CARTILHA DENUNCIAS FALSAS - A CRIANÇA EM MEIO AO CONFLITO - IBDFAM NITEROI

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Introdução – Página 1

Capítulo 1: Compreendendo as Denúncias Falsas – Página 4

Capítulo 2: Identificação de Sinais de Denúncias Falsas – Página 7

Capítulo 3: Prevenção de Denúncias Falsas – Página 9

Capítulo 4: Procedimentos em Caso de Denúncias Falsas – Página 13

Capítulo 5: Aspectos Éticos e Legais – Página 16

Capítulo 6: Escutar para Proteger – O Desafio de Falar sobre Abuso na Infância e Adolescência – Página 19

Capítulo 7: A Perícia Psicológica em Processos que Envolvem Acusações de Abuso Sexual Infantil, a Alienação Parental e o Lugar do Psicólogo – Página 23

Conclusão – Página 27

O IBDFAM Niterói vem, através desta Cartilha, analisar a representação das falsas denúncias no contexto do Direito de Família. A doutrina familiarista entende como acusações infundadas criadas com oobjetivo de prejudicararelação de um genitor/parente com um menor. Essa manobra desleal é intencionalmente adotada no intuito de obter vantagem no processo judicial.

No ordenamento jurídico brasileiro temos a previsão legal da proteção à vítima de violência doméstica (Lei 11.340). A falsa denúncia pode configurar ilícito penal (art. 339 do Código Penal) e civil, gerando responsabilidade por danos morais e materiais.

No ambiente familiar, seus impactos são ainda mais profundos, pois atingem o vínculo entre pais e filhos, corroendo relações de afeto e minando a confiança entre os envolvidos. A problemática que enfrentamos é a instrumentalização desse direito para fins manipulativos, o que acaba comprometendo não apenas a justiça do caso concreto, mas também a credibilidade do sistema. A detecção de denúncias falsas demanda sensibilidade por parte dos Operadores do Direito. Alguns sinais comuns incluem: a ausência de evidências mínimas que sustentem a acusação; a repetição de denúncias coincidentes com momentos estratégicos do processo (como audiências ou perícias); relatos inconsistentes ou contraditórios; e o isolamento injustificado da criança em relação a um dos genitores.

Importante destacar que a identificação de uma possível falsa denúncia deve ser feita com cautela, respeitando a presunção de veracidade da vítima e a necessidade de ampla investigação.A pressaemdescredibilizarumadenúnciapodesilenciarvítimasreaiseinviabilizara proteção adequada. Isto porque, o efeito imediato desse quadro nocivo é a criação de um conjunto de sintomas que transformam a consciência da vítima, e segrega a relação parental.

A prevenção das denúncias falsas passa por mecanismos jurídicos e educativos. O fortalecimento da Lei da Alienação Parental (Lei nº 12.318/2010), por exemplo, tem sido uma ferramenta relevante ao sancionar condutas que dificultem o convívio da Alienada com um dos genitores ou parentes. Vale ressaltar que hoje não observamos mais a Alienação Parental apenas entre genitores, constatando-se a ramificação para os demais parentes, como avós, tios, dentre outros.

Portanto, a atuação de uma equipe multidisciplinar com psicólogos, assistentes sociais e até peritos, nos permite uma melhor compreensão da dinâmica familiar analisada no caso concreto, o que contribui para a formulação de decisões coerentes ao caso analisado. Da mesma forma, a majoritária corrente familiarista, da qual integramos, incentiva a adoção de métodos alternativos de resolução de conflitos, como a mediação por exemplo, o que vem mostrando resultado efetivo na redução de litígios e inibição de comportamentos abusivos.

Aintegridadeéumvaloressencialemqualquerdenúnciarealizadanoâmbitofamiliar.O uso ético e responsável do direito de petição é um pilar da justiça. Denunciar uma violência ou abuso é um ato de coragem e deve ser sempre incentivado, mas a utilização desse direito com objetivos escusos, como vingança ou disputa patrimonial, perverte a finalidade da tutela jurisdicional. O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu os efeitos deletérios da falsa denúncia no Direito de Família. No AgRg no REsp 1.250.956/SP1, o STJ afirmou que a falsa comunicação de crime,especialmenteemcontextosdeguardaevisita,configuragraveabusododireitoepodeensejar reparação civil. A doutrina também condena veementemente tais práticas: Maria Berenice Dias salienta que “quando a denúncia é falsa, e não apenas infundada, caracteriza-se grave violação à dignidade da pessoa humana, devendo haver responsabilização proporcional ao dano causado”2 .

1 STJ – AgRg no REsp 1.250.956/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 18/10/2011.

2 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

Luana Oliveira

1.1 Definição de Denúncias Falsas

Denúncias falsas configuram abuso de um direito, eis que são alegações feitas contra uma pessoa ou até mesmo contra alguma entidade com o objetivo de causar-lhes algum dano ou com o intuito de obter benefícios indevidos. Essas denúncias sem fundamento podem ocorrer em diversas circunstâncias, neste capítulo, vamos tratar das denúncias falsas no contexto das relações familiares.

Quando uma pessoa, deliberadamente, faz uma acusação inverídica ou até mesmo deturpada contra outra, tendo certeza de que a alegação não condiz com a realidade, normalmente, imputando a prática de abuso físico, psicológico, sexual ou sobre a prática infundada de negligência, ela o visando a obtenção de vantagem, seja em processos judiciais ou nas disputas de guarda de crianças e adolescentes, divórcios ou simplesmente para se vingar do denunciado.33

1.2 Implicações Legais das Denúncias Falsas

ODireitoPenalBrasileirotipificacomocrimedenominado“denunciaçãocaluniosa”previsto noart.339doCódigoPenal: “Dar causa à instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito civil ou de ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo de que o sabe inocente:”4

A configuração do crime de denunciação caluniosa exige que a denúncia resulte necessariamente na instauração de um procedimento oficial contra o acusado.

A falsa denunciação quando não caracteriza a prática criminosa prevista no art. 339 do CódigoPenal,poderáserenquadrada nacondutatipificada eprevistanoart.340doCódigoPenal, que trata da “comunicação falsa de crime ou contravenção”.

As denúncias falsas também poderão configurar crimes de calúnia e difamação, conforme preceitua o Código penal Brasileiro (art. 138 e 139), e ainda, podem ensejar ao denunciante a

3 Código Penal Brasileiro – artigos 138, 139, 339 e 340

4 Texto compilado da Lei nº 14.110, de 18 de dezembro de 2020 que alterou o art. 339 do Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal)

obrigação de reparar danos causados à pessoa ou entidade prejudicada. Sem falar, no comprometimento da credibilidade do denunciante em processos de disputas familiares.55

1.3 Casos Comuns No Direito de Família6

No âmbito das disputas familiares as denúncias falsas frequentemente estão relacionadas às disputas de guarda dos filhos, pensão alimentícia e de violência doméstica. Sendo certo afirmar que essa prática não prejudica tão somente a pessoa acusada injustamente, mas sobretudo o bem- estar das crianças envolvidas e abalam a credibilidade do sistema como um todo.

Nas disputas de guarda as denúncias falsas podem ser usadas para desqualificar o outro genitor com o objetivo de obter a custódia unilateral dos filhos, de evitar o convívio deles com o outro genitor. Geralmente, incluem falsas condutas de abuso infantil ou negligência, acarretando um enorme prejuízo para a prole, que por conta das medidas protetivas de urgência, podem afastar o denunciado imediatamente dos próprios filhos.

Já nas questões de alimentos, as falsas alegações de incapacidade financeira ou de desvio e ocultação de recursos que deveriam ser destinados às crianças e adolescentes, objetivam aumentaroureduzir ovalordopensionamento, quepodem resultar emsanções comoperjúrio ou revisão dos acordos de pensão e de sentenças de fixação de alimentos.

No que concerne ao âmbito da violência doméstica, as denúncias falsas são utilizadas para manipularosistemajudicialafimdeseobtervantagensprocessuaiselegaisnasdisputas familiares, vez que as medidas protetivas de urgências, levam em consideração tão somente a palavra da vítimaparaquesejadeterminadaasmedidasprotetivascapazesdecessarquaisquer atodeviolência, de maneira imediata, que em geral são ordens de restrição de contato, mas com um forte poder de abalar a reputação do denunciado.

Tânia Sá Hammerschmidt

5 Código Penal Brasileiro – artigos 138, 139, 339 e 340

6Texto baseado no Artigo: “Ética na jurisdiçãode Família” por Maria Berenice Dias- https://berenicedias.com.br/aetica-na-jurisdicao-de-familia/ e no artigo: “Alienação parental e as falsas denúncias”por Juliana Gomes Dall’Acqua https://ibdfam.org.br/artigos/1631/Aliena%C3%A7%C3%A3o+parental+e+as+falsas+den%C3%BAncias+

O papel do Estado na proteção da população é fundamental abrangendo diversas áreas desde a garantia dos direitos sociais e econômicos até a segurança pública e a promoção de dignidade humana.

Conforme demonstrado, as denúncias falsas no âmbito do direito das famílias, geram um grande desafio ao judiciário. Isto porque quando uma das partes vai até a Delegacia, para fazer uma denúncia há uma presunção de veracidade, sendo imprescindível uma equipe técnica, qualificada e multidisciplinar para identificar se a denúncia é verdadeira.

Importante frisar que é essencial que a vítima procure uma Delegacias Especializada, pois são estas que possuem uma maior capacidade técnica para dar o correto suporte. Em casos de violência doméstica, a DEAM (Delegacia Especializada da Mulher) é a competente, em casos de violência que envolvam o menor, a DPCA (Delegacia em proteção à criança e ao adolescente) é a competente.

Note-se que é na esfera administrativa com a técnica e multidisciplinariedade que a denúncia inicia, se bem identificada como verdadeira ou falsa, evita consequências deletérias na esfera judicial e o Estado consegue cumprir o papel de resguardar e garantir à vítima a segurança adequada.

Dessa forma, para identificar as denúncias garantindo o tratamento satisfatório é crucial reunir provas que corroborem com os fatos relatados, tais como: documentos, imagens, áudios, vídeos, depoismento de testemunhas, e até mesmo provas materiais dependendo do caso. A qualidade das provas influencia diretamente a credibilidade da denúncia. E as provas também são importantes para a defesa da vítima e do denunciante, garantindo que todos os direitos sejam respeitados.

Portanto, carência de provas, depoimentos inconsistentes, testemunhas que não sejam coerentes com a cronologia dos fatos, inconsistências nos relatos, ausência de evidências e registros na avaliação de veracidade devem ser suficientes para a descontinuidade da denúncia falsa que pode ter como objetivo alguma vantagem oculta da vítima seja no âmbito judicial ou de vingança “costumeira” na esfera do direito das famílias.

Uma denúncia que não é verdadeira é conhecida como denunciação caluniosa ou falsa acusação. A Polícia Civil e Ministério Público são os responsáveis na atuação de investigação para responsabilizar e punir os crimes de denunciação caluniosa. Este tipo de denúncia pode ter consequências graves, pois, ao imputar falsamente a um indivíduo a prática de um crime, pode gerar investigações, processos e até mesmo condenações, causando danos à reputação e à vida da

Marysol Salustiano de Carvalho

3.1. Orientações para clientes: Como aconselhar os clientes a evitarem situações que possam ser mal interpretadas

Como visto anteriormente, há implicações de ordem criminal e cível para aqueles que praticam comunicação falsa de um crime. Contudo, nem sempre a possibilidade de ser penalizado faz com que uma pessoa deixe de praticar tal ato de denunciar falsamente um crime. Desta forma, importante que o advogado instrua seu cliente de modo a evitar dupla interpretação a uma mesma situação, como exemplificado abaixo:

 Mantenha sempre as conversas de forma documentada, preferencialmente por email, sempre sendo respeitosa a conversa e sobretudo objetiva;

 Evite áudios ou ligações telefônicas sem necessidade, pois são mais difíceis de provar em caso de conflito;

 Em casos de histórico conflituoso, evite encontros a sós, especialmente em locais sem testemunhas ou câmeras;

 Seocontatofornecessário(ex:parabuscarfilhos),leve umatestemunhaneutra ou opte por locais públicos com vigilância;

 Guarde prints, mensagens, e-mails e outros elementos que possam provar comportamento inadequado da outra parte;

 Em investigações ou processos, coopere com as autoridades, mas sempre com acompanhamento jurídico;

 Indique que o cliente busque apoio psicológico, o que pode ajudar a manter o equilíbrio emocional e reforçar sua postura preventiva e colaborativa.

3.2. Educação sobreos direitos edeveres:Informaros clientes sobreasconsequências legaisde fazer denúncias falsas

Em contraponto ao item anterior, temos que zelar pela verdade enquanto advogados, operadores dodireitoquesomos,devemos teracautelanecessáriae verificaraautenticidade do que está sendo narrado.

Desta forma,deve oadvogadoorientarasconsequências de umacomunicaçãofalsade um crime, conforme abaixo:

 Dos crimes previstos no Código Penal:

 Denunciação caluniosa (Art. 339): “Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, [...] atribuindo a alguém crime de que o sabe inocente.”

Pena: reclusão de 2 a 8 anos e multa.

 Comunicação falsa de crime (Art. 340): “Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado.”

Pena: detenção de 1 a 6 meses ou multa.

 Calúnia (Art. 138): Atribuir falsamente a alguém a prática de crime.

Pena: reclusão de 6 meses a 2 anos e multa.

Dasconsequênciascíveis:

 Aquele que é que falsamente acusado de cometer um crime que não cometeu poderá processar o autor da denúncia falsa por danos morais, requerendo indenização pelos prejuízos à imagem, à reputação e ao sofrimento causado.

3.3. Uso de mediação: A importância da mediação antes de recorrer ao judiciário

A mediação tem conflitos tem sua regulação na lei 13.140/2015, além de estar também prevista no Código de Processo Civil, tendo nos art. 165 a 175 a regulação dos mediadores nos Tribunais.

De forma breve, a mediação é um método consensual de resolução de conflitos, onde um terceiroimparcial,omediador,auxiliaas partes acomunicaremeaencontraremumasolução queseja mutuamente viável. Tem como princípios a voluntariedade, em que as partes participam por livre vontade, a confidencialidade, já que tudo o que é dito na mediação é sigiloso, a autonomia das partes, onde a decisão é construída por elas, e não imposta, a imparcialidade do mediador,emque ele não julga nem impõe soluções, oralidade e informalidade, sendo este um procedimento é

flexível e adaptável.7

Hoje, os tribunais vêm cada vez mais utilizando de métodos para solução de conflitos de forma a fazer com que as partes dialoguem, sobretudo após a ruptura conjugal, visando o melhor interesse do filho.

Contudo, devemos estar atentos, porque da mesma forma que existem denúncias falsas, existem as verdadeiras. Sendo assim, se durante as sessões de mediação houver conhecimento e um fato que configure crime, especialmente contra crianças, adolescentes, idosos ou em situação de violência doméstica, há o dever legal de que seja interrompida, devendo ser comunicado ao Ministério Público ou à polícia.

7 Perguntas e respostas sobre Mediação. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, 2025. Disponível em: https://www.tjrj.jus.br/perguntas-e-respostas-sobre-mediacao acesso em 12 maio 2025.

A denunciação caluniosa pode ocorrer a qualquer tempo, seja anterior à judicialização de processos em que se discuta, guarda, convivência e alimentos, ou durante o trâmite dessas ações, porém o intuito sempre será tentar manipular o judiciário, ou vingar-sepela frustração no término do relacionamento ou ter a sensação de poder, uma vez que ao se requerer uma medida protetiva seja para si mesmo ou para uma criança, na maioria das vezes é quase impossível revertê-la, principalmentequandolidamoscomdenúnciacaluniosadecrimedeameaçaouainda abusoinfantil sem coito,oque seagrava mais aindaquando a criança possui idade até 04 anos.

O trâmite é lento e o judiciário não está preparado estruturalmente para lidar com as denunciações caluniosas que envolvam relações familiares. Esta é a realidade. A realidade se agrava noponto em queos advogados também não sepreparam. Nãohá para advogados restrição para atuar em diversas áreas e por este motivo, é possível aventurar-se em qualquer área que lhe interesse, seja por afinidade pela matéria,seja pelo interesse financeiro. É como se um pediatra ou oftalmologista sem a especialização pudesse atuar livremente em oncologia, obstetrícia.

Lembre-se disso, quando escolher as demandas que atende em sua atuação. Aquela demanda pode ser atendida por qualquer advogado com formação básica ou prescinde de conhecimentos que se compararia a um especialista, assim como a oncologia necessita de médico especialista? Esta pontuação não tem a intenção de impedir que o advogado escolha as causas que deseja patrocinar, mas que ao aceitar, tenha condições reais de fazê-lo.

4.1 Coleta de provas: Estratégias para reunir documentação e testemunhos que comprovem a falsidade da denúncia.

Diferente do capítulo anterior que trata da prevenção, aqui estamos lidando com a denúncia caluniosa já realizada seja por medida protetiva em procedimento criminal, seja incidentalmente ouemcursodeprocessosquetramitamemvaradefamília,comoaconteceem denúnciasdeabuso infantil. É comum que antes do registro de ocorrência, seja feita a denúncia inicialmente somente no processo de guarda. Se o seu cliente afirma que a denúncia a ele imputada é caluniosa, e que a medida protetiva está sendo utilizada para prejudicar o convívio com os seus filhos, é extremamente necessário que:

 O advogado anote todo o histórico sobre a versão dos fatos dada pelo cliente, confirmando os fatos que ficaram omissos, contraditórios ou obscuros.

 Tenha acesso à todas as conversas do seu cliente com a parte contrária, seja, e-mail, WhatsApp ou redes sociais.

 É necessário que seu cliente possua uma pessoa de confiança que seja enquanto necessário o intermediador de mensagens sobre a criança, principalmente se a convivência for mantida, independentemente de ser ou não assistida.

 O advogado deve lembrar de comunicar a todos os juízos e autoridades envolvidas a nomeação deste intermediador, inclusive a escola, neste último caso, o cliente deverá fazê-lo, de preferência por e-mail.

4.2 Como proceder legalmente: Orientações sobre as medidas legais a serem tomadas em caso de denúncias infundadas.

4.3

Não é exceção que em casos de denunciação caluniosa, a falsa vítima procure forçar que o denunciado venha a descumprir a medida. Para isso, várias situações podem acontecer como stalkear seu cliente e aparecer nos locais que ele esteja propositalmente, estar próximo ao local de residência ou trabalho, e muitas outras situações.

Assim, caso isto ocorra, é possível inicialmente algumas medidas: informar em todos os juízos imediatamente a situação ocorrida, se possível com fotos ou testemunhas, informando que a vítima está descumprindo a própria medida protetiva requerida, e se for o caso, requerer que a medida protetiva seja revogada face o descumprimento pela própria vítima, sem prejuízo de registro de ocorrência, cujo fundamento está no artigo 339 do Código Penal.88

4.4 A importância do apoio psicológico: Recomendar acompanhamento psicológico para os envolvidos.

Os processos que envolvem denunciação caluniosa, além de normalmente ser muito demorados, as suas etapas tanto nos processos de família quanto criminais, podem desencadear impactos desastrosos nas relações familiares, daquele genitor ou genitora, vítima da calúnia, principalmente, se em meio a este trâmite houver: afastamento de convivência, convivência assistida ou pior, prisão por descumprimento forjado de medida protetiva.

O advogado não é terapeuta e ainda que seja, dar apoio ao seu cliente não significa que pode exercer simultaneamente o papel de terapeuta, sob pena de antiética.

Dessa forma, orientar seu cliente a procurar um profissional, de preferência que tenha especialidade em atuação em casos similares fará a diferença para que durante o trâmite da ação, os impactos que seu cliente ou os filhos venham a sofrer até mesmo da violência institucional, sejam reduzidos, mais bem trabalhados, ou melhor ainda, prevenidos.

8 Videcapítulo01

Trabalhar nestes casos em específico, requer, que você advogado, consiga enxergar o panorama além do processo, para que a sua atuação jurídica possa ter melhores resultados.

5.1 Código de Ética da OAB: O Papel do Advogado na Promoção da Justiça9

O Código de Ética e Disciplina da OAB apresenta princípios fundamentais que direcionam a conduta dos advogados no Brasil. O compromisso com a verdade e a justiça se impõe,de maneiraessencial em diversas frentes,e dentre elas, nocombate as denúncias falsas.

O advogado desempenha papel fundamental para a promoção da justiça, e partindo dessa premissa, se espera o dever de exercer a profissão com dignidade, proatividade e competência, na mesmamedidaquesefaznecessárioevitarmétodosilícitoseimoraisparaauferirvantagens para si ou para seus clientes.

No que tange as denúncias falsas, é primordial que o advogado não somente se recuse a participar, conforme prevê o artigo 20 do Código de Ética e Disciplina da OAB, como também tem o dever de atuar veementemente na identificação e combate de tal prática.

Isso porque a prática de denúncias falsas acarreta diversos prejuízos não somente às vítimas, mas também a justiça e a toda sociedade, uma vez que descredibiliza as verdadeiras denúncias, prejudicando vítimas reais e movendo a máquina do judiciário de forma leviana.

O sigilo profissional é dever de todo advogado, previsto no Código de Ética em seus artigos 25, 26 e 27, devendo ser respeitado. Entretanto, o sigilo não deve ser utilizado para encobrir práticas imorais e antiéticas, como a promoção de falsas denúncias.

Oadvogadodevesercriteriosoecuidadosoquandosetratardasinformaçõesfornecidas por seus clientes, buscando uma análise crítica dos fatos, para garantir a veracidade das demandas impostas.

5.2 Consequências Legais para Denúncias Falsas: Penalidades previstas na legislação

A legislação do Brasil prevê penas severas para aqueles que praticam denúncias falsas, especialmente no âmbito do direito das famílias, em que os prejuízos emocionais e sociais são incalculáveis e muitas vezes irreversíveis.

O primeiro a ser abordado é o crime de Denunciação Caluniosa, previsto no artigo 339 do Código Penal Brasileiro10, que condiz em imputar a alguém crime que sabe que é inocente.

9 ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - OAB. Código de Ética e Disciplina.

10 BRASIL, Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

A pena pode variar entre dois a oito anos de prisão, além de multa. O objetivo da lei é proteger as pessoas de falsas acusações que possam sujar sua reputação gerando enormes prejuízos em vidas pessoais e profissionais.

Também existe outro tipo penal que vale a pena mencionar, que é o crime de Calúnia, considerado crime contra a Honra, previsto no artigo 138 Código Penal. A conduta tem por objetivo ferir a honra do genitor ofendido, além de causar prejuízos no reestabelecimento do convívio com o filho. A Pena varia de seis meses a dois anos, e multa.

No âmbito do Direito das Família, as denúncias falsas geram prejuízos ainda maiores. Denúnciasfalsassobreviolênciadoméstica,abusosexual,infantilounegligência,entreoutros,e não se limitando e esses, impactam diretamente em decisões e sentenças que versam sobre assuntos extremamentesérios edelicados,comoguardaeconvivênciaporexemplo,e,deacordo com Lei 12.318/2010, em seu artigo 2º, VI11, é considerado ato de alienação parental.

Nesse sentido, a própria Lei12.318/10, em seu artigo 6º, prevê medidas para quem pratica tais atos, como: declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; estipular multa ao alienador; determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; determinar a alteração da guardaparaguarda compartilhadaousuainversão;determinarafixaçãocautelardodomicíliodacriança ouadolescente; declarar a suspensão da autoridade parental.

O papel do advogado é fundamental para proteger e garantir que a justiça seja imposta àquela família, sendo de suma importância a denunciação pelo profissional que se deparar com casos de tentativa de manipulação da verdade.

É necessário que os advogados estejam preparados para orientar seus clientes sobre as consequências da prática de promover denúncias falsas, e os incentive a não as cometer. Orientar o cliente também é dever do advogado, sobretudo acerca de direitos e deveres que evitem intenções maldosas eprincipalmente, promovama resoluçãoéticaecoerentediantedasdisputas familiares.

Os advogados precisam se conscientizar de seu dever em colaborar de forma eficiente com as autoridades na investigação de casos com suspeita de falsas denúncias, colaborando com provas e informações que auxiliem na proteção de vítimas e punição aos responsáveis.

Prevenir as denúncias falsas é um compromisso ético e legal de todas as figuras que envolvem um processo judicial. Os advogados têm a responsabilidade de garantir que as práticas adotadas convirjam com a verdade e a justiça, principalmente quando falamos no âmbito do Direito das famílias e seus desdobramentos, com base na ética e moral, previstas no Código de ética e Disciplina.

ABUSO NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Falar sobre abuso sexual infantil ainda é um tabu na nossa sociedade. Por medo, vergonha ou incredulidade, muitos casos não são denunciados, e as crianças acabam sofrendo caladas. No entanto,osilênciomuitasvezessetransformaemconivência.Quandofalamosem abuso,épreciso lembrarquenãoháexageroemagircomcautela:asconsequênciasemocionais,físicas e psicológicas de um trauma como esse podem durar toda a vida.

Ao mesmo tempo, a sociedade precisa estar atenta ao risco das falsas denúncias — um fenômeno raro, mas que existe, especialmente em contextos de alta tensão, como separações conflituosas. Isso não deve ser usado como argumento para duvidar de toda e qualquer fala de uma criança, mas sim como um alerta paraa necessidade de procedimentos técnicosadequados.

Como pediatra e psiquiatra da infância e adolescência, acredito que o caminho é o do equilíbrio: acolher, ouvir, proteger e agir com responsabilidade. Essa cartilha nasce do compromisso com a proteção integral da criança e do adolescente, e do respeito aos princípios legais e éticos que regem nossa atuação.

6.1. O que é o abuso sexual infantil e como ele costuma se manifestar

O abuso sexual infantil não é apenas o ato físico de violência sexual — é qualquer situação em que uma criança ou adolescente é exposta, manipulada ou coagida a participar de interações de cunho sexual, com ou sem contato físico direto. Pode incluir toques inapropriados, exposição a pornografia, falas com conotação sexual, masturbação forçada, entre outras.

Os sinais de abuso são muitas vezes silenciosos. Podem se manifestar de forma indireta: mudanças abruptas de comportamento, medo inexplicável de certas pessoas, agressividade, isolamento, quedano desempenho escolar, problemas de sono, regressões (como voltar a urinar na cama), entre outros. O relato infantil nem sempre é direto. Crianças pequenas, especialmente, contam partes da história, usam metáforas ou falam através de desenhos e brincadeiras. Isso não significa que estão mentindo, mas sim que estão tentando comunicar algo complexo dentro das suas possibilidades emocionais e cognitivas.

6.3 Acolhimento e escuta qualificada

O primeiro passo diante de uma suspeita de abuso é escutar — com empatia, paciência e

semindução.Interromper,julgaroupressionarpodesilenciaracriançaoualterarorelato.A escuta deve ser acolhedora, mas nunca inquisitiva. Evitar perguntas do tipo “Tem certeza?”, “Mas isso não foi um sonho?” ou “Você não está inventando isso?” é fundamental.

A escuta protegida, prevista em lei, garante que crianças e adolescentes sejam ouvidos por profissionais capacitados em ambientes adequados, minimizando o risco de revitimização. Profissionais da saúde, educação e assistência social devem conhecer o fluxo de atendimento e trabalhar de forma integrada com a rede de proteção. A família também precisa ser acolhida — tantoquandoacreditanacriançaquantoquandoreagecomnegaçãoouchoque.Arevelaçãode um possível abuso mexe com estruturas profundas. O profissional deve ajudar a família a lidar com a dor sem desviar o foco da proteção da criança.

6.4 O impacto do abuso (e da falsa denúncia) na saúde mental

As cicatrizes de um abuso sexual podem acompanhar a criança por toda a vida. Os efeitos mais comuns incluem transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), depressão, ansiedade, automutilação, transtornos alimentares, uso de substâncias, dificuldades de relacionamento e até ideação suicida.

Quando a criança é desacreditada, além do trauma do abuso, vivencia a dor do abandono emocional. Essa revitimização aprofunda o sofrimento e compromete o desenvolvimento psíquico saudável.

Por outro lado, uma falsa denúncia também pode causar danos profundos. A criança envolvida pode desenvolver sentimento de culpa e confusão, e o adulto acusado injustamente podesofrerconsequências irreversíveis em suavidapessoaleprofissional. Ocuidadocom todos os envolvidos é parte do trabalho ético e técnico da rede de proteção.

6.5 O caminho legal e os cuidados necessários

Diante de uma suspeita de abuso, o profissional da saúde tem o dever legal de notificar o caso ao Conselho Tutelar ou à autoridade competente. A notificação não é uma acusação — é uma forma de acionar a rede de proteção. O fluxo costuma envolver: escuta inicial, notificação, avaliação da rede, eventual encaminhamento para escuta especializada, perícia técnica e, quando necessário, medidas judiciais. A prioridade é garantir a segurança da criança e a investigação responsável do caso.

A atuação integrada entre pediatras, psiquiatras, assistentes sociais, psicólogos, conselheiros tutelares e operadores do direito é fundamental para evitar injustiças, preservar a

saúde mental da criança e assegurar que nenhuma voz seja ignorada.

6.6. Conclusão:proteger a infânciaéuma responsabilidadecoletiva

Não há caminho fácil quando se trata de abuso sexual infantil. Entre o risco do silêncio e o perigo da acusação injusta, há um fio ético que nos guia: o compromisso com a escuta cuidadosa, com a verdade e com o acolhimento.

Profissionais, familiares e sociedade têm o dever de proteger nossas crianças e adolescentes. Issocomeça pela disposição de ouvir, acreditar e agir com responsabilidade. Falar sobre abuso não destrói famílias — o silêncio sim. E é através da escuta e da proteção que podemos garantir uma infância mais segura, justa e digna.

6.8 Exemplo real: quando o silêncio mata

Em2021,oBrasilfoiabaladopelocasodameninaGaeldeFreitas,de3anos,mortaem seu apartamento em São Paulo. O laudo apontou agressões e sufocamento, e a principal suspeita foi a própria mãe. Apesar de não se tratar de abuso sexual, o caso escancara a importância de não ignorar sinais de sofrimento infantil. Familiares já haviam percebido comportamentos estranhos e instabilidade emocional na mãe, mas não houve intervenção antes do desfecho trágico.

Casos como esse — infelizmente não isolados — mostram que sinais muitas vezes estão presentes antes da violência fatal. A escuta ativa e a notificação precoce podem salvar vidas. Quando a sociedade desacredita relatos ou não leva a sério comportamentos de risco, a negligência se torna cúmplice do desfecho.

6.9. Por que é importantedenunciar?!

Denunciar não é apenas um ato jurídico — é um gesto de proteção e coragem. Quando um caso é levado à rede de proteção, a criança tem a chance de ser ouvida, cuidada e protegida. A denúncia rompe o ciclo de silêncio e violência que muitas vezes atravessa gerações. Mesmo que não haja confirmação imediata, a notificação permite que profissionais capacitados acompanhem de perto a situação, garantindo o bem-estar da criança e prevenindo novos episódios deabuso. O simples fato de haver um olhar atento já pode fazer diferença na vida de quem está sofrendo.

A omissão, por outro lado, perpetua o sofrimento. Cada vez que alguém escolhe não agir diante de um sinal de alerta, perde-se a chance de interromper uma violência que, sozinha, a criança não tem como deter.

Denunciar é um dever legal, ético e humano. É um ato de amor à infância — e um compromisso com um futuro mais seguro e justo para todos.11

11 Capítulo baseado nas referências bibliográficas abaixo:

1. Brasil. Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990).

2. Brasil. Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017– Estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência.

3. Ministério da Saúde. Caderno de Atenção Básica – Saúde da Criança: crescimento e desenvolvimento. Brasília: Ministério da Saúde, 2012.

4. Brasil. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Guia de Escuta Protegida: uma abordagem para o atendimento a crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.Brasília: MMFDH, 2021.

5. World Health Organization (WHO). Responding to children and adolescents who have been sexually abused: WHO clinical guidelines. Geneva: WHO, 2017.

6. Faller, K. C. Interviewing Children About Sexual Abuse: Controversies and Best Practice. Oxford University Press, 2007.

7. Summit, R. C. (1983). The child sexual abuse accommodation syndrome. Child Abuse & Neglect*, 7(2), 177–193.

8. Berliner, L., & Elliott, D. M. (2002). Sexual abuse of children. In: Myers, J.E.B. The APSAC Handbook on Child Maltreatment, 2nd ed. Sage Publications.

9. Ministério Público do Estado de São Paulo. Manual de Escuta Especializada. Núcleo de Apoio à Vítima –NAV, 2020.

ACUSAÇÕES DE ABUSO SEXUAL INFANTIL, A ALIENAÇÃO PARENTAL E O LUGAR DO PSICÓLOGO

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Ainda hoje, o Brasil não possui dados concretos para a avaliação do número de denúncias falsas de abuso sexual no país, mas para se ter uma ideia, em uma tese de mestrado sobre “Danos psicossociais em crianças e adolescentes vítimas de alienação parental e comportamentos alienantes de pais ou responsáveis”, a psicóloga e advogada Maria Valéria de Oliveira Correia Magalhães apontouque, emdezprocessos identificados como fenômenoda alienaçãoparental,em duas Varas de Família de Recife, Pernambuco, que compuseram a amostra final do estudo, 40% do total apresentaram comportamentos de falsa denúncia de violência sexual contra genitor, familiares ou avós para obstar ou dificultar a convivência destes com a vítima. Verificou-se quea maioria, 70% das vítimas, estava na faixa etária entre 3 e 11 anos completos, sendo 50% delas do sexo feminino e 50% do sexo masculino.

As avaliações das acusações de abuso sexual em sua maioria são difíceis, por se tratar de tema tão sensível e abordar a possibilidade de tal crime odioso. O profissional, além, de ser embasado teórica e tecnicamente para fazer tal investigação, necessita gerenciar suas emoções e crenças sobre o tema para poder fazer uma avaliação psicológica imparcial.

De acordo com Calçada (in Dias, 2024), os parâmetros importantes para a avaliação de acusações de abuso sexual infantil são: a dinâmica da criança; a dinâmica dos adultos; o sistema familiar; a escuta da criança realizada de forma adequada; a credibilidade/coerência/consistência do relato; a leitura dos autos; a avaliação e escuta de todos os envolvidos.

Os profissionais devem se questionar acerca de crenças culturais tais como “criança não mente”, “mãe é sempre boa”, “amor de mãe é incondicional”. Devem conhecer e se aprofundar nos temas alienação parental, abuso sexual infantil e outras dinâmicas familiares. O conhecimento emdesenvolvimentoinfantil,psicopatologiae avaliação psicológica épreponderante. Odiagnóstico diferencial nestes casos é fator importante na diferenciação de uma dinâmica abusiva.

De acordo com conselho Federal de Psicologia no documento “Serviço de proteção social a crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual e suas famílias: referências para atuação do psicólogo”,1ªedição,(2009),sobreas entrevistas psicológicas iniciais:

“... Na entrevista com o adulto responsável, é importante buscar informações a respeito do seu papel em relação à criança, do histórico de situações de violência na família, como se lida com a sexualidade no contexto

Referências Bibliográficas do capítulo: BRASIL. Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Lei da Alienação Parental. Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da União: Brasília, 27 ago. 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12318.htm. Acesso em: 5 ago. 2011.

familiar, quais as possibilidades da família para suportar o processo judicial, além da forma como são estabelecidas as relações entre os membros da família.”

“Deve-se estar atento, principalmente na violência intrafamiliar, se a família está envolvida em situações de crise (e de que tipo), se existe propensão para a continuidade da violência... Além desses aspectos, é preciso estar atento, pois, em alguns casos, em situações de disputa pela guarda de uma criança, pode acontecer de um dos pais manipular as crianças para que insinuem situação de abuso, a fim de prejudicar a imagem do outro. Esses são casos que merecem atenção redobrada, embora a crença na palavra da criança continue sendo premissa básica... Essa entrevista com a criança deverá ser conduzida de forma não diretiva e em espaço adequado, que favoreça um nível de conversa mais espontâneo e apropriado a cada criança, respeitando seu desenvolvimento e sua história de vida... A avaliação psicológica tem como objetivo compreender a situação de violência, avaliando seus impactos sobre a criança/o adolescente e a família.”

Calçada (2014, 2016 e 2022) refere que ao se avaliar a criança, existem técnicas específicas de abordagem, necessariamente de forma direta em algum momento abordando o assunto, porém de forma aberta, não indutiva. É necessário saber que a fala da criança precisa ser entendida dentro do contexto e não de forma isolada. É importante que o histórico de abordagem à criança acerca do abuso sexual seja coletado para investigar se houve contaminação no relato e se existe a possibilidade de ocorrência de falsas memórias. É necessária a verificação da cultura da família acerca da sexualidade bem como de possíveis exposições da mesma a conteúdos sexuais de formas variadas.Éimportantenestetipodeavaliaçãoanalisarcuidadosamente cada passodadopela criança em cada revelação e compará-las. Nos casos de abuso sexual os relatos tendem a manter uma constância, o que não acontece nas falsas acusações.

O abuso sexual existe, é grave e gera consequências destruidoras. Mas as falsas denúncias de abuso sexual também destroem vidas e laços afetivos. Cabe aos profissionais, psicólogos ou não, reverem suas posturas profissionais para que pessoas falsamente acusadas não tenham suas vidas e seus vínculos familiares destruídos. Os laudos psicológicos devem possuir o referencial “artesanal” necessário para uma boa avaliação psicológica. Se feitos sem o cuidado adequado se tornam sentenças de morte afetiva para pais, filhos e familiares.13

13 CALÇADA, A. S. Perdas irreparáveis – Alienação parental e Falsas Acusações de abuso sexual. Ed. Publit 2014. CFP – CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Serviço de Proteção Social a crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual e suas famílias: referências para atuação do psicólogo. Brasília, DF: Referências 169 CFP, 2009.

DIAS, M. B. Alienação Parental: Da interdisciplinaridade aos Tribunais. Ed. Jus Podium. 2024. A perícia psicológica em processos que envolvem acusações de abuso sexual infantil, a alienação parental e o lugar do psicólogo

A advocacia familiarista, mais do que técnica, é ética. E, cá entre nós, ética que não se vive no cotidiano — na escuta, na dúvida, na honestidade com o cliente — não serve pra nada. Aqui, o conhecimento jurídico precisa andar de mãos dadas com a sensibilidade. Porque, sim, cada petição pode aproximar ou afastar um filho do pai. Cada alegação não carrega só a força da lei, mas também a potência de transformar afetos — pro bem ou pro mal.

O Judiciário precisa, com urgência, aprender a diferenciar dor de disputa. Sofrimento verdadeiro de estratégia de litigância. E isso, sejamos francos, não se faz sozinho: é preciso gente preparada, escuta qualificada e diálogo real com outras áreas do saber. O tal “melhor interesse da criança” não pode ser só um bordão bonito — é um dever constitucional (art. 227 da CRFB) e precisa ser levado a sério. Muito sério.

Toda vez que uma criança é afastada injustamente de um dos genitores por conta de uma denúncia vazia, é a confiança no sistema que sangra. E ela sangra feio. O advogado não é juiz, claro, mas é, sim, responsável por filtrar o que leva ao Judiciário. Por barrar os excessos. Atuar em Direito das Famílias não é questão de afinidade — é compromisso com vidas. E isso exige preparo.

O que a gente precisa é de um Judiciário que escute antes de rotular. Que proteja sem cortar laços com a faca do automatismo. Que entenda que crianças e adolescentes não são figurantes nesse enredo — são o centro dele. Eles não podem continuar sendo vítimas de uma guerra que, convenhamos, não começou por eles.

A Lei Maria da Penha é uma conquista histórica. Mas, como toda boa lei, exige responsabilidade. Espada ela nunca foi. É escudo. E não é justo que seja manipulada para afastar genitores em brigas de guarda. Isso não é proteger — é usar a lei pra ferir. E sim, isso acontece. Sim, é mais comum do que deveria. E sim, precisa ser enfrentado com coragem.

Não se trata de duvidar de toda mulher que denuncia. Longe disso. Trata-se de admitir que, quando o sistema parte da ideia de que toda denúncia é automaticamente verdadeira — sem ouvir o outro lado, sem olhar o contexto — ele corre um risco enorme. E quem paga o preço é a criança, afastada de um pedaço da sua própria história.

A concessão automática de medidas protetivas com base em relatos vagos enfraquece a própria lei. E mais: desvia o foco dos casos sérios, reais, urgentes — que merecem atenção total. O uso banalizado de mecanismos emergenciais compromete sua eficácia exatamente quando ela é mais necessária.

Por isso, o Judiciário precisa de técnica. De critério. De prova. A palavra da vítima tem peso, claro. Mas precisa vir acompanhada de elementos. O contraditório não é burocracia — é proteção contra injustiças. E a escuta especializada da criança não pode ser ignorada. Jamais.

Advogados, médicos, psicólogos: todo mundo tem um papel nesse processo. E esse papel não pode ceder à pressão de narrativas frágeis. A verdade processual tem que estar acima de simpatias pessoais. Porque, no fim, quem paga pela negligência institucional é, quase sempre, a criança.

E ela precisa estar no centro. Não na borda do processo. Seu direito à convivência saudável, à proteção emocional e à verdade sobre sua história não pode ser sacrificado no altar da conveniência ou da retórica jurídica.

Se a gente quer proteger de verdade nossas crianças e fortalecer a Lei Maria da Penha, precisamos de um Judiciário lúcido. Capaz de separar relato legítimo de manipulação. Que não permita que a infância se transforme em campo de guerra de adultos mal resolvidos.

O advogado que atua com famílias precisa estudar. Muito. Porque os vínculos que ele ajuda a preservar ou a romper não voltam atrás com uma liminar. Eles cicatrizam mal. Às vezes, nem cicatrizam.

Esta cartilha é, antes de tudo, um convite à ética. Mas não à ética da teoria. Falo da ética real — aquela do dia a dia. Aquela que ouve o cliente e, se for preciso, diz: “isso eu não faço.”

Aquela que protege, que pensa nas consequências, que se recusa a entrar em jogo sujo — mesmo que o pedido seja juridicamente viável.

Advogar bem nesse campo exige mais do que saber leis. Exige escuta atenta, mas crítica. Coragem pra dizer não. Equilíbrio pra não tomar partido sem prova. E, acima de tudo, compromisso com a verdade — mesmo quando ela não favorece seu lado.

E mais: exige atualização constante. O Direito das Famílias não sobrevive sozinho. Psicologia, psiquiatria, sociologia, antropologia... tudo isso importa. Ignorar esses saberes é negligência. E negligência aqui não passa impune: destrói laços, histórias, infâncias.

As instituições formadoras precisam assumir sua parte. Incluir nos currículos o que importa de verdade: violência doméstica, falsas denúncias, escuta qualificada, alienação parental. Isso não é ideologia. É formação responsável.

O advogado que atua na seara das famílias tem o dever de se capacitar constantemente. Porque os vínculos que ele ajuda a preservar ou romper não se refazem com despacho. Eles sangram, colapsam e, às vezes, morrem.

A prática responsável da advocacia familiarista exige escuta atenta, sim — mas também crítica. Exige confronto de versões. Exige neutralidade comprometida com a verdade. Não se trata de ser frio. Trata-se de ser justo. Advogar é proteger direitos, mas também é saber dizer não a pedidos que deturpam a função do processo.

Por fim, exige formação contínua e interdisciplinar. O advogado que não se atualiza põe em risco o cliente — e, pior ainda, a criança envolvida. Também deve zelar pela reputação da

Justiça: cada denúncia infundada que ganha espaço mancha o sistema. E quando o sistema perde credibilidade, todos perdem. Inclusive as vítimas reais.

A proteção da infância, da dignidade das mulheres e da integridade dos pais depende de um compromisso ético radical com a verdade. Falsas denúncias não são “estratégias processuais”: são violência travestida de petição. O advogado que se presta a isso — direta ou indiretamente — deixa de operar o Direito e passa a operar a injustiça.

Finalizamos esta cartilha com um convite à coragem. A coragem de dizer a verdade ao cliente, mesmo que isso custe honorários. A coragem de recusar o que fere, ainda que pareça viável. A coragem de defender o que é justo, ainda que seja impopular.

É, também, um chamado à reflexão. Não basta conhecer o artigo. É preciso reconhecer a dor. A atuação ética, nesse contexto, é bússola e abrigo. É ela que impede que o sistema de justiça seja transformado em arena de vaidades, vinganças e manipulações emocionais.

Juliana Cardozo Franco

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