Relatório 3 - Identidade favelada, juventude e o uso das NTICs

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68. Encontrei três menções/análises deste episódio: dois feitos por moradoras da Maré (e também pesquisadoras), atuantes nas redes de Direitos Humanos e Comunicação Comunitária que estiveram diretamente envolvidas no episódio de diferentes formas (Eliana Sousa Silva e Gizele Martins), além da tese de Fabiene Gama (2012) sobre fotodocumentação e participação política, que incorpora a análise do episódio em sua reflexão sobre a construção da militância entre os fotógrafos do Imagens do Povo. 69. MARTINS, Gizele de Oliveira. Cidadãos e vítimas: a representação de dois crimes nos jornais cariocas. 70. Trata-se de Felipe Correia de Lima, de 17 anos, morto no dia 14 de abril de 2009, sentado à porta de casa, com um tiro de fuzil por policiais civis, de acordo com relato de testemunhas, que também se recusaram a prestar socorro enquanto ainda estava com vida. Assim como no caso do assassinato de Matheus, a morte de Felipe gerou revolta e protestos por parte dos(as) moradores(as).

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O episódio, que, como já foi dito, está longe de ser caso isolado na Maré ou na maior parte das favelas do Rio de Janeiro, foi paradigmático em diversos sentidos e talvez por isso tenha inspirado diversas menções e análises68. Em primeiro lugar, o fato de ter sido uma criança de apenas 8 anos tornou ainda mais concreta e evidente a violência e a injustiça sofrida cotidianamente por moradores(as), e em especial por jovens, das áreas populares e favelas na relação com a polícia. Aqui, não será possível uma análise aprofundada da violência policial e da relação entre polícia e pobres no Rio de Janeiro, no entanto, há uma vasta bibliografia sobre o tema. Nesse caso, o fato de o corpo de Matheus ter sido fotografado por um fotógrafo-morador do local, e de as fotos que fez terem sido solicitadas até pela perícia parecem elementos de distinção com relação a outros episódios semelhantes. Nesse mesmo sentido, a rede de mobilização política e de comunicação existente na Maré permitiu que a notícia não fosse dada apenas pelos grandes meios de comunicação a partir dos relatos oficiais (ou seja, da polícia, que também nesse caso iniciou suas falas afirmando que se tratava de traficante, o que, no Rio de Janeiro, e do ponto de vista de parte da sociedade carioca, torna legítima ou ao menos plausível a execução de – jovens – moradores das áreas pobres). Gizele Martins, jornalista e uma das responsáveis pelo jornal comunitário ligado ao Ceasm, O Cidadão, analisou em seu trabalho de final de curso de Comunicação Social (PUC/ RJ)69 os discursos veiculados pelo jornal em questão e por meios de comunicação comerciais com relação ao caso Matheus e à morte de outro jovem poucos meses depois70. No decorrer de seu trabalho, ela compara as matérias do jornal comunitário, que buscam o contexto do ocorrido, situando-o a partir da visão dos(as) moradores(as) e do conhecimento dos atores envolvidos e do cotidiano da comunidade com a abordagem feita por grandes jornais comerciais e populares que, de acordo com ela, fortalecem estereótipos com relação à favela e a seus moradores, reforçando a sensação de uma “guerra” em curso que justificaria o tipo de ação policial vigente nas políticas de segurança concebidas para a cidade e suas áreas populares. A análise de Martins nos aponta para a necessidade de elaboração de outras narrativas sobre episódios vividos por moradores(as) de favelas, onde a interdição a direitos humanos básicos é frequente, usualmente vistos pela mídia comercial como lugar de estigmas reforçados por discursos de “atores oficiais” (como a polícia) e de jornalistas que, muitas vezes, nunca entraram em uma área favelada ou, se entraram, vêem-na como parte externa à cidade. Neste contexto, e neste caso em especial, as fotos feitas pelo fotógrafo da Maré, Naldinho Lourenço, são elemento fundamental para a compreensão do fenômeno e para a possibilidade da construção de um discurso “contrahegemônico” (seguindo a linha analítica de

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