Relatório 3 - Identidade favelada, juventude e o uso das NTICs

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onde tá tendo tiroteio, ele ta falando como ta a situação” e em questão de minutos, a autora de novelas da tv globo, Glória Perez viu essa mensagem e começou a divulgar também para as pessoas seguirem. Foi quando eu vi que meus seguidores pipocaram muito rápido e de 700 pessoas, passou pra mais de 7 mil. Fiquei muito assustado na hora e até com medo de falar alguma coisa. Várias pessoas disseram pra eu parar de falar o que estava acontecendo aqui do meu twitter pessoal e voltar a usar o do @ vozdacomunidade que tinha apenas 180 seguidores. Pois bem, comecei a usar e várias pessoas começaram a seguir, várias pessoas falando daquilo que a gente publicava, foi uma coisa muito rápida e novamente eu fiquei chocado com o número de seguidores que foi chegando no decorrer dos minutos... Mas continuei publicando o que acontecia, cada vez mais intensa porque o tiroteio começou a rolar, e eu falava toda a verdade do que estava rolando né. Daqui a pouco eu ligo a tv e vejo na globonews falando do twitter @vozdacomunidade e me assustei: “Gente, como assim? acabei de falar aqui no twitter e já está na tv? muito rápido essa parada” - fiquei preocupado por conta da segurança mas correu tudo bem. Atualmente tenho 23.900 seguidores no meu @rene_silva_rj e 66.300 pessoas acompanham o @vozdacomunidade pra saber o que anda acontecendo ainda no Complexo do Alemão. (http://renesilvasantos. blogspot.com.br/2011/11/linha-do-tempo-o-crescimento-do-voz-da.html) 48. Certamente, o caso de René Silva é paradigmático sobre as possibilidades de conexões entre redes a partir dos usos de blogs e redes sociais na Internet, enunciado no ponto anterior do relatório. 49. De acordo com Maia (2012), ao analisar o ocorrido: “Em alguns momentos, inclusive, o “Voz da Comunidade” chegou a corrigir informações noticiadas pela grande mídia, como mostra a declaração a seguir: ‘R5 Às vezes, a gente até corrigia algumas informações dadas na tevê, como as áreas que os helicópteros estavam sobrevoando, porque nós conhecemos melhor a comunidade’. A repercussão da cobertura feita pelo “Voz da Comunidade” tornou-se ainda maior quando algumas celebridades, como o jornalista Marcelo Tas, a atriz Fernanda Paes Leme, a novelista Glória Perez e a cantora Gal Costa elogiaram, em seus twitters, a cobertura feita pelos jovens. Tamanha repercussão alcançada pelo “Voz da Comunidade”, mais especificamente, por seu idealizador, fez, inclusive, com que Renê, em alguns momentos, passasse a dar declarações de autoridade, não mais meramente informativas. Firmando-se, pois, como pessoa que vivia a ocupação da forma como nenhum espectador, ou mesmo jornalista, o fazia, ele chegou a dar declarações à imprensa sobre o que ele esperava que a operação fosse gerar: ‘R6 Não senti medo, pois já estou acostumado. Mas espero agora descansar, não ouvir mais disparos de tiros e que haja mudanças’.”

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É interessante notar que o que aconteceu com René a partir de seu uso da Internet não é nada corriqueiro48. E isso não se explica pelo fato de que as pessoas que vivem em favelas não têm acesso à Internet ou não se utilizam das redes sociais. Como ele mesmo disse, havia ao menos 700 pessoas seguindo-o no Twitter. Sua projeção como referência para certos atores externos certamente se relacionou ao fato de continuar conectado e narrando o que se passava em seu local de moradia a partir de seu ponto de vista, mas também o fato de contar o acontecido “de dentro” e “em tempo real”, ao tipo de narrativa por ele construída, o tipo de trabalho social que já realizava (além do jornal comunitário, atividades como distribuição de cestas básicas e festas comunitárias), sua idade (na época, tinha 16 anos) etc., uma série de atributos que fizeram dele uma pessoa que poderia ocupar certo lugar entre determinados interlocutores externos.49 René também se apropriou das relações criadas a partir daí e se tornou uma pessoa ainda mais expressiva como “jovem daquele território” que faz determinados usos da Internet, passando a ser convidado a dar palestras e a contar sua história. Ainda que ele já tivesse um meio de comunicação comunitário, a repercussão a partir do evento ficou centralizada na sua figura pública (como acontece com diversas organizações sociais de origem local/ base comunitária que se tornam quase sinônimo de seus coordenadores/criadores, figuras

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