Democracia Viva 24

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Fome: um tema proibido. Últimos escritos de Josué de Castro Anna Maria de Castro (Org.) Civilização Brasileira 240 págs. “Um dos maiores documentos humanos da história.” Desse modo é tratada a obra de Josué de Castro. Assim, parece que não há mais palavras para falar desse homem – que foi geógrafo, biólogo, sociólogo, médico e antropólogo – sem correr o risco de repetir elogios sobre sua humanidade e grandeza acrescidos de clareza e rigor científico de seus escritos. Pode-se, ainda, concluir, com algum pesar, que seus últimos escritos, datados das décadas de 1960 e 1970, sobre a fome, suas causas e conseqüências, continuam atuais. Publicado por ocasião dos 30 anos 54

Democracia Viva Nº 24

de sua morte, Fome: um tema proibido, já na quarta edição, traz artigos publicados na Europa durante os anos de exílio em Paris. A idéia de sua filha Anna Maria de Castro, doutora em Sociologia e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de reunir esses textos foi ensejada pelo momento mundial, no qual as questões alimentares e, principalmente, o fenômeno da fome estão na pauta dos debates políticos, econômicos e sociais. Mas do que trata esse livro, que aborda um tema, à primeira vista, superado? Aqui, refiro-me a sua característica de “tabu” ou de ser tema proibido, haja vista tudo o que vem sendo debatido na última década no Brasil sobre fome e, mais recentemente, sobre segurança alimentar e nutricional (SAN). Esse livro trata, sobretudo, de desnaturalizar o modelo (que adotamos ou que nos foi imposto) de desenvolvimento mundial, que impede uma grande parcela da humanidade de alcançar condições dignas de vida. Certamente, tal modelo – que dividiu o mundo entre as pessoas que comem e as que não comem, em grupos desenvolvidos e “subdesenvolvidos” – tem como suas maiores expressões a fome, a miséria e a desigualdade. Na primeira parte do livro, estão reunidos artigos repletos de elementos direcionados para a compreensão das causas da fome e suas conseqüências dramáticas para o desenvolvimento de uma nação, revelando a fome a partir de questões de raízes históricas e, portanto, estruturais. Josué de Castro acreditava que esse desvendamento da realidade e seu conhecimento propiciavam a criação de novas formas de pensar: “um pensamento novo, uma nova consciência política à base de uma nova escala de valores surgidos de uma nova experiência”. No fundo, os movimentos sociais, as organizações não-governamentais e as entidades envolvidas com as lutas sociais


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