está lá no começo do século XX, no dadaísmo. Quando Marcel Duchamp pega o urinol e transforma aquilo numa obra de arte, ele está pegando um objeto e dando a ele uma conotação artística, ali já há um diálogo bem intenso. A mesma coisa encontramos em outros momentos, quando a arte passa a incorporar o mundo material. A partir do momento que a arte incorpora o mundo material, seja por meio de imagens ou de coisas concretas, ela está se deixando influenciar pelo design. A pop art fez isso, as instalações contemporâneas fazem isso, a arte se apropria dos elementos. iD: Hoje o design consegue lidar com isso de uma maneira mais madura? Como é esse cenário atualmente? GS: O que vejo é um redirecionamento do debate com relação ao design. O debate não está mais no mundo da arte, está nas questões sociais e políticas. Mas o que continuo dizendo é que vai ter gente de todo tipo fazendo essa aplicação (da arte no design) dependendo do tom que é dado nas escolas. 53


Iluminação por Pâmilla Vilas Boas

A peça “As Três Irmãs, de Anton Tchekhov” (1998), iluminada por Maneco Quinderé, usou uma luminosidade bem aberta no palco, criando uma área de luz fechada para destacar os objetos.

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As diversas cenas do Light Design Iluminação é mercado em expansão Em 1986 estreava no Rio de Janeiro a peça “O mistério de Irmã Vap” numa temporada que durou 11 anos. A peça entrou para o Guiness Book como o espetáculo teatral que se manteve por mais tempo em cartaz com o mesmo elenco. Além do recorde e do sucesso estrondoso, a peça foi responsável por transformar a linguagem cênica do período, como revela o iluminador Maneco Quinderé que assina a iluminação do espetáculo. “O mistério de Irmã Vap foi uma nova forma de se contar história pela iluminação”, afirma. Clarear, esconder, iluminar, não iluminar, emocionar, ser um objeto dramático. Para Maneco a luz permeia nossa vida numa influência que vai do material ao imaterial, da existência física à sublimação. “Você pode se emocionar com a luz que entra pela janela. No fundo, tudo gira na influência dessa física que é a luz”, diz. Maneco Quinderé é um dos iluminadores cariocas mais importantes dos anos 80 e 90, transitando entre produções comercias e trabalhos experimentais. Foi autor da iluminação de espetáculos marcantes do período, como Pérola e Melodrama (1995), Tristão e Isolda (1997) e As Três Irmãs, de Anton Tchekhov (1998). O profissoinal se tornou reconhecido pelos espetáculos, shows, desfiles e exposições que vem criando ao longo de mais de 30 anos.

A década de 90 marcou um boom na iluminação cênica. Foi o período em que novas tecnologias chegaram ao Brasil, tornando a área ainda mais dinâmica. “Começaram a chegar os moving lights, mesas computadorizadas, refletores com mais definição, fibra ótica. Até 80 tudo era muito ruim, estático. Com a globalização, começou a equiparação de equipamento”, ressalta. A tecnologia passou a ser digital e as companhias internacionais que vinham ao Brasil, muitas vezes, deixavam o equipamento aqui ou vendiam mais barato. “Antes havia 3 ou 4 pessoas trabalhando com iluminação. Em 90 as empresas se especializaram e começou a vir mais show internacional para o Brasil”, conta. Uma das lembranças de Maneco foi a iluminação do show da cantora Marina, utilizando dois refletores intelabeam. “Era o máximo ter dois daqueles que mexiam. O show do Legião Urbana também foi marcante pelo uso dessas mesas computadorizadas”. Para o iluminador, é completamente diferente fazer teatro e show. “Teatro tem uma linguagem mais atmosférica, o show é mais gráfico, colorido e pictórico. O teatro é mais claro”, ensina. Segundo ele, na década de 90 demoravase uma semana para fazer uma montagem de luz. Atualmente, gastam-se apenas dois dias. “É muito mais rápido e fácil no sentido da infraestrutura. Essa é a grande diferença”, completa.

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O cênico nas residências Em 1999, Maneco abriu um escritório de iluminação em casa com apenas um laptop. Rapidamente, começou a ser chamado para trabalhos em arquitetura e descobriu que havia um mercado grande nessa área. Hoje, ele tem sedes no Rio de Janeiro e São Paulo e, se no começo eram três arquitetos parceiros, hoje são entre 10 e 15 profissionais que pensam na importância da luz em empreendimentos comerciais e residenciais. “Os arquitetos foram tendo noção de que luz era importante e os consumidores ficaram mais exigentes. Novas tecnologias foram lançadas. Tudo conspirou a favor “, ressalta.

Fotos 1 e 2 - A peça “O mistério de Irmã Vap”, assinada por Maneco Quinderé, transformou a linguagem da iluminação cênica na década de 90.

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Ele foi o primeiro no Rio de Janeiro a migrar do teatro para a arquitetura. “Depois saíram Mônica Lobo, Gilberto Franco, Carlos Borges, entre outros. E primeiro a sair das artes cênicas para a arquitetura foi Peter Gasper, que fazia iluminação para a Rede Globo. De teatro, eu fui o primeiro”.


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Inovação Lorena Mattos, gestora de iluminação da Templuz, começou a trabalhar com projetos de decoração e iluminação na década de 1990. Ela explica que, nessa época, a demanda de desenvolvimento de projetos luminotécnicos por um profissional de iluminação ainda era embrionária. Ela tinha um escritório de design de interiores que realizava reformas com foco no detalhamento de mobiliário, revestimento e a iluminação ficava em segundo plano. “As pessoas apenas colocavam um ponto central de luz.

Espetáculo “As Três Irmãs, de Anton Tchekhov” (1998)

Não é como hoje, que nos preocupamos com a utilização do espaço, as atividades desenvolvidas, o tipo de luz, os efeitos, no caso de uma iluminação mais aconchegante, por exemplo. Foi no final dos anos 90 que realmente percebi que quem comprava um apartamento pequeno queria geralmente colocar umas lâmpadas dicróicas e chamava um profissional de iluminação para fazer o projeto”, revela. Nessa época, iluminação comercial ainda não acompanhava o estilo e o valor agregado do produto como acontece hoje. “Uma loja de varejo tem uma iluminação chapada e uniforme. Já uma joalheria ou loja de grife tem uma iluminação que acompanha o valor agregado do produto. Hoje, a iluminação conversa com os objetivos da empresa, com o público que quer atingir. Os níveis de luminância de um fast food e de um restaurante são muito diferentes. Há um tempo isso era feito na intuição. Hoje, temos softwares de simulação”, aponta. Para Lorena o mercado do Light Design está em expansão graças à necessidade de eficiência energética, as certificações e o desenvolvimento tecnológico com a evolução do LED. Nesse contexto de constante transformação, o consumidor precisa de profissionais capacitados para realizar projetos que otimizem os custos. Além disso, os processos de automação também vêm se tornando, a cada dia, mais acessíveis, com infinitas possibilidades de interação com a iluminação.

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“Essa ideia do final de 90, de ligar a banheira pelo celular não compensa. Hoje, a automação está muito ligada à eficiência e também à praticidade e conforto do usuário. Existe uma série de equipamentos para assistir filme, com a automação é possível ligar tudo e já programar cena de filme, jantar, cena para receber amigos. Com um toque você deixa a luz do jeito que quer. É praticidade”, aponta.

Maneco Quinderé foi autor da iluminação de espetáculos marcantes do período como Melodrama (1995) e Tristão e Isolda (1997).

Outra aplicação da automação, como explica Lorena, é na iluminação de vias públicas e em grandes sistemas de controle e monitoramento de cidades. Nesse aspecto, o LED foi muito importante, uma vez que, com as lâmpadas de descarga era impossível pensar em controle e dimerização de vias públicas. “O LED possibilitou interagir com todas essas tecnologias. No final do ano teremos lâmpadas com IP de controle por wi-fi. A lâmpada poderá enviar email, por exemplo, ou acender às 7 da manhã para te acordar. O usuário mesmo poderá programar uma automação”, explica.

Smart Bulb A gestora cita por exemplo, a Smart Bulb, uma lâmpada bluetoth que já está disponível no mercado e é comercializada pela Templuz, em que é possível controlar a dimerização, RGB e outros efeitos via aplicativo de celular. Ela ainda não é muito conhecida, mas em pouco tempo irá se popularizar no mercado.

Maneco Quinderé é o mais prestigiado iluminador carioca dos anos 80 e 90, transitando entre produções comercias e trabalhos experimentais.

“Nos próximos 5 ou 10 anos não vão mais existir lâmpadas. Já vendemos placas de Led que são uma luminária incorporada. Estamos passando por um período de transição, os clientes estão conseguindo assimilar o uso do painel de Led. A mudança de cultura vai evoluindo com o desenvolvimento tecnológico e redução de custo. Hoje, já é mais barato o painel de Led do que a luminária e a lâmpada. Num futuro próximo as soluções vão estar todas integradas”, prevê.

Lorena Mattos, designer de ambiente e gestora de iluminação da Templuz e do Grupo Loja Elétrica.

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Destaque do verão de 1998 é a modelo Mariana Dias, seminua, toda tatuada e usando lentes de contato brancas no desfile de Lino Villaventura. Foto: divulgação

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Moda por Ana Cláudia Ulhôa

O rosto do Brasil “Faço aquilo que me dá vontade”, essa é a resposta que Lino Villaventura dá sempre em que é perguntado sobre sua maneira de criar. Sem querer estabelecer rótulos, o estilista paraense, que se tornou um dos ícones da moda brasileira de 1990, reflete exatamente o espírito que tomou conta da década. Naquele momento, o mundo tinha acabado de dar início a um processo de globalização, revolução tecnológica e difusão da internet. Tudo isso proporcionou uma mudança no cotidiano das pessoas e uma busca por algo novo. Dessa forma, o período teve, como essência o múltiplo e pôs por água abaixo a ideia de uma moda universal, com um estilo único a ser seguido.

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Nesse contexto, Lino se mostrou dono de uma moda multifacetada, onde o importante era ser original. Ousado, Villaventura optou diversas vezes por materiais que nem sempre são usados nesse setor, como escamas de peixe desidratadas e palha de buriti, ou por misturas de elementos bem distintos, como o da belle époque francesa com o indígena brasileiro. Devido a essa vontade se sempre inovar, o estilista conquistou espaço antes mesmo da moda brasileira se consolidar. Após abrir sua grife em 1982, Lino Villaventura foi convidado para criar figurinos de peças teatrais e filmes, expor em museus e desfilar em feiras, como a World Fashion Trade Fair de 1989. Lino conta que, antes dos anos 90, a moda no Brasil se resumia basicamente a cópias. “Era uma coisa muito descarada. As pessoas copiavam mesmo e achavam até que isso era vantajoso, porque estavam com ideia que a moda era meio importada, então houve essa carga muito negativa de que a moda brasileira era um trabalho de cópia, que não existia na verdade”.

Desfile verão 199 Lino Villaventura Foto: divulgação

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Desfile Lino Villaventura 1994 Foto: divulgação

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De acordo com Villaventura, esse cenário só começou a mudar quando surgiram os primeiros eventos destinados a mostrar o trabalho de novos estilistas. Um exemplo importante é a Casa dos Criadores, que nasceu em 1997 e continua a realizar desfiles e lançar talentos no mercado até os dias de hoje. No entanto, para Lino Villaventura, o divisor de águas da moda brasileira foi o Morumbi Fashion. “Quando o Paulo Borges me apresentou o projeto, em 95/96, do primeiro São Paulo Fashion Week, que na época era o Morumbi Fashion, achei excelente, porque era uma forma de fazer com que a moda brasileira criasse uma identidade”, diz. “O primeiro Morumbi Fashion já mostrou para o mercado quem realmente fazia uma moda com características próprias, personalidade, e os que não faziam sentiram necessidade de fazer alguma coisa diferente, original. Isso foi muito bom, porque aqueceu mais nosso mercado”, completa. Participante assíduo do São Paulo Fashion Week, Lino nunca perdeu uma edição e teve a oportunidade de acompanhar de perto toda a evolução do evento. “No início era uma experiência, mas foi muito bom. Todo mundo que participou chegou com entusiasmo. Com o passar do tempo, foi crescendo bastante e, em meados dos anos 2000, já estava consolidado”.

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Desfile Lino Villaventura São Paulo Fashion Week 2017 Foto: divulgação

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Heranças Olhando para traz e lembrando-se da moda e de todos os acontecimentos da década de 90, o estilista não hesita em afirmar que a maior herança deixada por esse período foi o São Paulo Fashion Week. “As pessoas se voltaram mais para a ideia de fazer um trabalho bem feito, com um bom acabamento, porque você ia para um evento para colocar a cara para bater. Então, era preciso mostrar um trabalho no qual as pessoas prestariam atenção. Esse foi o grande legado que os anos 90 deixaram para a moda brasileira”. Mesmo acreditando que o setor no Brasil deu um salto da década de 80 para cá e que está caminhando no sentido certo, Villaventura acha que ainda é preciso fazer muito mais. “Já estamos começando a criar uma moda brasileira com identidade, ainda falta um pouco, mas teve uma melhora bem forte”, conclui.

Lino Villaventura foi um dos grandes nomes da moda brasileira na década de 1990. Suas criações chamam a atenção pelo uso de materiais diferenciados e criatividade.

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O projeto Residencial Cronos (2014) de Tânia Salles aposta na iluminação para valorizar a decoração e criar diversas cenas no ambiente. A proposta é mesclar a iluminação mais aberta (sanca) e a iluminação pontual (lustres) para uma versatilidade de climas, utilizando sempre o LED

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projetos

por Tânia Salles

“Criei uma decoração limpa, na qual nada sobra ou falta, privilegiando espaços e refletindo o espírito do casal”.

Tânia Sales

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Croqui do projeto Estúdio da Menina. Na época ainda se apresentava projetos com perspectivas à lápis.

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O projeto Estúdio da Menina foi apresentado na primeira edição do Casa Cor Minas em 1995.

Na década de 90 a designer de interiores Tânia Salles já antecipava um estilo de decoração que viria a ser tendência. “Eu já vinha lançando essa linha mais limpa e contemporânea desde 1998 e hoje é o que há em termos de decoração “, relata. A designer está à frente do escritório Tânia Salles Projetos e Decorações há 33 anos, gerenciando e acompanhando a execução de projetos de arquitetura, decoração de interiores e detalhamento de mobiliário personalizado. “Em projetos como o da Casa Cor de 1995 ainda se utilizava perspectivas à lápis. Peguei uma transição das formas de projetar e

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No projeto para a Casa Cor de 1998, Tânia Salles já antecipa uma linha mais contemporânea em decoração.

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toda a transformação de tecnologia. Hoje, ela é incorporada tanto na forma projetual como na casa do cliente”, ressalta. Para a decoradora foi a partir dos anos 90 que a iluminação passou a ser fundamental para os projetos de design de interiores. “Hoje, você não consegue fazer um bom projeto de decoração se não pensar na iluminação, até para valorizar a decoração. A iluminação pode tanto elevar como desmerecer seu trabalho”, completa. 73


design deproduto por Ana Cláudia Ulhôa

Karim Rashid é um designer de produto nascido na Egito e criado no Canadá. É considerado um dos maiores nomes do design atual por sua produtividade e ousadia.

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Karim Rashid: um designer

de seu tempo A beleza da vida está na diversidade e na amplitude de escolhas sobre tudo Três mil peças produzidas, 300 prêmios e presença em cerca de 40 países. Um dos designers mais prolíficos desta geração se formou em 1982, mas só entrou no mercado pra valer em 1993, quando decidiu abrir seu escritório. Sempre antenado, Karim Rashid trouxe para seu trabalho vários conceitos que começaram a ganhar espaço na década de 90 e hoje são considerados fundamentais por quem deseja fazer um design mais alinhado com ideias da contemporaneidade, como sustentabilidade, democratização do design, uso de tecnologia e multiplicidade. Os trabalhos do designer egípcio criado no Canadá são tão diferenciados que impressionam. Com cores vibrantes, formas fluidas e materiais diferenciados, Karim conseguiu atingir diversos setores e desenvolveu projetos que vão de móveis, superfície, utensílios domésticos, iluminação, moda, tecnologia a interiores de hotéis, restaurantes e estações de metrô.

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Cadeira Asym de 1998.

Cadeira Asym criada para a IDEE.

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Algumas de suas peças ganharam tanto prestígio que saíram de seus espaços tradicionais para ocupar galerias de arte por todo o mundo. Um exemplo disso é a lixeira Garbito, criada para a Umbra com o objetivo de dar mais graça e leveza a esse nicho de mercado, e hoje faz parte do acervo do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA). Com mais de 20 anos de carreira e muitas histórias para contar, Rashid lembra, em entrevista para a Coletânea iDeia, como eram o mercado, as criações e principais preocupações dos designers na época em que começou, como está o design atualmente e quais são suas expectativas para o futuro.

A beleza da vida está na diversidade e na amplitude de escolhas sobre tudo

Sofá Planar de 1997.

iDeia Design: Você abriu seu escritório em 1993. Como era fazer design nessa época? Como era o mercado e quais eram as principais preocupações dos designers na década de 1990? Karim Rashid: Minha carreira realmente

começou em 1993 (eu tinha 33 anos de idade), quando me mudei para Nova York. Com vinte e poucos, passei dois anos na Itália fazendo aulas de pós-graduação e trabalhando em um escritório de design em Milão. Essa experiência me fez perceber que queria desenhar objetos poético-artísticos, mas funcionais para a vida quotidiana. Porém, quando voltei para o Canadá, entre 1985 e 1991, trabalhei em um escritório de design, em Toronto, onde fazia design industrial “hardcore”. Eram projetos como maquinaria, equipamentos médicos, ferramentas elétricas, dispositivos de medição a laser, pás de neve, interiores de trem e caixas de correio para o Canada Post. Fiquei desiludido com a profissão e senti que a Itália era o único

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país que compreendia a necessidade da beleza no design industrial. As empresas norte-americanas não tinham respeito pelo design. O design não era tão compreendido como hoje. Resolvi me dedicar em tempo integral à academia e parei de fazer design por dois anos, pois estava cansado do design industrial. Estudei na Ontario College of Art and Design (OCAD), em Toronto, e depois na Rhode Island school of Design (RISD). Eu ia desistir da profissão em 1992, quando fui demitido da RISD. Disseram-me que eu ensinava “filosofia e teoria”, não design. Mas, em 1993, eu me encontrava em Nova York, sem um centavo no bolso e comecei a desenhar objetos romantizando sobre o belo mundo que sempre quis moldar. Quando comecei meu escritório, depois de prospectar mais de 100 empresas, desde Lazy Boy até a Gilette, só tinha um cliente. Criei uma coleção de objetos de mesa para a Nambe, de Santa Fé, que fez muito sucesso. Eles venderam cerca de $3 milhões por ano e entraram em coleções permanentes de museus. Esse relacionamento me deu a confiança de que poderia contribuir com algo realmente significativo e objetos de sucesso para o mundo. Criei a cadeira OH e Garbo Waste para a Umbra em 1995. Eles continuaram a vender milhões e me provaram que os americanos querem design, mas a um preço acessível.

iD: Você diz que as cores são muito importantes em uma obra de design. De onde vem essa paixão? Você acha que isso pode ter sido uma influência do design da década de 1980 e do contato que teve com Ettore Sottsass em seu curso de pós-graduação na Itália? KR: Sempre me inspirei nas cores. Posso me

lembrar de incontáveis objetos que tinha em meu quarto que tiveram um papel importante em minha formação e em minha vida. Todos eram feitos de plástico colorido e brilhantes. Adorava um rádio relógio alaranjado tamanho família, de Howard Miller, um ventilador de mesa azul-claro de plástico, de Braun; um som Claritone de plástico branco; uma luminária amarela de plástico com formato de cogumelo; uma

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Sofá Aphex Couch de 1997.


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cama de plástico branco e um tabuleiro de xadrez de plástico rosa, que se desmontava para facilitar o armazenamento. Era tão inspirado em produtos de plástico amorfos quando tinha doze anos, que pintei meu quarto de amarelo-canário, laranjafogo, rosa-choque e listras brancas para combinar. Lembro-me claramente do cubo otomano de vinil turquesa em nossa sala de estar, complementando uma moderna lareira verde-oliva acetinada – tudo isso justaposto com a abundância de mobílias de madeira dinamarquesa em nossa casa. Quando tinha dezesseis anos, fui à minha graduação vestido de terno de cetim rosa feito sob medida, com o cabelo pintado de

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Detalhe da cadeira 4Infinity de 1998.

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rosa e esmalte rosa nas unhas. Usei sapatos de plataforma suede roxos e relógio rosa. Eu amo rosa techno colors – cores que têm a vibração e energia do mundo digital. Existem milhões de cores, então é ridículo, nesta vida, ter apenas um favorito de qualquer coisa – música favorita, livro favorito. A beleza da vida está na diversidade e na amplitude de escolhas sobre tudo. Amo as cores e não tenho medo disso – Eu as uso para criar emoção nos objetos e nos espaços, para motivar, inspirar, questionar e desafiar, para tocar ou rarefazer a memória pública.

iD: A preocupação com a sustentabilidade dos produtos começa a surgir durante a década de 1990. Como você lida com esse tema em seu trabalho?

KR: A reciclagem está em um paradigma

cíclico agora. Avançou graças às novas tecnologias e aos plásticos responsáveis. Mas, a conservação dos recursos naturais passa pelo uso de menos energia e material bruto durante todo o ciclo de vida do produto – desde seu desenvolvimento e manufatura até seu uso, reuso e descarte. O material utilizado pode conservar mais recursos durante o ciclo de vida dos objetos por conta de suas propriedades. O plástico, por exemplo, é leve, durável e maleável, se comparado com outros materiais. Amo trabalhar com clientes que querem utilizar materiais ecologicamente responsáveis ou praticam a reciclagem no processo produtivo. E agora, há os plásticos orgânicos! Estou obcecado por trabalhar com plástico biodegradável, reciclado, ou

Mesa Tri-Spectra feita para a Zeritalia em 1994.

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até derivados de outras fontes, como milho, açúcar, casca de árvore ou açaí no lugar do petróleo. A lixeira Garbo agora é feita de milho e é biodegradável. A cadeira Snap, da Feek, é feita por 100% de poliestireno e composta por 97% de ar. A cadeira Siamesa, da A Lot Of, utiliza um processo de injeção de Ipê Roxo, uma das madeiras mais exportadas pelo Brasil, especialmente na região amazônica. Sua casca é muito rica em nutrientes medicinais, e se recompõe a cada dois anos. Cerca de 40% é descartada por ter excesso de umidade, mas hoje utilizamos esse excedente para fazer madeira líquida. Mas o público não percebe a diferença. Esses polímeros não utilizam petróleo, então são muito mais sustentáveis. Existem muitos materiais biodegradáveis que tenho utilizado que são incríveis. Então, posso criar um mundo com aparência sintética, escultural e mais confortável, mas com materiais inteligentes e ecológicos.

iD: O desenvolvimento de novas tecnologias mudou a forma de trabalhar e de pensar o design nos anos 1990. Como a tecnologia entrou em seu trabalho? Qual é a importância da tecnologia em seu trabalho atualmente? KR: As pessoas gostam de supor que

o design caminha com as tendências superficiais, mas é a tecnologia que nos move. O design industrial é guiado por designers antenados com as novas tecnologias, sendo eles novos materiais, métodos de produção ou inovações

mecânicas. Então, a inovação no futuro dependerá de como nós, designers, vamos adotar as novidades. Portanto, o design é inseparável da inovação e tecnologia. Meus desenhos são baseados nas mais recentes inovações na fabricação. Já visitei mais de 500 fábricas ao longo da vida, e conheço cada técnica de produção possível. Pesquiso materiais perpetuamente. Além disso, cada cliente apresenta seu próprio desafio e possibilidade. Trabalho com as forças dos meus clientes, se eles trabalham com vidro, fibra de vidro, impressão 3D, madeira, tornos ou moldes, é porque está na cultura deles – e design é colaboração.

iD: Na década de 1990 há aumento da preocupação com a popularização do design. Você também revela essa preocupação em seu trabalho quando cria um conceito chamado “designocracy”. O que é “designocracy”? Como você trabalha para tornar o design mais acessível? KR: Eu utilizo minha filosofia da designcracia

– alto design para todos, não somente para o mercado de luxo, mas para beneficiar as pessoas que vivem o dia a dia. O papel do designer, hoje em dia, é fazer do mundo um lugar melhor, funcional e emocionalmente. Ao substituir a desordem de objetos mal concebidos por outros mais bonitos e adequados, de preferência sustentáveis, ergonômicos, bem-feitos, sensíveis e sedutores, reduzimos o estresse no quotidiano e no ambiente. Todo bom design

Luminária Nearco criada por Karim Rashid para a italiana Artemide em 2011.

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Jogo de xadrez Orange & Green, criado em 2002.

Zontik, porta guardachuva desenvolvido por Karim Rashid para a Casamania.

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deve substituir três designs piores, para cortar o desperdício, construir uma relação de longa duração com os consumidores e reforçar o valor da marca. Designers têm o poder de moldar um mundo melhor, mais inteligente, que simplifica e inspira todos os indivíduos, para criar produtos bem-feitos e bonitos acessíveis a todos.

iD: Depois de todos esses anos trabalhando como designer, como você acha que o design evoluiu de 1990 até os dias atuais? KR: O mundo aceita melhor o design agora.

Está mais atento à sua presença e como ele afeta nossas vidas. Evoluímos para a era do casualismo. Nossas vidas estão focadas no conforto, tranquilidade, fluidez e tecnologia. O planejamento de cozinhas abertas iluminou o cômodo. O quarto precisa ser tão bem decorado quando o resto da casa – ele deixou de ser meramente um local de trabalho. Esse casualismo moldou os espaços, de forma que o virtual e o físico se confundem, onde o luxo é bem-estar e os novos confortos prevalecem.

iD: Como você vê o futuro do design? KR: Vejo o futuro do nosso mundo estético

cruzando todas as disciplinas estéticas, para que o design, a arte, arquitetura, moda, alimentação ou música se fundam para incrementar nossa existência e trazer mais prazeres para nossa vida material e imaterial. Nossas motivações devem se focar em torno da memória coletiva consciente e no desejo de preencher o mundo com ideias que transitem entre a arte e a vida. O maior desafio é fazer com que o mundo (consumidores, fabricantes, revendedores) aceite o tempo em que vivemos! Espero que o público se sinta presente e olhe para o mundo com olhos contemporâneos. A natureza humana tende a olhar para o passado, onde se sente mais confortável e com o que lhe é familiar. Meu desejo real é ver pessoas vivendo no modus do nosso próprio tempo, vê-las participando do mundo contemporâneo e libertá-las da nostalgia, das tradições antiquadas, rituais antigos e dos paradigmas kitsch sem sentido. A nova cultura demanda novas formas, conceitos, materiais e estilos.

Peça da série KX criada em 2007 para a Aitali.

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arquitetura

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por Pâmilla Vilas Boas

A versatilidade do drywall no projeto Casa no Príncipe Real dos arquitetos portugueses Vasco Correia e Patrícia Sousa.

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Uma

construção mais

criativa

Difundido na década de 90, o drywall possibilita maior versatilidade e liberdade no processo construtivo Maior rigor no projeto, flexibilidade, economia, sustentabilidade, otimização da obra. São muitas as palavras mágicas que vêm possibilitando a expansão do mercado do drywall em projetos arquitetônicos. Tecnologia que se difundiu no Brasil na década de 1990, com a abertura do mercado, vem se tornando a cada dia mais fundamental em qualquer tipo de construção: dos espaços comerciais às residências. O drywall, que em português significa parede seca, é um sistema composto por placas de gesso revestidas com cartão, em uma estrutura formada por perfis de aço galvanizado. Pode substituir paredes, tetos e revestimentos em qualquer tipo de construção. Nesse sistema, as paredes são mais leves e têm espessuras menores que as de alvenaria. Além disso, essa tecnologia é limpa, gerando apenas 5% de resíduos (em peso) na obra, contra até 30% dos métodos tradicionais. Carlos Roberto de Luca, gerente técnico da Associação Brasileira do Drywall, explica que a tecnologia é a mesma desde o início de sua produção no Brasil, na década de 1970. Ele relata que foi a partir dos anos 1990, com a chegada das multinacionais europeias - que trouxeram mais tecnologia e aporte financeiro - que o uso da tecnologia se expandiu no Brasil. Outro aspecto importante, como ele afirma, foi o crescimento do financiamento de imóveis: “Isso criou melhores condições para o consumidor adquirir a casa própria. Tudo isso chegou mais ou menos no mesmo momento e criou um clima para que houvesse esse desenvolvimento”.

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Para o gerente, foi a partir da década de 90 que o drywall, inicialmente utilizado apenas como forro no Brasil, começou a ser aplicado como parede e revestimento e entrou também na área residencial. “A grande transformação foi com relação ao uso da tecnologia. No começo era só aplicado em empreendimentos comerciais, pois nesse segmento não havia restrição por parte dos contratantes, ao contrário do que se observava na área residencial. Na hotelaria, por exemplo, há uma grande utilização. Eu diria que hoje ainda existem barreiras, porém, cada dia menores para a entrada do sistema no segmento de residências”, avalia. O arquiteto Sérgio Kipnis, sócio da Kipnis Arquitetos Associados, aponta que, a partir dos anos 90, a maior evolução ocorreu nos complementos utilizados com o drywall para oferecer maior eficiência na obra. “Entre eles, podemos citar recursos como isolamento, acabamento, revestimento, papel de parede, cerâmica, ferragens, soluções mais apropriadas para resolver a questão de caixilharia e batentes, entre outros”, ressalta. Para o arquiteto, há ainda resistência ao uso do drywall, principalmente em áreas residenciais. “Acredito que isso ocorra em função do seu mau uso. Apartamento dividido com drywall, sem isolamento acústico, gera o problema de vazamento de som”, exemplifica.

O drywall permitiu maior rigor na definição do projeto e na execução da obra no projeto Casa no Príncipe Real.

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Já o gerente técnico da Associação Brasileira do Drywall acredita que benefícios, como a racionalização da construção, a agilidade e a redução de custos, vêm estimulando as construtoras a utilizarem a tecnologia em apartamentos e áreas residenciais. “Temos contato com as maiores construtoras do Brasil. A questão não é técnica, o engenheiro não tem dúvidas sobre o desempenho do material. O problema ainda é a área comercial, que tem receio de ter dificuldades na venda”, avalia. Ele explica que, em 2015, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) criou o Comitê Brasileiro de Drywall. O grupo é responsável pela elaboração e revisão de normas técnicas relativas ao sistema de gesso acartonado. “A alvenaria, que todo mundo acha que funciona, não atende alguns requisitos; e o drywall, por sua vez, nasceu querendo mostrar que funciona e que dá certo. Está em seu DNA, e os ensaios realizados comprovam que de fato funciona”, ressalta. Sérgio Kipnis aponta que, à medida que a mão de obra começa a ficar mais cara, a relação de custo da preparação de uma parede convencional e de drywall começa a mudar. “Antigamente, era mais barata a alvenaria. Hoje, se for contar o tempo e a logística, o drywall fica mais competitivo”, ressalta. O arquiteto aponta ainda a necessidade de mudança de todo o mercado da construção. “O drywall ainda é uma exceção com relação a outros componentes de obra”, avalia.

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Arquitetura interativa Para o arquiteto Vasco Matias, sócio da Caramim Arquitetos em Portugal, o drywall permite maior rigor na definição do projeto e na execução da obra. “Enquanto na construção tradicional nos guiamos por dados mais empíricos, com a construção seca pensamos exatamente na estrutura, camadas construtivas, densidade, etc., necessárias para vencer certo pé-direito e alcançar certo comportamento térmico e acústico. A obra é também mais limpa: em vez de roços (abertura na parede destinada a tubos ou cabos) podemos passar livremente as instalações no interior das paredes, pisos, etc. Depois, ao longo da vida da obra, a construção seca é menos propensa a fissuração e patologias do que a construção tradicional”, ressalta.

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Sérgio Kipnis projetou o espaço expositivo da Galeria Millan, em São Paulo, e o principal objetivo era a flexibilidade e possibilidade de remodelar o espaço de acordo com cada exposição. “O drywall que utilizamos na galeria é uma chapa de compensado que dá maior resistência mecânica para o conjunto. Se for preciso colocar um quadro ou uma peça pesada parafusada contra o drywall, tenho essa superfície de madeira compensada. Muitas vezes, mudamos a distribuição das paredes e o layout em função da exposição que vai ocorrer na galeria”, conta. O arquiteto explica que vem utilizando a tecnologia em residências, apartamentos e escritórios também como alternativa para


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vedações. “Ele é muito versátil na distribuição dos ambientes. A forma tradicional de fazer os fechamentos pela alvenaria é muito limitante e o drywall tem um desempenho muito adequado, além de garantir a vedação, o isolamento acústico e térmico”, ressalta. Se o usuário comprou um apartamento de dois dormitórios com uma sala maior e amanhã ele quiser transformar em três dormitórios ou mesmo retirar um, fica fácil com o drywall, afirma Roberto de Luca. Segundo ele, o drywall pode ser usado de forma flexível, além de ser aplicado em paredes simples e forros, permitindo maior plasticidade e criatividade para o arquiteto que pode, inclusive, criar novos usos para a tecnologia.

O arquiteto Sérgio Kipnis apostou no drywall para obter maior flexibilidade no espaço expositivo da Galeria Millan em São Paulo. Foto: divulgação

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Para os arquitetos portugueses Vasco Correia e Patrícia Sousa os requisitos de conforto atuais não mais permitem paredes sólidas. Fotos: Nelson Garrido

Pesquisa do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em 1999, e publicada no artigo do mestre em engenharia civil, Douglas Queiroz Brandão*, revela que, do público que procurava casas e apartamentos, a maioria (65,2%) não conhecia o sistema de chapas de gesso acartonado. Dentre uma série de qualidades apontadas em favor do sistema, a flexibilidade foi citada com frequência, só ficando atrás de custo/ economia, beleza/estética e material bom isolante. “Constatou-se que a possibilidade de flexibilizar os espaços internos é de total importância para a maioria das pessoas que comprariam apartamentos ou casas em que se utiliza o sistema de gesso acartonado. Para 51,7% dos compradores de apartamentos esse item é de muita a total importância e, para 46,2% dos que escolheriam casas, a possibilidade de mudar o projeto é de total importância”, explica no artigo. Já o arquiteto Marcelo Tramontado aponta, em entrevista à Edição de nº 13 da Revista iDeia, que há uma necessidade muito grande de habitações que sejam programáveis, flexíveis e que possam se adaptar a esses diferentes grupos para abrigar os desejos de transformação dos sujeitos e sua interação com o habitar na atualidade. “Ou faço projetos completamente diferentes, ou penso em habitações que não vão ser como as que temos hoje no mercado, com paredes de alvenaria”, afirma. 92


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