Fundamentos para a criaçao de um Fundo Social e Comunitario no Brasil

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Fundamentos para a Criação de um Fundo Social e Comunitário da Mineração no Brasil

reservas em províncias minerais desaconselha a extensão do processo deliberativo ao nível estadual – assim como transcende fundamentalmente, o nível administrativo municipal. Dessa forma, reforça-se a necessidade de debater formas institucionais amplas o bastante para dar voz às comunidades afetadas pelas atividades primárias e secundárias da rede de produção mineral, e restritas o suficiente para que esta voz não se dilua em meio a demandas socioeconômicas não relacionadas àquelas atividades – ainda que legítimas. Novamente, o modelo peruano de fideicomisso pode propiciar algumas indicações úteis nesse sentido, reforçadas por maiores similaridades entre os dois países. A definição estrita de um ou mais grupos beneficiários das rendas de uma – e tão somente uma81 – dada província mineral pode, nesse sentido, prover uma base adequada para a tomada de decisões estratégicas do fundo. Propõe-se, nesse sentido, que seja observada a variedade de interesses a serem representados em um potencial Conselho ou Comitê, de natureza deliberativa, de modo que este seja composto de representantes dos níveis e unidades federativas adequados (municípios, estados e União), assim como das empresas extrativas, industriais e logísticas envolvidas. No entanto, relembrando que fundos sociais representam, sobretudo, mecanismos de transferência de direitos sobre receitas minerais dos agentes políticos e econômicos aos agentes sociais, isto é, comunidades, sejam elas urbanas e/ou rurais, nativas ou não, afetadas pela atividade econômica, é fundamental que esta instância deliberativa esteja orientada a contrabalançar a tradicional subrepresentação destes agentes nas decisões relativas a projetos de investimento de grande porte. Assim, parece ser extremamente necessário estimular a constituição de conselhos e federações comunitárias e estabelecer canais amplos e apropriados a sua participação nos comitês e/ou conselhos de fundos sociais.

26 4.3. QUANTO AOS OBJETIVOS ESTRATÉGICOS Não obstante, fundos sociais, em geral, incorporam mais de um objetivo. Leva-se em consideração que a meta de promoção do desenvolvimento sustentável intergeracional contempla não apenas a retenção e redistribuição futura das rendas minerais, mas, sobretudo, a formação de poupança com vistas à sustentação da ampliação de investimentos suplementares às políticas públicas sociais e à promoção do investimento econômico em setores e ramos alheios às redes de produção minerárias. O State Oil Fund of the Azerbaijan Republic (SOFAZ) constitui um exemplo da formulação de uma estratégia nacional de diversificação econômica com base nas rendas minerais, do qual se podem inferir constrangimentos e possibilidades para o caso brasileiro. No caso azeri, dada a limitada capacidade de investimento autônomo estatal, parcela importante das receitas do SOFAZ – cerca de 40% – vem sendo utilizada na (re)composição da infra-estrutura física nacional.

No Brasil, historicamente, o investimento infra-estrutural de grande porte, mormente capitaneado pelo Estado nacional, tem sido caracterizado, dentre outros elementos, pelo caráter complementar ao investimento privado. Nesse sentido, a formação da infra-estrutura nacional – energética, de transporte, etc. – em espaços do território nacional, como a Amazônia, em particular, contemplou as necessidades estratégicas de empresas públicas e privadas, em detrimento, muitas vezes, dos interesses de comunidades e grupos afetados por suas atividades82. O exemplo do SOFAZ expõe os riscos inerentes de uma institucionalidade fraca, com reduzida ou nenhuma participação popular. O fundo é gerido por um Comitê Supervisor, responsável por sua política de investimentos e pela gestão, que, por sua vez, é composto majoritariamente por indicações do Presidente da República azeri. No entanto, suas decisões estratégicas são tomadas pela autoridade máxima da república e implementadas por decreto presidencial. Nesse sentido, mesmo decisões relacionadas à natureza constitutiva do fundo podem ser revistas, independentemente de considerações democráticas, como a desvinculação das receitas do fundo de investimentos em infra-estrutura suplementar às atividades extrativas minerais. Desta forma, o estabelecimento de formatos institucionais mais inclusivos e democráticos pode refrear o impulso estatal em seguir estratégias de desenvolvimento dependentes de trajetórias (path dependent) institucionais passadas, e mesmo anacrônicas, e, sobretudo, promover decisivamente a diversificação econômica dos territórios afetados pela mineração e suas atividades complementares. O Fideicomiso Aporte Social Proyecto Las Bambas é, no entanto, pródigo de exemplos acerca de redistribuição social direta de rendas minerais, particularmente para áreas como a educação e a saúde. Elementos explicativos do caso peruano, como a pressão social difusa, contrária à mineração, e o reconhecimento dos direitos de posse e propriedade do solo, exercem uma força contra-

Considerando a natureza do argumento, que relaciona as rendas minerais a características como volume e qualidade das reservas extrativas, e, sobretudo, à necessidade de promover a constituição de bases deliberativas efetivas, deve-se considerar a constituição de fundos específicos por províncias, reservas ou mesmo concessões de exploração mineral – neste último caso, como no Fideicomiso Aporte Social Proyecto Las Bambas.

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Desde o governo Luís Inácio “Lula” da Silva, alterações expressivas na política econômica apontaram para o que a literatura especializada vem convencionando como “neodesenvolvimentismo” (DOERING; SANTOS, 2011). Sustenta-se, nesse sentido, que parcela expressiva das políticas neodesenvolvimentistas se assenta em uma orientação exportadora que, por sua vez, promove a especialização reversa (ou reprimarização) da economia brasileira. Os setores associados a tais políticas, em especial a mineração de ferro, têm constituído a pedra de toque do equilíbrio macroeconômico nacional e, portanto, vêm sendo mais fortemente beneficiados por investimentos estatais complementares em infra-estrutura.

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