Cidades Africanas - Angola

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African The Bestselling Pan-African Business Magazine

BUSINESS An IC Publication

Edição Especial N ° 1

Fazer nascer a ‘Pérola de África’ Nova Cidade do Kilamba: Onde a vida acontece Destino nº1 para o investimento em África Investimento urbano: pode haver benefício social além do lucro? O modelo futuro das cidades africanas Planeamento urbano é agora maior prioridade em África Pensar o espaço urbano como resposta para os conflitos

CIDADES AFRICANAS Angola: um novo e robusto país em construção

Em parceria com o Ministério do Urbanismo e Habitação e United Cities and Local Governments of Africa (UCLG-A) l l

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Pedro Calixto PwC Angola Senior Partner +244 227 286 109 pedro.calixto@ao.pwc.com

Carlos Moutinho PwC Angola Advisory Lead Partner +244 924 811 381 carlos.moutinho@ao.pwc.com

© PwC Angola 2015. All rights reserved. In this document “PwC” refers to PricewaterhouseCoopers (Angola) which is a member firm of PricewaterhouseCoopers International Limited, each member firm of which is a separate legal entity.

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Índice

Cidades Africanas EDIÇÃO ESPECIAL N° 1 WWW.ICPUBLICATIONS.COM REINO UNIDO IC PUBLICATIONS 7 Coldbath Square London EC1R 4LQ Tel: +44 20 7841 3210 Fax: Admin +44 20 7713 7898 Editorial: +44 20 7841 3211 icpubs@icpublications.com www.africanbusinessmagazine. com FRANÇA IC PUBLICATIONS 609 Bat A 77 rue Bayen 75017 Paris Tel: +33 1 44 30 81 00 Fax: +33 1 44 30 81 11 info@icpublications.com www.icpublications.com FUNDADOR Afif Ben Yedder EDITOR Anver Versi a.versi@icpublications.com DIRECTOR GRÁFICO Jason Venkatasamy jason@icpublications.com DIRECTOR ESTRATÉGICO Christian Udechukwu EDITORA ADJUNTA Alexa Dalby a.dalby@icpublications.com

EDITOR DO GRUPO Omar Ben Yedder DIRECTORA GERAL Leila Ben Hassen l.benhassen@icpublications.com DESENVOLVIMENTO VP Saliba Manneh s.manneh@icpublications.com DIRECTOR DE PROJECTOS SÉNIOR Darren Moore d.moore@icpublications.com DIRECTORES DE VENDAS PUBLICITÁRIAS Medrine Chitty Elisée Marie Nick Rosefield PUBLICIDADE advertising@icpublications.com DISTRIBUIÇÃO icpubs@icpublications.com DIRECTOR DE PRODUÇÃO Richard Briggs GANA – DISTRIBUIÇÃO Nana Asiamah Bekoe Tel: +233 21 258058 kwabusek@gmail.com GANA – PROJECTOS ESPECIAIS E PUBLICIDADE Silvia Salvetti Ollennu Tel: +233 24 910 5995 top@topreports.org

EDITORA - VERSÃO PORTUGUESA Joana Simões Piedade

NORTE DE ÁFRICA Néjib Ben Yedder n.benyedder @icpublications.com

COORDENADORA Maria dos Anjos Hooper

IC EVENTS info@ic-events.net

EDITORES ASSOCIADOS Tom Nevin Gerard Choisnet Ridha Kefi Hichem Ben Yaïche Neil Ford

ASSISTENTE EDITORIAL Carole Lambert

ASSINATURAS Abacus e-Media Chancery Exchange 10 Furnival Street London EC4A 1YH Telephone: +44 20 8950 9117 Fax: +44 (0)208 421 8244 icpublications@alliance-media. co.uk www.africanbusinessmagazine. com/main-articles/subs

CORRESPONDENTES Sherelle Jacobs Wanjohi Kabukuru Frederick Mordi Lameck Masina MJ Morgan Richard Seymour Dominique Magada Nasseem Ackbarally

Impressão Headley Brothers Ltd The Invicta Press Queens Road, Ashford Kent, TN24 8HH

CORRESPONDENTE GERAL Stephen Williams

CORRESPONDENTES ESPECIAIS Moin Siddiqi Dr Karamo Sonko Eluem Izezi

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Todas as imagens AFP, excepto indicação em contrário. Registo junto da British Library. ISSN 0142-9345 ©2015 IC Publications Ltd N° DE COMISSÃO PARITÁRIA 0315 K 89343 Mensal: Março 2015 Depósito legal

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Editorial Porquê Cidades Africanas?

65 Arquitectura Vamos construir com alegria

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Ponto de Vista de Especialista Cidades no topo da agenda do desenvolvimento em África

66 Novas Cidades: Luanda Um lugar de dignidade e bem-estar

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A dimensão africana A forma das cidades africanas

16 Entrevista José António Maria da Conceição e Silva, Ministério do Urbanismo e Habitação, Angola 24 Triunfo na transformação Adriano da Silva 26 Indicadores de Angola 28 História Temperados pelo inferno da história 30 Linha cronológica Economia 36 Renascendo das cinzas 42 Alojando o povo 46 Novas Cidades: Kilamba Onde a vida se vive 58 Entrevista Maria Luísa Abrantes, CEO da ANIP 62 Imobiliário Arestas por limar

72 Plano Director de Luanda Desenhando para o futuro As Províncias 74 Uíge: Um futuro cheio de luz 80 Benguela: Linha directa para a prosperidade 83 Cabinda: O “Kuwait” de África Pontos de Vista de Especialistas 84 Quando o bem social está acima do lucro 86 Ultrapassar o legado dos conflitos nas cidades 88 Planear com as pessoas e não para as pessoas 90 Porque a manutenção é vital 94 A dimensão económica da política urbana 96 As cidades e a transformação económica 98 Nota Final Façam-nos sonhar

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SPECIAL ISSUE N ° 1

Building the ‘Pearl of Africa’ Kilamba New City: Where Life Lives Africa’s hottest investment destination Urban investment: Social good over profit? The future shape of African Cities City planning now top African priority How cities can heal urban conflict

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Angola: Constructing A Bold New Country

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E D I TO R I A L

Foi em Abril de 2013, durante uma conferência sobre infraestruturas urbanas na Cidade do Cabo, organizada pela IC Events, que tomei conhecimento do que parecia ser um projecto de habitação gigantesco ao nível nacional e estava a ser conduzido pelo governo de Angola. Por Anver Versi

Porquê Cidades Africanas?

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osé António Maria da Conceição e Silva, o Ministro do Urbanismo e Habitação de Angola, que estava a participar na conferência, informou os delegados de que o país, agora a gozar de paz praticamente pela primeira vez desde a sua independência em 1975, tinha posto em marcha um programa para construir cerca de um milhão de casas novas até 2017. Isto, declarou, estava a acontecer em resposta à falta aguda de habitação condigna para os milhões que tinham sido deslocados pela guerra e que agora viviam amontoados em vastos musseques, na capital, Luanda, e noutras cidades, tais como o Lobito, Benguela, Uíge, entre outras. Mas a falta de habitação, amplificada várias vezes pela quase total ausência de crescimento das infra-estruturas durante os anos da guerra, afectava todos, incluindo funcionários públicos e profissionais essenciais, que iam desde os professores aos médicos, dos mecânicos aos comerciantes. O que o ministro estava a descrever era algo de que todos os delegados africanos, e sem dúvida também de outros países em desenvolvimento, tinham perfeita consciência. As cidades africanas, na sua maioria construídas de acordo com especificações coloniais, para agendas coloniais, não eram, de uma maneira geral, adequadas para a sua finalidade. A população de África tinha crescido enormemente ao longo do quase meio século decorrido desde a data das primeiras independências. O fluxo ininterrupto de pessoas vindas das áreas rurais em direcção às luzes cintilantes e às oportunidades oferecidas pelas cidades, pelo menos nos seus desejos e aspirações, tinha-se tornado uma torrente humana. O campo estava a ‘despejar-se’ nas cidades, mas os espaços urbanos, rigidamente espartilhadas por fronteiras reais e artificiais de uma época há muito passada, eram incapazes de se expandir. De certo modo, as cidades explodiram e as novas

e gigantescas populações espalharam-se com um ímpeto incontrolável – e musseques húmidos e fétidos propagaram-se como tumores malignos. Mas este fenómeno não se restringia a África. Há dois séculos, Londres e Paris eram compostas em grande parte por bairros de lata igualmente desagradáveis e infectos. Só temos que ler as obras de Charles Dickens (Oliver Twist, David Copperfield, por exemplo) para sermos mergulhados num mundo escuro, no qual a doença e a penúria predominavam. Foram encontradas soluções e estas cidades fazem agora a inveja de muitas outras capitais, apesar de continuar a existir zonas em que a decadência e a miséria urbana ainda levantam problemas colossais cujas soluções exigem consideráveis doses de engenho e criatividade. Há meio século, foi a vez de a Ásia se debater com a expansão e explosão demográfica das suas cidades. Algumas, como Mumbai, Calcutá e Daca, para citar só algumas, estão ainda a travar uma batalha cerrada para tornar as suas cidades habitáveis para além dos poucos e pequenos oásis protegidos e controlados pela riqueza. Outras, como Singapura, Tóquio e Seul, por exemplo, transformaram-se em metrópoles maravilhosas para os seus cidadãos viverem, trabalharem e se divertirem. E depois, claro, temos a China. Quase 55% da sua população total de cerca de 1,5 mil milhões de habitantes (20% da população mundial total) vive agora permanentemente nas cidades. Durante décadas, os chineses tentaram estancar o movimento para as cidades, mas todos os obstáculos que colocaram a essa migração foram contornados. Depois, em vez de lutarem contra esse impulso, passaram a apreciá-lo e agora estimulam até a movimentação para os centros urbanos. Os chineses descobriram, tal como muitos outros antes deles, que as cidades são verdadeiramente uma fonte de criação de riqueza. As populações apinhadas, a intensa luta pela sobrevivência e a pressão implacável para ter sucesso e triunfar parecem cristalizar o pensamento e produzir ideias geniais que fazem emergir novas invenções quase de hora a hora. Em dois dos países mais ricos do mundo a situação é reveladora: no Reino Unido verifica-se que menos de 10% da população vive em áreas rurais; e nos Estados Unidos, os agricultores representam entre 1 a 2% da população total – uma indicaçãoo clara de que as cidades podem, por assim dizer, transformar pó em ouro. A China tem vindo, obviamente, a colher os benefícios do seu programa de urbanização e está agora a par dos Estados Unidos na corrida para o título da maior economia mundial. O planeamento, desenvolvimento, execução e gestão das “novas cidades” da China (construídas sobre o esqueleto de antigas conurbações como Pequim, Xangai e Nanjing) são agora tópicos para cursos de urbanismo em todo o mundo. Estas cidades acabaram com o mito, que circulava há demasiado tempo, de que as cidades simplesmente evoluem e adaptam-se gradualmente e apenas exigem uns pequenos ajustamentos aqui e ali. De facto, os centros urbanos evoluem e adaptam-se, mas frequentemente acabam por ser uma colecção vasta, caótica, ineficiente e perigosa de guetos. A vida é uma luta constante e uma batalha diária e todas as economias de escala que as cidades proporcionam são desperdiçadas e, na sua maior parte, engolidas pelo caos e ineficiência que lhes são intrínsecos. As cidades que se tornam disfuncionais são de facto um viveiro de convulsões sociais – dando origem a uma epide-

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A n ve r

Ve r s i

Devo admitir que, embora estivesse ciente de que existia “um projecto de desenvolvimento urbano” em Angola, não tinha de facto quaisquer pormenores sobre o mesmo. A barreira linguística e cultural (sendo Angola um país de expressão portuguesa) e o facto de não ter um correspondente no país tinham lançado um manto de ignorância sobre o que estava realmente a acontecer naquele país. A única referência que tinha visto sobre o programa tinha sido um pequeno e afectado artigo, no website da BBC, sobre um dos novos centros urbanos, Kilamba, representada como uma “cidade fantasma”, sem quaisquer habitantes.

Uma campanha ao nível de toda a África

mia de criminalidade, violência, vandalismo, ignorância, raiva, desemprego, extremismo e um niilismo que procura destruir tudo o que contempla. As cidades são na verdade espadas de dois gumes, que podem talhar um novo e brilhante futuro ou que podem virar-se contra nós e cortar-nos aos bocados. Exemplos de ambos são o conteúdo básico dos nossos noticiários mundiais no dia-a-dia.

Tudo provém da cidade

Não é exagero nenhum dizer que não há outro aspecto da vida moderna hoje em dia que seja mais importante que o estado da urbanização em qualquer país africano. Todos os outros sectores económicos avançam ou regridem em relação directa com a condição das cidades. Mesmo a agricultura, que tem sido alvo de tanta atenção, em última análise, depende da saúde das cidades, pois estas constituem o mercado principal para o escoamento dos produtos agrícolas das áreas rurais e é nas cidades onde reside o financiamento, equipamento e investigação que tornam a agricultura eficiente. Não admira, portanto, que a situação das cidades africanas esteja, como nunca, a ser o foco das atenções das mentes mais brilhantes em África. A questão é urgente, pois não é possível encerrar uma cidade para obras, e seja o que for que tenha que ser feito, tem que acontecer com o mínimo de ruptura possível para a vida quotidiana. Mas não restam dúvidas de que é preciso agir em todo o espaço do continente africano. Foi com estas preocupações, e as outras mencionadas acima, em mente que os delegados, que incluíam ministros do urbanismo e habitação, presidentes de câmara, arquitectos, engenheiros, economistas, financeiros, especialistas sociais e culturais, urbanistas, autoridades civis e outros especialistas, se reuniram durante a 1ª Conferência sobre Infra-estruturas Urbanas em África, na Cidade do Cabo, que mencionei no início deste artigo. Durante os debates nesta conferência o ministro José António Maria da Conceição e Silva informou-nos sobre o projecto de renovação urbana em massa do seu país, que incluía talvez o mais ambicioso programa de habitação pública jamais visto em África.

Acima: Construção na área da Baía de Luanda.

Quando o ministro nos disse que milhares de unidades habitacionais tinham já sido construídas e outras mais estavam a decorrer, ficámos cépticos. José Silva convidou-nos a visitar Angola e ver por nós próprios o progresso alcançado. O convite foi entusiasticamente aceite pelos delegados e rogou-se ao ministro que trabalhasse no sentido de realizar a segunda conferência sobre infra-estruturas urbanas africanas em Luanda. Se a realidade correspondesse mesmo ao que entrevíamos pelas suas palavras, poderiam existir lições valiosas a partilhar com o resto de África. Sentámo-nos com o ministro, no decurso de um jantar privado, e debatemos os pormenores da próxima conferência. Comentei que a rapidez e resolução com que o ministro tinha tomado a decisão eram verdadeiramente impressionantes. O ministro José António Maria da Conceição e Silva, um homem que claramente escolhe as suas palavras com cuidado, disse que não havia tempo a perder – a questão era demasiado importante para a África para permitir quaisquer hesitações. Entretanto, o ministro sugeriu que visitássemos Angola, para comprovar o desenvolvimento que o país já tinha alcançado, e escrevêssemos um relatório especial sobre o assunto. Mas, quando nos preparávamos para levar uma pequena equipa a Angola, criou-se outra dinâmica, pois vários outros peritos deste domínio começaram a mostrar um interesse considerável. Cerca de um mês mais tarde, durante o Fórum sobre Liderança, em Nova Iorque, sentámo-nos com Jean Pierre Elong Mbassi, o secretário-geral do Cidades Unidas e Governos Locais-África (CUGL-A), que nos tinha apoiado em todas as etapas do planeamento e organização da conferência sobre infra-estruturas urbanas. Mbassi sugeriu que a questão das cidades era tão crucial para o desenvolvimento de África que merecia uma revista própria, ainda que sob a alçada da African Business. Concordámos e esta é a primeira do que esperamos venha a ser uma série de revistas dedicadas às Cidades Africanas. Nesta edição, concentramo-nos principalmente em Angola e nas suas Novas Centralidades, mas situando o país no contexto geral africano. Situamos também o programa de renovação urbana no contexto da história e economia do país – as cidades sustentáveis não devem, e na verdade não podem, ser criadas isoladamente das realidades sociais, políticas e económicas de que nasceram. Angola é um vasto país e, como é óbvio, não foi possível à nossa equipa viajar para todo o lado ou ver tudo. Destacámos, portanto, os projectos que melhor caracterizam o programa e adicionámos as opiniões de vários peritos angolanos e internacionais, para conferir uma dimensão adicional à cobertura. Esta primeira edição da Cidades Africanas constitui o nosso humilde contributo para o debate essencial e urgente sobre como criar as grandes cidades dos nossos sonhos. n

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P O N TO

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E S P EC I A L I STA

Cidades no topo da agenda do desenvolvimento em África Daqui a menos de 10 anos, a população urbana em África deverá triplicar e chegar à marca dos 1,2 mil milhões – quase o mesmo número de habitantes que a população total do continente hoje em dia. A necessidade de planear um desenvolvimento urbano eficaz é, portanto, urgente e constitui uma prioridade máxima. Por Jean-Pierre Mbassi, SecretárioGeral, United Cities and Local Governments of Africa (UCLG-A).

A

África tem passado por mudanças populacionais ao longo das últimas duas gerações. A sua população passou por uma rápida urbanização durante os últimos 50 anos, sendo principalmente rural na altura das independências, nos anos 60, e chegando ao ponto de a percentagem da população urbana em 2010 ser, segundo as estimativas, de 40% da população total, com uma taxa de crescimento média de 5% ao ano. A este ritmo, em menos de 10 anos, os peritos estimam que a população da África será maior que a população total da União Europeia e a população urbana total da América Latina e das Caraíbas; e que o continente africano entrará na “era urbana” cerca de 2035. Este ponto marca o limiar em que a população urbana representará a maioria da população total do continente. Entre 2010 e 2050, a população urbana de África deverá triplicar, de 400 milhões para 1200 milhões de pessoas, o que significa que o equivalente da actual população total do continente – ou um quarto da população urbana mundial – viverá nas cidades africanas. Esta é uma das

importantes transformações do continente que necessita de ser urgentemente tomada em conta. A rápida urbanização é, sem dúvida, um dos factores que explicam a dinâmica da continuada democratização do continente africano, um processo que é muitas vezes acompanhado pela descentralização. A um nível político e institucional, isto traduz-se na emergência de autoridades públicas, responsáveis pela governação local, na vanguarda da gestão do desenvolvimento urbano. Isto acontece, particularmente, em termos do acesso aos serviços básicos, promovendo o desenvolvimento económico e melhorando o ambiente e condições de vida da população. A urbanização está também no cerne da transformação económica do continente. As cidades contribuem já com mais de 60% do PIB africano para uma população que é de um pouco menos de metade da população total africana. As cidades são, portanto, centrais na transformação estrutural do continente, porque o seu atractivo e competitividade dependerão do atractivo e competitividade das economias africanas. As cidades devem, portanto, ser consideradas como o cenário em que viverão futuramente as populações africanas, à semelhança do que acontece no resto do mundo. São o centro da maior parte das actividades industriais e tecnológicas e o principal ponto de ligação das várias regiões e países de África com a dinâmica da economia global. Como são mais densamente povoadas que as áreas rurais, as cidades permitem um acesso mais fácil e contínuo de um maior sector da população a serviços essenciais e, simultaneamente, a um ambiente e condições de vida melhores. As cidades estão também no âmago dos

desafios da democracia e da cidadania. Riscos de uma urbanização não planeada Sabemos também que uma urbanização não planeada contém riscos e apresenta desafios às populações e aos decisores, em termos de: concentração de pessoas economicamente desfavorecidas em áreas urbanas que estão subequipadas ou são inadequadas para habitação; discrepância entre o crescimento da população e as oportunidades para o desenvolvimento das actividades económicas e empregos, especialmente para os jovens; gestão e acompanhamento dos fenómenos migratórios; agravamento da desigualdade e discriminação de todos os tipos. A estes factores acrescem os desafios de manutenção da inclusão e coesão social entre cidadãos; de conseguir o cumprimento dos requisitos para o desenvolvimento sustentável e a boa governança; e a promoção da democracia e cidadania. É, portanto, crucial para o futuro dos países africanos e do continente no seu todo que a questão da rápida urbanização e das cidades seja vista como uma das prioridades nas políticas e estratégias de desenvolvimento e na transformação estrutural da África. Na qualidade de organização dedicada à promoção da descentralização e do papel das autoridades locais e regionais no desenvolvimento da África, a United Cities and Local Governments of Africa (UCLG-A) saúda o lançamento de uma revista trimestral dedicada às cidades africanas. Esta publicação surge com o objectivo vital de estimular a reflexão e fomentar o intercâmbio de ideias e experiências sobre a gestão da urbanização em África e nas suas cidades e territórios. n

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D I M E N S Ã O

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As cidades africanas estão a crescer a um ritmo sem precedentes, criando oportunidades comerciais enormes mas, também, grandes desigualdades e potencial para o surgimento de tensões sociais. A criação de ambientes urbanos que satisfaçam as necessidades de residentes e investidores constitui um desafio importante para os governos africanos.

O modelo das cidades africanas Megacidades de África 2015 População

Algiers, 1.6m Casablanca, 3.0m

Cairo, 11.0m

Cartum, 4.5m

Dakar, 1.8m Kano, 3.3m

Adis Abeba, 3.4m

Abidjan, 4.2m Lagos, 10.8m

Nairóbi, 3.2m

Kinshasa, 8.4m

Dar es Salaam, 3.4m

Luanda, 4.5m

Joanesburgo, 3.8m Megacidades de África 2015 População

Cidade do Cabo, 3.5m

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Megacidades Megacidades 2015 2015 População Megacidades de África a f r i c a n a sPopulação 2015 População

obressaindo numa lingueta de areia no Golfo da Guiné, o Eko Atlantic é pouco mais do População Urbana da África 2050 2010 1970 que uma pedreira poeirenta População Urbana da África 2050 2010 1970 1970 - 2050* junto à Bar Beach, a praia 1970 - 2050* muito suja da cidade de Lagos. População Urbana da África 2050 2010 1970 No entanto, nos cartazes queCasablanca, 3.0 1970 - 2050* a publicitam, os desenhos Casablanca, 3.0 A dos arquitectos apresentam uma linha de Megacidades de África horizonte urbano que mais se assemelha a3.0m Casablanca, 2015 um emirado do deserto do que ao recorte População desigual dos prédios da capital comercial da Nigéria. Dakar, 1.8m A apenas 4 km de distância, sob o Dakar, 1.8m % população emaranhado de pontes e pontões da urbana em relação % população cidade, 250 mil pessoas vivem amontoadas Dakar, 1.8m à população total urbana em relação no Makoko, uma massa de casas de Abidjan, 4.2m à população total % população Kano, 3.3 madeira e chapa ondulada construídas Abidjan, 4.2m urbana 57,7% em relação Lago sobre palafitas. à população total 57,7% 39,2% Lago Abidjan, 4.2m Esta é a dicotomia do crescimento Algiers, 1.6m 39,2% 23,5% urbano do séc. XXI na África subsarianaLagos, 10.8m 57,7% 23,5% 3.0m Casablanca, num período em que o desenvolvimento 39,2% População urbana total Cairo, 11.0m económico e a criação de riqueza estão a 23,5%1,26 População urbana total mil milhões atrair pessoas e capitais para as cidades Kinshasa, 1,26 mil milhões População urbana total 400,1 milhões da região. Apesar de o crescimento Luanda, 400,1 milhões 53,3 milhões 1,26 mil milhões demográfico e económico em aglomerados milhões urbanos como Lagos e Nairobi ser 400,153,3 milhões Cartum, 4.5m apelativo para as empresas de bens de 53,3 milhões Dakar, 1.8m consumo e investidores em imobiliário, Kano, 3.3m também está a cristalizar — e talvez Adis Abeba, 3.4m a exacerbar — a tensão entre a cidade Abidjan, 4.2m enquanto centro de comércio global e a cidade enquanto habitat. Lagos, 10.8m Nairóbi, 3.2m “O Eko Atlantic foge completamente Cidade do C à norma. É um ambiente utópico que não Kinshasa, 8.4m vai ser acessível,” diz Francis Owusu, de pessoas viverão nas cidades Dar es Salaam, 3.4m Professor de Planeamento Comunitário e de pessoas viverão nas cidades africanas até 2050, mais do que a Luanda, 4.5m de pessoas viverão nas cidades Regional na Iowa State University e perito africanas até mais do que a população do 2050, continente em urbanização em África. Ilhas urbanas africanas até 2050, mais do que a população do continente actualmente. de luxo como o Eko Atlantic não reflectem população do continente actualmente. as cidades em que estão inseridas. actualmente. Fontes: UN Habitat; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; Fundo Monetário Internacional “Continuamos a ter esta visão de Fontes: UN Habitat; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; Fundo Monetário Internacional cidades africanas que mais parecem Fontes: UN Habitat; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; Fundo Monetário Internacional Joanesburgo, 3.8m ocidentais” diz Owusu. “As cidades são África Ocidental Norte de África resultado do contexto cultural em que África Orient surgem. Aspirar a ter uma cidade que tem 78,0 África milhões, Ocidental44,3% Norte de África África Orient Cidade do Cabo, 3.5m África Ocidental 138,9 102 milhões, 51,2% Norte de África África Oriental milhõe muito pouco que ver com a cultura em que 78,0 milhõe 138,9 milhões, 44,3% 102 milhões, 51,2% 138,9 milhões, 44,3% 102 milhões, 51,2% 78,0 milhões, 23,3% está inserida não é um método funcional, porque não atende às necessidades das População urbana pessoas.” População urbana regional, 2010 População urbana A urbanização em África acelerou regional, 2010 regional, 2010 no séc. XXI. A percentagem de cidadãos do continente que vivem em zonas urbanas continua a ser inferior a 50%, mas a medida em termos de proporção esconde a grande escala do crescimento da população urbana. Das 100 cidades com taxas de crescimento mais altas no mundo, África Oriental África Central África Austral 25% são em África. 78,0 milhões, 23,3% 51,9 milhões, 40,9% 33,8 milhões, 58,5% Em 2010, a ONU calculou que havia 400 milhões de pessoas a viver em zonas urbanas no continente africano; até 2050, o número aumentará para 1,26 mil milhões. Em 1970, a população urbana era pouco mais de 53 milhões. Em duas gerações, o número octuplicou. Daqui a uma geração, terá quadruplicado de novo.

1.26mil 1.26mil 1.26mil milhões milhões milhões

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2050

A população total da África ultrapassa os três mil milhões de pessoas e continua a crescer.

4,4 vezes

A densidade populacional urbana em África chega às 79 pessoas/km2, o dobro da registada em 2010.

A população urbana da África excede mil milhões de habitantes.

2040

2030 2035

A população urbana africana ultrapassa os 50 por cento da população total do continente.

8,7 vezes

Entre 2000 e 2050, crescerá mais

2070

Saturação do mercado de trabalho Em muitos pontos de África, a realidade da urbanização não tem sido a construção de complexos de qualidade para utilização mista, mas a expansão de aglomerados informais e uma inquietação crescente relativamente à desigualdade social e económica. A procura de soluções sustentáveis, de longo prazo, para as implicações socioeconómicas da urbanização em África, mantendo ao mesmo tempo um ambiente onde o sector privado local internacional possa florescer, vai ser um dos desafios políticos cruciais da geração actual. “A este ritmo de crescimento, mesmo nas melhores circunstâncias, os urbanistas mais prestigiados de África não conseguirão lidar com a afluência maciça de pessoas para as cidades,” diz Owusu. “Noutras partes do globo, a industrialização precedeu

Entre 1950 e 2000, a população urbana da África cresceu

A população total da África ultrapassa a população combinada da Europa, América do Sul e do Norte.

Este crescimento da população vai muito provavelmente criar uma oportunidade económica sem precedentes. O McKinsey Global Institute prevê que, até 2030, as 18 maiores cidades do continente terão um poder de compra conjunto de USD 1.300 mil milhões. O dinheiro já está a fluir para empresas e projectos concebidos para tirar partido da dinâmica da prosperidade urbana. Estão a ser construídos centros comerciais desde Accra a Nairobi; o gigante Walmart comprou, em 2010, a rede de retalho Massmart, aquisição que teve subjacente uma suposta mudança, por parte da classe média urbana, do retalho informal para os supermercados. O Banco Africano de Desenvolvimento estima que a classe média seja constituída por 355 milhões de pessoas — um número que é muito citado em apresentações a investidores como prova dos progressos do continente. Contudo, o próprio banco reconhece que as pessoas que estão no extremo inferior desta descrição de ‘classe média’ são frágeis e susceptíveis de voltar a cair na pobreza. É possível que mesmo as pessoas com rendimentos de ‘classe média’ de USD 2 por dia vivam efectivamente em agregados populacionais informais nas cidades, sem acesso fiável a infra-estruturas ou serviços. Com efeito, 62% dos residentes urbanos na África subsariana vivem em bairros de lata, dado que a capacidade das cidades para absorver os migrantes permanece estagnada.

A população urbana da África é superior a 400 milhões de pessoas, de um total superior a mil milhões.

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Fontes: UN Habitat; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; Fundo Monetário Internacional

Em duas gerações, o número octuplicou. Daqui a uma geração, terá quadruplicado de novo. Este crescimento da população vai muito provavelmente criar uma oportunidade económica sem precedentes.

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Em 2011, o número de agregados familiares africanos com rendimentos disponíveis era de

Em 2020, será de

90 milhões

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355 milhões As despesas Haverá 1,1 de africanos de consumo mil milhões totais em de africanos In 2011, thepertencem number of African África agora à em idade households witn discretionary classe média chegarão income wasemergente aos USD 1,4 activa em 2040, mais biliões até no contido que a 2020, à nente, população medida que actual do ganhando a população continente. entre e os USD 2 – 20 rendimentos por dia. familiares 355m Africans now In are 2020, it in the contiaumentam.

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128m

Africa’s total consumer spending will reach $1.4tr by 2020, as population and household incomes rise.

Até 2018, Em 2020, haverá 806 48% dos milhões de africanos In 2020, it assinaturas terão will be completado de banda larga móvel alguma em África, educação secundária, uma subida marcada em tendo sido relação aos essa 105 milhões percentactuais. agem de 40% em 2012.

128m

122m

Até 2020, a força In 2020,laboral 48% of em Africans will have África nding will some secondary education, terá crescido maisup from pulation 40% inrapidamente 2012. que em e. qualquer outra região, em mobile By 2018,aumentando there will be 806m cans of broadband subscriptions in Africa, up than the from 105m today. t today.

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122m

In 2015, two million cars are forecast Até o poder de alone, to be sold in2030, sub-Saharan Africa compra combinado with more in the continent as a whole. das 18 maiores cidades africanas será de

$1.3tr

Sources: UN Habitat; UN Development Programme; International Monetary Fund r AfricanCities_PORT.indb 11 e forecast

Em 2015, prevê-se que serão vendidos dois milhões de carros só na África subsariana, e mais no continente todo.

Até 2020, a força laboral em África terá crescido mais rapidamente que em qualquer outra região, aumentando em

There will be 1.1 billion Africans of Fontes: UN Habitat, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Fundo Monetário Internacional he contiworking age by 2040, more than the ss, earning population of the continent today.

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Até 2030, o poder de compra combinado das 18 maiores cidades africanas será de

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a urbanização. A situação em África é diferente, sendo que as pessoas estão a mudar-se para a cidade, não por haver empregos, mas por haver a promessa de empregos.” Isto significa que as novas populações urbanas se vêem prisioneiras num mercado de trabalho superlotado, onde a mão-de-obra é barata e os activos não o são. Nesta conjuntura, a mobilidade social é difícil e a riqueza continua concentrada no topo. Os booms no imobiliário só beneficiam quem tem capital para derreter; e a criação de empregos de base alargada e a capacitação económica param. “Quando as pessoas se mudam para zonas urbanas em África e não conseguem emprego, transpõem o seu modo de vida rural e trazem-no para o contexto urbano. E é isso que gera os bairros de lata. Estes são literalmente uma extensão dos modos de vida rurais numa zona urbana,” diz Owusu. Aquilo que é necessário, explica, é uma viragem na forma de pensar dos governos ao criarem cidades africanas. Para começar, têm de deixar de tentar criar cidades fora de contexto. “O objectivo não é criar algo que se assemelhe à cidade de Nova Iorque. Penso que deveríamos começar por olhar para esta questão do ponto de vista dos residentes da cidade, jogando fora alguns dos nossos preconceitos e ideias sobre o que deveria ser um bom modelo urbano, e devemos concentrarnos num modelo urbano funcional,” diz Owusu. “Precisamos de uma configuração urbana que seja funcional, satisfaça as necessidades das pessoas, em vez de ser algo que fica bem aos olhos de um estranho mas não vai ao encontro das aspirações dos seus habitantes.” Isto significa mudar as definições do que são assentamentos populacionais formais e informais. Na opinião de Owusu, num ambiente onde a maioria das pessoas habita zonas informais, não é realmente correcto exclui-las do modo como as cidades são concebidas. “Precisamos reexaminar esta noção de informalidade tal como é definida no contexto africano, ou no contexto do mundo em desenvolvimento, e talvez afiná-la um pouco e tornar mais clara a distinção entre formal e informal,” diz. “Porque a continuação da utilização destes termos vai conduzir à criação de paisagens urbanas muito utópicas nas cidades africanas.” A UN-Habitat, a agência da ONU

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Percentagem da população urbana a viver em bairros de lata

para a habitação e desenvolvimento Percentage of urban population living in slums 2007 urbano, também concluiu no seu %, 2007%, Fontes: UN Habitat, UN DESA relatório de 2014, “State of African Cities” (Estado das cidades africanas) Sources: UN Habitat; UN DESA que África tinha de repensar as suas abordagens relativamente ao urbanismo, afirmando: “Os modelos de desenvolvimento urbano da África pós-independência assentavam nos conceitos, filosofias e condições que existiam nas economias avançadas em meados do séc. XX. Está agora bem claro que estas abordagens têm uma utilidade limitada para Percentage of urban population living in slums África, face à grande rapidez com %, 2007 Sources: UN Habitat; UN DESA que a urbanização avança, o número limitado de indústrias de base urbana, o custo elevado dos combustíveis fósseis, a diminuição rápida dos recursos, conjunturas económicas e financeiras ferozmente competitivas, bem como as ameaças e perigos que se fazem sentir cada vez mais como resultado das alterações ambientais e climáticas.” Os governos africanos têm feito tentativas no sentido de diminuir a 90 < pressão populacional nas grandes cidades, em parte através da construção 80< 90 de aglomerados satélite que criam habitação e locais de trabalho ligados 70 < 80 ao centro urbano através de estradas. 60 < 70 As urbanizações em Lekki, em Lagos, 90 < e em Konza City, nos arredores de 50 < 60 Nairobi, foram planeadas como cidades 80< 90 auto-suficientes. < 50 90 < No entanto, a UN-Habitat diz: 80< 90 70 < 80 “As novas vilas e cidades satélite 70 < 80 que estão agora a ser criadas para 60 < 70 aliviar as pressões sobre as maiores 60 < 70 concentrações urbanas em África 50 < 60 50 < 60 também vão fazer aumentar a < 50 proliferação de bairros de lata dado < 50 que estas novas cidades servem quase exclusivamente as necessidades residenciais dos grupos de maiores rendimentos. Consequentemente, é praticamente certo que estas novas as indústrias de serviços de Nairobi, camadas pobres. cidades vão em breve ficar rodeadas mas como a população em idade de alojamentos informais onde reside activa excede em muito o número dos Cidades informais a mão-de-obra de baixo rendimento empregos disponíveis, o custo da mãoOs assentamentos informais, ou necessária para prestar serviços a estas bairros de lata (musseques em Angola), de-obra é reduzido. novas cidades.” “O receio é que estas cidades se são uma característica da urbanização Em contraste com as cidades de desenvolvam muito mais segundo os de África que cria algum desconforto. baixa densidade e de custo elevado moldes das cidades da África do Sul Muitas vezes nem sequer são acima descritas, Angola embarcou num reconhecidas pelo governo central e ou do Brasil, que são alguns dos meios modelo diferente para descongestionar local, deixando as pessoas que habitam urbanos com mais desigualdades em as cidades engolidas por vagas de todo o mundo. É essa a preocupação essas zonas em situação de fragilidade refugiados urbanos que fugiram da em lugares como Quénia, onde há uma e incerteza. As comunidades, como a guerra civil que se prolongou por população trabalhadora enorme que de Korogocho em Nairobi, onde vivem 27 anos – e está a construir novas serve as necessidades das classes média dezenas de milhares de pessoas junto cidades a custo reduzido e a subsidiar e alta mas que tem muita dificuldade ao aterro de resíduos de Dandora, não a aquisição. Está também a lançar um em sair dessa [classe baixa] e passar existem oficialmente. vasto programa de auto-construção para a classe média e alta,” diz Jeffrey Muitos dos habitantes dos bairros dirigida de habitação destinado às Paller, que estuda urbanização e de lata trabalham para ou fornecem

Das 100 cidades com maior desenvolvimento no mundo, 25% são em África.

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Fontes: UN Habitat, UN DESA

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Electricidade Telemóveis Esgotos Luanda Fontes: UN Habitat, UN DESA Água Canalizada

Electricidade Telemóveis Esgotos Adis Abeba Água Canalizada

política africana na Bates University. Paller diz que o desenvolvimento das comunidades dos bairros de lata não é um processo de curto prazo, e exige compreender o ambiente político, muitas vezes complexo, relativamente aos direitos de propriedade de terras em grande parte de África. “A transformação da informalidade num reconhecimento mais formal, reconhecimento político, distribuição de serviços através do estatuto municipal obrigam efectivamente a uma longa luta política e histórica,” Fontes: UN Habitat, UN DESA acrescenta. Os direitos à propriedade de terras são uma parte da discussão. Alguns economistas argumentam que, não

a f r i c a n a s

Electricidade têm interesse em manter a informalidade de alguns assentamentos; noutros casos, Telemóveis como em Kibera, o maior assentamento informal de Nairobi, há interesses Esgotos económicos e pretensões à terra divergentes. Água Canalizada “Um dos desafios interessantes que

ços, algumas cidades Africanas

os

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havendo direito à propriedade de terras, as pessoas que vivem nos bairros de lata não vão investir na construção de habitação de melhor qualidade, as autarquias não vão criar infraestruturas e os políticos não vão poder reconhecer as comunidades, negandolhes qualquer representatividade. Paller não acredita que a atribuição de direitos sobre as terras em assentamentos urbanos informais — algo que está a ser experimentado por instituições de financiamento ao desenvolvimento, incluindo o Banco Mundial — seja uma panaceia, mas sim o resultado de outros processos económicos e políticos. Em alguns casos, as elites políticas

Adis

o Quénia está a enfrentar com Kibera e a requalificação dos bairros de lata deve-se ao facto de as pessoas que estão a conseguir os títulos e direitos de propriedade não serem necessariamente as que vivem naquelas casas, nem as que mais precisam delas,” diz Paller. “Num cenário ideal, todas as pessoas que lá vivem teriam direitos de propriedade e títulos sobre a mesma. Esse seria um cenário maravilhoso. O problema está em descobrir como fazer isso, e também descobrir quem é o legítimo proprietário é algo de controverso. É um jogo em que uns ganham e outros perdem.A tónica nos títulos de propriedade, direitos de propriedade das terras, é crucial, mas tem de ser associada a mais oportunidades de mobilidade social.”

O sector privado O influxo de capital, grande parte do qual estrangeiro, para as cidades africanas pode, sem dúvida, ser um factor positivo para as comunidades formais, mas somente se certas condições estiverem satisfeitas, diz Paller. “O primeiro aspecto é que haja uma forte liderança da comunidade. A segunda condição é que estejam a ser desenvolvidas normas de reciprocidade entre os residentes, para que os habitantes confiem uns nos outros e partilhem entre si e tenham um sistema instituído através do qual possam agir colectivamente. E, em terceiro lugar, saber se a área é reconhecida do ponto de vista legal. “Quando existem estas três coisas, tenho constatado que um investimento sólido e um influxo de capitais podem ajudar as pessoas e as comunidades. Se estas três coisas não estiverem instituídas — o que acontece muitas vezes — o capital financeiro e o desenvolvimento só irão contribuir para os interesses privados.” Também Owusu está preocupado com a possibilidade de o investimento privado contribuir para o aumento das desigualdades, em vez de contribuir para a sua diminuição. “Penso que as parcerias públicoprivadas disponibilizam habitação e infra-estruturas para as pessoas com meios,” diz. “As necessidades da classe média, e certamente da classe média que

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As 10 maiores cidades africanas, 1985-2025* As 10 maiores cidades africanas, 1985-2025* População (milhões pessoas) População (milhões de de pessoas)

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está a registar um crescimento explosivo em muitas cidades africanas, estão a ser atendidas por parcerias públicoprivadas.” Uma forma de conseguir a mobilidade social vem, com efeito, da capacidade de ser proprietário e de alavancar a propriedade privada, diz Owusu. As classes médias urbanas evoluíram, acompanhando o aumento do valor do imobiliário, mas as pessoas que estão fora das classes detentoras de activos muitas vezes têm dificuldade em entrar nesse grupo. “Não há financiamentos, não conseguem empréstimos e, quando os conseguem, os juros são muito elevados. O governo poderia criar um tipo de enquadramento que permitisse a essas pessoas tirar partido do potencial das suas próprias casas na economia e na titularidade dos terrenos,” diz. Segundo Owusu, há que desviar os recursos públicos para as infraestruturas urbanas, pois os investidores privados vão ter dificuldade em justificar a criação de serviços de abastecimento de água, saneamento e transportes em assentamentos urbanos pobres. “Esperamos que o sector privado forneça as infra-estruturas nas cidades, mas os investidores particulares só irão fornecer estas infra-estruturas a quem tenha dinheiro para as pagar,” diz. “Não é suposto as cidades serem privatizadas. Passámos a considerar a privatização como a solução para todos os problemas, mas as cidades no Ocidente não foram desenvolvidas pelo sector privado. Os governos investiram muito.” Talvez a acção mais importante que os governos e investidores possam fazer, conclui, seja investir em indústrias de mão-de-obra intensiva. Os desenvolvimentos destinados ao sector financeiro, como o Eko Atlantic, ou negócios tecnológicos, como Konza City, não vão criar o elevado número de empregos necessários para os migrantes urbanos. “A utilização do emprego como um dos critérios importantes de atribuição de incentivos a investidores estrangeiros seria uma boa forma de começar. Sim, todos falamos sobre o sector dos serviços, mas nem todos os países podem deixar de parte o sector da indústria e ir directamente para o sector dos serviços,” diz. “Não é preciso focarmo-nos na habitação para resolvermos os problemas [da urbanização]. Temos é de nos focarmos no bem-estar económico da cidade”, conclui. n

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O foco em Angola

UM NOVO E ROBUSTO PAÍS EM CONSTRUÇÃO 16 Entrevista José António Maria da Conceição e Silva, Ministério do Urbanismo e Habitação, Angola 24 Triunfo na transformação Adriano da Silva 26 Indicadores de Angola 28 História Temperados pelo inferno da história 30 Linha cronológica Economia 36 Renascendo das cinzas 42 Alojando o povo

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46 Novas Cidades: Kilamba Onde a vida se vive 58 Entrevista Maria Luísa Abrantes, CEO da ANIP 62 Imobiliário Arestas por limar 65 Arquitectura Vamos construir com alegria 66 Novas Cidades: Luanda Um lugar de dignidade e bem-estar

72 Plano Director de Luanda Desenhando para o futuro As Províncias 74 Uíge: Um futuro cheio de luz 80 Benguela: Linha directa para a prosperidade 83 Cabinda: O “Kuwait” de África

Ponto de Vista de Especialista 84 Quando o bem social está acima do lucro

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E N T R E V I STA

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Nesta extensa entrevista em duas partes com o Editor da Cidades Africanas, Anver Versi, o Ministro do Urbanismo e Habitação de Angola, José António Maria da Conceição e Silva, destaca o programa de habitação pública em massa do país – o maior e mais completo em África. Na Parte 1, o ministro insere o programa no actual contexto político, económico e social do país; na Parte 2, apresenta pormenores sobre o grande projecto do seu Ministério.

O imperativo social Ministro do Urbanismo e Habitação de Angola, José António Maria da Conceição e Silva Anver Versi: Desde o fim da guerra civil, em 2002, o governo do MPLA embarcou num vigoroso programa de reconstrução e renovação nacional. Isto conduziu à mais rápida taxa de redução da pobreza em todo o mundo; e o Senhor Ministro é agora responsável por um dos mais ambiciosos programas de habitação em África. Qual é a filosofia do MPLA, o que representa o partido? José António Maria da Conceição e Silva: O MPLA é um movimento centrado no socialismo democrático. As nossas políticas são portanto dotadas de uma forte vertente social. O partido tem vindo a liderar o país

desde a nossa independência, em 1975, até ao presente, pois é o movimento que tem respondido às necessidades do país e que melhor tem articulado e ido ao encontro dos pontos de vista, desejos e aspirações do povo angolano. A natureza socialista democrática está bem enraizada no partido, que nunca se afastou da sua visão original – que tem sido o crescimento económico do país e a partilha dos benefícios do crescimento por toda a sua população. Todas as nossas políticas têm sido guiadas por esta filosofia – e é este o formato que o socialismo assume em Angola. Embora o partido tenha uma orientação socialista democrática,

tem estimulado activamente o sector privado e fala-se num maior grau de privatização futuramente. Apesar de o partido ter uma perspectiva muito social, está, como é óbvio, plenamente consciente das realidades do mercado e incorpora-as nas suas políticas. Enquanto partido e governo, tentamos oferecer condições nas quais o investimento privado, tanto nacional como estrangeiro, possa florescer. Um elemento essencial das nossas políticas é a criação de um sector privado dinâmico. O MPLA considera que tem um papel de regulador e a promoção e apoio ao sector privado enquadram-se nesse sistema de regulação.

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East region can be shared more equitably, along with the opportunities

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E N T R E V I STA

E S P EC I A L

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Que sectores permanecerão sob o controlo do Estado e quais estão abertos à privatização? Antes de mais, é preciso entender que a privatização é um processo contínuo, que não irá mudar de direcção num futuro próximo. Hoje em dia, o único sector que o Estado tem que controlar é o da energia. Há empresas envolvidas, mas são empresas detidas pelo Estado. O Estado ocupa-se também, em grande medida, dos sectores da educação e saúde, mas, essencialmente, apenas a energia está sob o controlo total do Estado. Mas há processos em curso e pode vir a acontecer no futuro que empresas privadas sejam também convidadas a participar no sector da energia. Qual é a principal fonte de energia eléctrica em Angola? Existe um défice de energia? Mais de dois terços da energia eléctrica de Angola provêm de centrais hidroeléctricas. Existem 23 centrais eléctricas, das quais 16 são hidroeléctricas. Quatro centrais são a gasóleo, três são a gasóleo/turbina de gás e há uma central térmica. A barragem da Matala, no rio Cunene, por exemplo, é a principal fonte de electricidade no sudoeste de Angola. A central hidroeléctrica de Cambambe, no rio Kwanza, na fronteira entre as províncias do Cuanza Norte e do Bengo, tem uma capacidade de produção de energia de 180 megawatts, mais do que suficiente para alimentar 120.535 casas. Estes são apenas alguns exemplos, mas recordemos o facto de que, durante a guerra civil, muitas centrais, especialmente as situadas nas áreas dominadas pela UNITA, foram seriamente danificadas ou mesmo destruídas. Foram efectuados enormes investimentos na reabilitação destas centrais eléctricas. Para lhe dar um exemplo aleatório, a construção da barragem de Gove teve início em 1969 e foi concluída em 1975, mas as obras na central eléctrica foram interrompidas pela guerra civil. Foi finalmente inaugurada pelo Presidente José Eduardo dos Santos em 2012. O objectivo da barragem é gerar electricidade e também controlar as cheias. Há vários outros exemplos de barragens e centrais destruídas ou danificadas pela UNITA durante a guerra e cuja reparação exigiu muito investimento.

Estamos a fazê-lo e também a investir em grande escala em novos projectos de energia. Esperamos não só ser auto-suficientes em matéria de energia em 2017/18 como ter condições para exportar também energia para os países vizinhos.

Acima: Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos

Pode descrever o país que herdou em 2002? O país estava em péssimo estado; tinha sido devastado pela guerra. Para lhe dar um exemplo, não era possível viajar por estrada de uma província para outra.

As infra-estruturas tinham que ser reabilitadas. Tínhamos que desminar as áreas rurais, esperando poder revitalizar a agricultura, e tínhamos que desenvolver os sectores da educação e da saúde.

Como sabe, Angola tinha um sector agrícola próspero, mas todos os campos tinham ficado inutilizáveis porque foram minados durante a guerra, destruindo toda a produção agrícola e empurrando as populações rurais para as cidades, para encontrarem alguma segurança. Isto teve um profundo impacto nas cidades, que não foram simplesmente concebidas para acolher o enorme número de pessoas a chegar constantemente. As pessoas erguiam abrigos provisórios onde quer que pudessem e isto provocou um stress gigantesco em termos de serviços públicos. Quanto a segurança e infraestruturas: uma boa parte das infraestruturas foram também destruídas em consequência do amontoar de tantas pessoas nas cidades. E, em termos das cidades, o impacto foi colossal porque a guerra era muito intensa no interior do país e havia um êxodo intenso da população rural, a população saía do interior para as grandes cidades em busca de segurança e isso representou uma carga excessiva sobre as infra-estruturas em termos de serviços e muitas das infra-estruturas foram também destruídas devido ao volume populacional a viver nas cidades. Qual foi a principal prioridade para o governo há 12 anos? Tivemos várias prioridades. As infraestruturas tinham que ser reabilitadas para tornar a ligar as várias partes do território nacional e pôr o país a funcionar de novo; tínhamos que desminar as áreas rurais, esperando poder revitalizar a agricultura, e tínhamos que desenvolver rapidamente os sectores da educação e da saúde. Isto traduziu-se na construção de escolas e clínicas? Construção de escolas, hospitais, dispensários e todas as infra-estruturas associadas para a educação e saúde. Obviamente, não bastava construir infra-estruturas para a saúde e educação, era necessário formar recursos humanos para assegurar que as instituições tinham um quadro completo de profissionais qualificados. Estou a tentar imaginar a escala do trabalho envolvido – incluindo a formação. Por onde se começa? Começa-se do ponto em que se está. Mas não eram só as infra-estruturas da saúde e educação – tanto materiais como humanas – que tinham que ser

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criadas. Todos os outros sectores necessitavam da mesma atenção. Tínhamos que reabilitar o sector dos transportes – estradas, linhas ferroviárias, portos, aeroportos; o sector da energia – do qual já falámos; abastecimento de águas, esgotos, tudo e mais alguma coisa tinha que ser recuperado. E havia ainda a administração de todas estas actividades e o trabalho normal de governança e burocracia do dia-a-dia. Não há muita gente no exterior de Angola que compreenda a magnitude da tarefa que o governo de Angola enfrentou em 2002. Houve alguns países em particular que tivessem ajudado neste processo ou os angolanos que se encontravam no estrangeiro regressaram? Mesmo durante a guerra, enviávamos estudantes para o estrangeiro porque tínhamos a preocupação de continuar a formar os nossos cidadãos e a melhorar a qualidade dos nossos recursos humanos. Eu próprio fiz parte deste processo. Fui para Portugal prosseguir os meus estudos e especializar-me. Muitos angolanos foram para a Europa de Leste. A Europa de Leste tinha oferecido bastante apoio ao país durante a guerra civil e fomos bem acolhidos e recebemos formação e educação de qualidade. Mas muitos foram também para a Europa Ocidental. Muitos dos nossos médicos foram formados na Rússia e em Cuba – e continuam a ter a reputação de serem dos melhores em África hoje em dia. Quais são as prioridades do governo para os próximos 10 anos? A saúde, a educação e as infraestruturas. É essencial continuar a reforçar as infra-estruturas por duas razões principais: primeiro, para atrair investimento estrangeiro e, depois, para permitir industrializar e diversificar a economia. Existe um plano específico para a industrialização de Angola. Este aspecto e a diversificação da economia são extremamente importantes para assegurar uma dependência cada vez menor do petróleo em Angola. Tal como salientou antes, queremos evitar “a praga dos recursos”, que aflige muitos países produtores de petróleo. Temos planos para utilizar as receitas do petróleo nesse sentido e para nos colocarmos numa posição a partir da qual possamos diversificar e

Muitos dos nossos médicos foram formados na Rússia e em Cuba – e continuam a ter a reputação de serem dos melhores em África hoje em dia.

industrializar com bastante rapidez. O contributo do sector não-petrolífero para o PIB nacional está já a aumentar. Como vê o enquadramento de Angola no continente africano em geral? Angola é um país importante no contexto do continente africano e da União Africana. Servimos de modelo, não só pelos nossos indicadores de crescimento, que têm sido de dois algarismos desde há bastante tempo, mas também pelo papel que desempenhamos na estabilidade do continente. A razão pela qual estou a fazer esta pergunta é que, sendo Angola um país de expressão portuguesa, e tendo

Acima: Formação e educação de qualidade tem sido uma prioridade.

C o n c e i ç ã o

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S i l v a

passado por um longo período de guerra, o país permaneceu um mistério para o resto de África. É por isso precisamente que Angola suscita tanto interesse actualmente. Somos um dos cinco países de expressão portuguesa em África e é verdade que isto levou a um certo hiato na comunicação e não existia muita informação fora da esfera de língua portuguesa. Não se sabia muito sobre Angola, excepto que estávamos a travar uma brutal guerra civil. Mas isto tem vindo a mudar rapidamente. Existe agora imenso interesse no que estamos a fazer e nas coisas boas que estão a emergir deste país. Somos vistos como um exemplo do progresso que a África está a alcançar e a forma como implementamos as nossas políticas está a atrair bastante atenção em vários países africanos e noutros pontos do globo. Portanto, durante muito tempo, Angola era apenas conhecida pela sua guerra civil extremamente sangrenta. Agora que a situação é completamente a oposta, a imagem do país está também a transformar-se e estamos a tornar-nos conhecidos pela correcção dos nossos programas, que estão a proporcionar crescimento e estabilidade ao país. Além disso, e gostaria de reforçar isto, estamos a implementar uma política completa e abrangente de reconciliação nacional. Esta orientação tem, em geral, tido sucesso e está a servir de sustentáculo à paz e estabilidade de que o país agora goza. Não devemos esquecer que tudo o que alcançámos até agora só foi possível porque temos paz. Tenho a certeza de que outros países da região que tiveram que suportar conflitos internos, como aconteceu connosco, ou que ainda os estão a sofrer, podem retirar lições valiosas do nosso exemplo. Neste momento qual é o grau de envolvimento activo de Angola na União Africana? A melhor resposta que lhe posso dar, e que é também o melhor exemplo, é o apoio maciço que recebemos da União Africana quando fomos eleitos Membro Não-permanente do Conselho de Segurança da ONU. Este voto de confiança em nós reflecte e demonstra o papel importante que Angola desempenha em termos de reconciliação e estabilidade em África e também no âmbito da União Africana.a n

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E N T R E V I STA

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Construção da Pérola de África Nesta parte, vamos abordar os aspectos específicos do seu Ministério, que se ocupa do urbanismo e habitação. Angola é um de poucos países com uma política clara e um programa de urbanização a nível nacional. Como nasceu este processo? A migração para as cidades em África é imparável e, dentro de alguns anos, a maior parte da população do continente viverá nas cidades. Mas, à excepção de alguns países – talvez a Nigéria, o Quénia e algumas nações do norte de África, como Marrocos – falase muito, mas há pouca acção. A maior parte de África espera que a “questão urbana” se resolva simplesmente por si mesma. Sabemos que isto não irá acontecer. Decidimos atacar esta questão o mais rapidamente possível após a guerra e o objectivo tem sido não só resolver o problema das infra-estruturas urbanas e da habitação como também criar novos e excelentes centros de crescimento. É importante realçar que o Programa Nacional de Urbanismo e Habitação foi formulado e liderado pelo próprio presidente do país. Houve uma ordem directa do Presidente José Eduardo dos Santos de que teríamos que envidar todos os esforços e embarcar no projecto – ou, melhor dizendo, vários projectos – que oferecessem habitação excelente a um custo acessível ao nosso povo. Ele mesmo coordenou o projecto ao mais alto nível político, para sublinhar a importância que tem para o desenvolvimento nacional. Quando o presidente exerceu toda a sua influência e mostrou o seu grande interesse nesta área, o programa recebeu a máxima prioridade e todos os recursos que merecia. Foi espantoso observar o grau de empenho mostrado pelo líder nacional e, com este tipo de paixão a impeli-lo, o projecto teve condições para prosseguir rapidamente. Tal como você e a sua equipa, incluindo o vosso fotógrafo, tiveram ocasião de observar e irão também ver nas províncias, o conceito era monumental e, sim, muito ambicioso.

financiamento e a sua infra-estrutura; Segundo: A reconstrução nacional, que envolve a construção de um milhão de casas. Para este projecto, o sector público contribui com 11,5%; público/privado 12%; cooperativas 8% e autoconstrução dirigida 68,5%: Terceiro: A requalificação urbana. Esta consiste na reabilitação e melhoramento de zonas e áreas habitacionais degradadas através da implementação das políticas necessárias relativas às infra-estruturas urbanas.

Mas conseguimos concretizá-lo. O projecto ainda se encontra na sua fase inicial e, sem dúvida, haverá problemas próprios da fase inicial, mas as novas cidades, tais como Kilamba, mudaram completamente a forma como viviam as pessoas comuns deste país. As “novas centralidades”, como dizemos em português, e as “novas cidades”, como dizem em inglês, são realmente uma grande inovação em termos de habitação pública em África. Quais são os princípios basilares por detrás deste conceito? As Novas Centralidades emergiram de um programa conhecido como o Programa Nacional de Urbanismo e Habitação (PNUH), coordenado por uma Comissão Nacional, presidida por Sua Excelência, o Presidente da República. O programa principal tem vários componentes ou subprogramas. Primeiro: Urbanização. Isto envolve estudos de diversos instrumentos de ordenamento do território, tais como planos de urbanização, planos directores, entre outros, o estabelecimento de reservas de

Acima: Novas Centralidades como o Kilamba estão a mudar a forma de vida das pessoas.

Como é que o novo programa de assentamentos irá aliviar alguns dos desafios habitacionais herdados por Angola? Dadas as projecções do crescimento demográfico, estima-se que existe um défice de 60% na habitação actualmente disponível. O PNUH irá, de facto, reduzir significativamente este défice e contribuirá ainda para a regularização dos custos no mercado imobiliário do país. Este é, claramente, um empreendimento monumental, envolvendo muitos departamentos do governo e outras agências. Como é que o processo decorreu, por exemplo quanto à escolha de empreiteiros? Em Angola, contrariamente a Singapura, uma das minhas cidades favoritas em todo o mundo, e em alguns países, o governo é o proprietário de todas as terras – existindo alguma propriedade privada nas cidades – mas, essencialmente, o governo possui todas as terras. Isto constitui uma enorme vantagem, pois podemos planear exactamente o que necessita de ser feito e avançar com os trabalhos. Claro que não se pode simplesmente expulsar as pessoas das suas casas, por exemplo nas zonas dos musseques, sem lhes oferecer um lugar alternativo para viverem. Portanto, o processo é aquilo a que chamamos de realojamento. Quanto aos empreiteiros existem procedimentos legais claros relativos aos concursos públicos nacionais e

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internacionais, que são supervisionados por autoridades específicas, tendo em atenção a Lei da Contratação Pública, que é um instrumento regulador das contratações feitas pelo Estado Angolano.

‘Quando se fala de requalificação urbana, e da criação de novas cidades, falamos de toda uma série de coisas necessárias para uma vida agradável e produtiva nas cidades’ AfricanCities_PORT.indb 21

O seu ministério foi criado especificamente para tratar desta questão? O meu ministério evoluiu de um processo. Sem entrar em demasiados pormenores – ou história – existia um Ministério do Planeamento Urbano e Construção que se ocupava da construção de estradas e edifícios públicos. Mas tornou-se claro que tinha que ser criado um ministério separado, dedicado ao urbanismo e habitação, para permitir também colaborar com os outros ministérios, tais como o do ambiente, águas, energia, etc., a fim de planear e executar a construção de novas cidades e a reabilitação das cidades existentes. Quando se fala de requalificação urbana, e da criação de novas cidades e habitação para as pessoas, não falamos apenas de estruturas e infra-estruturas – falamos de toda uma série de coisas necessárias para uma vida agradável e produtiva nas cidades. Como salientou, é um empreendimento vasto e complexo, que envolve a coordenação de um leque de perícias, legislação, comunicação, finanças, receitas, entre outros elementos. Está satisfeito com o progresso alcançado até agora? Há ainda muito que fazer, mas estou bastante satisfeito com o que foi feito até agora. A ideia de trocar petróleo por construção com empresas de construção chinesas parece ter funcionado muito bem. De quem foi esta ideia? Nós tínhamos algo de que os chineses necessitavam e os chineses tinham algo de que nós necessitávamos. Mas

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fizemos acordos similares com outros também. E, até à data, a relação é boa e espelha a visão programática do Chefe de Estado Angolano Tem havido críticas consideráveis à qualidade de construção de algumas estruturas, especialmente as que envolvem as empresas chinesas. Alguns dos edifícios que vimos têm rachas e havia danos causados por água. Quem é responsável por reparar estas falhas? Sim, concordo que, em alguns casos, os acabamentos não têm exactamente a qualidade pretendida, mas, tendo em conta a escala do projecto e a rapidez da construção, isto é inevitável. Não concordo que as falhas tenham ocorrido devido à nacionalidade dos chineses, como alguns sugeriram. Os chineses são excelentes construtores há séculos. Há muitos outros factores e muitas outras agências envolvidas – projectistas, supervisores, gestores de projecto, empreiteiros da construção, fornecedores de matérias-primas e equipamento, etc. De qualquer forma, o acordo prevê que, após um período inicial de “ recepção provisória” de dois anos, durante o qual se poderá aferir o que está certo e o que está errado, competirá ao empreiteiro rectificar eventuais falhas que apareçam. Isto não é raro – encontramos situações similares em praticamente todas as obras de construção. O que é para nós uma urgência premente é construir casas decentes para o maior número possível dos nossos cidadãos. Eles já esperaram tempo suficiente. Os problemas e questões de construção serão resolvidos à medida que surgirem, mas não podemos esperar até aparecer o sistema perfeito para começarmos a construir. Senão ficávamos à espera eternamente! Visitámos Kilamba e falámos com os residentes lá. O que é que lhe disseram? De uma maneira geral, estão encantados. Os blocos de apartamentos pintados de fresco estão lindos e os apartamentos são grandes e bem desenhados. Não há dúvida de que estas são as melhores unidades habitacionais públicas não só em África, mas eu diria no mundo em desenvolvimento. Mas creio que houve um problema porque as unidades eram demasiado caras para as pessoas a quem se destinavam. Confirma? Sim, os preços iniciais estavam fora do alcance de muitos dos nossos cidadãos, mas, assim que o

A A

2 nossa responsabilidade proporcionar habitação condigna para a maioria dos cidadãos, não havendo por isso qualquer conflito aqui! A propósito, quando o Presidente viu os nossos planos iniciais, ordenou que a área útil fosse aumentada para cerca de 100 metros quadrados porque, disse ele, os africanos tendem a ter famílias grandes e não queria que se sentissem apertados. Creio que o encargo mensal para uma unidade como a que mencionámos é de cerca de USD 150. Colocando este valor no contexto de Luanda, considerada uma das cidades mais caras do mundo, por termos de importar tanto, começamos a compreender exactamente o que este projecto significa para a qualidade de vida do cidadão comum.

‘É fácil para nós adaptarmo-nos e ajustar as políticas se tal for o desejo das pessoas. É nossa responsabilidade proporcionar habitação condigna para a maioria dos cidadãos.’ governo compreendeu isto, fizemos ajustamentos. Reduzimos o custo das unidades para cerca de USD 90.000 para uma casa de três quartos com crédito alargado e tornámos as condições tão fáceis quanto possível. Admira-me a surpresa de algumas pessoas com a nossa flexibilidade a nível nacional e com a rapidez com que fazemos ajustamentos. Mas, devem lembrar-se de que o nosso partido tem uma orientação social, portanto é fácil para nós adaptarmo-nos e ajustar as políticas se tal for o desejo das pessoas. Consideramos também que é

Acima: Preparação das infra-estruturas para um novo projecto de novas centralidades.

A ac ac E fo

Esse é o custo de dois almoços e meio no hotel onde estou! (Risos). Mas creio que a maioria dos materiais utilizados no programa de construção são importados. Há alguns planos para estimular a produção local de alguns destes materiais? Sim, no estímulo à industrialização que está a ter lugar no país, deu-se prioridade ao fabrico local de materiais de construção, oferecendo incentivos ao sector – que envolvem principalmente benefícios fiscais. Com esta política, espera-se reduzir substancialmente o custo dos imóveis através de uma construção mais barata. Além dos projectos de habitação social em massa, existem dezenas de outros projectos de construção em curso, especialmente em Luanda. Os empreendimentos no Sambizanga e Cazenga e também no Lobito, ao longo da frente marítima, são projectos imensamente ambiciosos e, se forem concretizados, Angola poderá mesmo saltar etapas no processo de desenvolvimento habitual e acabar por apresentar uma versão africana de, digamos, Singapura? A propósito, eu adoro Singapura. Porque não? Os planos directores para Sambizanga e Cazenga foram de facto elaborados por uma empresa singapurense. A moderna Singapura, que eles estão a converter rapidamente numa “Cidade Jardim”, começou por evoluir a partir de um dos piores bairros de lata da Ásia, há apenas uns 60 anos. E não têm petróleo! Portanto, claro que pode ser feito se a vontade e a visão ajudarem. Angola quer ser a ‘pérola de África’ e estou confiante que vamos chegar lá. n

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A SIGMA GROUP CONSULTING LDA, é uma empresa de Consultoria multidisciplinar no ramo da A SIGMA GROUP CONSULTING é uma empresa Consultoria multidisciplinar no ano ramode da2002. Arquitectura e Engenharia, de direitoLDA, Angolano, tendo-sedeestabelecido no mercado no Arquitectura e Engenharia, de direito Angolano, tendo-se estabelecido no mercado no ano de 2002.

A SIGMA GROUP CONSULTING LDA, através do seu grupo de parceiros internacionais com A SIGMA GROUP CONSULTING LDA, através do seu grupo de parceiros internacionais com actividades no continente Africano internacional,e edada dada a experiência técnica actividades no continente Africanoe e no no mercado mercado internacional, a experiência técnica acumulada, posicionou-se estrategicamente uma das dasmelhores melhores empresas de Consultoria acumulada, posicionou-se estrategicamente como como uma empresas de Consultoria de de Engenharia de Angola, prestando áreas de de gestão gestãodedeprojectos projectos de construção Engenharia de Angola, prestandoserviços serviços nas nas áreas e dee construção fornecendo também serviços integrados relacionados com o ambiente. fornecendo também serviços integradosde deinfra-estruturas infra-estruturas relacionados com o ambiente. A SIGMA CONSULTING LDA, é uma empresa deELABORAÇÃO Consultoria multidisciplinar no ramo da GESTÃO DE PROJECTOS DEDE PROJECTOS GESTÃO DE GROUP PROJECTOS ELABORAÇÃO PROJECTOS Arquitectura e Engenharia, de direito Angolano, tendo-se estabelecido no mercado no ano de 2002. SERVIÇOS FISCALIZAÇÃO GESTÃO SERVIÇOS DE DE FISCALIZAÇÃO GESTÃOCONTRATUAL CONTRATUAL A SIGMA GROUP CONSULTING LDA, através do seu grupo de parceiros internacionais com actividades no continente Africano e no mercado internacional, e dada a experiência técnica acumulada, posicionou-se estrategicamente como uma das melhores empresas de Consultoria de Engenharia de Angola, prestando serviços nas áreas de gestão de projectos e de construção fornecendo também serviços integrados de infra-estruturas relacionados com o ambiente.

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COMPLEXO SIGMA Via S8, S/Nº Distrito Urbano de Talatona COMPLEXO SIGMA Município de Belas, Luanda - Angola

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ELABORAÇÃO DE PROJECTOS GESTÃO CONTRATUAL

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D E STAQ U E :

A D M I N I ST R A Ç Ã O

Triunfo na transformação Director Nacional da Habitação, Ministério do Urbanismo e Habitação, Adriano da Silva

M

esmo uma análise bastante rápida, e limitada, do programa de urbanização de Angola revela que não se trata de um projecto de desenvolvimento urbano comum – a sua escala é tão vasta que é difícil de abarcar na totalidade ou de ser catalogado nalgum tipo de contexto habitual. A única forma de levar a cabo e implementar um programa desta magnitude é ter um sustentáculo administrativo com uma capacidade correspondente, mas suficientemente flexível para se adaptar rapidamente aos requisitos da evolução das circunstâncias. Encontrei-me com Adriano da Silva, o Director Nacional da Habitação no Ministério do Urbanismo e Habitação, para conhecer os alicerces administrativos por detrás do programa. Foi imediatamente evidente que, entender a vertente completa das funções do seu departamento seria uma tarefa morosa, pelo que limitámos a nossa conversa a alguns tópicos que seriam de interesse particular para os investidores estrangeiros. Adriano da Silva explicou que a estrutura administrativa é composta pelo Ministério do Urbanismo e Habitação, pelo o secretário de estado respectivo, seguido por três directores executivos: da habitação, das infra-estruturas urbanas e do ordenamento territorial. Embora todos os departamentos tenham tarefas específicas, têm que trabalhar conjuntamente de forma harmoniosa, para reunir todos os factores

de produção – terrenos adequados, autorizações, infra-estruturas básicas (água, electricidade, esgotos, estações de tratamento, estradas, etc.), construtores, empreiteiros, finanças e materiais para tornar possíveis os diversos projectos. A área específica de Adriano da Silva é a da habitação – tanto pública como privada, mas com ênfase na habitação social. O director nacional explicou que o sector privado é um factor da máxima importância para ajudar a realizar o sonho nacional de um milhão de casas novas até 2017. “Temos várias parcerias público-privadas (PPP) envolvidas no programa e estamos a pensar envolver ainda mais o sector privado à medida que avançarmos. O investimento estrangeiro é bem-vindo – e as taxas de retorno têm sido excelentes.” Nos projectos de PPP, o contributo financeiro do Estado é de 20% e o do investidor de 80%. Em troca, o investidor obtém acesso ao terreno, na maioria dos casos em locais que já estão urbanizados, ou seja, estão ligados aos serviços e têm em muitos casos as infra-estruturas básicas montadas, bem como as autorizações legais necessárias. Demonstrar capacidade Por sua vez, os investidores têm que demonstrar a sua capacidade para construir de acordo com normas específicas e para comercializar as unidades concluídas. O Estado não se envolve directamente no mercado. Em média, espera-se dos construtores que proporcionem alojamento para níveis

de rendimentos mistos: baixos, médios e altos. É imposto um tecto nas tabelas de preços para este tipo de habitação?, quisemos saber. “O limite para a habitação de baixo custo é de USD 60.000, embora um preço de cerca de USD 30-35.000 seja mais realista em termos do que esse segmento do mercado consegue suportar,” afirma o director. Não existe limite nos preços para a habitação de valor mais elevado, aqui será o que o mercado conseguir pagar.” O ministério disponibilizou 100 hectares de terrenos em cada uma das províncias do país para este tipo de habitação. “Obviamente, queremos desenvolver áreas fora de Luanda e nas maiores cidades, para dispersar a população e travar a migração para os grandes centros urbanos,” disse. “Isto não é uma tentativa para parar a urbanização, como algumas pessoas sugerem; a urbanização não pode ser parada e tem uma capacidade tremenda para transformar as economias e melhorar extremamente a vida das pessoas. O que pretendemos é controlar a urbanização e impedir a proliferação de feios musseques. Daí o conceito de novas cidades – ou centralidades – onde se pode desfrutar de todos os benefícios e facilidades da vida urbana moderna, sem ter que viver empilhado em casas degradadas. Este é, no nosso entender, o caminho a seguir, não só em Angola como no resto da África, onde a questão da gestão urbana se tornou tão crucial.” Como exemplo, o director salientou que construtores e empreiteiros tais como os gigantes chineses CITIC e CIF One e empresas angolanas como a Imogestin e a Kora Angola estão a construir cerca de

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AC_Angola InterviewAdriano da SilvaPT

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A d r i a n o

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S i l v a

Esquerda: Adriano da Silva, Director Nacional de Habitação, Ministério do Urbanismo e Habitação.

80.000 unidades na área do Zango, e nas províncias de Cabinda, Bengo, Benguela, Huíla, Lunda Norte, Uíge, Kwanza Sul, Luanda, Moxico, Bié e Huambo. Até finais de 2014 tinham sido já concluídas cerca de 300.000 casas sociais em todo o território. Adriano da Silva reportou ainda que, além das habitações que estão a ser construídas por diversos construtores e empreiteiros, cada um dos 164 distritos nacionais atribui lotes de terras para construção de 200 fogos por município. O grosso da habitação de baixo custo será do tipo designado como “autoconstrução dirigida”, um sistema mediante o qual o Estado fornece as infra-estruturas e serviços básicos e aconselhamento e os novos proprietários constroem as suas próprias casas. Angola tem uma longa tradição de autoconstrução e, com a orientação correcta do seu departamento ou outros do ministério, ele espera que este tipo de habitação seja de boa qualidade. Perscrutando o futuro, Adriano da Silva vê grande potencial de investimento em vários projectos, por exemplo as fases 2 e 3 de Kilamba, onde o plano prevê um aumento de construção, incluindo uma parte substancial de habitação do segmento superior. Esta conversa centrou-se apenas num pequeno aspecto das responsabilidades do departamento de Adriano da Silva, um dos vários sob a alçada do ministério. Ao empreender este programa geral gigantesco, Angola teve claramente que desenvolver, muito rapidamente, capacidade administrativa e de gestão de grande nível num período notavelmente curto. Este é um processo que tem que ser considerado uma transformação assinalável. n

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I N D I CA D O R E S

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A N G O L A

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Cabinda

As 10 cidades principais

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Zaire Uíge

Bengo Cuanza Norte

Luanda

Indicadores de Angola O lema de Angola é Virtus Unita Fortior, uma frase latina que significa “A virtude é mais forte quando está unida”.

Lunda Norte

Malanje Lunda Sul

Cuanza Sul

Huambo

Bié

Moxico

Benguela

Huíla

Namibe

Cuando Cubango Cunene

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I n d i c a d o re s

Governo O corpo executivo do governo é composto pelo Presidente, os VicePresidentes e do Conselho de Ministros. Localização Angola é o sétimo maior país da África, faz fronteira com a Namíbia, a sul, a República Democrática do Congo, a norte, e Zâmbia, a leste; sua costa oeste está no Oceano Atlântico e Luanda é a cidade capital. A província exclave de Cabinda tem fronteiras com a República do Congo e da República Democrática do Congo. Clima Angola tem três estações: a estação seca, que vai de Maio a Outubro; uma estação de transição, com alguma chuva de Novembro a Janeiro; e, uma estação quente e chuvosa de Fevereiro a Abril. Abril é o mês mais chuvoso. A temperatura média de Angola na costa é de 16 ° C (60 ° F) no Inverno e 21 ° C (70 ° F) no Verão, enquanto que o interior é geralmente mais quente e seco.

Marcos recentes No dia 16 de Outubro de 2014,

Angola foi eleito pela segunda vez como membro não-permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, com 190 votos favoráveis ​​em cada 193. O mandato começou no dia 1 de Janeiro de 2015 e tem a duração de dois anos.

Também nesse mês, o país assumiu

a liderança do Grupo dos Ministros e Governadores africanos no Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, na sequência dos debates nas reuniões anuais de ambas as entidades.

A partir de Janeiro de 2014,

a República de Angola detém a presidência da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (ICGLR). Em 2015, o secretário-executivo da ICGLR, Ntumba Luaba, disse que Angola é o exemplo a ser seguido pelos membros da organização, por causa do significativo progresso alcançado ao longo dos 12 anos de paz, nomeadamente em termos de socioeconómico e estabilidade políticomilitar.

As maiores cidades de Angola Nome

Província

1. Luanda

Luanda

2. Huambo 3. Lobito 4. Benguela 5. Lucapa 6. Kuito 7. Lubango 8. Malanje

Huambo Benguela Benguela Lunda Norte Bié Huíla Malanje

9. Namibe 10. Soyo

Namibe Zaire

Em Outubro de 2014,

a construção do primeiro cabo de fibra óptica submarina no Hemisfério Sul foi anunciado. O projecto tem por objectivo transformar Angola em num centro continental, melhorando assim, as conexões de internet tanto nacional como internacionalmente.

O primeiro satélite angolano

AngoSat -1, estará pronto para o lançamento em órbita em 2016 e irá garantir telecomunicações em todo o país. De acordo com Aristides Safeca, Secretário de Estado das Telecomunicações, o satélite irá fornecer serviços de telecomunicações, TV, internet e e-governmento e permanecerá em órbita “na melhor das hipóteses” por 18 anos. n

p a í s

Línguas nacionais reconhecidas

Kikongo, Chokwe, Umbundu, Kimbundu, Ganguela, Kwanyama

Grupos étnicos (2000)

Ovimbundu

36%

Ambundu Bakongo Outros Africanos Mestiço Chinês Europeu

25 % 13 % 22 % 2% 1% 1%

Gentílico

Angolano

Governo Presidente Vice-Presidente

República Presidencial Unitária José Eduardo dos Santos Manuel Vicente

Legislatura

Assembleia Nacional

Independência

De Portugal, em 11 de Novembro de 1975

Tamanho do país Massa terrestre

População tamanho densidade

Com bens correspondente a US$70

mil milhões, Angola é hoje o terceiro maior mercado financeiro sub-sariano, superado apenas pela Nigéria e África do Sul.

d o

PIB (PPC) Total Per capita

1,246,700 km2 481,354 mi 2 23° maior país do mundo, em tamanho

24,383,301 (segundo o recenseamento de 2014) 14.8/km2 (199 ° país mais densamente povoado) 38.4/mi 2 Estimativa para 2014 USD 139,059 mil milhões (64° no mundo) USD 6.484 (107 ° no mundo)

Per capita

Estimativa para 2014 USD 129,785 mil milhões (61° no mundo) USD 6.052 (91° no mundo)

Gini (2009) IDH (2013)

42,7 (médio) 0,526 (baixo – 149 °)

Moeda em 31 Jan. 2015

Kwanza (AOA) USD 1 = Kz 105

GDP (nominal) Total

Informação geral Fuso horário

Condução Indicativo internacional Código ISO 3166 Internet (TLD)

WAT (UTC+1) Hora Verão (DST), não observado, UTC +1 À direita 244 AO .ao

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Temperados pelo inferno da história Poucos países em África tiveram de suportar tantos traumatismos e conflitos como Angola. Os angolanos dizem que à semelhança dos melhores aços, também eles foram temperados pelo inferno que foi a sua história, emergindo do processo histórico mais fortes e mais decididos. A referência ao passado ainda faz parte do quotidiano e a recente explosão da construção no país só pode ser compreendida pela perspectiva da história de Angola.

A

linha do horizonte em volta da magnífica baía de Luanda, na capital de Angola, está a mudar tão rapidamente que alguns fotógrafos queixam-se de que as suas fotos da cidade já estão desactualizadas no momento em que chegam aos seus clientes. E no entanto, por entre a confusão de andaimes que rodeiam dezenas de edifícios em construção e da selva de pedra reluzente de novo aço, betão e torres de vidro, ainda se podem vislumbrar sóbrios e antigos edifícios, de uma elegância que os situa claramente numa época passada. O edifício do Banco Nacional de Angola é um exemplo requintado de quase 60 anos que sobreviveu ao período colonial, quando os portugueses transplantaram para Angola alguns dos seus melhores conceitos arquitectónicos. O novo edifício do Parlamento do país, uma estrutura magnífica com uma grandiosa cúpula cor-de-rosa, tam-

Esquerda: Mural da Fortaleza de São Miguel.

bém presta homenagem à história e património do país. Apesar de Angola estar a reconstruir um novo país sobre antigos alicerces devastados pela guerra e de o ultramoderno afastar implacavelmente o passado obsoleto do seu caminho, damos conta de que o país está imerso em história. Além de inúmeros museus bem equipados, como o Museu Nacional da Escravatura, que descreve inequivocamente os horrores deste comércio desumano e que nos faz recordar, de modo realista e simbólico, o trajecto de dor, sofrimento, resiliência e coragem do povo de Angola, existe o memorial evocativo de Agostinho Neto, um monumento em forma de agulha. Erguendo-se no espaço como um foguete de mármore, este monumento domina uma grande praça cerimonial e espaços ajardinados no coração de Luanda. Foi inaugurado a 17 de Setembro de 2012 de modo a coincidir com o aniversário de Agostinho Neto (17/09/1922) e está repleto de fotogra-

fias, documentos e objectos relacionados com Agostinho Neto e com a luta gigantesca que o primeiro presidente de Angola liderou. Pinturas enormes com detalhes vívidos recriam algumas das batalhas mais decisivas que envolveram as forças angolanas. Mantendo ainda a sua imponência no cimo de uma colina com vista para a Baía de Luanda encontra-se a Fortaleza de São Miguel, construída em 1576 pelo explorador português Paulo Dias de Novais, que também fundou a cidade de São Paulo da Assunção de Luanda. Esta fortaleza, que no passado foi uma cidade autónoma construída dentro de espessas muralhas protegidas por canhões, foi um porto de saída importante para o nefando comércio de escravos do Atlântico, que capturou e transportou centenas de milhares de angolanos para as colónias portuguesas de São Tomé e para o Brasil. O local foi também sede da administração colonial portuguesa. Hoje a fortaleza, que foi totalmente

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H I ST Ó R I A

O museu conta a história dramática da guerra pela independência de Angola, da guerra civil e, posteriormente, do fim da guerra e o estabelecimento da paz.

Direita: Estátua so século XVII da Raínha Ana Nzinga (também conhecida por Ana de Sousa Nzinga Mbande). Abaixo: Mural sobre a história de Angola. Direita: Mural da luta pela independência, incluindo os Presidentes.

Esperança, na África do Sul) e descobriu o caminho marítimo para a Índia, o poeta português Luís de Camões e outras figuras notáveis. No passado algumas destas figuras ocupavam posições de destaque na cidade e as suas estátuas estão montadas sobre pedestais. Agora parecem deslocadas, como náufragos lançados à terra pelo mar.

restaurada e mantém a traça original, abriga o Museu das Forças Armadas. Um conjunto de murais em relevo montados na entrada para o museu conta a história dramática da guerra pela independência de Angola, da guerra civil e, posteriormente, do fim da guerra e o estabelecimento da paz. Todas as principais figuras históricas, de António Agostinho Neto, o primeiro presidente do país, a José Eduardo dos Santos, o actual presidente, passando por Jonas Savimbi, o líder derrotado da UNITA e outros intervenientes estão representados de modo emotivo. No interior do pátio estão as impressionantes estátuas de antigas figuras portuguesas, como Paulo Dias de Novais, Diogo Cão, considerado o primeiro europeu a pôr pé em Angola, Vasco da Gama, que circum-navegou o Cabo das Tormentas (Cabo da Boa

Homenagem grandiosa Mas também existe uma homenagem grandiosa a uma soberana angolana do século XVII, a rainha Nzinga Mbandi, famosa pela sua inteligência e perspicácia, que celebrou uma aliança com os holandeses para lutar contra os portugueses e que por duas vezes destroçou os exércitos portugueses em 1644 e 1647. A poderosa africana liderou pessoalmente a resistência contra os portugueses até quando já era sexagenária, mas também teve a astúcia de celebrar alianças para o seu povo quando esse parecia ser o melhor curso de acção. A soberana converteu-se ao cristianismo para fortalecer um tratado realizado com Portugal e adoptou o nome português de Dona Ana de Sousa. No entanto, e acima de tudo, a Rainha Ginga é recordada por recusar assumir um estatuto subordinado ao negociar com os portugueses e por insistir para que fosse tratada como igual. O seu legado de espírito independente continua a impregnar a sociedade até hoje e consta que muitas mulheres insistem em se casar sob a sua estátua, como sinal de liberdade e independência. O pátio onde está hoje o Museu também possui uma selecção de armas autênticas usadas durante as guerras – aviões russos, tanques, carros blindados das forças de defesa sul-africanas da era do apartheid, metralhadoras e outros instrumentos mortíferos. No entanto, no seu interior parece ser-se transportado para uma cápsula do tempo. Existe uma grande câmara

1885–1930

1956

Cronologia de Angola Cerca 1300 Reino do Congo

1575

Portugueses chegam a Luanda.

Séculos XVII e XVIII Angola torna-se no maior mercado Português de escravos. Entre 1580 e 1680, mais de um milhão de escravos saõ mandados para o Brasil

1836

Comércio de escravos é abolido pelo governo Português.

Portugal consolida o controlo local sobre Angola, a resistência local persiste.

1951

O estatuto de Angola muda de colónia para provìncia ultramarina.

O início do movimento de independência de guerrilha socialista, do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), com base no norte do Congo.

1950s–1961

Movimento nacionalista desenvolve, guerra de guerrilha começa.

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Independência

1961

Trabalhos forçados abolidos após revoltas nas plantações de café resultam em 50,000 mortos. A luta pela independência é reforçada.

1974

Revolução em Portugal, império colonial colapsa.

1976

MPLA ganha vantagem.

1979

Líder do MPLA Agostinho Neto morre. José Eduardo dos Santos toma posse como Presidente.

1987

Forças Sul Africanas entram em Angola para apoiar a UNITA.

1988

África do Sul concorda dar independência à Namíbia em troca da retirada das tropas Cubanas de Angola.

1989

Dos Santos e líder da UNITA, Jonas Savimbi acordam cessarfogo, que colapsa logo de seguida e as actividades de guerilha reiniciam.

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H I ST Ó R I A cujas paredes estão totalmente cobertas por azulejos pintados a azul, que descrevem graficamente o início do avanço dos portugueses em Angola. Visitámos o museu num Domingo e estavam também lá dois grupos de crianças da escola com os seus professores e guias. Algumas das questões suscitadas pelas exposições deviam parecer muito estranhas a estas crianças, a maioria das quais nasceu depois da guerra, mas foi fascinante ver o intenso interesse com que elas aprendiam a sua história. E isso é algo que não acontece apenas com as crianças. Para os cidadãos deste país é essencial compreender claramente a sua história, que passou por crises profundas ao longo do tempo, incluindo o exemplo talvez mais incómodo de uma guerra por procuração dos tempos modernos. Ao caminhar pela moderna Luanda é fácil esquecer a guerra civil que durou quase três décadas, terminando apenas em 2002. O muito admirado desenvolvimento do país, incluindo o seu crescimento económico médio de 11,1% entre 2000 e 2010 (o PIB cresceu em média 20% entre 2005 e 2007), um recorde mundial na obtenção do declínio mais rápido da pobreza, talvez a maior empreitada de construção de habitação social em África e um enorme investimento em infra-estruturas (consultar a página...), e ocorreu tudo desde 2002 – um feito extraordinário em qualquer contexto. Olhando para a sua história, Angola apresenta um quadro contínuo, uma narrativa ininterrupta de uma evolução dolorosa, mas também frequentemente magnífica, no decorrer dos séculos. O país ainda está a escrever os próximos capítulos, mas desta vez os instrumentos que usa são o cimento, a pedra, o aço e o vidro e a determinação implacável de construir e reconstruir algumas das cidades mais notáveis do continente africano.

O país ainda está a escrever os próximos capítulos, mas desta vez os instrumentos que usa são o cimento, a pedra, o aço e o vidro e a determinação implacável de construir e reconstruir algumas das cidades mais notáveis do continente africano.

Direita:Um veículo blindado da Força de Defesa da África do Sul capturado da guerra de fronteira SulAfricana.

A caminho da paz

1991 Abril MPLA abandona Marxismo – Leninismo a favor da democracia social.

Maio Dos Santos e Savimbi assinam acordo de paz em Lisboa que resulta numa constituição multipartidária.

1992

1993

1994

1995

1996

Septembro Eleições presidenciais e parlamentares certificados pela ONU monitora como livres e justas. Dos Santos ganha mais votos do que Savimbi, que rejeita os resultados e retoma a guerra de guerrilha.

ONU impõe sanções contra a UNITA. Os EUA reconhece o MPLA

Governo e UNITA assinam o acordo de paz de Lusaka.

Dos Santos e Savimbi reunemse e confirmam o compromisso do acordo de paz. Cerca de 7,000 soldados de paz da ONU chegam a Angola.

Dos Santos e Savimbi decidem unir forças no exército nacional.

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A história resumida de Angola Reinos

Angola é um país muito vasto – com o dobro do tamanho de França – e estende-se de oeste a leste, da costa atlântica à Zâmbia; e de norte a sul, da R. D. do Congo à Namíbia. Situa-se no seio de África e foi o epicentro dos grandes reinos Banto da África central. Destes, talvez os mais importantes foram o Reino do Congo, que dominou o noroeste de Angola e se espalhou pela RD do Congo, a República do Congo e o Gabão do sul; e o Reino Mbunda, no sudeste de Angola, que durou até aos fins do século XIX. Estes reinos eram sofisticados e bem organizados, com relações comerciais intensas que se estendiam até ao Grande Império Mutapa no Zimbabwe. Eles trabalhavam com perícia o metal, a madeira, ossos e cerâmica, produzindo uma grande variedade de objectos de uso prático, incluindo algumas armas intimidantes. As suas expressões artísticas como entalhadores ainda se reflectem nos dias de hoje – o grande artista espanhol Picasso afirmou que foi a observação dos entalhes estilizados desta região que o atraiu para o Cubismo. Alguns objectos da região atingiram recentemente milhões de dólares em leilões de arte em Londres e Nova Iorque.

Acima: Os famosos azulejos de cerâmica pintada do período colonial.

mais tarde fortificaram e utilizaram como base para as suas explorações em volta do continente e para o seu interior. O explorador português Paulo Dias de Novais fundou São Paulo de Loanda (Luanda) em 1575. Novais chegou com 400 soldados e uma centena de famílias de colonos. Alguns anos mais tarde, em 1587, os portugueses construíram outra fortaleza em Benguela, que passou a cidade em 1617. Nesta altura os portugueses já estavam empenhados no comércio da escravatura, destinado principalmente às suas plantações no Brasil. Este comércio durou até à primeira metade do século XIX, tendo também sido estabelecido um comércio lucrativo de matérias-primas, dentes de elefantes, chifres de rinocerontes e peixe seco. Os portugueses alargaram o seu

1998

1999

2002

Lutas em grande escala reiniciam. Milhares de mortos como resultado destas lutas durante os próximos quatro anos.

ONU acaba a missão de paz.

Fevereiro Savimbi é morto pelo exército nacional. Governo e UNITA assinam o cessar-fogo logo de seguida.

A Era portuguesa

No século XV os portugueses aportaram em vários pontos da costa atlântica do continente africano, na busca de um caminho marítimo que os levasse às especiarias da Índia. Inicialmente estabeleceram pequenas feitorias, que

1997 Abril É inaugurado o governo unificado, Savimbi declina cargo e não participa na cerimónia de inauguração.

Maio A tensão aumenta com algumas tropas da UNITA infiltradas jo exército.

domínio da faixa costeira mediante uma série de tratados e guerras ao longo do século XVI. Mas o seu domínio foi desafiado por outras potências europeias e durante um curto período de tempo (de 1641 a 1648), foram expulsos pelos holandeses que ocuparam Luanda. Os holandeses encontraram aliados nas populações locais, como foi o caso da rainha Nzinga Mbandi mencionado acima. Contudo, os portugueses mostraram pouco desejo de expandir para o interior de Angola até depois do “Scramble for Africa” e da Conferência de Berlim de 1885. Organizaram-se várias expedições militares ao interior para “estabelecer uma presença”, como exigido pela Conferência de Berlim, mas até 1906 apenas cerca de 6% do país se encontrava sob o controlo efectivo dos portugueses.

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H I ST Ó R I A

Foi somente após derrubar a resistência oposta pelo rei Mbunda, Mwene Mbandu I Lyondthzi Kapova que, em 1951, o governo português declarou a colónia uma província ultramarina de Portugal, designada Província Ultramarina de Angola, abolindo assim o conceito de Império Colonial Português existente até à altura.

Luta pela independência

Os “ventos da mudança” iniciados no final da Segunda Guerra Mundial desencadearam campanhas intensas a favor da independência do colonialismo, não só em África, como no resto do mundo. Em Angola o movimento para a independência foi dirigido por três movimentos: o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), dirigido por Agostinho Neto; a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), dirigida por Holden Roberto e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), dirigida por Jonas Savimbi. Agostinho Neto, filho de um pastor metodista, estudou Medicina em Portugal e envolveu-se na luta pela libertação desde muito novo. Foi detido pelas autoridades portuguesas, exilado, colocado em regime de prisão domiciliária e escapou para Marrocos e Zaire; a administração de Kennedy negou-lhe o apoio solicitado aos Estados Unidos, mas ele criou uma relação vitalícia com Fidel Castro, de Cuba, e encontrou-se com Che Guevara em 1965.

Independência

A “Revolução dos Cravos” de 1974 foi um golpe militar que derrubou o regime do Estado Novo Português que sucedera ao ditador António Salazar.

Isto abriu o caminho para a independência total de Angola e Agostinho Neto foi o primeiro líder do país.

Guerra civil

Contudo, no espaço de meses da data da independência deflagrou o conflito entre os três principais partidos, auxiliados e incitados por potências externas que procuravam satisfazer os seus próprios objectivos económicos e ideológicos. Angola ficou envolvida numa Guerra Fria com os EUA, Zaire e o apartheid da África do Sul, que apoiavam a FNLA e a UNITA, e a União Soviética e Cuba, que apoiavam o MPLA. (Ver cronologia). O conflito transformou-se numa das guerras mais violentas na história do continente, com milhões de minas espalhadas pelo interior do país, levando ao êxodo do interior do país porque as populações procuravam abrigo nas cidades. Por causa disso, nasceram em Luanda alguns dos maiores e mais degradados bairros de África. Para piorar ainda mais a situação, saíram do país cerca de 300.000 do meio milhão de portugueses que geriam a maior parte das instituições económicas e empresas, para começar uma nova vida na África do Sul, Europa e Estados Unidos. A sua saída criou uma enorme lacuna administrativa e parou o funcionamento centrais eléctricas, explorações agrícolas e outras empresas públicas vitais deixando Angola à beira do colapso. (É interessante notar que se calcula que actualmente vivem em Angola cerca de 200.000 portugueses e que, para escapar ao declínio económico de Portugal, mais portugueses procuram oportunidades neste estado africano

Desmobilização

2002 Maio O comandante militar da UNITA diz 85% das suas tropas se reuniram em campos de desmobilização. Há preocupações de que a escassez de alimentos nos campos possam ameaçar o processo de paz.

Junho ONU apela para a ajuda a milhares de refugiados que tentam voltar para casa após o cessar-fogo. Agosto UNITA com acaba com o braço armado do partido. “A guerra acabou”, anuncia o Ministro da Defesa de Angola. Minister.

2003

2004

2005

2006

Fevereiro Acaba a missão de paz da ONU.

Dezembro Governo afirma que 300,000 negociantes de diamantes são expulsos.

Junho 1º Ministro Chinês Wen Jiabao promete o acesso a crédito a mais de $2 mil milhões, para além da linha de crédito que Pequim já tinha oferecido a Luanda.

Agosto O governo assina o acordo de paz com o grupo separatista no enclave de Cabinda.

Junho UNITA – agora um partido político – elege Isaías Samakuva como novo líder do partido.

Setembro Produção de petróleo atinge um milhão de barris por dia.

Outubro A agência de refugiados da ONU inicia a ‘repatriação final’ dos Angolanos que fugiram durante a guerra civil para a RD Congo.

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Angola possui agora a paz necessária para reconstruir a sua economia e infraestruturas

Esquerda: Mausoléu do 1º Presidente, Agostinho Neto; Avião de caça português dos anos 50 capturado

Eleições

em rápido crescimento). Agostinho Neto morreu em 1979 e a ele sucedeu José Eduardo dos Santos, o actual presidente, que embora mantendo a orientação socialista do MPLA, permitiu que as forças do mercado exercessem gradualmente um papel no desenvolvimento económico de Angola. A Guerra entre o MPLA e a UNITA continuou a assolar, mas com o fim do apartheid na África do Sul a UNITA perdeu o seu principal apoio e em Abril de 2002 Savimbi foi morto por tropas do governo; pouco tempo depois a UNITA assinou o cessar-fogo. Com isto terminou esta guerra prolongada. Angola possui agora a paz necessária para reconstruir a sua economia, infraestruturas e sistemas sociais devastados. O ritmo e escalada extraordinários da reconstrução do país mostram que Angola está certamente a recuperar o tempo perdido. n

Mudança Constitucional

2008

2009

2010

Setembro Primeiras eleições parlamentares em 16 anos.

Março Papa Benedito celebra missa em frente a mais de um milhão de pessoas em Luanda.

Janeiro Angola acolhe Campeonato Africano das Nações. Autocarro da equipa do Togo é atacado por separatistas de Cabinda. Parlamento aprova nova constituição e abole eleições directas ao posto.

2012 Setembro Presidente da RD do Congo, Joseph Kabila, visita Angola. Lações entre os dois países vizinhos deterioraram-se em 2009 quando Angola começõu a expulsar emigrantes Congoleses e estes retaliaram.

Setembro MPLA vence as eleições com uma vitória confortável nas eleições parlamentares, garantido outro termo no poder para o Presidente dos Santos. União Africana considera as eleições livres e justas.

2014 Outbro $5 mil milhões são investidos no Fundo Soberano de Angola para canalizar a riqueza de petróleo em projectos de investimento.

Maio 1º Census nacional desde 1970. Figuras preliminares estimam uma população de 24.3 milhões.

Fonte: BBC

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Re n a s c e n d o

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Angola não só tem sido um dos países com mais rápido desenvolvimento em África, como também a nível mundial. Este crescimento notável tem foi alcançado ao longo de apenas 14 anos de paz e num contexto de destruição quase total de todos os seus aspectos económicos.

Economia: Renascendo das cinzas A

queda do preço do petróleo veio travar o boom de construção em Angola, numa altura em que o governo já admitiu que terá de haver um corte nas despesas devido à diminuição de receitas provenientes da sua principal fonte de rendimentos. Contudo, espera-se que o novo contexto sirva para reforçar a escala do desenvolvimento infra-estrutural no país, bem como ajudar a diversificar a economia e a criar empregos muito necessários a longo prazo. A questão principal é se estas despesas estão a ser bem direccionadas numa nação ainda à procura de sarar as feridas da sua longa guerra civil. Séculos de domínio colonial deixaram a sua marca na economia angolana e continuam a ter um impacto enorme nos actuais planos de investimento. Tal como aconteceu com outras potências coloniais, os portugueses criaram infra-estruturas e uma economia concebidas para exportar matériasprimas para a Europa, tendo muito pouco em conta o desenvolvimento económico local ou as relações comerciais com os territórios vizinhos. Três linhas férreas de oeste a leste, em particular, foram construídas para transportar produtos agrícolas e mineiros para portos no Oceano Atlântico, em Namibe, no Lobito e em

Luanda. Após cinco séculos de governo colonial, os portugueses deixaram um desenvolvimento relativamente fraco, mas com pesados custos humanos. Os regulamentos laborais que foram implementados tinham mais que ver com trabalho forçado ou escravatura, numa fase vergonhosamente tardia da história do desenvolvimento humano. Além disso, o governo colonial concentrava-se efectivamente no litoral, nas áreas de plantação agrícola e nas minas, deixando áreas enormes à mercê da sua sorte e com uma ruptura nas suas redes de comércio tradicional. O legado deste padrão continua ainda hoje, sendo comum nas províncias do interior, por exemplo, haver pessoas que apenas falam a língua nacional dominante na sua região. A estratégia de governação de Lisboa, as tentativas do seu governo fascista de reter o controlo do país pela via militar e a pressa da sua retirada deixaram 99% da população numa situação de extrema pobreza. A revolução de 25 de Abril de1974 em Lisboa desencadeou o processo de descolonização nas até aí chamadas ‘províncias ultramarinas’ e culminou com a proclamação da Independência de Angola em Novembro de 1975 a que se seguiu de imediato uma guerra civil que se estendeu por 27 anos entre

as diferentes facções angolanas que, até aquele momento, tinham lutado pela Independência. Angola tornou-se um dos principais campos de batalha da Guerra Fria e na luta contra a supremacia branca na África do Sul, envolvendo a colaboração de militares cubanos, soviéticos e sul-africanos com os combatentes no terreno. Apesar do florescer da indústria do petróleo, Angola era um país destroçado quando a guerra terminou em 2002. Havia pouca coesão nacional, o governo pouca influência tinha em algumas zonas do país e havia uma oferta limitada de serviços de saúde e educação para a grande maioria dos cidadãos.

Esquerda: Banco de Angola.

O desafio do preço do petróleo A situação económica de Angola melhorou grandemente ao longo dos últimos 13 anos, em grande parte devido à elevada produção petrolífera e à alta dos preços. O investimento que se lhe seguiu trouxe algum benefício material à maioria da população, mas não há dúvidas quanto à escala de desenvolvimento das infra-estruturas. Tudo isto traz-nos de volta à actualidade, com uma economia em forte crescimento e um boom na construção, mas com os actuais baixos preços do petróleo a pôr em causa o crescimento futuro.

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EC O N O M I A Ainda hoje em dia, os hidrocarbonetos representam cerca de 60% do PIB, 75% das receitas governamentais e 95% das receitas das exportações. Há ainda um contributo de 1,3% das receitas de exportação proporcionado pelos diamantes. Receitas extraordinárias do petróleo transformaram Angola numa das economias com mais forte desempenho em todo o mundo na última década, com um crescimento económico anual de 10% no período de 2006–10, tornando-se assim na terceira maior economia na África subsariana, a seguir à Nigéria e à África do Sul. Luanda tinha projectado um crescimento económico de 8,8% para 2015, que poderá agora estar em dúvida em consequência da queda nos preços do petróleo. O governo afirmou no ano passado que necessitaria de um preço médio do petróleo de USD 98/bbl para equilibrar o seu orçamento para 2015, mas que a projecção média é de USD 81/bbl, aceitando portanto que necessitaria de empréstimos para preencher o défice. Mesmo em Novembro, o governo previu um défice orçamental de 2% este ano e défices para os três anos seguintes, mas, a não ser que os preços do petróleo recuperem forte e rapidamente - e não estão a dar sinais de o fazer – esta previsão será provavelmente optimista. O Presidente José Eduardo dos Santos concorda que 2015 “será difícil para a economia devido aos preços significativamente mais baixos do petróleo”, prevendo-se que o contributo do sector dos petróleos para as receitas do Orçamento Geral do Estado (OGE), que em 2014 foi cerca de 70%, seja este ano de apenas 36,5%. Algumas despesas públicas serão reduzidas e alguns projectos adiados. Terão que ser aplicados controlos mais apertados ao orçamento do Estado e terá que ser imposta disciplina financeira para manter a estabilidade. “Contudo, manteremos a nossa política de redução da pobreza. Há angolanos que vivem com muito pouco ou quase nada,” garantiu. Não foram revelados pormenores dos planos a adiar. O governo tentou também aumentar as suas receitas, em particular cortando subsídios. O preço da gasolina aumentou de 75 kwanzas/ litro para 90 kwanzas/litro (USD 0,88/ litro) e o gasóleo de 50 kwanzas/litro para 60 kwanzas/litro em Dezembro, e são esperados mais aumentos neste sector. As relações de Luanda com o governo chinês ajudaram a suavizar o

choque. Em Dezembro, Pequim concordou em emprestar à Sonangol USD 2 mil milhões para financiar projectos de petróleo e gás, visando aumentar as receitas. Se todos os produtores de petróleo adoptassem a mesma política, isto iria simplesmente servir para deprimir ainda mais os preços do petróleo, mas aparentemente muitas empresas petrolíferas – estatais e privadas – estão a exercer contenção nos investimentos a montante. Isto eleva os empréstimos chineses a Luanda a USD 16,5 mil milhões desde o fim da guerra. Estes empréstimos são geralmente caracterizados como financiamento de “infra-estruturas em troca de petróleo” e, embora sejam geralmente justos, o contexto é um pouco mais complicado.

A empresa chinesa Sinopec tem uma joint venture com a Sonangol e produz petróleo angolano por direito próprio. Esta relação é uma viga mestra na política de segurança energética de Pequim e a China importa agora cerca de metade da produção de petróleo angolano. O governo reconhece a necessidade de alargar a base da economia nacional. José Filomeno dos Santos, o filho do Presidente e presidente do fundo soberano nacional, confiou aos jornalistas: “Queremos realmente diversificar o portfolio, especialmente devido ao que está a acontecer com o preço do petróleo. Iremos tipicamente procurar parcerias público-privadas, concessões por Estados e também investimentos industriais, tais como fábricas e instalações de montagem, etc.”

Acima: Porto de Luanda, terminal de ferry de passageiros. Oposto: A nova auto-estrada, Via Expresso, Cacuaco.

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Re n a s c e n d o

O novo Aeroporto Internacional de Luanda, que é um dos maiores projectos de construção poderá acolher os maiores aviões de passageiros do mundo.

Sector a sector PETRÓLEO E GÁS Angola é o segundo maior país produtor de petróleo na África subsariana, a par da Nigéria. A produção situa-se em cerca de 1,7 milhões de barris por dia e, apesar de alguns recentes fracassos de exploração, uma série de novos projectos planeados deverão permitir ao governo concretizar a sua ambição de incrementar este número para mais de 2 milhões de barris por dia num futuro próximo. Calculando todos os projectos planeados pela BP, Total, Chevron e outros, a produção total poderá exceder os 2,5 milhões de barris por

dia dentro de sete anos, mas quase toda a produção adicional encontra-se em áreas de águas profundas, com custos de produção muito mais elevados. Estes estão portanto entre os campos cuja exploração irá mais provavelmente ser adiada ou encerrada se as maiores empresas necessitarem de cortar os seus custos em consequência da queda no preço do petróleo. Contudo, o país tem bastantes razões para estar satisfeito pela existência do seu território marítimo de águas profundas. Até ser desenvolvida a tecnologia para hidrocarbonetos de águas profundas, a produção fixava-se em cerca de 800.000 barris por dia, a maioria da qual estava situada em terra e nas águas rasas de Cabinda. Embora os blocos de águas profundas sejam os que produzem agora mais petróleo, Cabinda continua a ser uma importante fonte de produção. O desenvolvimento dos recursos de gás do país era uma forma óbvia de diversificar em certa medida a economia nacional. Foi concluída, há dois anos, uma instalação de gás natural liquefeito (GNL) no Soyo pela empresa petrolífera nacional Sonangol e pelas grandes empresas que fornecem gás para a mesma, mas problemas operacionais e um acidente ocorrido em Abril de 2014 fizeram parar a produção e aparentes falhas de construção estão agora a ser corrigidas a um custo de milhares de milhões de dólares. TRANSPORTE FERROVIÁRIO E RODOVIÁRIO As três linhas ferroviárias principais ficaram todas seriamente danificadas durante a guerra civil, mas a sua recuperação está agora quase concluída. Por exemplo, a China Hyway está a proceder à recuperação dos 860 km da antiga linha ferroviária de Moçâmedes, que vai desde o porto de Namibe, a sul, para leste, atravessando o sul de Angola, até à cidade de Menongue. Um novo ramal será também construído entre Tchamutete e a fronteira namibiana. As obras têm sido financiadas por uma série de acordos de crédito, nomeadamente uma linha de crédito de USD 400 milhões do China Development Bank. Em todos os casos, terão que ser melhoradas ou construídas estradas para ligar as principais cidades provinciais às estações das três linhas ferroviárias. A linha ferroviária de Benguela está também a ser recuperada para além da fronteira leste de Angola, a fim de transportar produtos mineiros da

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República Democrática do Congo e da Zâmbia para o Lobito para exportação, competindo ao mesmo tempo com os portos da África do Sul e da Tanzânia. Recentemente, em Fevereiro deste ano, o comboio do Caminho-de-Ferro de Benguela com partida do Lobito completou o troço desde Luena, capital do Moxico, até ao Luau, fronteira com a Zâmbia, inaugurando um percurso que esteve desactivado 39 anos. Em 2014, os governos de Angola, RD Congo e Zâmbia assinaram um acordo para os Caminhos de Ferro de Benguela (CFB), Société Nationale des Chemins de Fer du Congo (SNCC) e Zambia Railways Limited (ZRL) conjuntamente manterem e operarem os dois ramais para a Zâmbia e a RD Congo. Serão também reabilitados os postos fronteiriços. PORTOS Além da recuperação dos caminhosde-ferro, os três terminais portuários estão também a ser reabilitados com uma combinação de dinheiro privado e estatal. Por exemplo, o Ministro dos Transportes angolano, Augusto Tomás, revelou que serão investidos 120 mil milhões de kwanzas (USD 1.247 mil milhões) no porto do Lobito, em instalações para contentores, carga sólida a granel e combustíveis. E afirmou: “Este investimento tornará o porto do Lobito mais competitivo, irá conferir-lhe mais capacidade e segurança e torná-lo-á um interveniente mais activo na internacionalização das empresas angolanas e da economia angolana”. Contudo, o terminal de contentores de Luanda, que é operado pela APM Terminals e pela Gestão de Fundos, continua a ser o porto mais importante do país, movimentando quase 1 milhão de TEU, ou seja unidades de 20 pés ou equivalente por ano. O TEU é o tamanho padrão de contentor no sector. Deverá ser construído um novo terminal de contentores, a apenas 50 km a norte da capital, na Barra do Dande, com ancoradouros de águas profundas, que permitem o acesso a navios muito maiores que em Luanda. AEROPORTOS As infra-estruturas aeroportuárias de Angola estão também a mudar radicalmente. O actual Aeroporto Internacional Quatro de Fevereiro em Luanda foi modernizado, mas o novo Aeroporto Internacional de Luanda, que é um dos maiores projectos de construção

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A segunda maior fonte de receitas para Angola é a exploração de diamantes. O sector tem sido gradualmente colocado sob o control do governo. em todo o país, está a ser construído na periferia da cidade, com duas pistas duplas, uma das quais poderá acolher os maiores aviões de passageiros do mundo. O empreiteiro principal do projecto é uma empresa estatal chinesa, a CITIC Construction, que deverá concluir o trabalho em meados de 2017, embora haja algumas dúvidas sobre se esta meta poderá ser alcançada. Em Novembro, o Secretário de Estado da Construção, António Flor, declarou que o Aeroporto Internacional de Luanda, quando estiver plenamente operacional, deverá vir a receber um mínimo de 15 milhões de passageiros por ano, dois terços dos quais seriam passageiros internacionais, e ainda cerca de 50.000 toneladas de carga por ano. O financiamento foi fornecido pelo China International Fund e o aeroporto será operado pela Emirates, nos termos de um contrato de 10 anos assinado com a linha aérea nacional TAAG. Falando numa reunião com o Business Council for International Understanding em Chicago, em Novembro, o Ministro dos Transportes, Augusto da Silva Tomás, informou: “Temos hoje em construção, a cerca de 40 km da capital, um grande e moderno aeroporto internacional, que será um dos maiores em África. Tem a capacidade para receber aviões como o Boeing 787 Dreamliner.” Outros aeroportos regionais foram remodelados, incluindo os do Uíge e Luena, e o Aeroporto do Dundo, na província da Lunda Norte, deverá reabrir até ao fim deste ano.

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Re n a s c e n d o Esquerda: Construção em Luanda

O operador nacional dos aeroportos, a ENANA, gere uma rede de 29 aeroportos de várias dimensões em todo o país, e está em vias de os modernizar, com um investimento de USD 400 milhões. Estão também a ser construídos alguns novos aeroportos, incluindo um em Ondjiva, na província do Cunene, para substituir o antigo e desactualizado aeródromo. ESTRADAS Tal como acontece com as linhas ferroviárias, as ligações por estrada com estes novos projectos aeroportuários estão a ser melhoradas, incluindo os 89 km de estrada para ligar o Aeroporto de Ondjiva a outras cidades no Cunene. O governo traçou um ambicioso programa de construção e melhoramento das estradas nacionais, embora os níveis de financiamento tivessem atrasado as obras na prática. O director nacional do gabinete de planeamento do Ministério da Construção, Carlos Santos, estima que foram concluídos 1.114 km de estradas da rede rodoviária principal em 2014, de um total visado de 3.500 km, embora o ritmo das obras de construção tenha aumentado durante o ano. Além disso, foram ainda construídos 646 km de estradas secundárias e 703 km de estradas terciárias. Embora o trabalho das empresas de construção chinesas e brasileiras tenha atraído a maior atenção, as empresas angolanas conseguiram alguns contratos. Em Outubro, a Omatapalo – Engenharia e Construção e a Marsanto conseguiram a adjudicação de contratos para a construção de estradas principais na província da Lunda Norte no valor de USD 135 milhões. A Omatapalo vai construir uma secção de 90 km da EN 190, ligando as cidades do Dundo e de Nzagi, enquanto a Marsanto deverá construir uma secção de 87 km da EN 170, entre Lubalo Camaxilo e a intersecção com a EN 225. Está previsto que as obras em ambos os projectos tenham a duração de dois anos. AGRICULTURA Grande parte da população trabalha na agricultura, mas o país ainda não reconquistou o seu estatuto pré-guerra de grande exportador agrícola. Espera-

se que a conclusão das três linhas ferroviárias ajude o ressurgir do sector da agricultura na metade leste do país. O desenvolvimento económico ao longo da última década tem-se concentrado principalmente em Luanda e, em menor grau, noutra áreas litorais. Muitos dos alimentos consumidos nas cidades são importados de todo o mundo, a custos enormes, sendo portanto expectável que os melhoramentos nas infraestruturas ferroviárias e rodoviárias permitam uma produção nacional muito maior. A desminagem prossegue em áreas nas quais os agricultores simplesmente desistiram de produzir colheitas comerciais devido à má situação de segurança, à falta de um mercado adequado e à probabilidade de a guerra os forçar a abandonar as suas terras antes da época das colheitas. As novas áreas desminadas tranquilizam os camponeses e têm permitido aumentar a extensão dos campos de produção agrícola. Antes da independência, a principal cultura de exportação era o café, seguida pelo milho, sisal e tabaco. A produção de culturas de rendimento desapareceu praticamente durante os anos de conflito, em parte porque muitos proprietários de terras portugueses abandonaram o país após a independência. EXPLORAÇÃO MINEIRA A segunda maior fonte de receitas para Angola é a exploração de diamantes. Durante a guerra civil, a maior parte da produção era controlada pelas forças da oposição, a Unita, ou por mineiros não regulamentados, mas o sector tem sido gradualmente colocado sob o controlo do governo, e várias empresas de maior dimensão – estatais e privadas – estão agora a explorar as minas, embora a exploração informal continue em muitas áreas. O Ministro da Geologia e Minas tinha estabelecido uma meta de obtenção de USD 1,3 mil milhões da exploração de diamantes em 2014, que foi quase certamente alcançada, porque as receitas anuais situavam-se no final de Novembro em USD 1,2 mil milhões. O país é o terceiro maior exportador de diamantes em África. Angola era um exportador de minério de ferro bastante importante nos finais do período colonial, produzindo 5,7 milhões de toneladas de minério em 1973, mas a produção parou por altura da independência e não foi retomada em grande escala, especialmente devido à falta de

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capacidade de transporte. Contudo, a recuperação dos caminhos de ferro de leste para o oeste deverá permitir reabilitar as minas, a emissão de novas licenças e o recomeço da exploração mineira. BANCA Tal como foi revelado no artigo da African Business ‘Top 100 Banks’ em Outubro, há agora sete bancos angolanos entre os 100 de topo em África, o maior número de sempre. O banco no topo era o Banco Espírito Santo Angola, que era o 26º maior banco em África, com Capital de Nível 1 de USD 1.022 milhões. (O Banco Nacional de Angola informou recentemente que o BESA vai passar a assumir a denominação de Banco Económico SA e, entre os novos accionistas encontra-se o grupo público angolano, Sonangol, e o Novo Banco português, resultante do colapso do grupo Espírito Santo em Portugal). Contudo, os leitores habituais poderão também notar a ausência de empresas angolanas na nossa tabela das “250 Principais Empresas”, pondo em evidência até que ponto a economia é dominada por empresas petrolíferas e estatais. A Comissão do Mercado de Capitais do país planeia lançar uma bolsa, que poderá estimular ofertas públicas iniciais por algumas entidades para-estatais, mas as condições para pequenas e médias empresas sem ligações políticas continuam a ser difíceis. CONSTRUÇÃO Não há dúvida de que Luanda é um dos locais do continente africano com mais construção em curso. Milhares de milhões de dólares estão a ser canalizados para o sector imobiliário e – em menor grau – projectos de energia eléctrica, águas e estradas. Um dos maiores desafios com que o país se defronta é a falta de habitação e, por isso, o governo está a apostar na construção de novas unidades de alojamento. A maioria das cidades estão a ser construídas nos arredores das maiores cidades já existentes, em particular na periferia de Luanda, onde estão planeadas ou em construção Km 44, Capari, Kilamba Kiaxi, Cacuaco e Zango. O projecto de Kilamba Kiaxi, no valor de USD 3,5 mil milhões, situado a cerca de 20 km do centro de Luanda, é o que regista maior progresso. Cerca de três quartos dos 4,3 milhões de habitantes de Luanda vivem em musseques ou habitações informais. n

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EC O N O M I A

Alojando o povo de Angola

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ão há dúvida de que Luanda é um dos principais pólos de construção do continente africano. Por todo o lado vêem-se gruas e betoneiras, ecoando visualmente a impressão de que esta é uma cidade que está a erguer-se

e a crescer. O congestionamento do tráfego que acompanha este desenvolvimento é um elemento que consome bastante tempo na vida do dia-a-dia da capital angolana. Milhares de milhões de dólares estão a ser canalizados para a construção imobiliária e – relativamente menos – para os serviços de electricidade e água e redes de estradas. Um dos maiores desafios que o país enfrenta é o da provisão de habitação e empregos, que constituem ambos

graves lacunas, devido aos anos de guerra, entre outros factores. O conflito fez muitas pessoas fugir de suas casas, muitas vezes para a segurança relativa de Luanda, e os seus alojamentos temporários tornaram-se zonas de habitação informal que evocam os de outros pontos do continente pelo seu estado caótico. A maioria das pessoas vivem em bairros de lata, sem electricidade, água potável ou esgotos, contudo, segundo a maior parte dos inquéritos, Luanda é a capital mais cara do mundo para os trabalhadores estrangeiros especializados que aí residem, com rendas mensais entre USD 10.000 e USD 18.000 por uma casa moderna com quatro quartos. O governo está a apostar na construção de novas cidades para colmatar

Abaixo: A Centralidade do Dundo, norte de Luanda.

a falta de alojamento. A maior parte estão a ser construídas na periferia das maiores cidades já existentes, particularmente nos arredores de Luanda, onde estão planeadas ou em construção Km 44, Capari, Kilamba Kiaxi, Cacuaco e Zango. Até ao presente, o projecto de Kilamba Kiaxi, no valor de USD 3,5 mil milhões, situado a cerca de 20 km do centro de Luanda, é o que regista maior progresso. Apesar da desesperada falta de habitação, muitas das casas em Kilamba Kiaxi permaneceram desocupadas por mais de um ano devido ao seu preço. Em Fevereiro de 2013, o governo decidiu reduzir o preço dos apartamentos pequenos de USD 125.000 para USD 70.000 na nova cidade, num esforço para atrair interesse, e a iniciativa resultou, pois trabalhadores da

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De acordo com o Programa Nacional de Urbanismo e Habitação, o governo prevê que o sector privado apenas forneça 12% de todas as novas habitações, financiando o Estado as restantes. classe média apressaram-se a adquirir uma casa moderna, com a opção de parte-renda parte-compra oferecida pelo governo. Kilamba Kiaxi é agora uma cidade próspera e cheia de vida, com excelentes estradas, escolas, campos de jogos e outros equipamentos sociais. As fases 2 e 3, que incluirão estabelecimentos comerciais, deverão tornar esta cidade auto-suficiente e aliviar a pressão sobre Luanda. Actualmente, as rendas são de cerca de USD 150 por mês por um apartamento de quatro quartos. Os residentes não estão oficialmente autorizados a vender ou arrendar as suas casas sem permissão, mas parece existir um comércio informal em casas naquela área. Além disso, muitos potenciais compradores queixaram-se da uniformização padronizada das casas, sendo que a primeira vaga de habitantes conseguiu personalizou as suas casas, pintando os interiores de cores diferentes e ampliando-as, enquanto outros montaram lojas, conferindo à cidade do Kilamba um espírito de comunidade mais forte do que poderia inicialmente parecer. A severidade destas novas urbanizações é muitas vezes um problema nos projectos mais bem planeados. Liderança do Estado O governo está actualmente a desempenhar um papel importante na direcção do desenvolvimento urbano de Luanda, incluindo a designação das

áreas residenciais. De acordo com o Programa Nacional de Urbanismo e Habitação, o governo prevê que o sector privado apenas forneça 12% de todas as novas habitações, financiando o Estado as restantes. Este número parece excluir as inúmeras habitações informais que não são financiadas pelo governo, mas – a não ser que o preço do petróleo permaneça muito baixo – parece evidente que o governo procurará assumir a responsabilidade pela construção de habitações em massa. Um plano de autoconstrução, mediante o qual o governo fornece as infra-estruturas e serviços básicos, como água, esgotos, electricidade e aconselhamento relativamente à construção, constitui uma viga igualmente importante no plano geral do executivo para alojar todas as famílias do país. Esta tarefa deverá ser algo facilitada com a conclusão do primeiro recenseamento nacional no país após a independência. O gigantesco exercício logístico teve lugar o ano passado e os resultados dos 7 milhões de questionários preenchidos estão ainda a ser processados, mas o Instituto Nacional de Estatística estima que a população angolana é de 24.3 milhões, um número relativamente baixo para o tamanho do país. Os resultados finais, ainda por divulgar, deverão mostrar pormenores sobre o tamanho e estrutura da população por todo o país, os tipos de casas em que os cidadãos vivem, a localização dos empregos e os meios

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de transporte existentes, ajudando no planeamento a longo prazo. Esta informação será mais importante em Angola que na maioria dos outros países, devido à natureza da abordagem do “topo para a base” adoptada pelo governo. Tem sido reportado em Angola que muitos dos projectos de habitação social foram concebidos para compensar as pessoas pela perda das suas habitações informais devido aos desalojamentos forçados levados a cabo pelo executivo. Resta apurar quantas das casas serão de facto entregues gratuitamente, sendo certo que foram construídas centenas de milhares de casas de baixo custo. O projecto Zango, na orla sudeste de Luanda, só por si proporciona alojamento para cerca de 200.000 pessoas. As casas são básicas e de um só piso e parecem ter sido inspiradas em casas similares existentes na África do Sul, onde foram construídas milhões de casas de baixo custo pelo governo, para oferecer casas modernas aos que antes viviam em habitações informais. Angola parece, na verdade, ter escolhido a mesma solução que a África do Sul para um problema semelhante. Em Novembro, o Industrial and Commercial Bank of China concordou em proporcionar um empréstimo de USD 120 milhões para ajudar a financiar a construção da Fase 1 do projecto do Futungo de Belas, em Luanda. O projecto criará alojamento para fins residenciais e turísticos e ainda instalações para desporto, comércio e turismo. O dinheiro será utilizado não só para a construção de imóveis como também para o desenvolvimento de infra-estruturas para instalação de energia eléctrica, água e esgotos e prevêse que o projecto seja executado em três fases ao longo da próxima década. Construção menos frenética nas províncias O ritmo da construção aumentou também imenso nas províncias, mas é aí muito menos frenético. Em Ndalatando, a capital da província do Kwanza Norte, a Sonangol Imobiliária

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EC O N O M I A está a construir 4.000 apartamentos em blocos de três, quatro e cinco andares, para proporcionar habitações para mais de 30.000 pessoas. O projecto deverá ficar inteiramente concluído até finais de 2016. Existem grandes projectos de habitação construídos por empresas chinesas no Uíge, Benguela, Cacuaco, Lobito, Cabinda e outros locais. Por sua vez, foi adjudicado à empresa portuguesa Tomás de Oliveira um contrato no valor de USD 125 milhões para construir 1.000 casas na zona de Luanda Sul para a Cooperativa Projecto Pérola Verde. O que parece faltar são pequenas e médias empresas locais que possam empreender projectos de menor escala, quando necessário. Isto criaria uma indústria da construção muito mais saudável, que seria mais receptiva às necessidades locais. Contudo, além de uma base de competências muito mais desenvolvida, isto exigiria também um ambiente mais atractivo para o investimento, com maior ênfase no sector privado. Condomínios fechados Embora a necessidade de habitação seja maior entre os que são muito pobres, está a ser efectuado muito investimento no sector privado em habitação de luxo de custo elevado, em blocos de apartamentos de muitos andares ou em condomínios fechados do tipo que está a tornar-se cada vez mais popular em todo o mundo. Este tipo de construção, casas ou blocos individuais ficam localizados em terrenos próprios, por vezes com áreas comuns, tais como jardins ou um centro de lazer e também segurança partilhada. Isto pode incluir muros altos, vedações electrificadas, guardas armados, cães e entradas controladas, que, conjuntamente, oferecem uma sensação de segurança, mas também de viver em isolamento. Não há dúvida de que este tipo de complexos imobiliários, que são particularmente comuns na África do Sul, ajudam a sublinhar as diferenças entre ricos e pobres. Em Angola, muitos dos condomínios fechados servem principalmente os trabalhadores estrangeiros. Para dar um exemplo, a empresa angolana Operatec construiu o Centro de Desenvolvimento do Malembo, na província de Cabinda, para alojar trabalhadores do petróleo, incluindo os empregados do parque industrial da Cabinda Gulf Oil Company. Projectado para conclusão este ano, o Centro foi construído a um custo de

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USD 100 milhões e oferecerá habitações para 1.440 pessoas, incluindo instalações como piscina, ginásio, sala de jogos, cantina e serviços associados. A indústria do petróleo tem ajudado a aumentar o custo dos imóveis. Não só os trabalhadores do sector do petróleo ganham muitas vezes mais que o trabalhador médio da maioria dos outros sectores em Angola como as empresas petrolíferas sabem que conseguirão vender futuramente todos os imóveis que comprarem, por isso estão dispostas a pagar preços elevados. Outro exemplo é o Condomínio Paradiso, na zona de Luanda Sul, que está a ser promovido como sendo próximo dos complexos habitacionais da Chevron, Exxon Mobil e Total Oil e do Centro de Convenções da Sonangol. Cada casa tem quatro quartos, três casas de banho e uma piscina privada e ainda instalações desportivas partilhadas e transportes diários de e para o centro de Luanda. Esta está a tornar-se uma opção cada vez mais popular, pois o tráfego na capital angolana está cada vez mais congestionado. A construção da central de GNL no Soyo, na região mais ao norte de Angola despoletou um aumento na construção de imóveis residenciais na cidade para alojar os trabalhadores do petróleo, bem como os que são atraídos para o Soyo em busca de emprego em serviços auxiliares. A Omatapalo Engenharia e Construção Civil, por exemplo, está a meio da construção de um novo empreendimento com 400 casas, a cerca de 20 km da cidade. O projecto inclui também uma escola, hospital, biblioteca e instalações desportivas e está a ser construído pela Sonangol. Empreendimentos integrados Muitos projectos imobiliários incluem espaços para escritórios e lazer, assim como para residências. Um dos maiores projectos é o Empreendimento Comandante Gika, que está em construção no bairro de Alvalade, em Luanda. O investimento total é de USD 820 milhões e este projecto irá proporcionar dois blocos de apartamentos, dois blocos de escritórios, um hotel de cinco estrelas e o centro comercial Luanda Shopping, que será o maior em Angola quando estiver concluído. Os apartamentos num dos blocos estão já à venda e o financiamento está a ser oferecido por um mix de empresas nacionais e internacionais. Um dos projectos similares, a Sky Tower, inclui residências, escritórios e espaços comerciais. Concluída em 2013,

Esquerda: Operários de construção e, acima, a influência Chinesa. Existem bastantes projectos de habitação já completados no Uíge, Benguela, Cacuaco, Lobito, Cabinda e outros locais.

com um custo de Kz 65 mil milhões (USD 675 milhões), após quatro anos de obras, foi construída pela Teixeira Duarte para a construtora Escom, com financiamento do Banco Espírito Santo Angola. Os preços dos imóveis são também afectados pelo elevado custo dos materiais de construção. O cimento e outros materiais básicos são produzidos localmente, mas os acessórios, incluindo equipamentos de canalização e eléctricos, são normalmente importados e dispendiosos. Contudo, em Outubro, o governo e empresas de construção locais criaram um grupo técnico para investigar a capacidade do país para proporcionar materiais de construção e para considerar métodos de melhoramento das quantidades e gama de fornecimento. A Ministra da Indústria, Bernarda Martins, sugeriu também a criação de uma Associação de Empresários de Materiais de Construção. O Director do Instituto de Desenvolvimento Industrial de Angola, António Dias da Silva, comentou: “Estas indústrias devem continuar a trabalhar e a investir, particularmente na inovação e na qualidade dos seus produtos, para que o mercado consiga absorver tudo o que produzem.” Foi conseguido algum progresso no fabrico de electrodomésticos no país. Em 2013, uma empresa angolana

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chamada Inovia estabeleceu uma fábrica com 200 trabalhadores, com custos de USD 38 milhões. A fábrica produz electrodomésticos e espera-se que venha a duplicar a sua força laboral quando estiver a funcionar em pleno. Martins disse que a fábrica constitui “um exemplo de apoio à economia nacional, para reduzir a sua dependência do sector do petróleo em termos do seu contributo para o PIB, exportações e receitas fiscais.” Lucy Corkin, analista de risco soberano no Rand Merchant Bank, comentou: “Estamos a assistir à génese de uma classe média emergente em Luanda. O desafio reside no facto de as infra-estruturas sociais e físicas de Angola ainda não estarem devidamente equipadas para dar resposta às suas exigências em termos de bens e serviços.” Embora uma pesquisa do governo, em 2012, apontasse para a falta de 1,7 milhões de fogos habitacionais no país, não ficou claro se o número de casas que estão a ser construídas é suficiente para compensar o crescimento populacional, quanto mais para reduzir a falta de habitação. Cerca de 65.000 novas casas foram construídas em Angola no âmbito do Programa Nacional de Urbanismo e Habitação, em 2013, o ano mais recente para o qual existem dados completos. Em Setembro de 2014 o ministro do Urbanismo e da Habitação, José Silva, mencionou a meta que aponta para a construção de cerca de um milhão de habitações nos próximos dois anos. O responsável afirmou que faz parte do programa de habitação e urbanismo do país “estancar a expansão dos musseques” e o “realojamento inclusivo”. Em muitos aspectos, o mercado imobiliário angolano encontra-se ainda numa fase muito inicial do seu desenvolvimento. O crédito à habitação é difícil de obter e os agentes ou mediadores imobiliários interessamse especialmente em vender imóveis novos e de alto valor, ou mesmo os que estão ainda em fase de projecto, porque as margens são muito pequenas nos imóveis residenciais. Muitas casas são compradas por empresas petrolíferas, que continuam a utilizá-las quando os empregados a quem se destinavam originalmente partem. Será interessante ver se os imóveis mantêm o seu valor quando as casas novas começarem a competir com casas mais antigas. No outro extremo da escala, é provável que as casas mais baratas passem de geração para geração em cada família, portanto poderá haver aqui também limites ao crescimento do sector imobiliário. n

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Kilamba, perto da capital, Luanda, é a primeira e mais avançada das novas cidades que estão a surgir um pouco por toda a parte em Angola. Apesar de cada projecto ter as suas características muito próprias, Kilamba é considerada como um modelo, em termos quer da construção, quer da gestão. Anver Versi foi visitar.

Há vida no Kilamba

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ilamba fica apenas a uns 30 km de Luanda, mas demora-se muito mais tempo a chegar lá do que seria de esperar. A primeira dificuldade consiste em sair de Luanda até se poder apanhar a auto-estrada. O trânsito está sempre exasperadamente lento. A princípio, pensei que essa lentidão se devia a engarrafamentos de trânsito mas, após algum tempo, percebemos que se deve simplesmente ao número gigantesco de veículos que afunilam através de

vias de circulação que não foram de maneira nenhuma planeadas para escoar este volume de trânsito. Mas o trânsito avança, e os condutores conseguem manobrar os seus veículos muito bem para passarem pelos espaços mais apertados e com isso ganharem um metro ou dois, repetindo depois o processo. Tudo isto se passa sem o rancor e a raiva que caracteriza grande parte da circulação nas estradas africanas. Os engarrafamentos são agora um fenómeno generalizado em toda a África. Quando se espreita para os outros

carros retidos no trânsito, vê-se os passageiros ocupados a trabalhar nos seus telemóveis ou tablets. “O carro é o meu segundo escritório,” disse-me um conhecido meu. Quando se sabe que se vai passar muito tempo retido num carro, aproveita-se o tempo para trabalhar. As estradas estão a ser racionalizadas e está prevista a construção de modernas artérias de transporte que irão incluir viadutos, metro de superfície e até monorails. Mas até à conclusão e estabilização de todos os megaprojectos de construção que estão actualmente em curso, o

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Vi de relance a nova cidade quando ainda estávamos a alguma distância e tive de recuperar o fôlego. Não estava realmente preparado para ver aquela linha de horizonte que se erguia como um espectro na neblina no começo da manhã.

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trânsito rodoviário em Luanda vai continuar a arrastar-se com lentidão. Apesar disso, as estradas apinhadas dão uma boa noção da densidade da população na cidade e do motivo por que a decisão de expansão urbana mais lógica foi a de criar novas cidades em vez de experimentar soluções novas na cidade já existente. Kilamba não é uma cidade-satélite como os novos centros que foram surgindo ao longo da expansão de Thika Road em Nairóbi, nem semelhante à ascensão de Sandton ao estatuto de novo centro de negócios em Joanesburgo. Em vez disso, foi concebida desde a primeira hora como uma cidade totalmente nova que, oportunamente, se tornará autosuficiente em termos de estruturas sociais, serviços públicos e outros. Vai não só aliviar a pressão em Luanda, como também gerar a sua própria economia. A qualidade da habitação, escolas, campos de jogos, espaços comerciais, parques, sistemas de transportes públicos, estradas e

sistemas de controlo do trânsito foi colocada numa fasquia bem alta. Com a sua orientação socialista, a administração MPLA do Presidente José Eduardo dos Santos está apostada em proporcionar aos cidadãos os melhores padrões de vida que a riqueza considerável do país irá permitir. (Ver entrevista com o Ministro do Urbanismo e Habitação, página.) Depois de termos saído de Luanda, foi um trajecto curto ao longo da autoestrada impecavelmente conservada até à nova centralidade do Kilamba. Vi de relance a nova cidade quando ainda estávamos a alguma distância e tive de recuperar o fôlego. Não sei bem o que seria expectável de encontrar, mas não estava realmente preparado para ver aquela linha de horizonte que se erguia como um espectro na neblina no começo da manhã. A massa compacta de edifícios, revestidos de tons pálidos de azul, verde e bege, parecia prolongar-se por quilómetros ao longo da auto-estrada. Apesar de sabermos que se tratava de

Acima, da esquerda para a direita: Enfermeiras Georgina Máquina, Lourdes Mussungo e Dra Filomena Neto no Centro de Saúde do Kilamba. Direita: Uma criança a ser vacinada. Abaixo: Godlive Luvualu, Directora Geral da Saúde.

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As passagens para peões eram largas e estavam claramente assinaladas e, pouco usual em África, os condutores paravam efectivamente quando o sinal ficava vermelho Centro de Saúde de Kilamba

um grande empreendimento, a escala do projecto espantou-nos. Quando virámos para entrar no complexo pareceu que tínhamos dado um salto até ao futuro. As estradas estavam dispostas de uma forma harmoniosa, com uma sinalização clara e ordenada. Os semáforos são do que há de mais moderno, equipados com contagem decrescente digital para se saber quando as luzes vão mudar. Até aqui, na Europa, só vi esta funcionalidade na Escandinávia e, na Ásia, em Singapura e Tóquio. As passagens para peões eram largas e estavam claramente assinaladas e, ao contrário daquilo que sucede praticamente em todos os outros locais em África, os condutores paravam efectivamente quando o sinal ficava vermelho para deixarem os peões atravessar em total segurança. A única excepção foi um condutor desastrado que passou depressa com o sinal vermelho, mas o nosso motorista garantiu-nos que esse condutor não iria longe. Segundo nos contou, há câmaras

Este centro de saúde impressionante, o primeiro de vários a abrir num futuro próximo, foi oficialmente inaugurado, em Setembro de 2014, pelo Governador de Luanda, Graciano Domingos, e pelo Ministro da Saúde angolano, José Van-Dúnem, mas já tinha aberto ao público em Abril. A Dra. Godlive Luvualu, directora-geral do centro, e a Dra. Filomena Neto, administradora da DPSL (Direcção Provincial de Saúde de Luanda) mostraram-nos o estabelecimento. A Dra. Luvualu, que completou o curso de medicina na Ucrânia, explicou que o centro de saúde, uma ex-creche convertida, tem uma capacidade de 30 camas. “Além de serviços de medicina geral, pediatria, maternidade, cuidados pré-natais e planeamento familiar, estamos também a criar serviços de radiografia e laboratório,” contou. No bem equipado laboratório, vimos as enfermeiras Georgina Máquina e Lurdes Mussungo a utilizar um microscópio para analisar amostras. “Planeamos oferecer aqui à comunidade ecografias pré-natais, radiologia geral, assim como análises de urina e sangue”, informou a Dra. Luvualu. Durante a visita, observámos a enfermeira Marisa Nair Falcão a administrar vacinas a várias crianças pequenas, que aguardavam pacientemente com as suas mães a sua vez de serem atendidas. “Estamos a servir cerca de 200 doentes por dia”, disse a enfermeira, “mas esperamos aumentar em breve a capacidade para 300. Os principais problemas de saúde são a malária, a diarreia e a hipertensão. Tratamos os casos mais graves durante 72 horas e, se não houver sinais de melhoras significativas, transferimos os doentes de ambulância para o Hospital Central de Luanda.” Em Setembro, o centro associou-se a um amplo programa nacional para combater o sarampo e a poliomielite. A campanha visava proporcionar vacinação a 7,7 milhões de crianças, com idades entre os seis meses e os 10 anos, até ao final de 2014. “Estamos também a vacinar as crianças do Kilamba, dos seis meses aos cinco anos de idade, contra a poliomielite, o tétano e a hepatite B, incluindo a administração de vitamina A”, acrescentou a Dra. Filomena Neto. O centro tem um quadro de pessoal de 54 profissionais, dos quais 26 são enfermeiros e quatro são médicos (dois angolanos e dois cubanos).

instaladas na estrada que controlam os limites de velocidade e iriam apanhá-lo certamente. Além disso, há também um telefone para onde se pode ligar para as autoridades informando sobre violações de trânsito. Custou-me a acreditar que ainda estávamos em África! Encostámos à berma junto a uma paragem de autocarro para pedir indicações sobre o caminho. Tinha um abrigo e bancos para as pessoas se sentarem. Como sucede em todo o território africano, os táxis minivan que existem por toda a parte são o principal meio de transporte para a maioria das pessoas, apesar de também haver muitos autocarros nos diferentes percursos. As motorizadas, muito estimadas pelos seus jovens proprietários, fazem transporte individual a troco de uma pequena tarifa. As minivans aqui em Angola são azul celeste e branco e estão em muito melhor estado do que as suas homólogas noutros pontos do continente. As estradas através da cidade são desenhadas em forma de grelha, entrecortando-se no sentido norte / sul e leste / oeste. Ao aproximarmonos, conseguimos ver blocos de apartamentos novinhos em folha e com oito e quatro pisos, pintados com muito gosto em dois tons pastel. O azul, verde, castanho e bege eram as cores dominantes. Cada bloco de apartamentos dispunha de espaço suficiente para estacionamento para cada fracção. Vi as primeiras zonas verdes a despontar e pequenos jardins na frente dos edifícios. Ao longo das ruas principais, mais largas, havia restaurantes, cafés, lojas, cabeleireiros e outros estabelecimentos de retalho. Chegámos quando a maioria das pessoas estava a trabalhar e as crianças estavam na escola, pelo que as estradas pareciam bastante desertas. Acabámos por nos encontrar com a nossa tradutora, uma jovem chamada Tatiana que nos disse que morava com a mãe no Kilamba num apartamento ‘4+1’, ou seja, três quartos e uma sala. Tinha um empréstimo com uma hipoteca a 25 anos, e penso que a renda mensal é de 150 dólares apesar de, na confusão dos idiomas, posso ter percebido mal o valor. Visita guiada Seguimos até aos escritórios da administração, onde os administradores da nova cidade, Francisco Changane, Djamila Franco e

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Óscar Veríssimo da Costa nos falaram da história do projecto tendo-nos, mais tarde, levado numa visita guiada. Djamila Franco, directora da Gestão Urbana de Kilamba, disse-nos que é arquitecta e está envolvida na investigação e planeamento de novas cidades potenciais - ou “centralidades. “Entrei para o Gabinete de Reconstrução Nacional, criado em 2004 como um departamento supra ministerial que era directamente responsável perante o Presidente José Eduardo dos Santos,” recordou. “Naquela época, a minha equipa foi incumbida de identificar novas zonas de construção – levando em consideração diversos factores, como a estrutura dos terrenos, níveis de ocupação e proximidade relativamente a grandes centros urbanos.” O Gabinete, segundo nos contou, incluía profissionais de todos os sectores: economistas, arquitectos, engenheiros civis, sociólogos, antropólogos… “Queríamos criar um conceito totalmente angolano.” O plano director, segundo nos explicou Djamila Franco, tinha sido concebido por um instituto chinês, mas segundo especificações angolanas. “Por exemplo, o Presidente dos Santos deu instruções para que os 100 m2 típicos de um apartamento de três quartos fossem aumentados para 110 m2, dado que a maioria das famílias africanas pode ter até seis ou sete membros.” Mas a transposição do plano director para a realidade no terreno veio revelar uma série de questões e problemas, alguns dos quais não poderiam ter sido previstos. Antes de mais, a questão da localização da nova cidade. Tinha de ficar próxima de Luanda de modo a convencer as pessoas a mudaremse para novos blocos residenciais ao mesmo tempo que continuavam a ganhar a vida na capital. Mas não podia ser demasiado perto para não desvirtuar o objectivo inicial do exercício. Tinha de ficar próximo de fontes de água e energia fiáveis, e o local tinha de ser propício à construção, ou seja, sem grandes constrangimentos como pântanos ou uma subestrutura imprópria que conduzisse ao afundamento dos edifícios. Apesar de o governo ser proprietário de todos os terrenos em Angola (com exclusão de algumas propriedades de carácter histórico), era importante que a construção não provocasse qualquer sofrimento ou

O plano director, segundo nos explicou Djamila Franco, tinha sido concebido por um instituto chinês, mas segundo especificações angolanas. dificuldade às pessoas que já habitavam na zona. “Não havia muitas pessoas a viver no local que escolhemos, mas havia algumas,” contou-nos Djamila Franco. O Ministério da Cultura foi chamado para avaliar o impacto da construção nas vidas das pessoas que ocupam a zona. Definiu um pacote de indemnizações e relocalização que satisfez ambas as partes – e pôdese então dar início aos primeiros trabalhos. Ia ser desde logo um projecto gigantesco. Apesar de na África do Sul pós-apartheid se ter feito algo semelhante, nunca se tinha tentado nada desta envergadura em África. O plano visava albergar 500 mil pessoas quando ficassem concluídas as três fases do projecto. O único país nos tempos modernos que tinha executado com êxito projectos desta envergadura e complexidade era a China. Empreiteiros, arquitectos, topógrafos, engenheiros (engenharia hidráulica, electrotécnica, civil, mecânica, saneamento, etc.), instaladores, pintores, jardineiros e outros profissionais tinham-se tornado

Da esquerda para a direita: Habitação no Kilamba; Djamila Franco, Directora de Gestão Urbana; Óscar Veríssimo da Costa, Assessor Político para a Administração do Kilamba; Novos blocos de habitação no Kilamba e o interior de um apartamento.

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Centro Infantil Pequenos Príncipes

Empresas chinesas, combinando tradições de construção muito antigas e técnicas modernas, estavam ocupadas numa remodelação do continente africano

Este é um grande estabelecimento, no coração do Kilamba, com salas grandes e arejadas, composto por creche e ensino pré-escolar. A directora, Lurdes Franco, e a Directora de Educação, Fátima de Assis, fizeram-nos uma visita guiada pelas instalações, inauguradas em 2013. O centro cuida de 200 crianças, dos três meses aos cinco anos de idade. O espaço está bem apetrechado com salas de aula, salas de leitura, salas de artes plásticas, um posto de enfermagem e um refeitório. “As crianças que permanecem aqui durante o dia têm uma rotina que alia a disciplina à diversão, com momentos pedagógicos e momentos de brincadeira, hora da sesta e hora da refeição”, explicou a directora, Lurdes Franco. O pessoal no Pequenos Príncipes é composto por seis professores e 20 auxiliares de ensino. Além disso, há funcionários que cuidam das crianças de manhã, logo quando chegam, trazidas pelos pais. As auxiliares encarregam-se também das crianças cujos pais apenas as podem ir buscar depois da hora do fecho oficial diário do centro. O centro abre antes do nascer do sol, cerca das 05h00. “A maior parte das crianças chega aqui muito ensonada e continua a dormir até às 07h30, hora em que as creches começam realmente a funcionar. O horário flexível é também vantajoso para os pais que trabalham em Luanda e que, para chegarem aos seus locais de trabalho às 08h00, têm que sair do Kilamba até às 05h00, devido ao tráfego intenso”, explicou Lurdes Franco. A Directora de Educação, Fátima de Assis, frequentou vários workshops no Reino Unido e está a aplicar metodologias de planeamento educacional similares às utilizadas na Grã-Bretanha. “Aprendi muito lá, especialmente na área das Necessidades Educativas Especiais (NEE)”. A responsável conduziu-nos para uma sala alegre, cheia de brinquedos adoráveis, concebidos para responder às necessidades das crianças com problemas comportamentais e de aprendizagem. “Estamos a tentar alcançar o rácio de uma criança com NEE por professor auxiliar e a aprender estratégias para aliviar o stress que algumas destas crianças sofrem.” Fátima, ex-professora do ensino pré-escolar, disse que, embora desde o fim da guerra o número de escolas com equipamento e pessoal para NEE tenha aumentado e 60.000 crianças com NEE tenham sido integradas no sistema escolar, “ainda há muito a fazer para dar resposta às necessidades reais do país.”

peritos no planeamento e execução de projectos desta dimensão. A experiência ganha ao longo dos anos à medida que o gigante asiático ia fazendo a sua própria revolução urbana extraordinária tinha criado todo um quadro de profissionais e trabalhadores aprimorados que funcionavam como uma mega-unidade para criarem projectos completos em prazos incrivelmente curtos. Na concretização dos seus próprios sonhos, a China tinha-se tornado num parceiro comercial muito importante com Angola, comprando petróleo e vendendo uma vasta gama de produtos. Entretanto, as empresas chinesas, combinando tradições de construção muito antigas e técnicas modernas, estavam ocupadas numa remodelação do continente africano (e de outras regiões também), erigindo novos estádios, edifícios públicos, pontes, portos, aeroportos, estradas, caminhos-de-ferro, centros comerciais e unidades residenciais. Era assim lógico que Angola e a China chegassem a um acordo que fosse mutuamente benéfico. O custo estimado do projecto ascendeu a cerca de USD 3.5 mil milhões. O financiamento seria angariado através de uma linha de crédito chinesa remunerada em espécie com petróleo angolano. O contrato principal foi adjudicado à China International Trust and Investment Corporation (CITIC) e o prazo de construção incrivelmente curto foi estipulado em três anos para a conclusão da 1.ª fase das três que o projecto previa. “Em Agosto de 2008, o Presidente colocou a primeira pedra do projecto,” recordou Franco. “Três anos mais tarde, em 11 de Julho de 2011, o Presidente regressou, desta vez para inaugurar a nova cidade,” disse. Contra todas as expectativas, os chineses tinham preparado os terrenos, instalado as infra-estruturas – água, energia, saneamento, estradas, iluminação, e construíram os edifícios em apenas três anos. A logística que o transporte de milhares de toneladas de cimento, aço, madeira, vidro, tubagens, cablagens, gruas, dragas, escavadoras, cilindros implica, bem como o transporte de outros equipamentos e matériasprimas necessárias à construção da nova cidade, têm sido algo de extraordinário de ver. Mais tarde iríamos ter oportunidade de ver outra cidade em construção, e tenho de dizer que concordo com a observação feita

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por um empreiteiro que conheci, segundo a qual as obras devem ter sido de envergadura semelhante à da construção das pirâmides do Egipto no tempo dos Faraós. Muitas vezes consideramos que a maré de construção por empresas chinesas em África e em metade do mundo é algo de natural e adquirido, e até costumamos procurar falhas, esquecendo-nos dos conhecimentos e experiência vastíssimos e de todo o esforço laborioso a que estes mega projectos obrigam. No entanto, não há dúvida de que algumas das obras feitas pelos chineses, e também de empreiteiros de outros países, deixam muito a desejar. No Reino Unido, há um programa de TV há muito tempo (“Cowboy Builders”) que se especializa em identificar empreiteiros aldrabões que não cumprem nada daquilo para que foram contratados. E isto apesar de uma bateria de leis e regulamentos criados para assegurar que essas pessoas não consigam sequer chegar perto de um projecto de construção. Assim, a qualidade do trabalho não depende da nacionalidade do empreiteiro, mas dos padrões de desempenho que definiram para si próprios. Seria também esperar demais que um projecto de construção de habitação desta envergadura decorresse sem qualquer falha. As falhas ao nível das estruturas só se tornam perceptíveis depois de os edifícios terem “assentado” nos seus alicerces e de se terem adaptado ao clima e padrão de utilização. Kilamba ainda tem pouco tempo para justificar qualquer tipo de afirmação generalizada sobre a qualidade da construção. Seja como for, como sucede noutros pontos do globo, os empreiteiros têm a obrigação de reparar quaisquer danos estruturais. Um sonho tornado realidade Segundo os nossos anfitriões, a inauguração em 2011 tinha sido um momento marcante para o país inteiro. A maioria da população jovem só conhecia os perigos e privações resultantes da guerra; as únicas memórias que as gerações de mais idade tinham do período que antecedeu a guerra eram de exclusão das coisas boas da vida durante o período colonial português. “Mesmo para os que participaram no programa deste o início,” disse Óscar Veríssimo da Costa, assessor político para o Gabinete Administrativo de Kilamba, “ver uma

cidade linda e nova a erguer-se do chão onde antes não havia nada, foi como um sonho! Tínhamos medo de acordar e descobrir que tudo não tinha sido mais do que um sonho. Mas não era – Kilamba estava ali, ao vivo, tal como o Presidente tinha prometido.” Kilamba estende-se ao longo de 5.200 hectares. Está dividida em 24 ‘bairros’ e tem 715 edifícios com 20.002 apartamentos. Tem 24 infantários, nove escolas primárias, oito escolas secundárias, um centro de saúde e 50 km de estradas. Os serviços públicos são dos mais modernos que há. O poderoso Rio Kwanza fornece água potável. Visitámos a central de tratamento de águas residuais que processa diariamente 35.000 metros cúbicos de água, bem como uma estação de tratamento de água potável com uma capacidade de 40.000 metros cúbicos por dia. Uma série de centrais eléctricas garante que, contrariamente ao que sucede com a maior parte das cidades africanas, incluindo Luanda, o fornecimento de energia é ininterrupto, não tendo até agora havido quaisquer falhas no fornecimento. O sistema de telecomunicações pareceu estar a funcionar na perfeição e, ao escurecer, a iluminação pública e outras luzes auxiliares inundaram a cidade de luz. Apesar de cada bairro dispor de um guarda de segurança, foinos dito que a criminalidade era praticamente inexistente. A cidade animava-se à noite com o regresso dos trabalhadores e estudantes a suas casas e, depois do jantar, com a saída de casa para conviverem, jogar basquetebol ou futebol, ou até fazer jogging na hora mais fresca do dia. Reparámos que os angolanos gostam muito de plantas e flores. As varandas de praticamente todos os apartamentos estavam cheias de flores de cores vivas e plantas verdejantes. Não se via lixo em sítio nenhum. Os contentores de lixo estavam colocados a intervalos curtos, e informaram-nos de que despejar lixo fora do local próprio constitui uma transgressão social grave que pode implicar uma multa. Foi excelente constatar que a praga dos sacos de plástico que afecta tantas das nossas cidades tem, até aqui, sido evitada, e espera-se

“Ver uma cidade linda e nova a erguerse do chão onde antes não havia nada, foi como um sonho! Tínhamos medo de acordar e descobrir que tudo não tinha sido mais do que um sonho. Mas não era – Kilamba estava ali, ao vivo, tal como o Presidente tinha prometido.”

Direita: Escola de Ensino Primário 16 de Junho e, acima, a directora da escola, Georgina Abraão.

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Escola de Ensino Primário 16 de Junho (Dia Internacional da Criança Africana) A directora da escola primária, Georgina Abraão, alta e de porte atlético, a fazer lembrar os seus tempos de estrela da equipa nacional feminina de basquetebol de Angola, mostrou-nos orgulhosa a sua escola, novinha em folha. Aqui, as turmas têm entre 2530 alunos – “tal como na Europa”, salientou, e a escola serve cerca de 1.000 crianças, que estudam por turnos. Embora a maior parte dos alunos viva no Kilamba, um número considerável vem das áreas em redor. “Estamos a introduzir o uso de uniformes escolares, subsidiados pelo governo, e sentimo-nos muito privilegiados por termos sido escolhidos para lançar o Meu Kamba (“O Meu amigo”, em língua nacional Kimbundu), um programa nacional para fornecer computadores às escolas primárias.” Até à data, acrescentou, a escola recebeu 80 computadores portáteis, que ajudam as crianças a aprender português, matemática e ciências. “Queremos contribuir para a transformação dos modelos educacionais tradicionais e a informática é uma grande motivação. Registámos melhoramentos na assiduidade dos alunos e na qualidade da aprendizagem”, assegura. As salas de aulas estão dispostas à volta de um pátio quadrado. Estavam arrumadas e bem equipadas, com carteiras, cadeiras e material didáctico. Além de um campo de basquetebol, havia um campo de jogos grande, para futebol e atletismo. As crianças, de olhar vivo, mostraram-se curiosas e cheias de energia, mas claramente bem disciplinadas. Contaram-nos que “adoravam” ir à escola, porque era muito divertido.

que as autoridades civis e os próprios residentes consigam combater essa invasão. Levaram-nos a ver um apartamento modelo no rés-do-chão de um dos prédios. Era constituído por três quartos, sala com zona de refeições, uma cozinha de bom tamanho, casa de banho e wc. Era surpreendentemente mais espaçoso no interior do que parecia visto de fora. Os acabamentos, em termos de pavimento, iluminação, caixilharia, portas, etc., eram de boa qualidade e de bom gosto, sem serem extravagantes. Os elevadores modernos e inteligentes trabalhavam de forma silenciosa e eficiente. Os apartamentos tinham bastante espaço de arrumação e nas traseiras da cozinha havia um pequeno espaço para estender a roupa ao sol e ao vento. Isto é um elemento importante, pois não há nada mais inestético do que os prédios cheios de roupa estendida em todos os recantos possíveis. (As máquinas de lavar e secar roupa são consideradas uma despesa desnecessária em grande parte de África, pois a roupa pode ser lavada facilmente à mão e a secagem da roupa ao ar livre é uma alternativa muito melhor à secagem num secador de roupa). A configuração típica dos apartamentos é um quarto principal razoavelmente grande, e dois quartos mais pequenos, mas de tamanho suficiente para os filhos ou talvez um familiar em visita. Os apartamentos com quatro quartos, segundo me disseram, podem alojar facilmente sete a oito pessoas – uma solução muito desejável devido ao facto de as famílias em África serem bastante numerosas. Mas uma coisa é olhar para um andar modelo, outra coisa é viver num desses apartamentos. Felizmente para nós, um arquitecto do Ministério do Urbanismo e Habitação que nos tinha acompanhado e sido nosso guia durante a viagem, convidounos para jantar de improviso no seu apartamento em Kilamba. A hospitalidade angolana é lendária e, apesar de uma decisão de última hora de jantarmos em sua casa em vez de nos metermos no trânsito ao fim do dia de regresso a Luanda, a mulher e a filha do nosso anfitrião presentearamnos com uma refeição digna de reis. Pudemos conviver com os seus filhos mais novos e cheios de energia, que ficaram fascinados com o equipamento fotográfico altamente sofisticado do nosso fotógrafo e discutiram futebol, basquetebol,

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computadores e outras questões de interesse para jovens daquela idade. Pudemos assim experimentar o que é viver num dos apartamentos. Havia certamente muito espaço para as crianças andarem de um lado para o outro e também para arranjarem sítio para os seus posters, secretárias, camas, roupeiros, brinquedos e outros objectos. A mulher do nosso amigo contounos que estava encantada com o seu apartamento e com a sensação de comunidade que proporcionava. O valor reduzido da renda permitiu à família comprar tudo o que precisava – frigorífico, fogão, televisão, mobília, entre outros elementos, sem se endividar muito. Os filhos frequentavam as escolas locais e a dona da casa trabalhava na Universidade Agostinho Neto, que fica relativamente perto. Conseguiam ir para a escola e o trabalho sem ficarem retidos no trânsito “excepto o desgraçado dele,” disse-nos, apontando para o marido que trabalha em Luanda. Isto proporcionava-lhes tempo livre, tão precioso para fazer coisas em família. A cidade ganhava vida ao anoitecer. As ruas que anteriormente tinham estado desertas, ficaram de repente cheias de pessoas. “Deviam cá vir num fim-de-semana,” sugeriram os nossos anfitriões. “Este lugar ganha vida a valer”. Mais tarde, ao sairmos do

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Centro de Formação Profissional BN-Angola CITIC

A cidade ganhava vida ao anoitecer. As ruas que anteriormente tinham estado desertas, ficaram de repente cheias de pessoas. “Deviam cá vir num fimde-semana,” sugeriram os nossos anfitriões. “Este lugar ganha vida a valer” Do topo à esquerda: Centro de Formação Profissional BN-Angola CITIC, estudantes (esquerda para a direita) Maria Cabaça Nazambe, Teresa Alberto e Matilde Raimundo; sala de aulas; aprendizes de cabeleireiro; e Frederik José dos Santos, Coordenador Educacional.

complexo, passámos junto a um campo de basquetebol onde vimos dois rapazes completamente absorvidos num jogo de basquete no campo iluminado – muito, muito diferente do interior congestionado da cidade de Luanda onde viviam anteriormente. A debandada Continuámos a nossa visita ao Kilamba no dia seguinte. Óscar Veríssimo da Costa, assessor político para o Gabinete Administrativo de Kilamba, disse-nos que viviam actualmente na cidade cerca de 70 mil pessoas. Isto representava apenas 70% da capacidade total disponível na 1.ª Fase. “E então as histórias na comunicação social estrangeira dizendo que Kilamba era uma “cidade fantasma” sem habitantes,” pergunteilhe. “Bem, de certeza que agora não é de forma alguma uma cidade fantasma,” disse ele, rindo. “Só se todas as pessoas que vocês viram eram fantasmas!” Mas reconheceu, contudo, que pouco depois de terminada a construção, Kilamba parecia-se com uma cidade fantasma durante algum tempo. “Logo após a conclusão do projecto em Julho de 2011, os apartamentos estavam a ser vendidos entre os USD 125.000 e USD 200.000” disse. “Mas o preço era demasiado alto para a pequena classe média que existe em Luanda”. Como resultado da guerra, do

Um dos aspectos mais impressionantes do projecto da nova cidade do Kilamba foi a atenção prestada ao desenvolvimento de competências profissionais. O objectivo é duplo: primeiro passa por oferecer formação profissional para efeitos de obtenção de emprego, mas, essencialmente, visa assegurar que existe um quadro de trabalhadores especializados, para ajudar a efectuar a manutenção e reparações no projecto habitacional em si. Este sistema é muito similar à tendência existente na China, onde estes planos têm tido muito sucesso. Os chineses atribuem tal importância a este aspecto que o centro foi inaugurado, em Maio de 2014, pelo Primeiro Ministro chinês, Li Keqiang, e pelo VicePresidente de Angola, Manuel Domingos Vicente. O Coordenador Educacional, Frederik José dos Santos, que nos mostrou o espaço, explicou que o centro de formação era uma iniciativa privada da empresa chinesa CITIC, o empreiteiro que construiu o Kilamba. O centro visa formar jovens angolanos, do município de Belas, onde o Kilamba fica situado, em várias das competências necessárias para manter a cidade: alvenaria, mecânica, electricidade, canalizações, refrigeração, pintura, jardinagem, administração de escritórios, limpeza, culinária, costura e muitas outras actividades especializadas. Numa sala de aulas, vimos jovens a aprender a fazer manutenção de elevadores. Todos estavam a usar uniformes fornecidos pelo centro e, no fim dos seus cursos, receberão conjuntos de ferramentas, para que possam iniciar o seu próprio micronegócio, no caso de não encontrarem emprego imediatamente. Frederik conduziu-nos ainda a uma sala de TIC totalmente equipada, onde doze alunos estavam a receber formação em programas e aplicações administrativas A jovem Maria Cabaça disse-nos que deseja estudar inglês, viajar e conhecer o mundo e depois fixar-se no Kilamba, “a minha cidade ideal do futuro” para trabalhar e constituir família. “Aposto que as minhas ambições não são assim tão diferentes das aspirações das raparigas da classe trabalhadora na Europa e noutros locais”, disse. Visitámos também diversos workshops: culinária, jardinagem, manutenção e reparação de automóveis e uma animadíssima aula de costura e decoração presidida pela professora Elisabete Manuel. A turma, composta essencialmente por senhoras de todas as idades, estava ocupada a produzir belas peças de artesanato para a época de Natal que se aproximava. A professora teve a gentileza de nos oferecer a todos, como presente, alguns dos artigos que as suas alunas tinham feito e, com um rasgado sorriso, disse: “Sejam bem-vindos às artes das mulheres angolanas!” Toda a gente estava visivelmente de muito bom humor.

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quase abandono das zonas rurais e da paragem do desenvolvimento económico, Angola é um dos locais com mais desigualdades ao nível dos rendimentos em todo o mundo. No entanto, as pessoas que dispõem de competências, capital e bons conhecimentos pessoais ganham bons salários. Antes, tínhamos visitado uma família de profissionais que alugava um apartamento de quatro pisos no bairro caro de Talatona. As rendas neste condomínio fechado, segundo nos disseram, variam entre os USD 12.000 e os 18.000 por mês. Dada esta situação, segundo nos explicou Óscar da Costa, os jovens profissionais que estão a começar a sua vida não conseguem pagar rendas tão exorbitantes. “Vivem sob telhados de chapa ondulada e em estruturas improvisadas,” acrescenta. “Sonham fugir dessa situação, mas não têm meios para o fazer.” A Cidade do Kilamba veio abrir uma oportunidade para mudarem completamente de estilo de vida “mas como os preços eram tão elevados, não conseguiam geralmente acesso a uma linha de crédito para pagarem as rendas necessárias antecipadamente. Assim, e apesar de os preços dos apartamentos em Kilamba serem bastante baixos, o segmento da população visado, os jovens profissionais, não conseguia simplesmente arranjar dinheiro para se mudarem para lá. Por isso, sim, tivemos aqui uma cidade fantasma.” No início de 2013, o Presidente dos Santos decidiu que bastava – e terá dito ao Conselho de Ministros que o objectivo de todo o projecto era proporcionar habitação tão necessária para a população, e não um resultado comercial sem prejuízos nem a obtenção de lucros. Supervisionou uma série de regulamentos que fizeram baixar o preço de um mínimo de USD 125.000 para um novo mínimo de apenas USD 70.000 por um T3 (um apartamento com 3 quartos, com uma área aproximada de 110 m2) e um máximo de USD 180.000 para apartamentos mais espaçosos, em vez dos anteriores USD 200.000. O governo criou a Sonip, uma subsidiária de financiamento da Sonangol, a empresa petrolífera gigante pertencente ao Estado angolano, para conceder empréstimos cobrindo 90% do custo ao longo de um período de 10-30 anos, tendo fixado a taxa de juro em apenas 2.2%.

O efeito foi imediato. Assim que as novas medidas foram anunciadas, os funcionários administrativos foram inundados por uma maré de candidaturas. Os apartamentos estavam a ser arrebatados logo que as candidaturas eram processadas. “A procura era de tal forma elevada que a administração ficou sobre uma enorme pressão para processar as candidaturas. Mas era necessário fazer verificações para evitar fraudes ou o aproveitamento da habitação barata por parte de especuladores, e só depois de darmos as candidaturas como processadas os potenciais compradores podiam obter os empréstimos junto da Sonip,” explicou o responsável. Disse que, como só tinham capacidade para processar cerca de 1.200 candidaturas por dia, as pessoas faziam fila durante dias a fio só para poderem preencher a sua documentação. “Esta situação veio criar novas oportunidades de emprego,” acrescentou. “Temos cerca de 7.000 jovens profissionais a trabalhar em Kilamba, 1.500 trabalhadores de segurança, 5.000 empregadas de limpeza e esperamos atrair mais actividades por parte do sector privado”. Também fomos informados de que, como resultado das críticas de que a Sonip estaria a demorar demasiado tempo no processamento das candidaturas aos empréstimos, esta função acabara de ser passada a uma empresa de imobiliário especializada, a Imogestin. “A construção desta grande cidade servirá de modelo tanto às economias emergentes, como às economias amadurecidas, não só devido ao grande sucesso obtido na disponibilização de habitação em grande escala, como também para ajudar a combater o desemprego e estimular as economias locais.” Onde a vida acontece Mas isto é apenas o começo de algo ainda maior. “Já começámos a construção da 2.ª Fase,” disse Djamila Franco. “Estamos a construir 7.000 apartamentos e 5.000 moradias geminadas, e em breve vamos começar a construir um hospital, quatro clínicas, 12 centros de saúde, três instituições financeiras, várias estações de correios, garagens, esquadras de polícia, quartéis de bombeiros, parques de estacionamento, igrejas, um cemitério e muitas outras estruturas”. Conseguimos ver algumas das moradias geminadas meio construídas, e eram grandes e com linhas apelativas,

O magnífico estádio nacional de Hóquei em Patins de Angola, perto do Kilamba Angola organizou o Campeonato do Mundo de Hóquei em Patins em 2013, no seu pavilhão multi-usos ultramoderno, nos arredores de Luanda. Este é um de três estádios – os outros ficam em Malange e no Namibe – que servem este desporto, que está a aumentar de popularidade, não só no país como em todo o mundo. O campeonato de 2013 foi ganho pela Espanha e o evento foi transmitido em directo pela televisão para metade do mundo. Uma das características notáveis desta arena é que, à noite, o sistema de iluminação faz as suas paredes exteriores brilhar e mudar de cores – e o “espectáculo” de cor e luz vê-se a quilómetros de distância!

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Urbanistas em todo o continente deveriam deslocar-se a Angola para ver pessoalmente o que se pode fazer quando há determinação e um fortíssimo orgulho nacional.

com acesso próprio para o carro e jardins individuais. Estas casas vão obviamente ser postas à venda por um preço muito mais alto e terão como destinatários profissionais e funcionários públicos com posições hierárquicas superiores e com salários mais altos. “O principal objectivo consiste em conjugar todas as classes de rendimento na mesma comunidade, sem criar barreiras entre as mesmas,” esclareceu da Costa. “De momento, cerca de 6.000 trabalhadores – 1.734 chineses e 4.754 angolanos, estão envolvidos na construção de 2.780 moradias unifamiliares e em banda, e 5.220 apartamentos de tipologia T3 que deverão ficar prontos no segundo semestre de 2015,” acrescentou Franco. “Na 3.ª Fase, vamos desenvolver mais serviços para a nova comunidade. Tencionamos construir uma rede de metropolitano e de comboios, zonas desportivas, clubes, bancos e um hotel. A cidade continua a crescer a todos os níveis,” disse. As 2.ª e 3.ª Fases vão contar com um envolvimento muito maior por parte do sector privado com o surgimento de uma zona central de negócios, que se prolongará pela 3.ª Fase com maior destaque para o entretenimento e o lazer.

Esquerda: Abílio Forwelos, Gerente do estádio. Esquerda e acima: Estádio de Luanda – a arena e uma das entradas.

Kilamba é facilmente o projecto mais ambicioso actualmente em curso em África. O seu slogan ‘Há vida na Cidade do Kilamba” não pode ser mais adequado. Está a ser replicado em várias províncias de Angola onde muitos dos projectos já foram concluídos. Este é um país que está empenhado em proceder à sua reconstrução de uma forma rápida, e em transformar-se de um país destruído pela guerra naquilo que poderá vir a ser a pérola de África daqui a uma geração. É, a todos os títulos, um feito extraordinário, e todos os urbanistas em todo o continente deveriam deslocar-se a Angola para ver pessoalmente o que se pode fazer quando há determinação e um fortíssimo orgulho nacional. n

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E N T R E V I STA

Angola é provavelmente o destino mais apetecível para investimentos em África nos dias de hoje. Além dos enormes investimentos efectuados no sector do petróleo, e agora do gás, o investimento privado estrangeiro está a jorrar para vários sectores, incluindo os das infra-estruturas e do imobiliário. Todos os investimentos no país passam pela Agência Nacional de Investimento Privado. Anver Versi encontrou-se com a dinâmica líder desta organização.

Destino nº1 para investimentos em África CEO da ANIP, Maria Luísa Abrantes

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aria Luísa Abrantes, CEO da Agência Nacional de Investimento Privado, ANIP, é uma das pessoas mais ocupadas em Angola. A sua agenda de reuniões diárias está sempre preenchida com marcações e por uma boa razão: Angola é, presentemente, talvez o destino mais interessante para investimentos em África. Apesar da considerável pressão sobre a sua agenda, Luísa Abrantes dispensou-nos algum tempo, pois queria esclarecer as questões relativas ao potencial de Angola para o investimento e os procedimentos envolvidos. Com uma pontualidade impecável até ao segundo, à hora marcada para a reunião, fomos conduzidos ao seu escritório, com uma decoração de bom gosto. A líder da ANIP apareceu pouco depois, com passo animado e um ar cativante, apertou-nos a mão entusiasticamente e entrou de imediato no

assunto – mas não sem primeiro dizer uma ou duas piadas para descontrair e deixar-nos mais à vontade. Comecei a compreender a razão por que a Dra. Abrantes impressiona tanto os investidores que se deslocam ao país e começam por passar pelo seu escritório. Tudo, desde o escritório, da recepção, da organização até à sua pessoa, transpira eficiência, controlo e celeridade. A ANIP, no âmbito das suas competências, proporciona o quadro para a política de investimento de Angola - tanto nacional como estrangeira – e ajuda passo a passo os investidores a entender a profusão de regulamentos que regem o código de investimento da nação. A organização trata de todos os investimentos no país, quer sejam de gigantes corporativos mundiais do petróleo e construção, quer sejam de empresas muito mais humildes, que fornecem bens ou serviços muito necessários em Angola. A política de investimento do país,

esclareceu a CEO, tem as suas raízes nas políticas de orientação social do MPLA e sempre colocou o bem-estar dos cidadãos no topo da sua agenda. É também uma política holística, baseada na aplicação das receitas do petróleo para regenerar e acelerar o crescimento em todos os outros sectores. “Vejamos a agricultura, por exemplo,” disse. “Angola tem cerca de 12% dos recursos hídricos de África e vastas áreas de terras aráveis. A nossa produção agrícola, antes da guerra, era uma das mais impressionantes no continente. Gostaríamos de reconquistar essa posição – e, claro, de produzir também para as nossas próprias populações e para os nossos vizinhos.” A Dra. Abrantes salientou ainda que Angola está muito bem posicionada geograficamente. “Somos uma porta de entrada do Oceano Atlântico tanto para a África Central como para a África Austral. Angola é a porta de entrada do investidor para um mercado que excede de longe a nossa actual popula-

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East region can be shared more equitably, along with the opportunities

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E N T R E V I STA ção de 24 milhões; o mercado que pode ser acedido a partir daqui é de cerca de 100 milhões, se tomarmos em conta a República Democrática do Congo, a Zâmbia e todos os outros países que ficam mais próximos de Angola.” A responsável acrescentou que Kinshasa, a capital da República Democrática do Congo, fica a apenas 45 minutos de avião e que um grande número de cidadãos congoleses deslocam-se a Angola diariamente em negócios ou para trabalhar. As infra-estruturas de transportes que ligam Angola aos países vizinhos já foram recuperadas ou estão em vias de o ser. As ligações ferroviárias do porto do Lobito com as áreas abundantes em minerais na República Democrática do Congo e na Zâmbia já foram estabelecidas e deverão entrar em funcionamento num futuro próximo. O próprio porto do Lobito está a beneficiar de uma grande expansão e conta agora com um porto especialmente reservado para a recepção de minerais. Este novo recurso será uma bênção para o leste da RD Congo e a Zâmbia, pois espera-se que venha reduzir substancialmente os custos de transporte de minerais a granel, assim como das importações que vão no outro sentido. Mas esta é apenas uma parte do que se passa em Angola. Existem enormes oportunidades de investimento em praticamente todos os sectores em que se possa pensar – transformação de produtos agrícolas, manufactura, energia, educação, saúde, transportes, turismo, lazer, construção imobiliária, retalho... e por aí fora! “Angola está a recuperar das décadas perdidas e temos uma lista enorme de tarefas. Embora o Estado seja o pivô em alguns sectores, tais como os da energia, educação e saúde, e esteja a canalizar milhares de milhões de dólares para estes sectores, o investimento privado está a tornar-se um parceiro cada vez mais importante num número crescente de actividades,” assegurou Luísa Abrantes. Uma destas áreas, destacou a responsável, é a das infra-estruturas. “É claro que, sem infra-estruturas adequadas e a funcionar, não se tem as bases para o crescimento económico e não é possível atrair o investimento privado. Foi por esta razão que, desde que a guerra terminou, em 2002, o governo tem aplicado enormes recursos nas estradas, caminhos-de-ferro, pontes, portos, aeroportos – primeiro recuperando os existentes e depois construindo outros.”

Série de projectos de infra-estruturas A Luísa Abrantes enumerou rapidamente uma lista de novos projectos de infra-estruturas. Por exemplo, o novo Aeroporto Internacional de Luanda rivalizará com o de Joanesburgo quando estiver concluído, num futuro próximo; um aeroporto novo em Catumbela, em Benguela, recentemente inaugurado; um novo porto seco, em Luanda, está na fase final de acabamento, a construção de novos portos no Caxito, na província do Bengo, e em Porto Amboim, na província do Kwanza Sul, que deverá ter início brevemente; a novo e magnífica Assembleia Nacional em Luanda será inaugurada em 2015 e os legisladores mudaram-se para o novo parlamento de Benguela o ano passado. Perguntámos como o investimento privado podia desempenhar um papel

Acima: Aeroporto da Catumbela.

Sem infra-estruturas adequadas e a funcionar, não se tem as bases para o crescimento económico e não é possível atrair o investimento privado.

no programa de habitação social. “Devido a contenções orçamentais e à necessidade de evitar uma queda na qualidade dos serviços por esse motivo, estamos a recorrer cada vez mais às empresas privadas,” afirmou a líder da ANIP. “Neste contexto, pensamos que uma organização privada pode ser mais eficiente ou ter uma maior capacidade para fornecer os recursos necessários para os investimentos essenciais.” Luísa Abrantes explicou que as empresas privadas têm vindo gradualmente a substituir as entidades públicas nas actividades não essenciais. Na área da habitação social, os empreiteiros privados – tanto estrangeiros como nacionais, tais como a Kora Angola e a Imogestin – são contratados pelo Estado para levar a cabo projectos de acordo com certos padrões bem definidos. Um dos elementos essenciais que definem o conceito da Parceria Público-Privada (PPP) é a partilha do risco,” elucidou. “Essa definição implica que a partilha de riscos entre as entidades públicas e privadas deve ser correlacionada com a capacidade de cada parte de gerir esses riscos, identificando-os com absoluta clareza no contrato,” explicou, acrescentando que a transferência dos riscos para o sector privado deve ser real e significativa. A Luísa Abrantes informou ainda que as iniciativas de PPP podem vir do governo ou das entidades privadas e que o seu gabinete estava sempre pronto a discutir as questões e a oferecer orientação sobre as regras e regulamentos por vezes complicados que regem muitas destas iniciativas. O investimento estrangeiro em Angola aumentou muito significativamente, de cerca de USD 1,7 mil milhões em 2011 para USD 7,4 mil milhões em 2014. O grosso do investimento estrangeiro tem vindo dos Estados Unidos, França, Bélgica, Itália, Brasil, Portugal, Noruega e China. “A China está agora no primeiro lugar,” acrescentou, embora Portugal seja um dos principais investidores nos sectores não-petrolífero e da exploração mineira. Aqui chegados, a secretária da dirigente da ANIP entrou e recordou-a de que o tempo para a nossa entrevista se tinha esgotado e que estava na hora da sua próxima reunião. Ao sair, vimos uma pequena delegação liderada pelo embaixador de uma grande potência mundial a entrar no gabinete da CEO. A sua secretária encolheu os ombros: só mais um dia bem recheado na vida de Maria Luísa Abrantes. n

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D E STAQ U E :

I M O B I L I Á R I O

Como se cria um sector imobiliário praticamente do nada? Durante décadas, quase ninguém investiu no sector imobiliário em Angola, mas a enorme procura actual, tanto de imóveis comerciais como para habitação, levou a uma rápida multiplicação de agências informais. A situação está agora a estabilizar e na vanguarda surge a empresa angolana Imogestin. Falámos com a CFO.

Arestas por limar CFO da Imogestin – SA, Branca do Espírito Santo

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mercado imobiliário em Angola é “para falar com realismo, imaturo. Está na fase de arranque”, diz Branca do Espírito Santo, directora financeira (CFO) da Imogestin, prestigiada e bem estabelecida empresa do sector da promoção e imediação imobiliária. Contudo, está a aumentar de ritmo à medida que um fluxo aparentemente ininterrupto de imóveis ficam disponíveis. Além das centenas de milhares de apartamentos subsidiados que já chegaram, ou estão em vias de chegar ao mercado, a procura de espaços para escritórios, especialmente na capital, Luanda, é “esmagadora”, comentou Branca do Espírito Santo. Encontrei-a no seu escritório, situado num dos edifícios altos do coração da capital. Olhando das janelas do seu escritório, em qualquer sentido, podiam ver-se torres de escritórios recém-acabadas (e em muitos casos com um desenho curioso) e outras estruturas, igualmente de grande dimensão, em várias fases de construção. Não tinha havido qualquer construção de imóveis comerciais desde o início da guerra, em 1975, até ao estabelecimento da paz, em 2002. Desde então, a economia do país começou a crescer em percentagens de dois dígitos e, paralelamente, a procura

de espaços para escritórios ultrapassou facilmente toda e qualquer oferta que ainda existia. “Quase todos os escritórios que estão a ser construídos,” informou, já estão apalavrados. “As empresas estão desesperadas por encontrar espaços para escritórios”, obrigando muitas delas, incluindo algumas grandes multinacionais, a converter residências em escritórios. Casas tradicionais, nas áreas de segmento superior do Miramar e Alvalade, estão a ser utilizadas como bases para conduzir negócios – “e estas incluem mesmo algumas embaixadas.” A nossa visita teve lugar apenas alguns dias após o anúncio de que a Imogestin iria passar a ocuparse da gestão de vendas das novas centralidades, antes a cargo da Sonip e da Delta Real Estate. Esta mudança seguiu-se a queixas persistentes de que o processo estava a ser demasiado lento e complicado – ficando os potenciais candidatos noites inteiras ao relento, para não perderem o seu lugar na fila. Como a decisão tinha sido tomada apenas uns dias antes, Branca do Espírito Santo não quis entrar em pormenores sobre como a sua empresa iria tratar o processo. “Mas pode ter a certeza de que iremos geri-lo o melhor possível – temos a experiência necessária,” garantiu-nos. Algumas semanas mais tarde, o CEO da empresa, Rui Cruz, anunciou

que os casos das pessoas que já tinham pago as suas casas mas que ainda não tinham recebido as chaves dos seus apartamentos, seriam tratados com prioridade a partir de meados de Janeiro. A Imogestin estava também a trabalhar em modalidades práticas para processar rapidamente uma avalanche de centenas de milhares de pedidos de novas casas que tinham chegado. A Imogestin é, além disso, uma das maiores construtoras do país. Criar sociedades com fins específicos para a construção imobiliária em Angola é uma questão complexa, comentou a CFO. Envolve o financiamento de instituições locais, tais como o Banco BAI (que é também accionista), o Banco Millennium Angola, entre outras. Algumas empresas portuguesas são também parceiras em vários projectos da Imogestin. Branca do Espírito Santo acompanhou-nos numa visita a dois dos projectos da sua empresa, ambos com mais de 20 andares e em fases avançadas de construção. As Torres Kianda, que serão compostas principalmente por escritórios e lojas, têm o nome de uma poderosa sereia, ser mítico, a deusa das águas, da cultura angolana. Próximo deste projecto fica o Muxima Plaza, um empreendimento ultramoderno que incluirá áreas residenciais, uma galeria com lojas

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Além das centenas de milhares de apartamentos subsidiados que já chegaram, ou estão em vias de chegar ao mercado, a procura de espaços para escritórios, especialmente na capital, Luanda, é esmagadora

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D E STAQ U E :

I M O B I L I Á R I O

de topo de gama e entretenimento e muitos estabelecimentos de retalho. Os empreiteiros incluem empresas angolanas como a Griner. A Imogestin tem igualmente construído vários projectos de habitação pública para o governo e detém algumas unidades hoteleiras como é o caso do recém-inaugurado novo Hotel Terminus do Lobito. O fim dos negócios informais Branca do Espírito Santo é também a presidente da APIMA, uma associação de profissionais e investidores imobiliários em Angola. O congelamento total do desenvolvimento urbano durante as décadas perdidas da guerra significou que, quando os negócios aumentaram novamente, a partir de 2002, só existiam alguns agentes e construtores imobiliários profissionais no país. Muitos dos negócios eram efectuados informalmente. Embora todas as terras pertençam ao Estado, algumas, tais como as que pertencem à Igreja Católica, são privadas. Há ainda pessoas que possuem terras e propriedades desde o tempo colonial. E depois há uma vasta rede de “propriedade” informal, em virtude de ocupação, e parcelas de terrenos que se inserem no regime de propriedade tradicional. Todos estes factores reunidos criaram um mercado imobiliário irregular e era óbvio que era essencial algum tipo de organização. A APIMA foi portanto estabelecida em 2008, com 30 membros. “Embora não seja necessário ser membro, há vantagens na adesão à associação,” observou Branca do Espírito Santo. Mas continua a não ser claro quantas agências imobiliárias estão a operar em Angola. “O período 2010/11 foi o último ano de negócios informais – incluindo corretores e empreiteiros,” explica. “As leis sobre a conduta do sector só foram promulgadas recentemente. Os agentes imobiliários são agora obrigados a registar as empresas com capitais autenticados.” Apesar disto, a pressão da procura levou a uma construção muito rápida de habitação de qualidade em algumas áreas, tais como Talatona. “A procura de habitação de alto valor está agora a estabilizar,” sublinhou. “A maioria das casas realmente caras, com pavimentos e paredes de mármore, e até torneiras de ouro, foram já compradas.” Contudo, as rendas nos condomínios fechados recémconstruídos, tal como apurámos,

Embora os condomínios fechados se tenham tornado comuns não só em África e no resto do mundo, o ritmo deste tipo de construção em Angola é absolutamente espantoso

Acima: Branca do Espírito Santo, CFO da Imogestin-SA.

podem facilmente situar-se na gama dos USD 12.000 a 18.000 por mês. As empresas internacionais tendem também a alojar o seu pessoal expatriado em grandes condomínios fechados, com as suas próprias lojas e instalações de lazer. Embora os condomínios fechados se tenham tornado comuns não só em África e no resto do mundo em desenvolvimento como também em cidades globais, tais como Londres e Nova Iorque, o ritmo deste tipo de construção em Angola é absolutamente espantoso. Falta no entanto ver se o sector privado, que procura em geral um retorno de 15% sobre o capital como custo de oportunidade de base, continuará a investir no segmento superior do mercado imobiliário, tendo em conta a redução nas receitas nacionais do petróleo. As taxas de juro dos empréstimos hipotecários, à data da entrevista, eram de 12,5%, uma descida dos aproximadamente 25% em 2010/11. A maior parte do financiamento provém dos bancos, pois não existem ainda empresas dedicadas exclusivamente a este sector. “Isto atingiu duramente a classe média,” referiu Branca do Espírito Santo. “O problema tem sido a falta de títulos de propriedade. Está em curso muito trabalho, a nível estatal e privado, para tentar resolver esta questão, pois a procura de habitação adequada, especialmente em Luanda, é bastante estável.” Branca do Espírito Santo estudou microeconomia na universidade Martin Luther, na Alemanha, regressando depois a Angola para trabalhar no Ministério do Planeamento. Durante os anos da guerra, trabalhou para uma ONG alemã, gerindo fundos para o desenvolvimento da agricultura. Entrou no sector imobiliário há cerca de 16 anos e fez um percurso transversal – construção imobiliária, corretagem, avaliação – antes de, ter iniciado o desafio chamado Imogestin. Até que ponto é que a procura de imóveis, residenciais e comerciais, foi satisfeita até ao presente? “Eu diria que a procura em 2010 foi de cerca de 1 milhão de metros quadrados. E é agora de cerca de 600.000 metros quadrados.” O sector imobiliário angolano pode ser relativamente novo e ainda precisar de limar algumas arestas, mas é certamente o mais prometedor em África. n

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F O C O :

A R Q U I T ECT U R A

Cada estrutura que se ergue numa cidade muda o ambiente urbano e, frequentemente, a percepção que as pessoas têm de si próprias, para melhor ou para pior. O design das cidades deve, portanto, reflectir valores tradicionais.

Vamos construir com alegria Presidente da Ordem dos Arquitectos de Angola, Victor Leonel A.C. Miguel

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Associação de Arquitectos Angolanos foi criada em 1996 numa tentativa de “moldar” a indústria que estava repleta de arquitectos, genuínos e falsos, competindo por trabalho num ambiente muito hostil, afirma Victor Miguel, presidente da Ordem dos Arquitectos de Angola. “Foi apenas depois de se estabelecer a paz, em 2002, que se observou uma verdadeira procura de arquitectos, uma vez que as pessoas começaram lentamente a investir na construção, tanto para residências, como para uso comercial”, recorda. No entanto, “o sector estava difícil de gerir e foi necessário criar uma instituição que merecesse a confiança do público e do Estado na sua missão de construir uma nova rede de infra-estruturas. A instituição desenvolvida a partir da inicial Associação de Arquitectos passou a ser a Ordem dos Arquitectos de Angola, que é afiliada de uma instituição internacional de arquitectos. Possui 800 membros dos quais 99% são angolanos.

Os outros são arquitectos de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e alguns cubanos e portugueses”. O enorme boom na construção não se traduziu imediatamente em notas de encomendas para os arquitectos locais, conta Victor Miguel. “Os contratos para os grandes projectos foram atribuídos a grandes empresas internacionais e foi difícil conseguir até mesmo trabalho de subcontratação”, afirma ele. A situação agora melhorou consideravelmente e a sua própria empresa esteve envolvida no design de um projecto importante – uma escola para jornalistas financiada pelo governo. Mas à medida que mais pessoas constroem as suas próprias instalações ou ampliam as propriedades existentes, aumento a procura por arquitectos locais. Os arquitectos angolanos estão agora envolvidos em praticamente todos os projectos importantes, como o de Kilamba, onde podem contribuir com o seu valioso conhecimento local para os colegas chineses, portugueses ou israelitas. “Compreendemos as pessoas, os seus gostos, as suas condições financeiras e como construir mais eficientemente no nosso ambiente. Afinal, nós crescemos nele”, salienta o arquitecto formado na Universidade Agostinho Neto. O que o preocupa mais é o perigo de o país perder os seus valores arquitectónicos tradicionais e passar a ser uma má cópia de uma ideia que outros têm do que é desejável. “Claro que não é fácil”, admite. “Em última análise todas as habitações de hoje são semelhantes: uma sala de estar, talvez uma sala de jantar, quartos, casas de banho, uma cozinha, algum espaço para arrumação e, se possível, um pequeno jardim. Depois há variações sobre este

tema. Portanto, pode-se argumentar que as casas modernas têm de ser uniformes. Mas eu ainda creio que se pode injectar a nossa influência cultural de modo a que as estruturas sejam inequivocamente angolanas”. O arquitecto defende que a prioridade máxima hoje é alojar pessoas que há dezenas de anos não possuem habitação decente e “que talvez tenham perdido a esperança de algum dia poderem viver num apartamento moderno”. Victor Miguel acredita que, com o tempo, e à medida que as cidades se desenvolvem, irão adquirir as suas características próprias especiais – tal como aconteceu com algumas das maiores cidades do mundo no decorrer dos séculos, que conseguiram preservar os seus melhores atributos apesar das enormes mudanças. “Quando se constrói um edifício está-se a mudar a paisagem. Todos os arquitectos são transformadores de cidades. A transformação pode ser para melhor ou para pior, pode reflectir pensamentos e imaginação, pode ser fortuita, mas a arquitectura muda o ambiente urbano e, ao fazê-lo, altera a vida em torno desse ambiente e a percepção que as pessoas têm de si mesmas. É necessário ser-se sensato nas opções que se fazem”. O arquitecto Victor Miguel diz que os colegas de profissão em Angola estão muito entusiasmados com o boom na construção, mas que gostariam de estar mais envolvidos neste programa importante. “Chegou a hora de os arquitectos “brilharem” e temos algumas ideias excelentes. As cidades que construímos hoje são a herança das gerações futuras. Vamos construir com alegria”, conclui. n

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Ao mesmo tempo que os grandes programas nacionais de habitação pública continuam a avançar, a própria capital angolana está a passar por uma “remodelação” total que, quando terminada, transformará a antiga cidade no local provavelmente mais moderno e atractivo para viver em África.

Um lugar de dignidade e bem-estar

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R E N OVA Ç Ã O

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LU A N DA

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lém das centenas de milhares de novas habitações que têm vindo a nascer por todo o país, Angola está também mergulhada na renovação e regeneração das suas principais cidades. Nada exemplifica isto melhor do que as vastas obras de construção que estão a decorrer na capital Luanda. Onde quer que se vá na cidade, não conseguimos escapar à frenética actividade de construção. Estão a ser demolidas estruturas que dão lugar a novas edificações a uma velocidade estonteante. Vislumbram-se andaimes por todo o lado e grandes cartazes e sinalização proclamam a alto e bom som que a cidade está agora firmemente nas mãos de empreiteiros e promotores imobiliários. Luanda está a receber, para utilizar um termo contemporâneo, um “makeover” gigantesco à vista desarmada. A antiga e venerável cidade, originalmente destinada a acomodar no máximo cerca de 300 a 400 mil pessoas, está a desaparecer “diante dos nossos olhos”, como foi referido pelo nosso guia arquitecto, e “uma nova cidade cintilante está a erguer-se, bem à nossa frente!” Mas nem todos os antigos encantos de Luanda estão a ser destruídos. “Existem aqui algumas jóias arquitectónicas portuguesas do século XVIII fabulosas,” refere o arquitecto Bento Soito. “Estamos a restaurar, reestruturar e modernizar zonas históricas da cidade. Consideramos a demolição dessas estruturas apenas em situações em que a requalificação não é possível.” Bento Soito é o director geral do Gabinete Técnico de Reconstrução do município do Cazenga e dos distritos urbanos de Sambizanga e Rangel. Estas três áreas encontramse no coração da cidade e, até muito recentemente, continham mais pessoas por metro quadrado do que virtualmente qualquer outro lugar no mundo. Estima-se que a população total da província Luanda ronde os cerca de 6,5 milhões de habitantes, segundo os resultados preliminares do Recenseamento Geral da População e da Habitação realizado em 2014. Este é o local onde até 2010 teríamos encontrado o famoso Mercado Roque Santeiro, o maior mercado informal no continente. De acordo com o nosso guia, podia se comprar tudo e mais qualquer coisa no confuso e sinuoso labirinto de barracas e bancas. Esta

Luanda está a receber, para utilizar um termo contemporâneo, um “makeover” gigantesco à vista desarmada.

Acima: Drenagem no projecto do Sambizanga. Oposto: Baía de Luanda.

área actuava como um íman para os milhões de migrantes de todas as áreas rurais do país, durante o período de desordem e insegurança causado pela guerra. Uma circunstância que deu origem a um imenso bairro de lata, um digno rival de Dharavi em Mumbai – considerado o maior bairro de lata do mundo. Em 2010, decorridos que estavam oito anos de paz e com razoáveis receitas petrolíferas e uma economia musculada, o Presidente dos Santos, que nasceu no Sambizanga, decidiu que era chegada a ocasião para abordar o fétido bairro de lata que se tinha instalado como uma chaga viva no meio da cidade. Criou o Gabinete Técnico de Reconstrução de Cazenga, Samizanga e Rangel, que responde directamente ao Presidente. Bento Soito foi nomeado

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L u a n d a

“O nosso objectivo é a construção de uma cidade modelo que seja funcional, economicamente sustentável, inclusiva e capaz de dar aos seus habitantes e visitantes um sentido de dignidade, alegria e uma elevada qualidade de vida”.

para gerir o gabinete. A tarefa que o responsável e o seu gabinete têm é a de desenraizar o bairro de lata, remover e limpar a área e construir no seu lugar a cidade mais moderna de África. Uma iniciativa que deve ser realizada sem recurso a despejos pela força nem a qualquer outro método duvidoso. “Deslocalização in situ” é como Soito o descreve. As pessoas desalojadas pela operação têm que ser realojadas num alojamento muito melhor e os seus meios de subsistência não podem ser afectados. Como primeiro passo, o Mercado Roque Santeiro foi desmantelado e transferido para o município de Cacuaco. Tínhamos visto e visitado o mercado aquando da visita a Cacuaco – uma versão mais pequena do Kilamba, onde o estilo arquitectónico me fez lembrar os modernos estilos

dinamarqueses. O novo Mercado Municipal do Panguila é mais pequeno mas está instalado num espaço limpo, bem equipado e higiénico. Está equipado com um sistema único de recolha, processamento e utilização de resíduos sólidos para melhoramento da reciclagem dos resíduos produzidos no recinto. Por lá estão a começar a abrir bancos, restaurantes e cinemas. Dignidade, alegria e uma elevada qualidade de vida No entanto, considerámos Sambizanga uma área efervescente e movimentada, onde todo o tipo de comércio avançava a todo o vapor. Entretanto, o congestionado mercado tinha desaparecido e a área anteriormente ocupada tinha sido nivelada. Fomos informados de que as infra-estruturas básicas – abastecimento de água,

esgotos, electricidade, arruamentos, sistemas de telecomunicações e valas de drenagem – já estavam instaladas. A partir dos escritórios no Sambizanga, Bento Soito e a sua equipa supervisionam o seu domínio: uma área de cerca de 54.000 m2 que, quando finalizada, espera-se que até 2025, prevê-se irá alojar cerca de 2,5 milhões de pessoas. “O nosso objectivo é a construção de uma cidade modelo que seja funcional, economicamente sustentável, inclusiva e capaz de dar aos seus habitantes e visitantes um sentido de dignidade, alegria e uma elevada qualidade de vida”. Segundo o responsável, estas foram as instruções exactas que lhe foram dadas pelo Presidente José Eduardo dos Santos. Mas como deslocar uma tal massa humana e reinstalá-la sem causar

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R E N OVA Ç Ã O

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enorme turbulência social? “Chamamos à nossa metodologia o ‘efeito bola de neve’,” explica ele. Quando fazemos rolar uma bola de neve pelo monte abaixo, ela torna-se maior à medida que vai colhendo mais neve. A ideia é iniciar o processo e deixá-lo ganhar dinamismo à medida que vai avançando. O plano passa por construir casas em ‘áreas disponíveis, não ocupadas’ na vizinhança e ir mudando a população gradualmente para essas urbanizações. “Esta estratégia permitirá a construção de novas urbanizações de uma forma faseada, nas áreas libertadas depois da transferência da população das áreas degradadas. Esperamos que a estratégia definida para reconversão urbana venha a formar um ciclo de acções sustentáveis – e que isto seja um exemplo para intervenção noutras localidades.” Visitámos mais tarde um local nas imediações de Cazenga, onde vimos fileira após fileira de prédios de quatro andares quase concluídos, cada um com 16 apartamentos por piso. Havia trabalhadores chineses que aplicavam as camadas finais de tinta, montavam as portas e janelas e basicamente procediam aos toques finais de acabamento antes de a acomodação poder ser entregue ao público. As infra-estruturas, incluindo estações de tratamento de água, iluminação da via pública, centrais eléctricas e rede rodoviária interna estavam totalmente instaladas e uma grande escola secundária encontravase na fase final de conclusão. Alguns dos trabalhadores da construção disseram-nos que, há apenas quatro meses, a área era um terreno acidentado – uma afirmação que achei difícil de acreditar mas que não tive qualquer razão para duvidar. Soito disse que as infra-estruturas básicas para metade dos 150 hectares reservados no Cazenga para a primeira fase do projecto de renovação urbana, e 90% dos 76 hectares reservados para fins idênticos no Sambizanza tinham sido concluídas. Os 2.000 apartamentos no Cazenga, cuja conclusão estava prevista para finais de 2014, irão para pessoas cujas habitações tinham sido demolidas para dar lugar às novas urbanizações. Na realidade, a ocupação das primeiras 128 casas construídas no Cazenga tinha tido início em 2013. Está previsto que o processo de realojamento envolva cerca de

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A área tinha uma má drenagem natural. O plano passa por tornar a desvantagem numa vantagem, através do controlo e direccionamento da água para elementos atractivos, como lagos, canais e jardins urbanos repletos de áreas verdes.

Esquerda: Vista sobre a cidade em Miramar e construções correntes. Acima: Olhando para a Marginal, que acompanha a baía.

três milhões de habitantes da zona de ‘intervenção’ mas obviamente nem todos podem ser instalados na área de Luanda. “O processo de expansão, deslocalização da população e desenvolvimento do território não devem restringir-se apenas à própria área,” afirma Soito. “As áreas adjacentes a Cacuaco, Viana e Kilamba devem também absorver alguma desta população.” O novo plano-director Os urbanistas de Angola têm planos ambiciosos para converter estas outrora degradadas áreas de bairros de lata naquilo que esperam que venha a ser um modelo para uma cidade africana emergente no século XXI. Luanda passou por uma série de planos-director, incluindo um que foi parcialmente financiado pelo Banco Mundial na década de 90, mas o enorme afluxo de migrantes comprometeu qualquer tentativa de fazer com que os projectos funcionassem realmente. Foi traçado um novo plano-director em 2012, depois de um vasto debate com todos os sectores da sociedade civil e prestadores de serviços públicos, como a companhia de distribuição de electricidade, EDEL, a companhia das águas, EPAL, bem como o gigante privado das telecomunicações, Unitel. Foi também consultada a famosa empresa de planeamento urbano de Singapura, Surbana. Singapura é

notável por ter conseguido transformar os seus imundos bairros de lata na cidade provavelmente mais limpa e agradável do mundo em apenas 60 anos. Soito afirma que quer ver áreas verdes na nova urbanização, para que os residentes e visitantes possam desfrutar da sensação de estar numa cidade jardim, junto de todos os confortos e facilidades modernas. O responsável não tem qualquer ilusão sobre a execução de um empreendimento tão complexo. Considerando o número de organizações e agências envolvidas, diz, será essencial que “todos caminhem na mesma direcção” e que a execução do plano seja organizada de tal forma que os conflitos e perturbações sejam minimizados. Segundo Bento Soito, isto será um teste à “capacidade organizacional multidisciplinar da sociedade angolana,” e um sinal de que o processo de transformação está no bom caminho. O governo encarregarse-á das infra-estruturas básicas e da administração e controlo de aspectos como a habitação social, mas o sector privado será convidado a participar plenamente no desenvolvimento imobiliário e na construção de propriedade de elevado valor. O desenho da nova urbanização é baseado na estrutura da Welwitschia Mirabilis, uma planta que apenas cresce no deserto do Namibe e que é um dos símbolos do país. Sobre o projecto referiu-nos que uma das desvantagens da área era a de ter uma má drenagem natural, em resultado da qual tinha desenvolvido diversas zonas pantanosas inestéticas e insalubres. Mas o plano passa por tornar a desvantagem numa vantagem, através do controlo e direccionamento da água para elementos atractivos, como lagos, canais e jardins urbanos repletos de áreas verdes. Isto constituirá o belo cenário para o grande número de novas instalações comerciais, de diversão e desportivas. Haverá hotéis de alta qualidade, restaurantes, espaços para a organização de desfiles e até mesmo uma pista de Fórmula 1, semelhante às existentes em Singapura e Monte Carlo. Estradas bem planeadas incluirão faixas para peões e ciclistas, sendo o objectivo reduzir o tráfego motorizado. Bento Soito e a sua equipa querem, como afirma, a “oxigenação do espaço e a humanização do território.” Que mais se pode pedir a um urbanista? n

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Desenhando para o futuro O grande Plano Director de Luanda, concebido para tornar a capital de Angola numa cidade equipada para a vida no século XXI, está na forja e deverá ficar concluído até meados deste ano.

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ncontrámo-nos com o arquitecto Hélder José uma noite, já bastante tarde, no seu escritório, àquela hora ainda em actividade no coração de Luanda. Contou-nos que o Plano Director definitivo para Luanda (“estamos a englobar no plano não só a cidade como a província”) continua a ser delineado e, espera-se, seja apresentado ao Presidente José Eduardo dos Santos em meados de Junho deste ano. O último estudo para o plano director de Luanda foi pedido pelo Banco Mundial na década de 90, mas a instituição retirou-se mais tarde deste projecto e o governo angolano ficou responsável pelos seus custos. O estudo foi concluído por volta de 1996, mas, entre o início do estudo e 2000, Luanda tinha sofrido uma verdadeira metamorfose e estava “a rebentar pelas costuras”. “Implementámos uma parte do plano, nomeadamente as estradas, mas era bastante óbvio que o plano tinha pouca ou nenhuma relevância para além de 2000,” disse o responsável. O gabinete de Hélder José está agora a participar na elaboração de um plano director abrangente e a introduzir os mil e um ajustamentos pormenorizados que surgem dia-a-dia, constantemente. Lidera também a conceptualização na fase de design, tendo em conta os vários meios de transporte, as alterações na paisagem urbana, as vias disponíveis, entre outros factores. “Estamos empenhados em desenhar um plano director para uma cidade moderna, do século XXI. A intenção é criar um plano racional, no qual todos os elementos de uma cidade moderna: edifícios residenciais e comerciais, redes de estradas e controlo de tráfego, pontes, ligações ferroviárias, portos e aeroportos, parques e áreas de lazer, estádio e outros equipamentos desportivos e tudo o mais, estejam logicamente integrados,” explicou Hélder José, acrescentando que embora fosse desejável “dispersar alguma da população

para fora do centro da cidade, temos que desenhar Luanda equipando a cidade para absorver o crescimento populacional e assegurando que dispõe, a partir da fase de planeamento, de todos os serviços necessários, incluindo abastecimento de água, esgotos, escolas, hospitais, museus, galerias de arte, estabelecimentos comerciais, tendo em consideração o crescimento futuro”. O arquitecto Hélder José explicou que, embora um elevado número de novas estruturas vão ser erigidas, “temos que assegurar a preservação do carácter único da cidade de Luanda. Esta é uma das cidades estabelecidas há mais tempo no continente africano e não queremos perder esse património. Há alguns belos edifícios e traços do século XVIII que vamos conservar e melhorar.” Hélder José sublinhou que, actualmente, 80% da cidade funciona numa base informal. “Estamos a trabalhar para integrar este sector vibrante mas não regulamentado na economia formal.” Uma parte muito importante do Plano Director tem que ver com o descongestionamento da cidade. Actualmente, o tráfego movimenta-se “a

passo de caracol”, o que custa à cidade milhares de milhões de dólares em perdas de eficiência e reduz drasticamente o tempo de trabalho, assim como a produtividade. Neste plano de descongestionamento insere-se a expansão da famosa Estrada de Viana, que divide a província, e o acrescento de viadutos e desvios, para permitir maior fluxo do tráfego. As ligações de transportes para o novo aeroporto internacional, cuja data de conclusão de obra ainda é desconhecida, serão também canalizadas de maneira a que o tráfego não seja congestionado. “Há também várias outras opções e possibilidades na rede de transportes entre a cidade e a periferia,” contou-nos Hélder José. “O sistema de transportes será funcional e moderno. Neste momento, temos “ilhas” isoladas e o plano é integrá-las, utilizando não só as estradas mas um metro de superfície hovercrafts e catamarãs para ligar as várias áreas, utilizando o mar e as vias navegáveis.” A única linha ferroviária que agora serve a cidade está a ser renovada e melhorada e o plano prevê uma segunda linha. O responsável do IPGUL disse-nos que a renovação e reabilitação de Luanda suscita bastante debate sobre se a cidade deve continuar a ser, simultaneamente, a capital comercial e política do país ou se a capital política deveria ser transferida para outra cidade, à semelhança do que muitos países africanos e outros em desenvolvimento fizeram. Mas, enquanto esta e outras discussões sobre o futuro de Luanda continuam e o arquitecto Hélder José e a sua equipa prosseguem com os retoques finais no mais recente Pplano Ddirector da cidade, Luanda continua a crescer, e mais outro empreendimento comercial com torres de mais de 20 andares é concluído, ajudando assim a dar forma ao mais recente e moderno centro financeiro africano. n

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‘Um futuro cheio de luz’ Qual tem sido o efeito do grande programa de urbanização de Angola nas províncias mais longínquas? Com o intuito de dar resposta a esta questão, Anver Versi e a sua equipa visitaram o Uíge, no norte do país, uma das províncias mais duramente castigadas durante a guerra civil.

A

nossa primeira incursão fora de Luanda foi a cidade de Uíge, capital da província com o mesmo nome. Encontra-se a cerca de 300 quilómetros a nordeste de Luanda e encostada à fronteira sul da República Democrática do Congo. Viajámos por estrada e, uma vez longe do constante engarrafamento de veículos em Luanda, foi possível fazer o caminho em bom andamento numa estrada excelente. O nosso motorista contou-nos que a estrada tinha sido reparada há pouco tempo e que em tempos tinha sido uma das estradas mais perigosas no país. Guerrilheiros emboscados na densa mata em ambos os lados da sinuosa estrada, lançavam frequentemente ataques a qualquer um que a tentasse utilizar. A forte pluviosidade anual assegurava que a província estivesse sempre verdejante e o terreno fértil. Surpreendentemente, o tráfego na estrada era escasso, passam unicamente ocasionais veículos com tracção às quatro rodas e um ou outro camião de elevada carga. As únicas pessoas que tentaram “ata-

car-nos de emboscada” foram crianças e aldeões locais, com vegetais ou carne de caça para vender. O Uíge, em tempos o centro do poderoso Reino do Congo, viveu tempos difíceis no início do século XX, tendo sido em grande medida posto de lado pelos colonizadores portugueses como sendo um local de pouco interesse. Vieram a descobrir mais tarde que o seu clima e solo eram perfeitos para a produção de café. Colonos portugueses estabeleceram grandes plantações com recurso ao trabalho forçado e aumentaram o rendimento a partir dos pequenos agricultores locais bakongos. A partir da década de 50, o Uíge fornecia a maior parte do café, que fez com que Angola se tornasse no segundo maior exportador de café em grão em África. Mas o Uíge também esteve no centro do furacão, primeiro na batalha pela independência contra os portugueses e mais tarde durante a guerra civil. A população tinha estado entre os líderes da rebelião contra os excessos portugueses, tendo formado a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), um dos três principais movimentos que lutaram pela independência de Angola.

A cidade de Uíge surgiu como uma agradável surpresa. As estradas eram largas, bem conservadas e parecia existir um sentimento de orgulho cívico.

Direita: Crianças a caminho da escola param por um momento no Parque da Cidade, na praça principal do Uíge com origem na Rua Dr. Agostinho Neto.

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Durante a guerra civil, o Uíge suportou mais do que a sua quota-parte de críticas, pois os guerrilheiros da UNITA usavam a densa cobertura florestal em torno da província para se esconder e lançar ataques. A UNITA ocupou o Uíge em diversas ocasiões, e foi apenas com o acordo de paz em 2002, que a província pôde começar a voltar a ter o tipo de vida normal com que tinha sonhado, mas que nunca tinha experimentado nos tempos modernos. Depois de todos os traumas por que havia passado, a própria cidade de Uíge surgiu como uma agradável surpresa. As estradas eram largas, bem conservadas e parecia existir um sentimento de orgulho cívico relativamente à forma como a população prosseguiu a sua actividade. Fizeram questão de apontar os aspectos de interesse e as alterações que estavam a ter lugar na cidade. No dia seguinte visitámos o mercado que transbordava de produtos locais, incluindo as suas famosas malaguetas (gindungo) e bananas. Perto do mercado, homens jovens tinham polido as suas moto-táxi até estas brilharem como um espelho. Sentiam grande prazer em exibir as suas máquinas – “o melhor serviço de moto-táxi no mundo!”, afirmava um deles, e quem poderá contestar essa afirmação? Existia um entusiasmo considerável acerca dos novos projectos habitacionais que se encontravam já nas fases finais de construção a alguma distância da cidade de Uíge e da sua vizinha mais próxima Negage.

Direita: No Quilomoço, perto do Uíge, a 2ª fase do projecto já está em construção. Oposto e abaixo: Novos prédios da 1ª fase.

Não há tempo para “lamber as feridas” Encontrámo-nos com o vice-governador, Afonso Luviluku que nos recebeu com o charme do velho mundo. Qual foi o efeito da guerra no Uíge?, perguntámos. “Durante a guerra civil, que durou cerca de três décadas, a província sofreu muito. Os serviços estatais e o comércio estiveram quase paralisados. A perda de animais e a destruição de infra-estruturas causou um aumento significativo dos níveis de pobreza. Foi duro. As pessoas não tinham nada. Ninguém se atrevia a sair à rua depois da seis da tarde e as nossas vilas estavam vazias. É um facto, fomos gravemente afectados pela guerra civil mas estamos determinados em avançar. Não há tempo para lamber as nossas feridas!” Tínhamos anteriormente encontrado um sentimento de optimismo em relação ao futuro em Luanda, e era agradável ver que existia um sentimen-

Existia um entusiasmo considerável acerca dos novos projectos habitacionais que se encontravam já nas fases finais de construção 76  african business | Cidades Africanas | março 2015

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A inauguração de novas estradas e a actividade industrial na província que está a ganhar forma. As plantações de café que estiveram estagnadas durante 40 anos estão finalmente a começar a produção e estamos agora no processo de revisão da exploração dos nossos recursos minerais

to semelhante nas províncias. “Por um lado, temos a inauguração de novas estradas e a actividade industrial na província que está a ganhar forma. Por outro, as plantações de café que estiveram estagnadas durante 40 anos estão finalmente a começar a produção - antes, tínhamos a maior produção de café do país e éramos os segundos em África -, e estamos agora no processo de revisão da exploração dos nossos recursos minerais,” declarou com orgulho evidente. Luviluku recordou que a província, que tem uma estrutura geológica mineral semelhante à da província de Katanga na RDC, também produziu um cobre com elevado grau de pureza até a Guerra civil ter comprometido essa linha. “Actualmente, estamos a negociar os direitos de exploração das minas de Mavoio, na fronteira com a República do Congo, com um consórcio angolano – devendo a extracção ser reiniciada em breve”, avançou. Há ainda também a assinalar a descoberta de prata, cobalto e diamantes nos depósitos aluviais da província. “Neste momento,” acrescentou o responsável, “o governo central está a realizar um levantamento detalhado dos recursos naturais de Angola. Foram também encontrados aqui depósitos de outros minerais, tais como ouro, chumbo, manganês, vanádio e zinco. Temos normalmente dez meses de chuvas num ano e somos também ricos em recursos hídricos que necessitam de forte investimento.” Apesar da devastação causada pela guerra, o Uíge é ainda uma das províncias mais ricas em Angola em termos de agricultura. “Produzimos

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principalmente feijão, mandioca, amendoim e madeiras duras. As nossas malaguetas são mundialmente famosas pelas suas fortes propriedades aromáticas e as nossas bananas são as mais doces de Angola. Penso que podemos afirmar com toda a justiça que o Uíge, em termos de recursos naturais, é uma das províncias mais ricas de toda a nação!” Actualmente a província está a desenvolver-se a um ritmo recorde, disse-nos o vice-governador. “Dificilmente passa um dia sem notícias de mais um projecto a ser construído aqui e ali; uma escola, uma clínica de saúde, um hospital, um pavilhão desportivo. Estamos a concentrar-nos na criação de melhores condições para que os jovens e os adultos trabalhem, terminem os seus estudos e encontrem espaço para o seu desenvolvimento pessoal.” De acordo com o censo nacional de 2014, a população da província é 1,45 milhões; 52% dos quais são mulheres. Uíge e a sua vizinha Negage, são as cidades mais populosas. Os projectos a que o vice-governador se referia incluem dois importantes projectos habitacionais – um fora de Uíge e o outro perto de Negage. Cidade de Quilomoço Visitámos a nova centralidade de Quilomoço, a 30 quilómetros da cidade de Uíge, para vermos até que ponto o projecto habitacional tinha progredido. Foi nosso guia Pedro Morais, gestor da obra e do projecto. Morais, um engenheiro português, trabalha para a Kora Angola, o ramo angolano da Kora, uma grande empresa de construção civil israelita. O envolvimento da Kora Angola faz parte do contrato de parceria público-privada através do qual o país assumiu o seu programa habitacional massivo. A empresa é responsável por concluir 40.000 apartamentos e casas nas províncias de Luanda, Uíge, Kwanza-Sul, Huambo, Bié e Mochico. Segundo Morais, dando seguimento a um compromisso assumido pelo governo, a Kora Angola foi encarregada de gerir e supervisionar a construção de 4.500 habitações na província e de concluir a tarefa até 2017. Morais estava confiante de que a companhia iria concluir a tarefa muito antes da data acordada. Guiou-nos pelo projecto de Quilomoço. O mesmo é composto por 1.010 apartamentos residenciais, quatro creches, seis jardins-de-infância, seis escolas primárias, duas escolas

secundárias, uma escola de formação politécnica, um centro de saúde e um centro desportivo. Embora este local, ao contrário de Kilamba, estivesse desabitado, era impressionante. Não tinha o aspecto de um projecto de habitação social produzida em massa que vimos em tantos lugares, tendo nitidamente havido um grande cuidado em assegurar que a qualidade da vida do dia-a-dia das pessoas que nele habita seja melhorada. Existiam muitas áreas verdes comuns para os residentes se encontrarem e conviverem e para as crianças brincarem, e o posicionamento das principais estruturas não era opressiva nem alienadora – uma crítica comum à habitação social em muitas partes do mundo. A construção nesta área de 38 acres teve início em Julho de 2012 e segundo Morais, estava na sua fase final. “Os edifícios estão concluídos, as estradas pavimentadas, os jardins e as áreas verdes plantadas ou em vias disso e

Disseram-nos que sentiam que a cada dia estava a nascer uma vida nova e mais vibrante. “Antes do fim da guerra o futuro era escuro – agora é cheio de luz.”

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Esquerda: Táxis motorizados à entrada do Mercado. Direita: Afonso Luviluku, Governador da Província do Uíge. Abaixo: Vista sobre o sul do Uíge.

70% das infra-estruturas exigidas para o local estão instaladas,” disse. Um projecto semelhante estava em marcha na cidade vizinha de Uíge, Negage. A Kora Angola supervisiona a execução de todos os projectos, fornece os materiais necessários para os edifícios e subcontrata outras empresas para a construção. As infra-estruturas são da responsabilidade de outra empresa, a Angolac. Segundo Morais, 70% da mão-de-obra deste projecto (800 pessoas na fase final) era angolana – e local, de acordo com as orientações do governo no sentido de serem criados postos de trabalho durante a construção das novas cidades. “Os trabalhadores angolanos estão muito interessados em aprender tudo sobre técnicas de construção, como canalização, ladrilhamento, fundição e outras competências,” disse, acrescentando que os angolanos, como o seu co-gestor da obra, o Sr. Hercules, mostram ser também excelentes super-

visores. “Estes trabalhadores e gestores são parte integrante do modelo futuro do país,” acrescentou. Na realidade, a transferência de tecnologia e competências faz parte do plano amplo por trás do projecto de urbanização. O objectivo não é apenas criar vilas novas e modernas, mas também transformar o país. Percorrendo o caminho do crescimento Comentando sobre a nossa visita ao local de construção, o vice-governador Afonso Luviluku disse-nos que as novas urbanizações, como a cidade de Quilomoço “mais do que um novo começo para as famílias que lá vivem, significaram também uma nova atitude: as cidades não são problemas mas sim soluções. Até 2017, e como parte de um programa nacional, serão também construídas 200 novas casas em cada município da província”. O responsável acrescentou que, mesmo que uma das restrições actuais

fosse ainda a falta de infra-estruturas destruídas pela guerra, “não tenho qualquer dúvida de que, dentro de pouco tempo, muitos dos problemas de hoje serão também parte da história de um povo unido que está a percorrer os caminhos do crescimento real.” A recente inauguração do aeroporto provincial alinhou já o objectivo de facilitar as ligações com o resto do país e especialmente com a capital, acrescentou. “Embora a água não jorre ainda das torneiras de todos os municípios, o programa “Água para Todos” está em bom andamento e onde existe escassez, o governo distribui, através de meios alternativos, este recurso essencial à vida”, destacou Luviluku. Outros dos aspectos referidos foi o facto de a Universidade Kimpa Vita, com cerca de 11.000 estudantes, - e que recebeu o nome de uma mártir do Reino do Congo que foi queimada viva no século XVIII pelos portugueses -, tem sido um excelente motor para o desenvolvimento da província desde a sua abertura em 2009. “A inclusão de cursos de medicina e engenharia nos próximos anos será outro catalizador deste amplo desenvolvimento”, notou – acrescentando que “o próximo passo é trazer serviços bancários aos restantes municípios, uma vez que a capital da província já assegurou aqui a presença de quase todos os bancos comerciais angolanos”. O vice-governador e alguns dos seus funcionários disseram-nos que sentiam que a cada dia estava a nascer uma vida nova e mais vibrante. “Antes do fim da guerra o futuro era escuro – agora é cheio de luz.” As novas urbanizações prometeram não só melhores habitações mas também melhores serviços de saúde e educação, oportunidades de emprego e o florescimento de muitos eventos e actividades culturais. “Por exemplo, estão a crescer entre nós associações e clubes desportivos. A subida do União Sport Clube do Uíge ao Girabola na época de 2013/14, o nosso principal campeonato de futebol, representa a victória da crença e confiança de todos os uígenses,” acrescentou o vice-governador com sentimento. “Cada vez vejo mais sorrisos nos rostos das pessoas e, por isso, me sinto humildemente orgulhoso de ser um uígense. Temos finalmente a oportunidade de ver uma nova geração a crescer em tempos pacíficos – e com a nossa resiliência ancestral e determinação tranquila, as coisas só podem melhorar.” n

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Linha directa para a prosperidade Benguela, na costa ocidental de Angola, forma um litoral dinâmico com Lobito e Catumbela. A recuperação da sua linha ferroviária centenária e a modernização do porto do Lobito deverão gerar um novo e rápido crescimento nesta histórica província. A cidade é também palco de um vasto conjunto de novas centralidades para a sua jovem população, em rápida expansão e ascensão social. Anver Versi e a sua equipa visitaram a região.

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enguela, a capital da província com o mesmo nome, encontra-se na costa marítima ocidental de Angola, banhada pelo Oceano Atlântico. Foi fundada em 1617 por um governador português, Manuel Cerveira Pereira, que lhe chamou São Filipe de Benguela. Ele acreditava, e veio a provar-se que com razão, que o interior para lá de Benguela viria a ser uma fonte de grande riqueza. Embora os portugueses não tivessem encontrado o ouro e a prata que ambicionavam, o porto de Benguela rapidamente ficou muito activo com o envio de uma torrente de escravos, particularmente para o Brasil. Os produtos exportados, ao longo dos séculos, incluíram vários cereais, borracha, sisal, óleos vegetais, marfim, chifres e couros de rinoceronte e gado. O volume de comércio, ao longo dos corredores para o interior, deu origem a várias cidades bastante próximas e fez nascer a reputação de Benguela como “A Mãe de todas as Cidades”. Contudo, a falta de um porto natural

de águas profundas fez com que os navios tivessem que ancorar a alguma distância de terra e a carga e as pessoas tinham que ser transportadas em barcos de pequena dimensão. Quando se descobriu um porto profundo e naturalmente abrigado mais a norte, o tráfego dos navios começou a abandonar Benguela em favor do Lobito. O Lobito é a cidade marítima modelo, embora seja difícil encontrar os românticos edifícios antigos de gerações anteriores. Hoje tem um ar prosaico, que não inspira exactamente histórias de grandes aventuras nos mares perigosos, como nos tempos antigos, mas a atmosfera marítima envolve realmente a cidade e influencia as atitudes. O porto do Lobito foi sujeito a obras de expansão e modernização. Tem agora cais especiais para contentores e uma instalação especialmente construída e concebida para transportar minerais, não só de Angola como também dos países vizinhos. A linha ferroviária de Benguela tem uma história colorida de mais de cem anos e vai agora entrar numa nova fase, com a linha férrea completamente

substituída por empreiteiros ferroviários chineses. A linha com 1.344 km já está a percorrer o rico e vasto corredor de Lobito até Luau, na fronteira leste com a RD Congo. Espera-se que esta abertura do interior vá estimular grandemente a agricultura ao longo deste corredor e incentivar a diversificação. Ramais ferroviários levarão a linha até Katanga, na RD Congo, e uma linha de 300 km irá prolongá-la até à rica cintura de cobre da Zâmbia. Uma linha de 18 km liga a extremidade leste da linha em Benguela ao porto do Lobito. O custo total do projecto foi estimado em cerca de USD 1,5 mil milhões. A renovação da linha, que foi praticamente destruída na sua totalidade durante a guerra, teve início em 2008, embora a linha para a fronteira com a RD Congo tenha agora sido completamente substituída por empreiteiros ferroviários chineses. Dada a variedade de terrenos que a linha tem que atravessar, são realizadas apenas quatro viagens por semana e a velocidade máxima é de 50 km/h. Os engenheiros com quem falámos explicaram-nos que a linha tem que

Direita: Porto do Lobito

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“assentar” antes de se poder aumentar a frequência das viagens e a velocidade do comboio. Quando todas as partes deste avançadíssimo sistema integrado de transportes ferroviários e portuários se encaixarem entre si, este será, claramente, o mais moderno e eficiente sistema deste tipo na África subsariana. As poupanças, em termos de custos de transporte, especialmente para a carga a granel, serão tremendas e espera-se que isto ajude a gerar um ciclo virtuoso de crescimento económico ao longo de toda a extensão da linha, nomeadamente para os exportadores dos países vizinhos. Devido a um mal-entendido nas comunicações, o governador da província, com quem tínhamos um encontro marcado, encontrava-se fora a tratar de outros compromissos, mas fomos igualmente bem acolhidos por outros líderes da comunidade, entre eles o chefe da polícia, que nos disse que, com todo o desenvolvimento que estava a ocorrer na linha ferroviária de Benguela, e a expansão e modernização do porto do Lobito, que ficava situado nas proximidades, a província estava a preparar-se para um período de crescimento sustentado. Um exemplo deste recente dinamismo económico sem precedentes na província é o novíssimo aeroporto onde aterrámos, situado na Catumbela, um dos 10 municípios de Benguela. Contaram-nos sobre os grandiosos planos de combinar as cidades adjacentes do Lobito, Catumbela e Benguela, assim como uma área chamada Baía dos Elefantes, formando uma mega-extensão urbana, com centros comerciais de qualidade, entretenimento e centros desportivos, hotéis de luxo e restaurantes de classe mundial. Paisagem do Far West Apesar da confusão nos planos iniciais, um gestor de obras atencioso levou-nos a visitar os três gigantescos projectos habitacionais em construção. Até aqui, tínhamos visto projectos concluídos, como os do Kilamba ou do Uíge; agora era a nossa oportunidade de ver estas novas “centralidades” a erguerem-se do solo. Quando nos aproximámos do imenso estaleiro de obras, atravessámos de carro uma paisagem que não teria estado de todo deslocada num filme do Far West. Era como se mãos gigantescas tivessem escavado a terra e a tivessem arremessado em volta, formando todo o tipo de formas e configurações.

Pela primeira vez, durante a nossa visita a Angola, pudemos observar o desenrolar de todo o projecto – desde os terrenos em bruto, escavados e moldados, até às cidades concluídas e que iriam em breve fervilhar de vida.

Praticamente esperávamos que um bando de fora-da-lei irrompesse por ali a galopar, brandindo revólveres de seis tiros, a qualquer momento. Contudo, a paisagem dramática fez-nos recordar o facto de que todo o trabalho de construção começa com a moldagem do terreno – aplanando-o e conferindo-lhe as formas necessárias para a construção. Só então as infra-estruturas vitais das canalizações, cabos e outro equipamento podem ser instaladas sob os alicerces das novas cidades. Quase todo o trabalho de construção estava a ser levado a cabo pela chinesa CITIC, uma das maiores empresas de construção mundiais. Quando chegámos à sede das operações da empresa, foi-nos oferecida uma vista panorâmica de blocos residenciais recém-construídos, que pareciam ter brotado directamente do solo.

Acima: Os primeiros prédios em Benguela/ Lobito.

Pela primeira vez durante a nossa viagem, tivemos a oportunidade de falar com alguns dos chineses que estavam a gerir os projectos. Disseram-nos que tudo o que utilizam vem directamente da China e que gostam disso, pois sabem exactamente aquilo que podem esperar. Contaram-nos que se dão muito bem com os seus colegas angolanos, embora a língua seja uma barreira. Uma vez chegados a Angola, tendem a permanecer no país e a passar de um projecto concluído para outro. “Desta forma, aprendemos a operar nas condições existentes, portanto torna-se mais fácil e avançamos mais rapidamente.” Era-nos impossível, da nossa perspectiva, avaliar qual seria o aspecto das centralidades quando estivessem concluídas, por isso mostraram-nos os planos directores de três projectos: Luhongo (2.000 fogos); Baía Farta (1.000 fogos) e Lobito (3.000 fogos). Cada plano pormenorizava a localização dos edifícios, as estradas, muitos espaços verdes, creches, escolas primárias e secundárias, áreas comerciais, edifícios comunitários, edifícios municipais, centros religiosos, mercados ao ar livre, transformadores eléctricos e subestações de distribuição, estações de transferência de resíduos, estações de tratamento de águas residuais e estações de depuração de água. Pela primeira vez, durante a nossa visita a Angola, pudemos observar o desenrolar de todo o projecto – desde os terrenos em bruto, escavados e moldados, até às cidades concluídas e que iriam em breve fervilhar de vida. Foi uma experiência emocionante e há que tirar o chapéu a Angola, - por ter a coragem de sonhar e empreender um programa tão vasto -, e a todos os vários protagonistas, incluindo os residentes que por fim as ocuparão e que estão a fazer tudo isto acontecer. n

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Cabinda, o “Kuwait” de África

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sta é uma designação que a província angolana de Cabinda partilha com a Guiné Equatorial. Ambos os territórios têm uma elevada produção petrolífera para a sua dimensão relativamente pequena e Cabinda é, na verdade, o coração da indústria angolana do petróleo. O petróleo é produzido na província por uma subsidiária da Chevron, a Cabinda Gulf Oil Company (CABGOC), em campos de águas rasas no Bloco Zero, que a CABGOC explora desde há umas incríveis seis décadas. Embora a produção tenha aqui agora diminuído para 350.000 barris por dia, uma grande parte da produção de Angola em águas profundas fica também ao largo de Cabinda, incluindo o Bloco 14 da CABGOC, que produz cerca de 250.000 barris por dia dos projectos de Benguela, Belize, Lobito, Tomboco (BBLT) e Tombua Landana. A geografia política desta parte da costa centro-africana resulta da combinação das reivindicações portuguesas originais relativamente à área e da corrida europeia pela África, no século XIX. Isto resultou na criação de duas colónias portuguesas: Angola, ao sul, e a área que mais tarde veio a ser conhecida como Cabinda, a norte, que estavam separadas por 20 km de território pertencente à República Democrática do Congo. Cabinda foi governada separadamente de Angola durante o período colonial (até 1920 gozou do estatuto de protectorado), mas o seu controlo foi posteriormente assumido por Luanda. Além da produção de petróleo, Cabinda exporta madeira e quantidades mais pequenas de café, borracha e óleo de palma, embora exista um grande potencial para aumentar a actividade comercial de todos estes produtos. Tal como no resto de Angola, a produção caiu após a independência. Embora a produção de petróleo per capita seja muito mais elevada em Cabinda que em qualquer outro ponto de África, a província é relativamente pobre, mesmo quando comparada com

outras partes de Angola. Está, contudo, agora a beneficiar do mesmo tipo de investimento infra-estrutural que trouxe um crescimento económico assinalável noutros centros urbanos do litoral angolano. A trave-mestra dos planos de diversificação do governo é o novo porto de Caio, de águas profundas, situado a apenas 9 km da cidade de Cabinda. A obra está a ser construída por uma empresa angolana, a Caio Porto Company, que está a investir USD 600 milhões na Fase 1 num quebra-mar, um canal de acesso com 150 metros de largura e uma bacia com 215 metros de largura, todos planeados para conclusão em meados de 2016. As estradas de acesso ao local estão já em construção, pois serão necessárias para movimentar materiais de construção para o porto. A Fase 2 proporcionará um cais com 1.550 metros de comprimento e instalações para a movimentação de contentores; e a Fase 3 irá aumentar esta extensão para 1.995 metros. Embora se pense que este porto seja essencialmente de contentores, não foram divulgados pormenores sobre a escala do terminal de contentores nem sobre os futuros utilizadores. Contudo, tendo em conta a política de Luanda noutros pontos do país, parece provável que a concessão de

Acima: Exploração de petróleo offshore em Angola.

exploração do terminal de contentores seja adjudicada a um grande operador internacional. Caio irá provavelmente competir com portos no Congo-Brazzaville e com portos fluviais na República Democrática do Congo, mais do que com outros portos angolanos. A província de Cabinda, no seu todo, depende actualmente muito de importações do vizinho Congo-Brazzaville. Espera-se que, a longo prazo, esta relação se inverta, tornando-se o porto um centro de transbordo para toda a região, pois situa-se num raio de 400 km de quatro grandes cidades: Luanda, Kinshasa, Brazzaville e Pointe-Noire. Navios de enorme envergadura estão a tornar-se a norma no sector do transporte marítimo, mas nem todos os portos têm a profundidade necessária para os receber, por isso o transbordo afigura-se mais importante que nunca. A governadora de Cabinda, Aldina da Lomba Katembo, declarou: “Este é o maior investimento de sempre em Cabinda e permitirá as exportações locais, especialmente de madeira, café e produtos agrícolas e irá aproximar-nos de outras províncias em Angola, assim como de outros países da região.” Outro enorme projecto de transportes que tem sido alvitrado por vários anos, mas cuja construção é improvável devido ao actual nível dos preços do petróleo, é o de uma ponte a ligar Cabinda com a província do Zaire em Angola, atravessando território congolês. O governo anunciou em 2008 que a China Road and Bridge Corporation (CRBC) iria construir o projecto, com um custo de USD 2,55 mil milhões, mas as obras não arrancaram. Mesmo que o preço do petróleo recuperasse, não existe ainda justificação comercial para um projecto desta natureza. Contudo, estão também a ser efectuados investimentos em infraestruturas turísticas, incluindo uma marina e um campo de golfe. Além da exploração em curso, pensa-se que existam na região reservas substanciais de fosfatos e possivelmente também de urânio.n

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Quando o bem social pesa mais que os lucros

O investimento de impacto é o investimento que conjuga viabilidade comercial e resultados desejáveis em termos sociais. Eytan Stibbe, da Vital Capital, fala sobre o trabalho da sua empresa em Angola e do impacto que o mesmo tem tido no programa de habitação.

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tem um vídeo aéreo sobre o seu investimento em Angola: uma sequência abrangente filmada através de um drone a sobrevoar relvados meticulosamente tratados e casas de tijolo de betão geometricamente alinhadas. A Vital Capital investiu USD 92 milhões no Projecto Kora, para planear, construir e vender 40.000 casas novas e desenvolver as infra-estruturas de apoio em seis províncias de Angola. A empresa trabalhou com Jaime Lerner, o famoso arquitecto, urbanista e político brasileiro, no desenvolvimento da estrutura das comunidades, que incluem escolas, parques infantis, escritórios, estabelecimentos de comércio e instalações de indústria ligeira, juntamente com as unidades habitacionais. “O maior problema em África é a habitação e a urbanização,” diz Stibbe, CEO da empresa. “Centenas de milhares estão a mudar-se para a cidade, o que está a agravar os problemas. As pessoas estão a prestar atenção a outras coisas — doenças e segurança alimentar, mas a questão dominante é a urbanização. Quando se constroem zonas urbanas adequadas, com saneamento e escolas, tudo o resto se resolve automaticamente.” Stibbe lidera uma empresa que tem uma abordagem de ‘impact investing’

(investimento de impacto) relativamente a projectos de financiamento em África, coadunando os seus objectivos comerciais com as metas de cariz social. O primeiro fundo da Vital Capital, no valor de USD 350 milhões, é sobretudo apoiado por investidores privados, apesar de haver um sub-fundo que faz a gestão de dinheiro para o Banco Africano de Desenvolvimento, a International Finance Corporation e o CDC Group. O fundo tem vindo a investir em todo o continente africano na agroindústria e transformação de produtos agrícolas, cuidados de saúde e infraestruturas. A habitação, que, na opinião de Stibbe é um domínio que oferece uma sólida combinação entre necessidades sociais urgentes e boas perspectivas comerciais, atrai interesse significativo. “A procura é incrível,” assegura. A UN-Habitat diz, no seu relatório State of African Cities (Estado das Cidades Africanas) de 2014 que os centros urbanos de menor dimensão vão absorver até 75% do aumento de população, o que significa que regiões mais remotas com infra-estruturas menos desenvolvidas podem vir a enfrentar um fardo demográfico considerável. O projecto de urbanização da Vital Capital em Angola foi concebido para aliviar alguma desta pressão. A iniciativa é co-financiada pelo governo, que disponibilizou verbas para apoiar o projecto. A entrada de novos empreiteiros e parceiros de longo prazo eleva o total dos investimentos de capital a mais de USD 2.5 mil milhões, afirma Stibbe. O governo também está empenhado na construção de infra-estruturas e serviços de utilidade pública nas regiões onde o fundo irá investir. “Perguntámos ao governo ‘onde é que existe o maior problema?’ Responderam-nos: “Em várias regiões.” Começámos a olhar para financiamentos, hipotecas… organizámos tudo com o governo.

Dissemos-lhes: ‘Investimos nesta zona remota, mas o Governo tem de garantir as escolas, estradas, e energia’.” O fundo só começou a investir quando o investimento por parte do Estado foi confirmado. Auditoria dos resultados “As pessoas gostam muito de nós,” diz Stibbe. “Quando se presta atenção ao impacto e não se age apenas como uma empresa de imobiliário que procura a melhor localização que vai valer o preço de venda mais alto, as pessoas gostam de nós e querem que façamos mais. Começámos com dezenas de milhares, mas agora querem que façamos tudo. A concorrência é feroz no sector da habitação.” Entre os concorrentes de Stibbe estão empresas sediadas na China, que conseguem prometer prazos rápidos e preços baixos. No entanto e, especialmente em Angola, as empresas chinesas têm sido criticadas por se pautarem por normas inadequadas e por importarem mão-de-obra, negando o acesso das populações locais aos empregos na construção. A métrica do impacto da Vital Capital, que é classificado de acordo com o Sistema de Classificação de Investimentos de Impacto Global, ou GIIRS, significa que as empresas que fazem parte da sua carteira e da sua cadeia de abastecimento são auditadas no que diz respeito às suas normas de segurança no trabalho e outros indicadores sociais. “Quando contratamos um subempreiteiro — quer seja africano, quer seja chinês — para um projecto, temos de nos certificar de que também trabalha de acordo com as normas que definimos,” diz Stibbe. “Temos vários subempreiteiros chineses. Impomos-lhes a nossa forma de trabalhar.” Isto significa utilizar a mão-deobra local e respeitar as normas de

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construção internacionais, o que faz aumentar os custos mas torna os projectos mais sustentáveis no longo prazo. Stibbe diz que a empresa recusou oportunidades de concorrer a empreitadas que não correspondem ao seu desejo de investir em infra-estruturas comunitárias juntamente com unidades habitacionais. Segundo o responsável, a concorrência nos preços não faz sentido em termos sociais, nem é necessária em termos comerciais. A procura é tão alta que vão ser necessárias décadas para satisfazê-la. Também está plenamente convencido de que os investimentos de impacto constituem a melhor abordagem relativamente ao sector da construção — bem como a outros sectores em mercados inexplorados, como a África subsariana. Stibbe trabalha em África há mais de 30 anos, e considera que os objectivos comerciais e os resultados de índole social se apoiam mutuamente. “Quanto mais se investe no impacto, maiores serão os lucros. Não há uma correlação negativa. É exactamente o

contrário. Nos países em desenvolvimento, trabalha-se com a população, não se trabalha com números e ecrãs. Quando se chega com boas intenções, as pessoas querem-nos ter lá,” diz Stibbe. “Até ouso dizer que não se importam que tenhamos lucros, as intenções deles são boas e nós preocupamo-nos com o que lhes acontece, e com o que acontece ao seu país, à sua terra, à sua educação e ao seu meio ambiente. E eles deixamnos fazer mais. Se não aparecermos a tentar vender-lhes, ajudamo-los a ter uma vida melhor. É essa a experiência que temos tido.” O poder que resulta de sermos um investidor financeiro importante permite à empresa defender a causa do bem-estar dos cidadãos junto dos seus próprios governos, designadamente em zonas remotas ou subdesenvolvidas, diz Stibbe. “Antes de entrarmos com o nosso investimento, falamos com o governo e dizemos: ‘Estamos dispostos a investir nesta zona remota mas, antes de nos comprometermos, o governo tem de

Vital Capital investiu no projecto Kora na nova centralidade do Lossambo, na província do Huambo.

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se comprometer a fazer A, B e C.’ Desta forma, a população fica satisfeita porque, de outra forma, ninguém se preocuparia com eles. Insistimos. Dizemos que faremos os investimentos lá, mas que precisamos que o governo se encarregue do abastecimento de água às aldeias. Precisamos de ter a certeza que as pessoas têm um bom fornecimento de electricidade.” A abordagem parece estar a convencer e a dar resultados. Stibbe apresentou a sua filosofia a dirigentes africanos na Conferência sobre Desenvolvimento em África realizada em Yokohama em 2013 e, desde então, já foi convidado para visitar o Malawi, Moçambique, Djibouti, Gabão, Ruanda e a Costa do Marfim para falar sobre eventuais projectos. As obras de construção já arrancaram num projecto no Gana. “Em Outubro, conheci o responsável pelo fundo nacional de pensões da Nigéria,” contou. “E ele disse-me: ‘Precisamos de 50 milhões de casas’. Isso vai demorar várias gerações a construir!” n

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As cidades podem ultrapassar o historial de conflitos

Mais de metade da população mundial já vive em cidades e, até 2030, o número subirá para 60%. Mas as cidades tanto podem ser fontes de conflito social violento como poderão ser construtoras da paz. O caminho pelo qual uma cidade irá enveredar depende da forma como é gerida e do grau de equidade que consegue alcançar. Por Dra. Aisa Kirabo Kacyira, Secretária Geral Assistente e Directora Executiva Adjunta da UN Habitat.

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ais de 1,5 mil milhões de pessoas vivem em países afectados por conflitos violentos e onde a manutenção do uso da força, a prestação de serviços básicos e a sustentação da legitimidade política são desafios diários. Estima-se que a maioria dos pobres de todo o mundo viverá nestes contextos até 2030. A persistência ou recorrência de fragilidade e conflito está fortemente correlacionada com a pobreza, desigualdade e exclusão. Uma base crescente de indícios sugere que a pobreza extrema não está a regredir naqueles lugares que são afectados por conflitos e por uma fraca legitimidade do Estado, bem como um parco desempenho das instituições do sector público. Aproximadamente 400 milhões dos mais desfavorecidos vivem actualmente em países afectados por estas características – um número que tem permanecido quase inalterado desde 1990. Em simultâneo, os países afectados por conflitos estão a passar por uma rápida transformação devido ao ritmo alucinante de desenvolvimento da urbanização. Mais de metade da po-

pulação mundial já vive em cidades e vilas, e até 2030, 60% será urbanizada, estando concentrada em países em vias de desenvolvimento. Os países afectados por conflitos registam historicamente taxas de urbanização muito baixas: em 2000, apenas 33% da população nestes países vivia em cidades. Este número irá ainda disparar para 56% até 2050 e países como o Afeganistão, Mali e Iémen figuram entre os urbanizadores mais rápidos do mundo. As cidades com estas taxas de crescimento sofrem pressões extraordinárias ao nível dos serviços básicos, infra-estruturas, economias urbanas e coesão social, bem como da capacidade de resposta das instituições públicas às exigências populares. O carácter largamente informal do crescimento urbano em países frágeis significa que os novos cidadãos urbanos terão também tendência para ser habitantes de bairros degradados – que são já 1.000 milhões a nível global. Em tempos de conflito, as cidades e vilas servem geralmente como porto seguro para as pessoas que procuram fugir aos tumultos. Por exemplo, este foi o caso de Angola, onde ocorreu um êxodo em massa das zonas rurais para as zonas urbanas durante as guerras civis. Em particular, a população de Luanda aumentou dez vezes desde 1974 até aos dias de hoje, em parte devido ao crescimento urbano impulsionado pelo conflito. Muito deste crescimento resultou na proliferação dos “Musseques” (zona de habitação informal/áreas de bairros de lata), que são hoje alojamento para

a maioria da população de Luanda, com todas as condições de vida difíceis relacionadas. Outras cidades secundárias importantes em Angola suportaram os impactos de processos de migração semelhantes. Em 2014, o país é já 62% urbano, em parte como uma consequência desta dinâmica, entre outras. Além disso, como activos materiais e simbólicos, as cidades são locais centrais de contestação armada em guerras entre estados e civis, como foi recentemente demonstrado na República Centro-Africana, Iraque, Líbia e Síria. Com as identidades múltiplas que tendem a convergir nas cidades, é bem provável que se tornem, por isso, o local de conflitos: cidades divididas por violência etno-nacional, como Belfast, Kaduna ou Sarajevo, oferecem desafios específicos à medida que a segregação espacial divide o tecido da vida urbana em espaços públicos partilhados. As cidades como construtoras da paz Visto a partir de uma outra perspectiva, as cidades são um contexto e cenário únicos para a construção da paz. A cidade como um espaço vivido oferece oportunidades para a coexistência e contestação. Muitas fundamentações imediatas e existenciais de conflitos entre grupos apoiam-se na vida urbana diária, sendo no seu micro nível que os antagonismos podem ser mais directamente intervencionados com vista à sua resolução. Os esforços de construção da paz

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não podem ser desligados da dinâmica urbana e das estruturas de poder que a suporta. A cidade é um lugar onde a diferença pode ser negociada e ultrapassada, o poder difundido e desenvolvidas as identidades colectivas. As cidades proporcionam oportunidades para as pessoas se aglutinarem em torno de interesses com potencial unificador e construtivo, incluindo a prossecução de bens públicos urbanos que reduzam as externalidades da vida citadina, como a violência e a exclusão. A paz internacional e contexto de segurança actuais apontam no sentido de um papel crescente dos acordos de governação local, e do valor do urbano como um prisma através do qual podemos ver e entender os processos de construção da paz localizados no espaço da cidade. Governos locais fortes e inclusivos são, cada vez mais, vistos como elementos constitutivos essenciais da construção da paz em ambientes pós-conflito. Quatro factores chave Desta forma, parece haver uma “vantagem urbana” para o avanço dos processos de construção da paz ao nível da

cidade. Isto alicerça-se e é moldado por quatro factores chave. Primeiro, em termos de escala, é mais fácil e mais barato prestar serviços de modo eficaz a uma população urbana densamente concentrada do que a uma população rural muito dispersa. Segundo, a proximidade do governo local aos seus cidadãos torna-o mais sensível aos sinais de pressão e agitação, e expõe o governo local a um nível de escrutínio que promove a capacidade de resposta e a responsabilização. Terceiro, a proximidade dos cidadãos entre si facilita a coordenação de interesses, cria espaço para a mobilização, e torna mais compreensíveis os benefícios da cooperação mútua num contexto urbano. A dimensão local faz com que a criação de mecanismos para promover a acção colectiva e institucionalizar a negociação seja mais fácil do que seria a nível nacional. E o quarto, existe uma ampla margem para aumentar localmente as receitas em áreas urbanas, o que é crucial para expandir a oferta de bens públicos. Quanto mais os governos dependerem de receitas geradas local-

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Acima: Residentes do Kibera, em Nairóbi, Quénia onde um projecto de habitação foi lançado no Dia Mundial da Habitação.

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mente, maior será a sua motivação para melhorar serviços e infra-estruturas, fazer crescer a actividade económica e demonstrar responsabilização. O papel das cidades na gestão de conflitos é claramente demonstrado pelo trabalho do Programa para os Povoamentos Humanos (UN-Habitat) das Nações Unidas, a agência das Nações Unidas mandatada para promover cidades e povoamentos humanos sustentáveis, a qual tem uma vasta experiência, com resultados visíveis, no apoio a governos locais em países afectados por conflitos. Por exemplo, em Hargeisa, Somália, o UN-Habitat trabalhou para reforçar a base de tributação através do mapeamento de todos os agregados familiares e empresas na cidade, melhorando com isso a geração de receitas para a prestação de serviços básicos, bem como a legitimidade e responsabilização do governo local. No Afeganistão, onde os governos municipais não são eleitos e são extremamente frágeis, o UN-Habitat desenvolveu Conselhos de Desenvolvimento Comunitário para aumentar a participação nos processos de melhoria de bairros degradados e a coordenação dos governos municipais no sentido de melhorar o acesso aos serviços, fortalecendo, em última análise, a coesão social. No caso da República Democrática do Congo, o UN-Habitat introduziu um conjunto de mecanismos de resolução de disputas de terra de base comunitária em Goma e em seu redor, uma área onde a contestação territorial era um factor de conflito. Como tal, as cidades e os assentamentos oferecem oportunidades sem paralelo para ultrapassar o historial de conflitos. A urbanização permite a inclusão de um maior número de pessoas nos benefícios da boa governação e prosperidade: as cidades oferecem possibilidades de acesso fiável a serviços e locais para exercício da cidadania democrática, e as economias urbanas elevam os padrões de vida de centenas de milhões de pessoas. À medida que cada vez mais pessoas vivem em cidades de países fragilizados, as perspectivas para a melhoria das vidas dos mais pobres e dos mais propensos a conflitos nestes locais irão depender da promoção da urbanização equitativa e sustentável, iniciada por pessoas e comunidades urbanas em conjunto com os governos locais, num quadro de governação com vários níveis. n

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O rico património arquitectónico de África tem sido dominado por conceitos externos que chegaram no rasto do colonialismo. Mas agora, com o recomeço do desenvolvimento urbano no continente, o arquitecto africano pode assumir plenamente o seu papel. Por Tokunbo Omisore, Presidente, União Africana dos Arquitectos RIBA, FNIA

Planear com as pessoas e não para as pessoas

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África, o berço da civilização, evoluiu ao longo dos milénios e tem tido uma influência profunda sobre outras civilizações – e tem também sido sujeita a poderosas influências externas ao continente. A arquitectura, desde o conceito espantosamente simples e ao mesmo tempo altamente eficiente da cabana africana típica com um telhado de colmo, até às elaboradas estruturas encontradas no antigo Sudão, Egipto, Zimbabwe, África do Sul, Etiópia e nas orlas litorais do continente, foi sempre uma pedra angular das estruturas sociais do continente. O talento arquitectónico africano está bem e recomenda-se no continente. Por exemplo, um embaixador excepcional desta visão é Francis Kere, do Burkina Faso. Contudo, a tendência arquitectónica prevalecente é a que herdámos no seguimento do nosso longo historial de colonialismo. As nossas vilas e cidades foram moldadas segundo conceitos europeus e não surpreende portanto que, em muitos casos, não funcionem. Aquilo de que agora claramente precisamos são soluções arquitectónicas africanas para problemas africanos. África tem o

potencial para reivindicar o seu lugar entre as sociedades avançadas do mundo no domínio das ideias. O que a África não conseguiu ainda fazer foi estimular e promover a investigação e o desenvolvimento no sector da arquitectura. Além disso, existe a falsa noção de que possuir e viver em estruturas e edifícios que são réplicas das existentes nas “nações desenvolvidas” significa que se é culto e que se tem um convívio com estas sociedades avançadas tão procuradas. Pior ainda, este conceito, adoptado pela maior parte das sociedades africanas ao longo dos últimos 60 a 100 anos ou mais, indicava que tudo o que não fosse originário dos países desenvolvidos tinha o selo de “não civilizado”. Se a investigação e desenvolvimento na arquitectura e noutras disciplinas da construção forem estimulados e partilhados entre os profissionais, a de-

Existe uma necessidade urgente de promover e comercializar a utilização de materiais locais para podermos alcançar a transformação tão premente e necessária em África.

pendência e ânsia por objectos e ideias alheios ao continente desaparecerão e poderemos sentir-nos à vontade em ambientes e estruturas que funcionem na África moderna. Como exemplo desta tendência de pensar que “a galinha da minha vizinha é melhor do que a minha”, até à data, o ambiente construído africano continua a recusar-se a apreciar e a integrar materiais locais na indústria da construção. Numa tentativa para corrigir isto, foi realizado o ano passado, em Tânger, Marrocos, um programa de desenvolvimento profissional contínuo Made in Africa (Fabricado em África) sobre os materiais da construção. O que ressaltou foi que existe uma necessidade urgente de promover e comercializar a utilização de materiais locais e de pedir aos industriais que consultem as pesquisas nesta área para podermos alcançar a transformação tão premente e necessária em África. Tal como digo frequentemente, o mundo nunca teve qualquer dificuldade em identificar as características únicas do vestuário, gastronomia ou dança africanas; contudo, negligenciámos a nossa arquitectura tradicional. Se tal nos tivesse sido permitido, as nossas casas de barro com telhados de colmo teriam evoluído e melhorado com tecnologia mais avançada ao longo dos anos (tal como aconteceu com estruturas semelhantes noutros locais) e haveria hoje alojamento económico e abundante para todos em África. Preservação do património africano A União Africana dos Arquitectos (UAA), fundada em 1981, tem hoje 40 Estados-membros, e representa a comunidade de arquitectos africanos

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cujo objectivo é promover, entre outros elementos, o conhecimento e a preservação do património arquitectónico africano. A UAA acredita que África tem que despertar de imediato e ajudar a proteger o nosso património e os nossos valores culturais diversos. Ao longo dos anos, a UAA tem tentado continuamente preencher a enorme lacuna na tradução da riqueza cultural e tradição africanas em estruturas pilares das nossas sociedades. Está na hora de transcender a ocidentalização e de criar alicerces para a arquitectura se tornar uma solução para os inúmeros problemas que se colocam ao desenvolvimento estrutural de África. Para tal, a União Africana dos Arquitectos lançou iniciativas de colaboração para melhoramento de capacidade com outros organismos regionais e outras organizações, nomeadamente a ONU-Habitat, quando a UAA se tornou parceira líder da World Urban Campaign, no dia 5 de Setembro de 2012, em Nápoles, Itália. Para assegurarmos a transformação das sociedades africanas, proporcionando vidas melhores e cidades melhores, tornámo-nos os “Transformadores das Cidades Africanas”.

No topo: Casa de garrafas de plástico por NGO DARE, Nigéria. Abaixo: Escola do Dano, Burkina Faso por Arq. Francis Kere.

A solução, contudo, envolve a identificação dos problemas sociais que afligem o continente e a amálgama da influência de múltiplas culturas e tradições para criar respostas para os desafios africanos, de uma forma que revele também a arte e o engenho dos povos de África. Os arquitectos africanos são igualmente convidados a procurar meios e formas de melhorar a qualidade das zonas de habitação informal das suas cidades em vez de as destruir. Melhorar as vidas das pessoas implica tomar os seus valores culturais em conta. Noto com satisfação que, ao expandir o seu gigantesco programa de habitação pública, Angola está a mostrar muito empenho no aspecto cultural da construção. O potencial do continente continua a ser colossal e prometedor e, como não materializou ainda a sua plena promessa de desenvolvimento, há margem para a arquitectura inovadora em África influenciar não só o continente africano como o mundo. Os arquitectos africanos têm um papel importantíssimo a desempenhar na preservação da cultura e tradição, pois os edifícios tornam-se monumentos e testemunhos no tempo do sucesso da transição histórica de uma geração para a seguinte. Compete aos arquitectos da África moderna a responsabilidade de pesquisar formas de preservar a tradição dos diversos estilos arquitectónicos étnicos e de conceber materiais e meios de os conservar – se assim não fosse, ficaria perdida a originalidade da arte na arquitectura africana com o passar do tempo. A pobreza tem sido um grande desafio em África e, consequentemente, muitos não têm recursos económicos para oferecer sequer um abrigo básico para as suas famílias devido ao custo da construção e manutenção dessas estruturas, em parte porque os modelos arquitectónicos para alojar o homem comum falharam. Alguns dos designs não se adequam também ao ambiente no qual as estruturas foram construídas. Isto contribui, entre outros factores, para aumentar o custo de vida ou para deixar muitos sem tecto. Apesar da disponibilidade de arquitectos com competência para fazer um bom trabalho, a acessibilidade económica continua a ser um desafio considerável para muitos. A arquitectura não deve ser posta em causa ao tentar espremer-se mais

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dos orçamentos da construção; de facto, o design impecável que se encaixa perfeitamente no seu ambiente aumenta o valor de revenda dos edifícios. Isto traduz-se, eventualmente, na atracção de mais investidores que procuram estabelecer negócios e edifícios que se adequem às suas finalidades. Por exemplo, a indústria hoteleira, que é a espinha dorsal do sucesso no turismo africano, tem enorme potencial se desenhar estruturas que reflictam o melhor que o continente tem para oferecer e que se integrem harmoniosamente no ambiente. O Serena Game Lodge, em particular, na Tanzânia é um caso emblemático. África continua a ser um dos destinos ecoturísticos de eleição em todo o mundo e a arquitectura africana genuína aumentaria esse atractivo. Outra grande oportunidade comercial em rápida expansão e para a qual os arquitectos africanos muito têm contribuído é a do design e construção de centros comerciais. Este é um sector em acelerado crescimento em países tais como a África do Sul, Nigéria e Quénia, e muitos outros. Estes espaços criaram incríveis oportunidades económicas: pequenas e médias empresas podem chegar facilmente até aos seus diversos clientes; centenas de milhares de empregos foram criados para os africanos e, o que é mais importante, isto tem colocado as sociedades africanas praticamente ao mesmo nível que as nações desenvolvidas em termos da oferta de uma boa experiência de compras. No entanto, até à data, o ambiente do imobiliário africano continua a recusar-se a apreciar e a integrar os materiais locais na indústria da construção. O sector da construção está constantemente em mudança e África tem um potencial formidável para se tornar uma referência no planeamento e design de projectos de raíz em todo o mundo. Cada indivíduo neste campo tem um papel a desempenhar no desenvolvimento do continente e este depende inteiramente do contributo criativo para o ambiente e do valor acrescentado que a nossa inovação oferece à sociedade africana. O lema da União Africana dos Arquitectos (UAA), “Planear com as pessoas e não para as pessoas” deve ser adoptado pelas sociedades africanas para proporcionar um desenvolvimento economicamente acessível e sustentável. n

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Manutenção de infra-estruturas públicas urbanas Os estados limite últimos de utilização e de serviço de uma construção, tal como definido por especialistas/patologistas do ramo, implicam, de acordo com a gravidade da situação, a desocupação do edifício, a inactividade e inoperância de dado sistema ou a profunda reabilitação do objecto envolvendo sérios custos. Por Engº António F. Venâncio

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s estados limite últimos de utilização e de serviço de uma construção, tal como definido por especialistas/patologistas do ramo, implicam, de acordo com a gravidade da situação, a desocupação do edifício, a inactividade e inoperância de dado sistema ou a profunda reabilitação do objecto envolvendo sérios custos. Em situações de maior malogro técnico, e uma vez apurada a inviabilidade económica da sua regeneração estrutural/funcional, coloca-se a inequívoca necessidade da sua demolição. Por representar não só um claro sinal de perigosidade, para os utentes e terceiros mais próximos, a par dos prejuízos de ordem económica, as construções em estado precário de conservação com sinais óbvios de iminente ruína, mas ainda assim viáveis em recuperação, podem ser alvo de intervenção curativa, por vezes de grande profundidade, mas com implicações financeiras muito significativas. A disciplina que envereda por uma

mitigação atempada, ou mesmo a anulação total destes malefícios e incómodos, só tem um nome: manutenção. Os estados limite acima apontados, que os engenheiros tanto temem, e deles se ocupam buscando soluções técnicas para reparar o mal, são geralmente o indício de uma manutenção inexistente, precária ou incorrecta. No geral, os países menos poderosos financeiramente, os técnica ou humanamente pouco desenvolvidos, e ainda aqueles com políticas de manutenção erradas, enfrentam sérias dificuldades na conservação das suas infra-estruturas públicas, dentre as quais destaco as urbanas, por se tratar de património colectivo público com grande taxa de utilização e frequência, muito característico das cidades demograficamente densas. Um modo genérico de caracterizar as causas da tão considerável falta de manutenção das infra-estruturas urbanas em muitos países afectados, tem consistido num apontar de dedo à ausência de “cultura” de manutenção. Sublinham tais críticos, que os países pouco desenvolvidos enfermam, com gravidade, desta ausência cultural do espírito de preservação e conservação, motivo pelo qual os activos físicos por eles construídos, de um modo geral, conhecem apenas a data da sua construção, mantendo-se ao serviço de forma ininterrupta buscando em vão a perenidade sem custos de manutenção. Esta é uma tese pouco erudita, e com a qual não me compagino, por ser largamente duvidosa. É muito comum

afirmar-se que os decisores públicos contentam-se em pleno, quando as obras pensadas e projectadas recebem as habituais fitas de uma pomposa inauguração, abandonando-as a seguir, sem qualquer protecção contra a acção das intempéries naturais ou factores endógenos resultantes da sua função, e utilização, servindo os fins para que foram erguidas. O que posso concluir de modo muito pronto, é que o pensamento a que preside a prescindibilidade da manutenção preventiva em muitos países, tem raiz económica. Existem motivos fortes para afirmarmos - com razão engrandecida pela justificada falta de verbas disponíveis -, de que estes países acusados de um desinteresse institucionalizado pela manutenção e conservação das suas infra-estruturas urbanas, são, geralmente, fortemente pressionados por orçamentos exíguos para satisfazerem as necessidades mais básicas das populações governadas. Habitualmente, recorrem a medidas de contenção financeira, que atingem habitual e impiedosamente, estes mesmos custos de manutenção e conservação. Ao contrário do que se possa imaginar, relegar para o último plano, ou mesmo banir tais custos de manutenção das suas contas anuais, é fenómeno muito frequente em economias emergentes ou países economicamente condicionados. O aumento populacional, imparável, e o excessivo número de cidadãos residindo em zonas urbanas, gera

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Centros urbanos como Lagos precisam de planeamento nas infraestruturas de transportes.

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conflitualidade, que na maior parte dos casos é a única responsável pela tendência negativa dos fracos índices de manutenção e conservação, pois que a propensão para um crescendo populacional tão acelerado, origina a repartição de verbas entre a construção de novos objectos para responder à demanda social, e as despesas de manutenção e conservação do existente, o que conduz a interrogações por vezes muito difíceis de responder. É, à primeira vista, muito mais atendível cobrir os custos de uma correspondência orçamental para acudir as populações necessitadas - com a construção de novas infra-estruturas do que suportar ou manter o equilíbrio financeiro construção/conservação/ manutenção, onde os custos para a conservação e a manutenção, atingem, anualmente, cifras que rondam os 5% do valor de cada construção já erguida no passado! Fica portanto provado, que a principal causa da falta de manutenção e conservação das infra-estruturas públicas urbanas, reside no factor económico e no peso financeiro que a actividade comporta, sendo que a solução passa necessariamente por uma busca incessante de sinergias, em que as parcerias sociais e económicas,

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estratégicas ou não, não podem ser afastadas. Perante uma equação tão híbrida, que acentua os custos de manutenção das infra-estruturas urbanas à medida que aumenta, em número, os objectos ou sistemas, e estes por sua vez, crescendo imparáveis no tempo devido aos fluxos também ininterruptos de usuários urbanos ou em transição social campo-cidade (fenómeno mundial em grande velocidade) torna-se necessário que os países procurem soluções inteligentes, passíveis de tornarem realidade a assistência requerida, de tal ordem que as políticas de manutenção e conservação traçadas possam encontrar respaldo financeiro, técnico, tecnológico e humano. É de realçar a necessidade de políticas de manutenção muito concretas e em tempo útil, pois, nos casos em que os esforços para uma manutenção planeada sejam desprezados, quer por ausência de cultura ou por insuficiência de recursos, poderão ocorrer cenários diversos de esgotamento da capacidade de sustentação ou durabilidade das infra-estruturas urbanas já edificadas, multiplicando-se os custos com a reposição da sua capacidade estrutural e funcional, dispersadas no alongado tempo da inércia verificada.

Acima: Singapura é um bom exemplo de habitação social.

Do ponto de vista da engenharia, entende-se que a fadiga dos elementos estruturais duma dada construção; a perda de estabilidade, retirando-lhe a funcionalidade de projecto; os buracos abandonados em estradas pavimentadas que degradam a via com rapidez; a fissuração progressiva devido a solicitações normais e tangenciais que vão surgindo com o andar do tempo em paredes de fachadas, coberturas ou outro tipo de suportes estruturais sem tratamento oportuno – e todas aquelas que seriam recomendáveis e programáveis - podem levar as construções ao estado prematuro de deterioração, evolutivamente, e se incontroladas, ao seu colapso. Aí perderiam toda a sua serventia, comprometendo então a desejada viabilidade económica, que num certo dia deu azo à decisão da sua construção, para servir o cidadão, e em geral, toda a sociedade. E é nesse caminho que Angola tem agendado um programa de conservação e manutenção das infra-estruturas urbanas, também rodoviárias, e não só, o qual começará a ser implementado de forma nunca tão assaz e organizada, como agora, passados 12 anos desde que definitivamente foi alcançada a paz. n

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5ª Cimeira do Mercado de Capitais de África (ACM) 16 de Abril de 2015, Washington D.C., USA Realizada durante as reuniões do Banco Mundial e do FMI, este evento apreciará os mercados de capitais de África, com foco na mobilização dos capitais tanto internos como internacionais para o investimento em infra-estruturas. Reunindo decisores políticos africanos bem como financiadores internacionais, a Cimeira constituirá uma amostra de oportunidades de investimento e proporcionará um fórum para discussão dos mais recentes desenvolvimentos no mercado de capitais em África.

9º Prémio de Melhor Banqueiro Africano do Ano

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27 de Maio, Abidjan, Côte d’Ivoire O mais prestigiado evento no sector bancário e financeiro em África é realizado sob o patrocínio do Banco Africano de Desenvolvimento. A 9ª edição do prémio terá lugar durante a reunião anual do BAfD.

7º Prémio de Excelência Empresarial em África 20 de Setembro de 2015, New York, USA Concebido para celebrar a excelência empresarial africana, o cocktail de gala dos Prémios realizar-se-á durante a Assembleia Geral das Nações Unidas e em conjunto com o African Leadership Forum e o Fórum do Sector Privado das Nações Unidas.

2º Fórum da Liderança Africana (ALF) 21 de Setembro de 2015, New York, USA O 2º ALF discutirá o papel da liderança como motor de crescimento e desenvolvimento transformador em África. Realizar-se-á em conjunto com os African Business Awards e o Fórum do Sector Privado das Nações Unidas.

Para mais informações, contacte-nos em: register@ic-events.net or +44 (0) 20 7841 3210 www.ic-events.net

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A dimensão económica da política urbana A política económica na maior parte do continente africano exige um quadro espacial robusto e a política urbana exige uma economia subjacente igualmente forte, pois ambas estão interligadas e reforçam-se mutuamente. Cidades bem planeadas podem ajudar a desencadear a industrialização transformadora a que o continente agora aspira. Pelo Professor Ivan Turok, Director Executivo Interino, Desempenho e Desenvolvimento Económico, Human Sciences Research Council, África do Sul

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uas experiências recentes sublinham as vulnerabilidades de África se as suas cidades continuarem a ser negligenciadas. O crescimento exponencial da epidemia de ébola nos bairros de lata sobrelotados de Monróvia (Libéria) e de Freetown (Serra Leoa) ilustra as consequências da urbanização não planeada para a propagação rápida de doenças infecciosas. Este trágico surto teria sido contido muito mais facilmente e com muito menos sofrimento humano e perda de vidas se tivesse existido um saneamento adequado, água potável, habitação condigna e resposta das instituições que governam as cidades na região. A segunda experiência tem a ver com o impacto prejudicial do colapso nos preços do petróleo a nível mundial sobre as economias de países como a Nigéria, o Gana e o Gabão nos últimos meses. Os governos destes países estão a ser obrigados a cortar serviços públicos essenciais devido à sua dependência das receitas fiscais das exportações de petróleo. Se as suas cidades funcion-

assem mais eficientemente e as suas infra-estruturas fossem mais sólidas, serviriam de plataformas para permitir a diversificação económica e a industrialização. É interessante observar que Angola embarcou num novo e substancial programa de urbanização com estes objectivos em mente. Em pano de fundo a ambos os casos, paira a previsão de que a população urbana de África duplicará ao longo dos próximos 20 anos e irá alcançar mais de 750 milhões de habitantes. Este será um número superior ao dos residentes das cidades de todo o hemisfério ocidental hoje em dia. O continente ainda só está urbanizado em 40% e tem claramente ainda um longo caminho a percorrer. A inevitabilidade do crescimento urbano em grande escala que deverá ocorrer oferece uma oportunidade única de criar cidades mais produtivas, inclusivas e seguras, através de uma melhor preparação desta vez e antecipando a escala do crescimento futuro. Isto significa a instalação de infraestruturas apropriadas, que ajudem a aproveitar o potencial da segunda vaga e a não reproduzir o status quo. É muito mais complicado e dispendioso tentar a retromontagem de áreas urbanas altamente congestionadas e a modernização de áreas de habitação informal densamente povoadas, uma vez estabelecidos os padrões espaciais básicos e depois de as populações estarem firmemente enraizadas. Os avisos sobre os perigos e ameaças de uma urbanização rápida e descontrolada foram repetidos vezes sem conta durante anos. Os governos nacionais

foram continuamente alertados para os riscos de dificuldades de vida e miséria, agitação social e catástrofes ambientais nas cidades. Contudo, estes sinais de alarme não conseguiram em geral persuadir muitos políticos de topo a levar mais a sério a situação das suas cidades, investindo em políticas urbanas eficazes. Em consequência disto, as cidades africanas sofrem tipicamente de ineficiência e desigualdades, vivendo a maior parte dos seus habitantes em condições perigosas, sem serviços básicos. Os benefícios económicos da urbanização Vários governos começaram a prestar atenção a estas advertências e encontram-se agora numa corrida contra o tempo a criar cidades equipadas para o século XXI e para dar resposta às necessidades de África. Estes governos foram persuadidos pelo argumento de que os países podem extrair benefícios consideráveis para o seu desenvolvimento se planearem e gerirem melhor o seu crescimento urbano. A argumentação económica em favor de uma política urbana nacional é que esta traz consigo ganhos significativos para a produtividade, para a criação de empregos e para o melhoramento do nível de vida derivados da concentração geográfica e da actividade comercial. A proximidade reduz os custos das transacções e dos transportes e fomenta o dinamismo e o engenho empresariais. Permite ainda uma actividade comer-

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As cidades africanas poderiam desempenhar um papel importante, ajudando a alargar e aprofundar a trajectória económica do continente.

Esquerda: O consumismo da classe média crescente é visível no aumento de centros comerciais.

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cial mais intensa entre as empresas e gera uma colaboração mais forte e uma aprendizagem mútua. Em palavras simples, a concentração física de pessoas, empresas, infraestruturas e instituições num só local significa que recursos de todos os tipos são utilizados com mais eficiência e criatividade, poupando assim custos e promovendo a inovação. Isto permite às economias avançar, com o tempo, da produção primária para indústrias secundárias e terciárias. As cidades africanas poderiam desempenhar um papel importante, ajudando a alargar e aprofundar a trajectória económica do continente. Podiam assegurar que o seu stock de recursos naturais, que está a diminuir gradualmente, fosse utilizado mais produtivamente e de formas que ajudem a manter o crescimento económico em anos futuros. A experiência de muitos países asiáticos nos últimos anos tem oferecido muitas provas de suporte e credibilidade que vêm reforçar estes argumentos. A rápida urbanização na Coreia, Malásia, Indonésia, Vietname e Filipinas tem sido acompanhada por um crescimento económico acelerado e por um desenvolvimento generalizado. A China é o exemplo mais notável, tendo experimentado um excepcional crescimento no rendimento per capita, agora superior em nove vezes ao de meados da década de 80, graças à duplicação da urbanização. A urbanização tem sido claramente uma força transformadora que tem oferecido uma maior produtividade, dinamismo empresarial e uma prosperidade crescente. A experiência da África tem sido muito mais mista. As ligações entre o desenvolvimento económico e a urbanização parecem ser mais fracas que noutros pontos do globo. A prosperidade parece ter passado ao lado de muitas cidades, sem as beneficiar, porque o crescimento tem sido impulsionado pela extracção de recursos naturais e não por uma industrialização de base alargada. Alguns países seguem o padrão internacional, mas muitos outros não o fazem. Os benefícios da proximidade física e da concentração não são aparentemente automáticos nem inevitáveis. As vantagens da urbanização foram comprometidas pela congestão, falta de segurança das infra-estruturas e aumento dos custos imobiliários e da mão-de-obra. Estes males reduzem o atractivo das cidades para investimento nos negócios e enfraquecem o desem-

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penho económico. Muito parece depender do ambiente físico no qual o crescimento urbano ocorre. Isto é determinado pela existência ou não de uma canalização de investimento público para o melhoramento do modo de funcionamento das cidades, criando um formato urbano eficiente e compacto. É vital que os governos reciclem os excedentes e os impostos gerados com a exportação de mercadorias e os reinvistam em melhoramentos na rede eléctrica, sistemas de águas pluviais, redes de saneamento e outros serviços urbanos. O crescimento da classe média e do consumo em África Alguns observadores externos sugerem que a África pode provocar o curto-circuito da industrialização ao despoletar o consumismo da classe média. O cenário que está a ser apresentado por consultores de gestão mundiais defende que a emergência de uma classe média africana pode estimular o crescimento económico através de uma forte procura de bens de consumo e serviços. Eles apontam para símbolos visíveis de prosperidade nas cidades africanas, na forma de novos e chamativos centros comerciais, hotéis elegantes, balcões de bancos internacionais e estabelecimentos de restauração rápida globais. É evidente que se tem registado um crescimento no investimento estrangeiro em sectores como a venda de alimentos e de vestuário; serviços bancários e de seguros; lazer, turismo e hotelaria; imóveis para comércio e habitação de qualidade, transportes e produtos farmacêuticos. Este fenómeno parece estar ligado à constatação internacional de que a população urbana do continente está a crescer, numa altura em que os mercados de consumo em muitas outras partes do mundo se encontram estagnados. Contudo, é vital que nos interroguemos se a classe média em ascensão nas cidades africanas constitui uma base sólida para o crescimento e o desenvolvimento futuros. Há valor acrescentado e conteúdo comercial suficientes nestas actividades para proporcionar crescimento duradouro nos empregos e nos rendimentos? Ou este fenómeno assenta principalmente nos bens de consumo importados, pagos com as exportações de minerais? E a classe média urbana é realmente significativa em termos económicos ou continua a ser muito pequena e a ter pouco peso? Uma observação informal sugere que os estilos de vida suburbanos,

Decisões críticas tomadas pelos governos sobre a localização das infraestruturas determinarão as trajectórias de crescimento das décadas futuras.

caracterizados por elevados níveis de consumo material, limitam-se a uma minoria minúscula da população. Parece portanto ser um erro as estratégias económicas favorecerem o crescimento ditado pelo consumo e pelo comércio de retalho em vez do investimento na produção de bens e serviços de valor acrescentado (incluindo produtos de consumo para substituir as importações) e níveis mais elevados de poupanças pessoais em vez de despesa. Além disso, para a jovem população de África produzir um dividendo demográfico e estimular um crescimento económico duradouro, tem que haver

Acima: A necessidade de melhorar a infra-estrutura dos transportes públicos está directamente ligada à urbanização.

consideravelmente mais oportunidades para as pessoas melhorarem as suas competências e capacidades, para encontrarem empregos sólidos e compensadores e para iniciarem e fazerem crescer as suas próprias empresas. Uma classe média de tamanho considerável não pode emergir e sobreviver isolada de uma economia real mais forte. As cidades africanas necessitam portanto de se tornarem mais do que centros de consumo de luxo e administração pública. Necessitam de fazer os seus próprios produtos e de produzir mais do que consomem, a fim de manterem o seu poder de compra local e aumentarem os rendimentos dos seus agregados. A diversificação implica o desenvolvimento de actividades a montante e a jusante, tais como a refinação, a transformação, a beneficiação e o fornecimento de insumos à exploração mineira e à actividade fabril. As cidades são os locais onde naturalmente se alcançam economias de escala, onde se promove a especialização e se constroem ligações duradouras em todo o tecido económico. A construção de economias urbanas envolve também o estabelecimento de uma indústria da construção eficiente e de uma coorte de empresas dinâmicas que possam produzir habitação condigna e acessível para pessoas com baixos rendimentos. Com o tempo, as barracas precisam de ser substituídas por estruturas que elevem o nível de vida e ajudem as pessoas a tornarem-se mais produtivas. Os edifícios de média densidade com vários andares são muito mais eficazes que estruturas de um só piso para assegurar a viabilidade dos transportes públicos e um acesso conveniente a empregos e outras facilidades. Decisões críticas tomadas pelos governos ao longo dos próximos anos sobre a localização das infra-estruturas determinarão de forma irreversível as trajectórias de crescimento das décadas futuras. Importantes investimentos nos transportes, energia, água, saneamento e telecomunicações poderão garantir uma relação positiva entre a urbanização e o desenvolvimento ou, por outro lado, poderão causar problemas urbanos esmagadores em África. Em suma, a política económica em África necessita de um quadro espacial mais forte e a política urbana necessita de uma dimensão económica. As duas agendas políticas devem ser mais explicitamente conciliadas pois complementam-se e reforçam-se mutuamente. n

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As cidades possibilitaram o enorme avanço em matéria de inovação e riqueza que vemos hoje em todo o mundo, mas em primeiro lugar, é preciso que sejam criadas as próprias cidades funcionais. Qual é o estímulo que leva à grande transformação? Por K.Y. Amoako, Presidente, Centro Africano para a Transformação Económica (ACET).

As cidades e a transformação económica

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pós décadas de planos económicos em grande medida fracassados – que na maior parte dos casos eram pouco mais do que exercícios para ‘apagar fogos’ – é muito encorajador que o continente esteja rapidamente a aderir a um paradigma de mudança para a ‘transformação económica’ como a via a seguir. Isto implica pôr um fim à mentalidade do ‘esperar pelo melhor’ do passado e exige planeamento real, que começa com o resultado final e calcula os passos lógicos que devem ser tomados para atingir este fim. Trata-se de uma abordagem orientada para resultados. Nós, na ACET, sempre defendemos o ‘Crescimento com Profundidade’ (Growth with Depth), onde DEPTH significa produção Diversificada, competitividade das Exportações, aumento da Produtividade em todos os domínios, actualização Tecnológica e finalmente, bem-estar Humano, incluindo rendimentos mais elevados e melhores empregos. As cidades podem proporcionar esta profundidade. Fizeram-no através dos séculos e em todo o mundo e são, sem dúvida, as principais fontes de crescimento orgânico, mesmo num continente onde a agricultura ainda desempenha um papel económico tão dominante.

A questão é: serão as cidades africanas, no seu estado actual, tão eficazes quanto poderiam ser como órgãos de crescimento económico? A resposta, muito claramente, é não. A vasta maioria delas tem um impacto abaixo dos seus respectivos valores em termos de gerar rendimentos e, com algumas excepções, fracassam redondamente no bem-estar humano. A maioria das nossas cidades faz o oposto e cria vastos centros de miséria humana. Mas a história diz-nos que esta situação não é única nem confinada a África. Virtualmente, todas as cidades (à excepção das poucas que foram ‘criadas artificialmente’, como Brasília ou Jayaputra) já foram bairros de lata repulsivos, onde a maioria vivia apertada, enquanto os ricos e poderosos construíam pequenas ilhas de abundância. No entanto, desta miséria e caos, ergueram-se grandes cidades, poderosas e imensamente ricas – Londres, Nova Iorque, Paris, Moscovo, para referir apenas as mais familiares. Mas, em cada caso, a transformação não aconteceu sem um esforço concertado, ou como um resultado indirecto de algum outro desenvolvimento. Foi preciso sempre, em primeiro lugar, uma aceitação de que o status quo não era mais aceitável e, em segundo lugar, uma determinação no sentido da mudança. Esta fórmula simples obteve resultados francamente espantosos no passado e continua a fazê-lo hoje na Ásia emergente. Mas a mudança do status quo exige uma visão a longo prazo, bem como um traçado do caminho a seguir para lá chegar. Chamamos a esse traçado a Agenda para a Transformação. Bons ventos de ‘circunstâncias especiais’ É por isso tremendamente encorajador ver Angola, a emergir desta forma de

um longo período de guerra e destruição, não só determinada a mudar o status quo, mas a agir com uma obstinada determinação. Seguiu os bons ventos das ‘circunstâncias especiais’ – as suas receitas do petróleo – para começar a limpar aquelas partes feias e contraproducentes da sua herança, para construir novas cidades resplandecentes no seu lugar. O sucesso de Angola na criação de centenas de milhares de novas casas, através da utilização de diversas estruturas de financiamento inovadoras e engenhosas, para os seus cidadãos, e tornando-as acessíveis a taxas altamente subsidiadas, dará nova credibilidade a outros planeadores de cidades noutras partes do continente. Angola provou que isso pode ser feito. Obviamente que isto é apenas o início de uma nova fase. O próprio acto da migração das áreas rurais para as cidades é em si mesmo transformador, uma vez que a vida de subsistência dá lugar à especialização, por muito básica que seja. E este é o elemento de base de uma ordem económica que pode continuar a gerar crescimento económico durante muitos anos. A especialização conduz à industrialização, que dá origem à indústria transformadora, que alimenta e cria novos mercados para si própria. E o ciclo repete-se vezes sem conta. A crescente prosperidade e as melhorias concomitantes no bem-estar humano que temos visto noutros lugares, têm todas por base estes mesmos elementos. No entanto, tal como um planeamento cuidadoso e uma execução arrojada são essenciais na criação destas novas cidades para as populações urbanas em constante crescimento, o potencial para a transformação económica que estas trazem consigo apenas pode ser plenamente realizado por uma preparação igualmente cuidadosa e inteligente e por uma execução igualmente ousada. A chave, contudo, é suscitar a determinação para mudar o status quo, e nessa altura, nada é impossível. n

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F I N A L

Façam-nos Sonhar Por Omar Ben Yedder, Editor do Grupo,

Os planeadores e os responsáveis políticos têm a enorme responsabilidade de tornarem as nossas cidades aprazíveis e coesas. O que lhes peço é que também nos façam sonhar.

“ A humanidade precisa de sonhos para suportar a miséria nem que seja por um instante” Oscar Niemeyer, arquitecto brasileiro (1907–2012)

N

estas 90 e tal páginas defendi o conceito de que as cidades são importantes. Cidades importantes significam, em última análise, prosperidade. Cidades como Nova Iorque e Londres são motores económicos e de crescimento. O PIB de Nova Iorque é superior a 1trilião de dólares e provavelmente é tão grande quanto o de África. Áreas como o Silicon Valley passaram a ser um oásis de criatividade. Todos estes lugares têm uma coisa em comum: planeamento adequado. Embora eu defenda o mercado livre e a mínima intervenção, as cidades são bem-sucedidas devido a um planeamento estratégico e a uma visão grandiosa. Se isto for bem executado, não há razão por que as nossas cidades não possam concorrer a nível mundial e estar a par e passo com as melhores do mundo. Na sua introdução o nosso editor apresentou o papel crítico que os planeadores têm de desempenhar. Possuímos tanta riqueza, mas não nos devemos esquecer que muito poder vem acompanhado de muita responsabilidade. Manhattan é um exemplo por excelência. O centro de Manhattan era onde se exercia toda a actividade no início do século XIX, mas a cidade funcionava sem uma estrutura. Aproveitando a oportunidade e concretizando o seu potencial, os planeadores reuniram-se e decidiram organizar a cidade como um quadriculado, que é o que se vê se olharmos para um mapa a partir da 10th Street. Alguns anos mais tarde, ao verem que a cidade era dominada por uma massa de betão, os planeadores decidiram criar um parque no meio de Manhattan. Assim temos agora o Central Park, um dos mais famosos parques do mundo.

Harmonia a partir do caos Uma forte liderança mostrou-nos o que é possível conseguir e que podemos transformar as nossas cidades. Estas são frequentemente muito desordenadas, pouco seguras e com falta de espaços verdes. O governador Babatunde Fashola transformou Lagos ao criar ordem, disciplina e um espaço para o cidadão comum. Kigali no Ruanda é um óptimo exemplo de ordem e crescimento urbano em plena harmonia com a beleza natural que a cidade oferece. Tenho esperança de que os planeadores e responsáveis políticos de hoje tenham a coragem de sonhar. Eles têm a oportunidade de ser não somente práticos mas também criativos e ousados. Colocar as estruturas no seu lugar é fácil. O que é necessário é que saibam criar harmonia a partir do caos. Espero que os detentores de cargos de poder o usem com sabedoria. Ao sonhar as nossas cidades não nos esqueçamos das artes – frequentemente uma ideia secundária – ou dos desportos; não nos esqueçamos da música e da cultura, que têm tanto para oferecer e tornar uma cidade memorável. Vamos pensar como uma criança: onde é que ela desejaria viver e crescer? No Brasil, o grande arquitecto Oscar Niemeyer foi muitas vezes criticado pelos seus dispendiosos projectos de vaidade, mas os seus edifícios não eram uma contribuição para os ricos, mas sim para todos os cidadãos. Nesse sentido, a arquitectura urbana é a coisa mais democrática que se pode oferecer. Niemeyer tem razão ao afirmar que o que a arquitectura tem de bom é que parte da premissa de que pode tornar a vida muito melhor. O fabuloso Monumento da Renascença Africana em Dakar foi alvo de muitas críticas (em parte justificadas, incluindo o seu custo excessivo e o facto de ter sido construída por coreanos) mas este “projecto de vaidade” é um marco de referência para todos em Dakar e, quer os adoremos ou detestemos, são necessários marcos de referência para dar identidade a uma cidade. Enfrentamos enormes desafios ao sonhar as nossas cidades do futuro. Temos a sorte de podermos aprender tanto com os melhores como com os piores e de nada ser impossível graças à tecnologia e às inovações. Temos de responder a muitas necessidades urgentes. Mas espero que, tal como os nossos antepassados, o consigamos fazer em harmonia com a natureza e as artes, nas quais nos devemos inspirar. Ser prático, pragmático e realista, sim. Mas ao mesmo tempo: façam-nos sonhar. Todos nós precisamos de um pouco de fantasia para podermos viver melhor. n

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