Memória das Vilas: Registro da memória das originais Vilas Beatriz, Ida e Madalena.

Memória das Vilas Registro da memória das originais Vilas Beatriz, Ida e Madalena do atual Alto de Pinheiros.

Composição de fotografias da rua Beatriz, Vila Beatriz, com foco no Bar do seu Rogério.

Fonte: Google Maps

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Agradecimentos

Dedico este trabalho à minha família que me deu todo amor e suporte para minha formação acadêmica e pessoal. Meus pais que sempre me incentivaram a estudar e me apoiaram em todas as decisões da minha vida. Meus avós que participaram tão próximos da minha criação e me transmitiram tanto amor.

Agradeço muito o professor Fábio Mariz pela orientação e por acreditar e me incentivar ao longo de toda a graduação. Agradeço também o professor Eduardo Afonso pelo incentivo e trabalho.

Aos amigos que me ensinam todos os dias que a vida vale a pena em todos os sentidos. Aqueles que conheci através da faculdade, participando da AAAFAU onde aprendi muito sobre a vida, nos times de natação e basquete da FAU. Agradeço Fernando Motta, João Akira, Gabriela Gennari, Pedro Ocanhas, Bruno Stephan, Marco Scriboni, Johny Takehara, Audrey Chiang, Laura Castellari, André Sahm, Will Chinem, Michel Moreno Lara, Felipe Righi, Victor Martz, Thiago Rocha Ribeiro, Ana Mulky, Nathalia Nicodemos,

Martim Passos e tantos outros que fazem tão bem. Os amigos que conheci além mar Carlo Scotoni, Victória Menezes, Pedro Marçal, Fernando Andrade, Hugo Bustamante, Jan Van Mechelen, Marlui Van Mechelen e Nicolette Schuurman. Os amigos e companheiros do Studio Firma que com muita paciência me ensinam e fazem meus dias melhores. Em especial agradeço Tomás Stephan pelas fotos e pela amizade e apoio neste e outros projetos.

Agradeço os funcionários e funcionárias da faculdade que fazem parte da vida dos alunos e cujo trabalho é essencial para a formação de tantas pessoas.

E por fim agradeço à todos que dispuseram seu tempo para a execução deste trabalho. As pessoas que moram nas vilas Ida, Beatriz e Madalena e carregam a memória de um lugar tão rico e belo.

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Desenho Ă partir de fotografia.

Vista da Vila Anglo Brasileira à partir da praça Vicente Tramonte, 1961. Autor da foto desconhecido. Desenho: Hugo Guedes

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Sumário

Introdução

pg.06

Localização pg.10 Origens pg.22 Pluralidade das vilas pg.30 Bar do Seu Rogério pg.38 Presença da Cia City pg.48 O Futebol pg.54 Desenrolar das vilas pg.66 Conclusão pg.72 Referências

pg.76

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Introdução

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Este trabalho tem como intuito fazer uma leitura sobre três das vilas que na primeira metade do século XX iniciaram a ocupação da região do Alto de Pinheiros. A partir de pesquisas e conversas com os moradores das regiões, contribuir para o entendimento da formação, da evolução e das características das vilas até o período atual. Com as informações adquiridas estabelecer leituras de camadas urbanas e históricas nos locais, procurando entender a relação espacial de, e entre, cada núcleo.

A região de aproximação do estudo fica entre a Avenida Queiroz Filho, um dos limites do Alto de Pinheiros com a Vila Leopoldina, e a Rua Teodoro Sampaio, considerada por diversos dos entrevistados como limite entre a Vila Madalena e o Bairro de Pinheiros. Sendo o Rio Pinheiros a margem sudoeste da região e as ruas Heitor Penteado e Cerro Corá os limites nordeste. Dentro dessa área diversas vilas passaram a se desenvolver desde o fim do século XIX. Entre elas, muitas que têm seus nomes pouco conhecidos e já são consideradas parte integrante de outras vilas como, por exemplo, a Vila Jataí, a Vila Albertina e a Chácara do Bispo, além de outras próximas, mas fora da área delimitada para o estudo, como Vila Argentina, Boaçava e Vila Anglo Brasileira.

O trabalho resultou com maior foco em apenas três das vilas mencionadas, objetivando mostrar as diferenças espaciais e urbanas entre elas, além de buscar entender as diferentes transformações que cada uma sofreu através da passagem do tempo.

Rua Heitor Penteado, confluência com Avenida Dr. Arnaldo, obras do viaduto que tempos depois estaria sobre a futura avenida Sumaré. 1969 Arquivo Agência do Estado.

Como mudanças internas e externas às vilas alteraram a vida dos moradores e as dinâmicas intersociais. Esta escolha foi tomada, pois ainda é possível encontrar moradores antigos, pessoas que nasceram ou se mudaram para a sua vila muito cedo em sua vida.

Em outras vilas mencionadas não foi possível estabelecer contato com moradores, e nem mesmo encontrar informações em outras fontes.

Os registros pessoais são feitos a partir de conversas gravadas com os moradores dos diferentes locais, buscando encontrar pessoas que tenham laços de longa data com o lugar, memórias pessoais, e descrições da evolução urbana na região. Foi utilizado também o registro fotográfico para registro dos entrevistados e elementos da paisagem que trazem informações de caráter temporal e narrativo.

Para efeito de reconstituição da paisagem, estudo das camadas de historicidade e percepção dos ambientes através da passagem do tempo, foi utilizada a ferramenta do desenho, a fim de emular e qualidades e características dos locais no passado.

Deseja-se então que através deste conjunto material, a história dessas vilas, apesar de muito recente, possa chegar a maior número de pessoas, buscando assim a valorização da história de uma população e suas tradições que não são evidentes na paisagem urbana atual.

A motivação deste trabalho surgiu por dois motivos. O pri-

Rua Heitor Penteado, confluência com Avenida Dr. Arnaldo, Foto atual do viaduto completo.

Fonte Google Maps.

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meiro pessoal. Vivi a maior parte da minha vida nesta região, parte na Vila Beatriz, onde minha família morou durante alguns anos, e outros anos na Vila Madalena, em um apartamento na Rua Harmonia. Assim entre os anos de 1995 até 2016 vivi nos arredores das duas vilas. Conheci seus diversos trajetos que caminhava para a escola, casa de amigos e mercados. Mais tarde quando ingressei na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP minhas rotas mudaram, agora atravessava o Rio Pinheiros cotidianamente para também aprender nas aulas mais sobre a história e evolução urbana da cidade de São Paulo. A vivência da universidade permitiu que eu tivesse agora novo olhar sobre os bairros, vendo a diferença nos métodos construtivos, ocupação dos terrenos e espaços, a tipologia e características dos lugares.

Em 2015, através do programa Ciências Sem Fronteiras, estudei durante um ano em Rotterdam na Holanda. No curso de Urbanismo Sustentável e Desenvolvimento Urbano da Erasmus University (UMDSU-Erasmus). Foi a primeira vez que morei fora do meu bairro, da minha cidade, abrindo assim uma nova perspectiva sobre o lugar que eu morava, poderia agora comparar espaços, atmosferas e qualidades urbanas distantes e complexas.

Foi neste período de intercâmbio que iniciei um projeto chamado Support your Local Heroes, onde buscávamos pessoas

Renata, funcionária da cozinha do Restaurante Recantu’s, na Rua Isabel de Castela, Vila Beatriz.

Foto: Tomás Stephan

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Entrada de uma residência na Rua Aspicuelta, quase esquina com a Rua Harmonia, Vila Madalena.

Foto: Hugo Guedes

dispostas a contar sua história e relação com o lugar que vive, para através do registro fotográfico, compilar histórias que se somavam e enriqueciam o valor histórico do lugar. O projeto foi muito enriquecedor pessoalmente, mas infelizmente o projeto não teve muita continuidade devida à falta de tempo disponível.

De volta ao Brasil retomei depois de algum tempo este projeto com meu grande amigo Tomás, foi após uma conversa onde contei sobre o antigo projeto que ele sugeriu prosseguir com as fotos e conversas aqui em São Paulo. Tomás foi de extrema importância com as fotos e aproximação nas vilas.

O segundo motivo foi perceber, já no andamento do projeto, que existiam lendas e histórias que não pareciam verídicas em relação às vilas. Na grande maioria são contos que sugerem como se iniciou cada vila, ou eventos que dariam início à ocupação da região.

Este trabalho não tem como objetivo a perseguição e extinção de tais histórias, mas sim a sua identificação e diferenciação dos fatos reais, buscando assim suplementar a história desses locais e pessoas com seus cultura local, contos e lendas. Ainda, pois tais lendas, pelo menos após o olhar minucioso sobre as diferentes camadas de histórias, acabam por eclipsar a verdadeira história desses locais, tão autêntica e cheia de riquezas simples.

Tom Cox na sua oficina de bicicletas na Praça Gastão Cruis, próximo à Vila Jataí.

Foto: Hugo Guedes

Fachada da residência e oficina de Claudiano, Rua Pascoal Vita, Vila Beatriz. Foto: Tomás Stephan

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Localização

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Rua Cerro Corá Vila Jataí

Rua Heitor Penteado

Vila Ida

Vila Maria Luiza Rua Natingui

Vila Beatriz

Prç. Pôr do Sol

Prç. Panamericana Vila Madalena

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Desenho mostrando a relação entre as Vilas Ida, Jataí, Maria Luiza e Madalena em 1958. À partir de aerofotografia disonível no Geoportal.

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Em 1905 Pinheiros aparece mais como ponto de referência do cruzamento do Rio Pinheiros do que um bairro consolidado.Sua travessia era usada para conectar São Paulo com Butantã e M’Boi. Mirim. No centro o curso das águas do Rio Verde passam pela Rua Arco Verde, que ainda não levava o título de Cardeal, e a atual Rua dos Pinheiros. O centro logo era o Largo de Pinheiros. Acima o os equipamentos hospitalares e o Cemitério do Araçá. Pela Teodoro Sampaio e pela Avenida Municipal, hoje batizada de Dr. Arnaldo, encontra-se em vermelho, o traçado do bonde.

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Em 1916, mais ruas fazem parte de Pinheiros, e seu território já é classificado como suburbano, no mapa representado pela linha azul tracejada que engloba, inclusive, o Butantã. Neste mapa aparece a Estrada das Boiadas, continuação norte da Rua Padre de Carvalho, principal rota para Santo Amaro, e por onde chegavam bovinos que seguiam para os matadouros na Vila Clementino. Notável também o desenho característico das ruas do empreendimento da Cia. City à leste no mapa, que seria o Jardim América.

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No mapa de 1924 é muito interessante notar o traçado pradonizado das ruas nas “Villas” em relação do traçado dos empreendimentos Cia City denominados “Jardins”. Apesar da Villa Cerqueira César apresentar topografia acidentada e caminhos íngrimes, suas ruas seguem o padrão em grade. Mesmo as ruas do Butantã, que estão do outro lado do Rio Pinheiros ainda em seu curso natural, seguem a orientação das ruas de Pinheiros. O Cemitério São Paulo foi construído neste ano, mas ainda não aparece no mapa.

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Trechos com canais

Vila Madalena

No mapa de 1928 aparecem novos traçados de ruas ligando Pinheiros e Butantã aos atuais bairros do Alto da Lapa e Boaçava. Esses traçados eram propostos pela Cia. City, não levando em consideração a futura canalização do Rio Pinheiros. Notável a presença de alguns canais que poderiam ser parte da paisagem dos bairros propostos. Apenas neste mapa aparecem seis empreendimentos de características “cidade jardim”. Neste mapa aparecem pela primeira vez as ruas da Vila Madalena, ao lado do recém-construído Cemitério São Paulo, de 1924.

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Trecho que abriga a Vila Ida

Ruas marcadas da Vila Beatriz

Demarcação do campo de futebol da Vila Madalena

O mapa de 1930 produzido pelo SARA, trás maior riqueza de detalhes, mostrando minuciosamente a topografia, diferentes tipologias de solo, traçado de ruas e de corpos d’água e edificações. Neste mapa o traçado proposto da Cia. City do mapa de 1928 não aparece. Aparecem ruas com tracejado singelo, ainda não consolidadas, seriam as ruas da Vila Beatriz, que beiram o Córrego das Corujas, ao lado da Vila Madalena (ainda não denominadas no mapa). A Estrada das Boiadas ainda aparece como principal via junto ao Rio Pinheiros.

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Vila Ida

Vila Beatriz Vila Madalena

Neste mapa de 1943, aparece o novo traçado de ruas proposto pela Cia. City, as ruas da Vila Ida e Beatriz consolidadas. A Estrada das Boiadas ainda se mantém como principal eixo de deslocamento entre Vila Leopoldina e Pinheiros. Este é o primeiro mapa onde as três vilas abordadas aparecem com suas ruas localizadas.

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Vila Ida

Vila Beatriz

O mapa de 1953 apresenta o traçado executado pela Cia.City no Alto de Pinheiros, mas ainda traz uma proposta diferente para o campus da USP Butantã, sem raia olímpica e maior número de ruas. Em nenhum dos mapas impressos aparecem as vilas Jataí e Maria Luiza, que deixa a suspeita que viriam a se desenvolver nesta década ainda. A Rua do Futuro, hoje Natingui, já conecta com a Estrada do Araçá, que hoje é a Rua Heitor Penteado.

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Vila Ida

Vila Beatriz

Por último a aerofoto de 1958 mostra a região do Alto de Pinheiros com as ruas em sua maioria e a distinta presença das vilas no território. Os campos de futebol se destacam, onde hoje existe o conjunto residencial do BNH construído em 1968, o Fórum de Pinheiros e a Escola Estadual Maximiliano. Os campos de futebol da Vila Ida já loteados nesta data, é possível ver o extinto campo entre a Vila Ida e a Vila Jataí, naquele momento atravessado pelo traçado de via.

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Praça Panamericana

Praça do Pôr do Sol

Esta foto mostra a futura Praça Panamericana e a área da futura Praça do Pôr do Sol do ponto de vista contrário, elas se encontram ao fundo. Em primeiro plano a atual Avenida Eusébio Matoso que terminava na ponte que atravessava o Pinheiros, no meio o Largo de Pinheiros, e mais ao fundo, bastante arborizada, a Avenida Prof. Frederico Hermann Júnior, por onde hoje passa o Córrego da Corujas canalizado. Nesta foto é possível observar diversas residências já completas nos arredores da futura Praça Panamericana, além da vegetação mais desenvolvida. As vias da marginal aparecem apenas na margem oposta do rio, ainda não asfaltadas. Foto do arquivo da Cia. City.

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Origens

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A ocupação residencial e loteada da várzea do rio Pinheiros ocorreu no fim do século XIX e início do XX. Bairros como a Lapa, Vila Pompéia e Perdizes já aparecem loteadas e grande parte ocupadas no mapa da Planta da Cidade de São Paulo de 1924. O lado norte do espigão topográfico da antiga Estrada do Araçá, atual Heitor Penteado já estava “desbravado”, regiões como Vila Romana e mesmo o Pacaembu, que viria ser loteamento da Cia City, ainda não possuem demarcação de arruamento no ano de 1924, deixando o topo do espigão como fronteira da área urbanizada.

A várzea do Pinheiros era composta por chácaras e pequenos sítios de hortifrutigranjeiros, criações de porcos e, vez ou outra, cabeças de gado. Os produtores utilizavam a rota da Estrada das Boiadas para transportar seus produtos até o mercado de Pinheiros, onde além da venda ocorria troca e compra de outros Detalhe da região de Pinheiros, na Planta Geral da Capital de São Paulo, de 1897. Arquivo Histórico Municipal de São Paulo

produtos.

O crescimento da região de Pinheiros foi impulsionado no início da década de 1920 pelas obras da Rodovia São Paulo Paraná sobre a antiga Estrada de Cotia, atual Rodovia Raposo Tavares que inicia sua construção em 1922, e pela construção da Necrópole São Paulo, iniciada em 1920 com a autorização da prefeitura devido à ocupação já intensa dos cemitérios da Consolação e do Araçá, foi inaugurado em 1926 . A nova rota atraía produtores de Cotia e as obras do cemitério atraíam trabalhadores, na grande maioria imigrantes Portugueses e Italianos, mas famílias de japoneses e nordestinos também se estabelecem neste período com devida expressividade.

O loteamento das ruas que mais tarde seriam a Vila Madalena surgem junto do início das obras da Necrópole São Paulo.

Até a data de 1930, segundo o mapa do mesmo ano, ainda eram ruas numeradas. Antes do loteamento oficial da prefeitura, a área já era ocupada, como escreve Décio Justo: “No início desta década (1910), começaram a aparecer alguns corajosos invasores que, perto do córrego Rio Verde e das Corujas, deram início às formações de pequenas chácaras… Algumas vezes por compra, outras por usucapião”.

Décio Justo conta no seu livro Vila Madalena, História, Fatos e Fotos que já em 1900 a área teria uma escritura do Oficial Sucessor de Registro de Imóveis, Silvio Bueno Vidigal. Onde Silvio certifica em 1898 a venda de terras do Sítio do Rio Verde para o senhor José Oswald Nogueira de Andrade, que comprou sucessivamente partes do sítio onde hoje é a Vila Madalena. O nome Madalena, é tema de discussão por conta da sua origem, histórias e fatos convergem sobre o por quê a vila teria recebido este nome.

No livro, Décio descreve uma conversa com a moradora Iracema Guedes, na época com 94 anos, onde ela reafirma uma história que Décio já tinha conhecimento.

A história conta que em 1914 ou 1915 (a data é estimada), um senhor chamado Gonçalo, português, proprietário das terras 23

Rua Natingui. Na época chamava-se rua do Futuro.

Gleba dos campos de várzea da Vila Madalena

Avenida Dr. Arnaldo

Av. Paulista x Av. Rebouças

Vila Madalena

Córrego da Corujas

Rua Ourânia 24

Vista do vale do córrego das Corujas, que separava a Vila Beatriz da Vila Madalena. Desenho de Hugo Guedes à partir de Modelo e aerofoto.

Colégio Santa Clara

Vila Beatriz

Aerofoto de 1958 disponível no website do Geoportal Memória Paulistana.

Vila Maria Luiza

Campos de várzea. Localização Vila Madalena atual do Fórum de Pinheiros e Colégio Maximiliano Rua Natingui

Campos de várzea. Atual conjunto BNH da Vila Madalena

Atual “Beco do Batman” 25

do Sítio do Rio Verde, aprovou junto à prefeitura o loteamento de suas terras. Para nomear o loteamento teria dividido a região em três vilas, e cada uma receberia o nome de uma de suas filhas.

Assim as três filhas, Madalena, Beatriz e Albertina seriam a origem destes nomes. A Vila Beatriz seria demarcada pelo Córrego da Corujas em direção oeste, a Vila Madalena seria do Córrego das Corujas até o Rio Verde, e a Vila albertina seria a área remanescente após o Rio Verde.

No entanto Décio descreve que outras vilas se formaram no território, Nomes como Vila Nogueira e Vila Penteado seriam atribuídos à pequenos vilarejos formados por amigos e familiares.

Tais vilarejos logo teriam sido integrados e passaram a ser parte da Vila Madalena. Assim, a compra de terras feita por José Oswald Nogueira de Andrade e a existência de outras pequenas vilas enfraquecem a história do suposto português Gonçalo.

A Vila Beatriz, diferente da Madalena que tem mais de uma história de origem, uma escassez de relatos e informações de como se deu início. Segundo o website da Associação de Moradores Toca das Corujas Vila Beatriz, o arruamento nasceu graças à iniciativa da “A União Mútua” Cia Construtora e de Crédito

Popular SA, dando entrada com uma planta urbana assinada pelo engenheiro Paulo do Amaral, aprovada em 1939. No entanto não discorre sobre o batismo da pequena região. A descrição do website é de que os caminhos abertos pelos moradores, conhecidos como “picadas”, levavam até as casas ainda sem infraestrutura urbana, e que o leito do córrego das Corujas tinha diversas chácaras que cultivavam agrião, planta que necessita de água em abundância.

Na história de Iracema Guedes, a fundação das três vilas teria ocorrido de forma simultânea, no entanto a ocupação da Vila Beatriz foi mais tardia, ocorrendo à partir do fim da década de 1920. Uma outra indicação de que a história do português Gonçalo seja na verdade um mito, é o nome Beatriz. Quando conversei com Seu Rogério no seu bar, Rogério descreveu que aquela vila em especial tinha uma forte comunidade nordestina Pesquisando no dicionário de ruas e logradouros da prefeitura de São Paulo a descrição da Rua Beatriz, que fica na Vila Beatriz, vem da Serra de mesmo nome no estado da Paraíba. Assim é possível deduzir que os moradores que migraram para o Sudeste teriam nomeado sua vila com um nome familiar, da terra natal, a Serra Beatriz da

Vista da Rua Alberto Seabra em 1936, à partir da parte alta, início da ocupação da Vila Ida. Ao fundo é possível ver a parte alta do atual campus da USP e o traçado da Av. Prof. Lineu Prestes.

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Paraíba. Mesmo assim não é possível concluir se o nome foi dado pelos moradores ou pelo agente que loteou as ruas, pois a oficialização segundo o website do dicionário de ruas, ocorreu em março de 1962.

A Vila Ida tem uma origem bastante diferente da Vila Madalena e Vila Beatriz. O território que antes foi uma chácara foi posteriormente loteado por Estanislau Seabra, familiar do Dr. Alberto Seabra, importante membro da comunidade médica paulista. Não existe informação se a terra onde foi feito o loteamento já pertencia à família Seabra, ou se foi adquirida para o propósito do empreendimento. O nome de Estanislau aparece através de uma solicitação feita pelo mesmo ao Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo sobre o registro de uma edificação, no caso a Capela Biacica, feita em taipa de pilão no século XVII na região do Itaim Paulista. A solicitação foi feita pois a capela edificada ficava nas terras de Estanislau, o que nos leva a concluir que ele teria mais terras com objetivo de executar empreendimentos. Segundo relatório, a visita ocorreu em 20 de julho de 1925.

O nome da vila veio à partir da neta de Estanislau, Ida. Sendo que a rua principal do loteamento seria uma homenagem à Alberto Seabra. A rua paralela e as consequentes travessas eram numeradas, não receberam nomes no início.

Nomes das ruas locais aparecem quase românticos, de forma muito conclusiva e simples, parecem naturais e óbvios. A comum rota das três vilas, a Estrada das Boiadas, aparece em diversos momentos nos relatos dos moradores, e tem essa presença muito familiar na memória coletiva. Posteriormente a estrada foi renomeada em 1955, após o falecimento do político Diógenes Ribeiro de Lima, a via foi renomeada em homenagem ao ex vereador e deputado estadual de São Paulo, deixando de ser estrada e tornando-se Avenida Diágenes Ribeiro de Lima.

A Avenida hoje começa na união com a Avenida Pedroso de Morais e termina no Cemitério da Lapa, que nos relatos aparece como Cemitério das Goiabeiras. Esse nome aparece no relato de

Pedro da Vila Madalena, e de Agnaldo, que trabalha na Barbearia Dois Irmãos na Vila Beatriz. Ambos descrevem o local com um vasto número de goiabeiras e muitos pássaros, e que era bastante comum pessoas irem até o cemitério para capturar pássaros.

O Córrego das Corujas também recebe esse nome devido à quantidade de corujas ali. A Estrada das Boiadas é o caminho literal das boiadas que vinham de Santo Amaro em direção aos

Folheto de vendas da Vila Ida, 1936. Nele aparecem as vilas próximas e ruas que ligavam a nova região à Lapa.

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abatedouros da Vila Clementino. O local onde hoje é o Metrô Vila Madalena, antes era o sítio do Buraco, devido à notável topografia, que era um imenso buraco entre os morros do espigão topográfico. Os nomes têm um sabor de simplicidade e autenticidade, não mostram ser produtos de fabricação ou devaneio autoral, mas sim de uma solução natural que se mostra presente para todos no momento.

A Vila Madalena é facilmente identificada através das ruas de nomes populares e cotidianos como as ruas Girassol e Purpurina, de expressões e sentimentos como as ruas Harmonia e Sim-

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patia. No livro de Décio Justo, ele descreve que os nomes das ruas teria se originado através da contribuição dos estudantes da USP que frequentavam os bares da vila, e com viés anárquico teriam sugerido nomes que não sugerissem homenagens ou figuras conhecidas, mas sim coisas cotidianas, e talvez, abstratas. No entanto a maioria dos nomes dessas ruas veio através de consulta popular executada nos anos 1920 e 1930. A Rua Harmonia teve sua oficialização em 1937 enquanto a Rua Wisard foi oficializada em 1939.

Eduardo José Afonso sugere uma origem mais consoante com a história do bairro. A grande maioria dos habitantes da Vila Madalena era pobre e trabalhadora, muitos eram semianalfabetos,

Vista da Vila Ida para o Rio Pinheiros e o, ainda em construção, campus universitário da USP. Aproximadamente 1953. à partir de aerofoto e foto de arquivo.

assim a sugestão dos nomes das ruas era conforme pessoas que Albuquerque, é uma referência em arte urbana e espaço público ali moravam ou até mesmo algum acontecimento relacionado ao com apropriação de artistas, é completamente coberto por grafites local. que se renovam constantemente, todos os dias é possível ver um

No dicionário de ruas e logradouros da prefeitura, a Rua grupo de pessoas fotografando, passeando e apreciando o local.

Harmonia como denominação de origem popular que teve como O nome do local, conforme uma história que eu ouvi a muitos sentido a atribuição de uma qualidade , ou seja, um sentimento de anos me descrevia, viria de um grafite que ilustrava o personagem on reina a paz e a harmonia entre seus moradores. No entanto um dos quadrinhos, o cavaleiro das trevas da DC, batman, em um antigo documento datado de 1939 encontramos também o sentido dos muros da rua. Seria então à partir desse momento que mais musical para a denominação desta rua: Harmonia; sucessão de artistas encontrariam nesse local um ótimo lugar para produzir acordes ou de sons consoantes, agradáveis ao ouvido. O website grafites. Eduardo Afonso apresenta uma versão mais consoante não descreve com mais profundidade esse documento, deixando com a realidade, afinal, por que um grafite, entre tantos, teria essa vaga essa versão. influência no local.

A Rua Wisard possui

Eduardo que mora relatos de um antigo morana Vila Madalena à muidor, que construiu logo que tos anos conta o nome do as ruas foram loteadas e beco viria à partir do carro ainda não possuíam nomes, pertencente à um mecânico esse senhor se chamava de carros. Na mecânica que Wisard, de pronúncia “Visexistia ali (ainda hoje existe ard”, embora hoje muitas uma mecânica na Rua Harpessoas digam o nome com monia, na altura do beco, sotaque de língua inglesa. O mas não sei se é exatamente mesmo ocorre como a Rua esta), um dos funcionários Aspicuelta, onde havia um era dono de um automóvel espanhol morador que semFord, modelo Galaxie dos pre se referia ao padre João anos 1970, o carro era muito de Azpilcueta Navarro da grande e não estava muito Foto da Igreja da Vila Ida, atual Paróquia Nossa SenCompanhia de Jesus. Assim bem conservado, além de hora Rainha da Paz, aproximadamente 1960. a rua teria sido batizada de Aster a pintura completamente Foto de Benedito Arques. picuelta Navarro em 1940,e posteriormente preta, o que fazia uma associação ao em 1946 seria nomeada apenas como Aspicuelta. seriado de televisão do Batman, que possuía um carro preto

Um nome menos oficial mas muito disseminado e congrande e semelhante em dimensões. O funcionário guardava seu hecido, hoje uma referência até de turismo é o Beco do Batman. carro no beco, e logo o local foi apelidado de Beco do Carro do Localizado entre as ruas Harmonia, Aspicuelta e Medeiros de Batman, ou apenas Beco do Batman.

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Pluralidade da Vila

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É comum imaginar as vilas como o conjunto de pequenas casas de arquitetura simples, terrenos de medidas padrões, residências familiares que abrigam população simples e trabalhadora da primeira metade do século XX na região da várzea do Rio Pinheiros. Seriam os primeiros sinais de vida urbana, dessa região que era composta por sítios e chácaras, que caminhavam a passos lentos para uma vida mais relacionada ao centro de São Paulo.

Mas os relatos, histórias e fotografias mostram as diversas, e diferentes, atividades de cada vila da região. As tipologias, paisagens, arquitetura, extensão e rotinas eram diferentes para cada uma das vilas, dessa forma, as características estruturais, físicas e sociais, não deixariam de ser diferentes.

A Vila Madalena é a mais antiga das três vilas em estudo, também a de maior extensão territorial. Diferente da Vila Ida, mais afastada das vilas Madalena e Beatriz, tem sua territorialidade restrita, e seu desenvolvimento contido em menos tempo.

Isso se reflete nas histórias e personagens, e a relação entre elas, por exemplo.

Na Vila Madalena existe o sentimento de que cada esquina possui uma história, que se desdobra independente da esquina seguinte, que alguns personagens proeminentes perto da Rua Mourato Coelho não participam dos ocorridos da Rua Simpatia no mesmo período. Na Vila Ida as histórias parecem envolver o conjunto como um todo, um evento era vivido pela vila como um todo.

Isso demonstra que a Vila Madalena já possuía dinâmicas de uma cidade, enquanto a Vila Ida ainda carrega as características de uma vila, onde a vida de todos se relaciona e se conecta de diversas maneiras, criando um efeito de comunidade entre os habitantes.

A Vila Beatriz em seu princípio se assemelha à Vila Ida, nas mesmas características que unem os habitantes, seja na união dos moradores para a construção da Igreja, seja no território pouco extenso, mas já possui uma relação mais forte com a Vila

Madalena, sendo que mais tarde poderia ser considerada uma vila “satélite” da Vila Madalena. Muitas histórias da Beatriz são correlatas com a Madalena.

Internamente as vilas são diferentes, na composição e formação dos seus moradores. A Vila Madalena inicialmente habitada por descendentes de portugueses, e menor porcentagem de italianos, que vieram para a região para trabalhar no recém inaugurado Cemitério São Paulo, localizado entre a Rua Luiz Murat e Rua Cardeal Arcoverde. Eram pedreiros, serralheiros e jardineiros, mas também a presença de pintores, escultores e gesseiros que executavam e adornavam jazigos e mausoléus da Necrópole São Paulo, como está no mapa Falk de 1951.

Atividades comerciais nas vilas eram semelhantes entre elas. Bares, armazéns, padarias, lojas de ferragens, açougues e vendedores ambulantes serviam as vilas internamente. Muitas vezes um estabelecimento funcionava com mais de uma função,

Inauguração da Estação Pinheiros da EFS em 1957. Ainda sem prédio, apenas com plataforma de embarque.

Arquivo do Estadão.

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sendo bar, armazém e venda de ferragens. Os pontos comerciais eram abastecidos por produtores hortifrutigranjeiros de pequenos sítios e chácaras que ficavam próximos às vilas.

Como, por exemplo, a chácara que pertencia à família de Fátima Monteiro, localizada onde hoje é a praça Panamericana, ela relata que as flores eram vendidas na Estrada do Araçá, na frente do cemitério, ou enviadas ao Cemitério São Paulo. Produtos como carne e couro vinham de produtores que utilizavam a rota da Estrada das Boiadas, as carroças vinham carregadas de produtos derivados da pecuária.

No filme “O Vendedor de Linguiça” de 1962 do produtor e ator, Amácio Mazzaropi, uma das cenas iniciais do filme mostra o ator em seu caminhão percorrendo um trecho de estrada em região suburbana ou rural, Alguns moradores da Vila Beatriz dizem que a cena foi gravada na Estrada das Boiadas, no entanto

Esquina da Rua Alberto Seabra com a praça Elvira de Jesus Jarra, onde fica atualmente a Padaria Milagrosa.

Antigamente se localizava na porta ao lado a sede do time Café do Ponto F.C. Desenho de Hugo Guedes partir de foto e relato.

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não existe registro do local oficial das gravações.

Outra parcela dos habitantes das vilas que não trabalhavam no comércio, trabalhava em companhias e indústrias próximas.

Por exemplo, a Vila Ida possuía diversos moradores que trabalhavam na Estrada de Ferro Sorocabana, que teve uma estação inaugurada na região, a estação Pinheiros. A estação foi inaugurada em 1957, considerada pequena, possuía apenas um funcionário, responsável por cobrar passagens e telegrafar informações. Em 1958 ganhou prédio simples, pois sua demanda baixa, cerca de duzentos usuários neste ponto, não requeria grande prédio, como diz matéria da Folha de São Paulo de 1962. Mara e Pedro relatam que muitos habitantes da Vila Madalena e Beatriz trabalhavam na Light, antiga empresa de energia.

A Vila Madalena era a única que abrigava desde os anos 1930 pequenas indústrias, que já eram tradicionalmente localiza-

das na região de Pinheiros.

O Café do Ponto tinha sede no Largo de Pinheiros, mas por motivos econômicos mudou-se para a Vila Ida onde passou a fazer a torra e venda de grãos, mas sua presença na Vila Ida foi marcada pela parceria estabelecida com um time local que resultaria no nascimento do Café do Ponto F. C..

Os bares são presentes nas vilas desde a origem de cada uma delas, sendo além de um local de consumo de cerveja e cachaça, eram locais de convivência, de celebração, discussões e conversas. A maioria dos bares exercia outras atividades, como mercearia, armazém e café. servindo os moradores de lanches, refeições, materiais para as casas e necessidades comuns. Muitos eram locais de encontro para grupos ligados à determinadas ativi-

dades. Seja as rodas de samba que se encontravam religiosamente em determinados bares da Vila Madalena ou dos times de futebol que faziam o mesmo na Vila Ida.

A importância destes locais para a vida das ruas era essencial, serviam como ponto de referência e informação para os recém-chegados.

Maria Isabel Denardi, moradora da Vila Ida desde 1950, conta que quando criança, os trabalhadores da Cia City e os vindos dos portos de areia, onde hoje existe o parque Villa Lobos, caminhavam até o Bar e Mercearia São Benigno da família Denardi para almoçar, e marmitas eram entregues em construções próximas por meio de bicicletas.

Estrada das Boiadas em 1939. No canto superior esquerdo, aparece ao fundo, o Instituto Butantã.

Desenho de Hugo Guedes à partir de aerofoto e foto.

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O Bar do Seu Rogério na Vila Beatriz, ainda hoje se destaca meio aos portões das casas. Mesmo estando em uma rua com dois bares de esquina, seu bar permite que os usuários fiquem à vontade para entrar e sair, o carro que para na porta do estabelecimento acaba tornando-se apoio para os clientes que se debruçam e sentam nos automóveis.

As cadeiras ficam parte dentro e parte fora do bar, fazendo

Interior do Bar do Biro Biro, localizado na Rua Simpatia, Vila Madalena.

Foto: Hugo Guedes

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da calçada sua extensão. A Rua Beatriz torna-se agradavelmente movimentada de sábado, dia que a maioria dos antigos clientes de Seu Rogério vão ao bar para encontrar velhos amigos e lembrar das memórias locais.Inserir texto do seu rogério.

Na Vila Madalena um símbolo de resistência de bares tradicionais é o Bar do Biro Biro. Singelo estabelecimento que também carrega as marcas do tempo no seu interior, Biro é baia-

no e veio para São Paulo no no ano de 1978, trabalhou como garçom em um antigo bar na Rua Aspicuelta, logo abaixo de onde fica seu bar hoje, para mais tarde abrir o próprio estabelecimento junto com seu primo. Na pintura da parede está a data de 1982, fundação do bar.

No horário de almoço é comum ver funcionários de estabelecimentos próximos almoçando ali, visto que possui preço bastante singelo perto de outros bares e restaurantes da região hoje.

De noite ali se encontram moradores mais antigos e conhecidos de longa data do bar, como Arlete, moradora da Vila Madalena há dezoito anos, relata que muitos bares que costumava frequentar deixaram de existir, ou foram vendidos e mudaram muito: “Aqui perto ainda tem alguns bares bons de ir, que dá pra dançar um samba e encontrar amigos, os mais velhos. Tinha outros bons também, mas acabou quase tudo. Só tem uns caros, que não dá pra se divertir, não vai ninguém daqui, sabe.”

Reconstituição de um dos bailes promovidos pelo Grêmio do time Café do Ponto F.C. que ocorriam na sede, na rua Alberto Seabra. Desenho de Hugo Guedes à partir de fotos.

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Entre as duas visitas que fiz ao boteco de Biro, havia um estabelecimento quase vizinho que estava em reformas. Na última visita já estava em funcionamento. Se tratava de um bar, chamado Boteco Mocó, que fica na mesma rua. O novo estabelecimento possui mobília e balcão bastante semelhantes ao Bar do Biro, o espaço menor e os equipamentos são todos novos. Passei na Rua Simpatia alguns dias depois e reparei que o público de cada um dos bares era bastante distinto. No Bar do Biro Biro a média de idade dos clientes fica em torno de 40 ou 50 anos, no bar recém inaugurado a média de idade fica entre 20 e 30 anos.

Apesar de se localizarem na mesma rua, possuírem os mesmos produtos e até se parecerem visualmente, os frequentadores são bastante diferentes, o que mostra como a ligação do estabelecimento com os moradores da região se constrói e cria laços com o bairro. O Bar do Biro Biro não é o mais antigo da Vila madalena, mas possui características que contam sobre sua trajetória e a história do bairro.

Biro junto ao mural feito a mão dentro do seu bar.

Rua Simpatia, Vila Madalena.

Foto: Hugo Guedes

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Bar do Seu Rogério

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O Bar do Seu Rogério na Vila Beatriz, ainda hoje se destaca em meio aos portões das casas. Mesmo estando em uma rua com dois bares de esquina, seu bar permite que os usuários fiquem à vontade para entrar e sair, o carro que estaciona na porta do estabelecimento se torna “mobiliário urbano” para os clientes que se debruçam e sentam no automóvel. As cadeiras ficam parte dentro e parte fora do bar, fazendo da calçada sua extensão.

A primeira vez que visitamos o bar, não conhecíamos ninguém, o que não impediu que fôssemos cumprimentados por 3 pessoas que estavam sentadas e o dono do Bar que estava atrás

do balcão. Pedimos uma garrafa de cerveja e não demorou para a conversa começar.

O Bar é conhecido como Bar do Seu Rogério. Era originalmente na esquina da rua Beatriz e a Miguel Rodrigues, depois mudou para o atual local. Rogério hoje ostenta expressivo bigode de longa data e o tradicional avental, marca registrada do mesmo.

Perguntamos à quanto tempo ele trabalhava ali. Ele deu um sorriso e disse que começou a trabalhar no bar com 11 anos ajudando o pai, mas que o bar está há 40 anos sob sua gestão, total de 55 anos no mesmo estabelecimento, que hoje toca junto ao filho.

Itens ao fundo do balcão do Bar do Seu Rogério, como tabela de preços, avisos aos clientes e petiscos.

Rua Beatriz, Vila Beatriz.

Foto: Tomás Stephan

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Contamos à Rogério que queríamos entender melhor a história e a relação das pessoas com o bairro, o que o deixou bastante contente e iniciou uma longa conversa. Os clientes logo reafirmaram que a história de Rogério com este bairro é longa.

Rogério contou que veio com 3 anos de idade para o Brasil , que na verdade sua nacionalidade é Portuguesa. Contou sobre como seu pai vendeu o outro imóvel e passou para o atual número 186 da Rua Beatriz. Relata que quando jovem, o bar era parada de muitos viajantes que estavam passando pela região, portanto seu pai havia instalado pequenos tocos de madeira na frente do bar para que pudessem amarrar a dela dos cavalos enquanto estavam no bar. Falou que o estabelecimento foi palco de muitas festas, principalmente em datas festivas onde a vizinhança se reunia, churrascos e eventos eram comuns nas ruas da Vila Beatriz.

Hugo e João conversando na porta do Bar so Seu Rogério.

Foto: Tomás Stephan

Seu Rogério demonstra aparelho antigo da marca de pilhas “Energizer” que permitia testar a carga existenta na pilha.

Foto: Hugo Guedes

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Conta que o bairro também já foi conhecido por ser mais “perigoso”, por ser associado como refúgio por pessoas consideradas fora da lei. O bar já teria sido palco de inúmeras brigas e confrontos motivados por bebedeira ou contas em aberto. A fama de lugar perigoso era realmente associadas às vilas de Pinheiros.

No relato de Maria Denardi, moradora da Vila Ida, ela diz: “A Vila Ida tinha uma fama muito ruim. Se tomasse um táxi em Pinheiros e falasse que ia para Vila Ida, eles não levavam. Tinha que entrar no táxi, esperar ele andar para poder falar”.

Pedro, marido de Mara, morador da Vila Madalena, também descreve situação semelhante. Relata que quando jovem trabalhava no centro de São Paulo e diz que: “Aqui era periferia, bairro de operários. As pessoas perguntavam onde eu morava, e eu dizia que morava na Vila Madalena, e ninguém sabia onde era.

Seu Rogério ao fundo, Filho do Seu Rogério e o cliente Marcos, Balcão do Bar do Seu Rogério.

Foto: Hugo Guedes

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Tinha que dar referência de locais como Sumaré, Pinheiros, pois ninguém sabia onde era, hoje já é o inverso, você fala que mora na Vila e já dizem - olha, mora bem! -. Então você vê que mudou né”.

O bar de seu Rogério é simples, com mobiliário e equipamentos antigos, tudo que está ali hoje tem ou teve função no bar. transparece muito autenticidade e um caráter próprio, uma aura de um outro tempo do bairro. Quase como se ao entrar pelo portão de metal do estabelecimento pudesse visitar um pouco do passado do bairro, da região e das pessoas que frequentam ali.

Rogério não aceita cartão, apenas dinheiro, vende alguns

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petiscos tradicionais e cerveja em garrafa bem gelada. Tem uma pequena televisão de tubo que não foi ligada enquanto estávamos lá. Quando entramos no tema de nomes, perguntamos se o bar já teve algum nome oficial. Rogério diz que seria “Bar Último Gole”.

Pois, segundo ele, seria um bar que ficava aberto até bastante tarde, e muitas pessoas que já estavam à caminho de casa aproveitavam pra tomar uma “última cerveja” no bar do seu Rogério. Com Marcos “ovo”, Felipe, João e Alemão na calçada à frente do Bar do seu Rogério.

Foto: Hugo Guedes

o passar do tempo o nome foi se fixando, mas os clientes mais tradicionais sempre chamaram o bar de Bar do seu Rogério.

Destes clientes tivemos a oportunidade de conhecer João e Antônio já no primeiro dia que estávamos lá. Antônio trabalha em uma escola do bairro, inclusive fez questão de mostrar a escola e contar sobre sua relação com o bairro. João é morador do bairro desde que nasceu, e frequenta o Bar do Seu Rogério desde criança com seus amigos.

Antônio e João nos contaram sobre Dona Dô, uma moradora da Rua Beatriz que é muito querida e conhecida no bairro pelos antigos moradores, que deveríamos conversar com ela sobre histórias e informações da Vila Beatriz. Pois ela esteve durante anos envolvida na organização da Feira da Vila Madalena e escolas de Samba da Região, que cresceram graças ao trabalho de Dô. Tivémos sorte de encontrar Dô em frente a casa que mora há muito tempo, mas estava um pouco indisposta no momento para conversar, ainda torcemos para um reencontro.

João diz que conhece seu Rogério desde muito cedo na sua vida. Que ainda criança acordava de manhã para comprar pão

Antônio e Dono Dô em frente à casa de Dô, Rua Beatriz, Vila Beatriz.

Foto: Tomás Stephan

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do seu Rogério. Rogério não produzia pães, mas acordava cedo e comprava pães das panificadoras para revender no bar bem cedo.

E nos contou histórias de um período mais próximo, entre anos 1980 e 1990. Contou muito sobre aventuras quando jovem pelo bairro, sobre algumas pessoas que marcaram a infância de uma geração que cresceu ali e acontecimentos.

A segunda visita ao Bar do Seu Rogério foi bastante surpreendente. chegamos eu e Tomás de bicicleta na parte da tarde de um sábado. Havíamos combinado com João para gravar alguma conversa e ouvir mais algumas histórias. Fomos recebidos como amigos, Seu Rogério com seu tradicional avental nos recepcionou e ainda disse que “a molecada toda vem hoje”. Ele se referia à João e amigos que se encontram ali de sábado. Apesar de João frequentar o bar à uns vinte anos, pelo menos, eram os meninos da rua pra Seu Rogério. Neste dia vieram diversos amigos de João, sendo que cada um era recebido de forma diferente, os apelidos e expressões antigas eram seguidos de longas risadas e abraços.

Todos cresceram e estudaram nas escolas próximas, empinavam pipa nas ruas e jogavam bola na frente do bar do Seu Rogério.

João contou sobre o antigo morador Rogério Jeremias de Simone, ou mais conhecido como Gegê do Mangue. Amigo de infância, que mais tarde se envolveu com pequenos crimes. Gegê ficou famoso por ser considerado integrante número dois em São Paulo na hierarquia do facção criminosa do PCC. Foi assassinado no Ceará em 2017 depois de passar por diversas penitenciárias, mais de quinze no que informa a notícia do website da G1 Reportagem atualizado 44

Recorte de Jornal de 1994, mostra festa no Bar do Seu Rogério e outras notícias e reportagens da Vila Beatriz.

Arquivo pessoal do Seu Rogério.,

Desenho mostrando a relação espacial entre o Bar do Seu Rogério e a rua.

Desenho: Hugo Guedes.

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em fevereiro deste ano.

Os amigos lembram que Gegê era uma criança como as outras que seguiu um caminho diferente.

O Bar do Seu Rogério não é apenas um lugar que carrega características próprias adquiridas ao longo do tempo, mas é um lugar cheio de memórias das pessoas que participaram da sua história, da mesma forma como o local participou da vida e memória dessas pessoas. Presente em diferentes momentos da vida de cada um, o lugar é parte integrante da história da Vila Beatriz, materialmente como lugar, e imaginário como lembrança de tantos acontecimentos ali. Conhecer Seu Rogério é conhecer uma parte da história da Vila Beatriz, dos seus moradores e da cultura que ali se desenvolveu.

Seu Rogério e Cliente de longa data em uma tarde de sábado no bar . Rua Beatriz, Vila Beatriz.

Foto: Tomás Stephan

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A presenรงa da Cia City

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Folheto de Divulgação da Cia. City de 1927, para o empreendimento Alto dos Pinheiros, localizado ao lado da Vila Madalena. Fonte: Arquivos O Estado de S. Paulo.

A Companhia City fundada em 1911 na Inglaterra com nome de Sigma Essays, chega em 1912 em São Paulo com o nome original de "City of São Paulo Improvements and Freehold Land Company Limited", conforme informa o website da companhia hoje. Foi responsável por diversos projetos com desenho urbano característico, denominados como cidades jardins.

Desde o início do século XX a Cia City adquiriu grandes áreas, no período ainda rurais, que chegam à soma de mais de quatorze milhões de metros quadrados de terra, bairros que hoje levam seu desenho urbano são por exemplo a City Butantã, Alto da Lapa, Jardim América e City Pinheiros.

A presença da City na região teve fortes impactos nas vilas existentes, como o caso da Vila Madalena e Vila Anglo Brasileira.

Outras vilas nasceram e se desenvolveram junto aos territórios da City, como é o caso da Vila Ida e Vila Beatriz. Difícil dizer se as vilas tiveram seu desenvolvimento e área de ocupação restritos pela Cia. City, mas os impactos dos bairros jardim foram sentidos nas três vilas.

A Vila Madalena é das vilas, a que menos tem contato com as áreas urbanizadas pela City. Vila Beatriz e Ida são diretamente limítrofes com o território urbanizado nos moldes de “cidade jardim”.

Na Vila Madalena esse contato aparece de forma quase pontual, que é o caso do cruzamento da Rua Wisard com a Rua Mourato Coelho. No fim dos anos 1930 (data não precisa), a Rua Wisard não chegava até a atual Rua dos Morás, além da Rua Mourato Coelho existiam apenas os lotes pertencentes à Cia. City, era uma passagem comum dos moradores da Vila Madalena para chegar ao Largo de Pinheiros.

Com a venda do lote entre a Rua dos Morás e a Rua Mourato Coelho, o terreno foi cercado para impedir a passagem de transeuntes. Como Décio Justo cita em seu livro: “Alegavam que os moradores da Vila eram pessoas de má índole, baderneiros e briguentos. Afirmam que no Salão do Esporte Clube Primeiro 49

de Maio a poucos metros do local havia muitas brigas que sempre terminavam dentro do loteamento”.

A briga entre os moradores e os funcionários da City durou alguns dias pois, após colocarem os arames, os moradores retiravam durante a noite. Para encerrar a disputa a prefeitura, junto da City e um grupo articulado de moradores fez um acordo, onde um terreno novo seria negociado com a City em troca a Rua Wisard se estenderia até a Rua dos Morás, até hoje uma das poucas

ligações da Vila Madalena com o bairro “Alto dos Pinheiros”.

A Vila Beatriz e Ida se beneficiaram da presença da Cia. City nos seus limites, pois o loteamento jardim permitia comércio apenas em ruas específicas, deixando a maioria das ruas como ocupação exclusiva residencial, proporcionando nova demanda de bens de consumo nova para os bairros que possuíam bares, armazéns e pequenos mercados. Mesmo as pessoas que criavam animais em pequenas chácaras se beneficiaram, pois serviam os es-

Campo de futebol ao lado da Rua Natingui

Esta foto não possuí data, mas é possível estimar através de indícios visuais. O traçado das ruas já completo e as obras de canalização do curso do Rio Pinheiros indicam que seja do final da década de 1940, até início da década de 1950, Diversas edificações que aparecem na aerofoto de 1958 não estão presentes aqui.

Notável a praça do Pôr do Sol e a Panamericana, as ruas não pavimentadas e a vegetação em estágio primário revelam um recém loteamento da área.

Foto do website da Cia. City.

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Futura Praça do Pôr do Sol

Futura Praça Panamericana

Conjunto Habitacional Praça do Pôr do Sol

Praça Panamericana

Anhembi Tênis Clube

Aerofoto datada de 1977 da mesma área. Poucos lotes ainda não edificados através da foto. è possível identificar a Praça Panamericana e a Praça do Pôr do Sol. A gleba que antes abrigava os campos de futebol, no canto superior esquerdo, já aparece ocupada pelo conjunto habitacional do BNH. Na parte inferior direita da foto é possível identificar o Anhembi Tênis Clube.

Foto do website da Cia. City.

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tabelecimentos locais, que por sua vez serviam os bairros ao redor.

A moradora da Vila Ida, Odete Carvalho de Lima Seabra, afirma no relato em vídeo do documentário sobre a Vila Ida: “As áreas no entorno da City em São Paulo se tornaram as melhores áreas para se morar. Pois na City, zona um, não pode ter escola, não pode ter igreja, não pode ter nada, no entorno pode. No entorno da City tem os melhores serviços, pois na City tem a maior renda”.

João trabalha como barbeiro na Vila Beatriz desde 1951, relata ver os lotes sendo ocupados com o passar dos anos e a clientela aumentar. Na Vila Ida o mesmo aconteceu, essa em especial pois era cercada pelo loteamento residencial, sendo as duas ruas da Ida ricas com comércio e serviços diversificados. Borracharias, padarias, armazéns e bares que atraíam os moradores próximos.

No entanto, a presença notável da Cia. City na região teve impactos negativos com o passar do tempo. A Praça Panamericana, que antes era uma chácara produtora de flores, como relata

Fátima Monteiro, moradora da Vila Ida, tornou-se ponto comercial na região, abrigando grandes mercados como o atual Pão de Açúcar.

Muitos clientes que frequentavam os comércios das vilas Ida e Beatriz passaram a comprar na Praça Panamericana, como é relatado por Maria Isabel Denardi, também em vídeo para o documentário da Vila Ida.

Maria conta que sua família era dona de um bar e mercearia que abastecia as casas da Vila Ida e também das recém construídas casas dos lotes City, através de sistema de caderneta de clientes e entregas com bicicletas o conhecido São Benigno Bar e Mercearia funcionou de 1950 até 1968, neste ano foi construído o mercado Gonçalves Sé na Praça Panamericana, onde hoje funciona o mercado Pão de Açúcar. Maria Denardi passou então a trabalhar de caixa do novo mercado, pois grande parte dos clientes deixou de comprar na antiga mercearia São Benigno e passaram a

Vista da Rua Alberto Seabra para a praça Dr. João Guilherme Flocke em 1941. Desenho de Hugo Guedes partir de foto e aerofoto.

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frequentar o novo mercado.

A mercearia deixou de funcionar deixando apenas o bar em funcionamento, pois apesar da pressão por parte dos moradores vizinhos para fechar os bares da Vila Ida, que era justificado pelo barulho e movimentação excessiva de pessoas no bairro, o bar da família tinha registros de funcionamento há muitos anos, garantindo o direito de permanecer ali.

O zoneamento aprovado em 1972 na cidade de São Paulo restringia toda a área da Vila Ida à exclusivamente residencial, impedindo novos comércios de rua, e os que já existiam, como o estabelecimento da família Denardi, foram pressionados pela vizinhança à fecharem as portas.

Vista de um dos campos de várzea da Vila Ida, à esquerda a Rua Alberto Seabra que sobe até a Rua Cerro Corá, que passa no topo do morro.

Desenho de Hugo Guedes à partir de foto e relatos.

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O Futebol

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A vida das vilas era compartilhada, o cotidiano de cada habitante acontecia ligado à vida dos outros habitantes, as pessoas se relacionam por necessidade, como na essência do agrupamento humano, onde viver em grupo torna-se mais recompensador do que a vida isolada. A vida nas vilas, contada através das pessoas que viveram seu desenvolvimento, ou através dos poucos registros sobre as rotinas de funcionamento revelam o caráter comunitário em quase todos os aspectos desses locais.

Atividades esportivas e jogos eram comuns nas vilas. Não existiam ginásios ou quadras destinadas à praticas de esportes específicos nas vilas até a chegada de escolas estaduais, qualquer atividade devia ser praticada em terrenos e áreas não edificadas razoavelmente livres, ou nas ruas, que eram de terra ou recém asfaltadas. Jogos como taco e malha aparecem nos relatos dos moradores, até mesmo a “Volta da Vila Madalena - Prova Pedestre Primeiro de Maio”, que foi a primeira prova de corrida pedestre do bairro em 1954, como aparece no livro de Décio Justo. Organizada pelos moradores, ocorreu no dia primeiro de Maio do mesmo ano, se iniciava na Rua Girassol com a Rua Purpurina e passava por diversas ruas do bairro.

Apesar do espaço público das vilas serem palco para diversas atividades, era a prática do futebol, seja como esporte, seja como fator de integração social, que aparecia como número um entre os moradores. Esse esporte em grupo, praticado nas várzeas em particular, foi um esporte muito presente na cidade de São Paulo durante todo o século XX, devido às áreas livres nas várzeas dos rios Pinheiros e Tietê que eram cenário perfeito para os campos. Estima-se que as várzeas dos rios Pinheiros e Tietê abrigaram mais de mil campos de futebol, como descrito no livro Memória e Sociedade de Ecléa Bosi.

Na primeira foto: Dorinho (meia-esquerda) à esquerda, e Gás Braz (quarto zagueiro).

Na sehunda foto: Titulares do Leão do Morro no jogo transmitido pela rede globo em 1969, foto do jornal Gazeta Esportiva Ilustrada.

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Foto aérea sobre a região da Vila Madalena. No canto superior esquerdo é possível ver os dois antigos campos de futebol que dariam lugar para a Escola Estadual Maximiliano e o Fórum de Pinheiros. A foto pertence ao acervo fotográfico da Família Landi e foi registrada pelo Antônio Landi (1924 - 1954), morador da Vila Madalena. Acervo Rosa Landi.

Recém construída Igreja Nossa Senhora Rainha da Paz na Vila Ida. Início dos anos 1960. Ao fundo ainda em construção, o campus universitário da USP e a canalização do rio Pinheiros. As crianças que treinavam nos times da vila deviam participar da missa sempre, sendo necessário levar um carimbo de presença aos treinos. Foto do acervo pessoal de Benedito Arques.

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Reconstituição do jogo do Café do Ponto F.C. com o time do São Paulo da Vila Paulicéia pelo campeonato de várzea oficial de São Paulo. Lioji foi capitão do time durante muitos anos, ele segura a bandeira do time. À partir de foto do arquivo de Lioji e composição fotográfica.

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As três vilas em foco deste trabalho possuíam times de da Vila Madalena é um dos times mais antigos da Vila Madalena, várzea que jogavam entre si, participavam de campeonatos mudepois passou a se chamar Primeiro de Maio em homenagem ao dia do trabalhador. Possuía sede na Rua Mourato Coelho número nicipais e apareciam como forte organizador das relações sociais dentro e entre as vilas. Algo que não era exclusivo dessas três vilas 1365, o edifício existe até hoje, onde aconteciam os bailes para destacadas neste trabalho. Todas as demais vilas possuíam seus arrecadar fundos para o time, que ficaram conhecidos como Bailes times, maioria deles tão antigos do Fubá. A explie tradicionais cação foi de que jogava-se fubá no quanto os da própria Vila piso para que os Madalena ou dançarinos puIda. A Vila Andessem deslizar glo por exemplo com maior facilidade, descrito já possuía em 1934 o time por Décio Justo Corinthians no livro Vila MaPompeiano, dalena; História, além do time Fatos e Fotos.

O Sete de Faísca de Ouro, que mais tarde Setembro foi funem 1976 daria dado mais tarde, início à Sscola em 1944, criado de Samba Àguia por um grupo de amigos que já de Ouro, como mostra o levanjogavam futebol, tamento históriteve como repreco do website da sentante principal Vila Anglo. a figura do Zé Leiteiro, homem

A Vila Time Juvenil do Café do Ponto F. C. da Vila Ida. Na fileira inferior, da esquerda para a direita, Serginho é Madalena teve que dedicou o segundo jovem. Serginho jogou pelo Juvenil e pelo time veterano do Café do Ponto. Foi posteriormente diversos times, grande parte de jogar na base do São Paulo F. C.. Foto pertence ao arquivo pessoal de Lioji Hiarichi. sendo que três sua vida ao time. deles eram os mais conhecidos e relatados nas histórias. Eram ess- Zé foi fundador, presidente, jogador, roupeiro e técnico. Em 1952 a fama do time chega ao auge com a vitória no campeonato varzes, o “Sete de Setembro”, “Primeiro de Maio” e o “Leão do Morro”.

Fundado em 1939, o time Esporte Clube União Operária eano paulista, quando o jogo foi disputado no Estádio do Pacaem59

bu, após a conquista seria o time mais famoso da região.

O time do Leão do Morro também tinha base na Vila Madalena, mas tinha participação de atletas vindos da Vila Beatriz, e por isso acabava representando a vila vizinha no esporte.

Pedro relata que jogou no Leão do Morro durante anos, e frequentava com amigos os jogos. Lembra-se de que os campos do Leão do Morro e do Sete de Setembro eram onde hoje existe o Fórum de Pinheiros e o Colégio Estadual Maximiliano, Eram no topo do morro que abrigava os dois campos, mais tarde com a construção da escola, mudaram-se para uma gleba da Natingui, onde já existia o campo do Primeiro de Maio. Assim os três campos eram vizinhos de linha como Pedro relata. Até 1967 os campos permaneceram, mas deram lugar à construção do complexo de edifícios do BNH da Vila Madalena.

Na vizinha Vila Beatriz existia o time do Ferroviária Vila Beatriz F. C., que apareceu apenas através dos relatos de João e do Luís Lima. Tanto nos livros quanto em outras pesquisas não encontrei mais informações sobre o time. João que trabalha na Vila Beatriz como barbeiro desde 1951, fala sobre como jogou no Ferroviária. O campo era mais afastado, próximo ao Rio Pinheiros.

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À partir do topo em sentido horário: -Uniforme do time Leão do Morro F. C. -Uniforme do time Juvenil Café do Ponto F. C. -Uniforme do time Café do Ponto F. C. -Uniforme do time Clube Vila Ida F. C. Desenho à parir de arquivos pessoais e descrições.

Hugo Guedes.

Acredito que o nome seja relacionado com a linha de trem junto ao leito do rio, talvez alguma ligação com a Estrada de Ferro Sorocabana que possuía a estação Pinheiros, mas não foram encontradas mais informações.

A Vila Ida é um caso diferente das duas já descritas aqui. A relação dos moradores da Vila Ida com o futebol mostra-se especial. A vida no bairro era intrinsecamente ligada ao esporte.

Como praticamente todo o entorno da Vila Ida era propriedade da Cia. City, mas ainda não edificado ou devidamente demarcado, os arredores serviam como grandes descampados para quaisquer atividades, delas a principal seria o futebol de várzea.

Todos formados pelos moradores da Vila. Os times que surgiram junto do loteamento no fim da década de 1930 permaneceram com seus campos na região até meados de 1960 quando os lotes da Cia City começaram a ser edificados. Locais onde eram os campos se tornaram praças, como foi o caso do campo do Café do Ponto. O time Vinte e cinco de Janeiro tinha campo na atual Praça Panamericana, enquanto o campo Café do Ponto era na Praça Província de Saitama, informações presentes nos relatos de Luís Lima e Antônio Francisco Alves, moradores e ex jogadores dos times da Vila Ida.

O futebol torna-se protagonista na vida dos moradores da Vila Ida, sendo tão presente que envolvia outras atividades culturais do bairro. O ex-morador, Antônio Francisco Alves

relata em vídeo que para poder treinar era necessário frequentar as missas na igreja, havia uma relação entre as atividades bastante sadia para incentivar as crianças. Faltar em aulas também impedia de comparecer aos jogos e treinos. Os grêmios locais, junto dos grupos escolares e religiosos, organizavam gincanas, bailes e eventos de caráter diverso para arrecadar fundos para os times, oficiais e infantis de base, formando assim uma rede de relações sociais muito fortes e codependentes.

Algo diferente que surge na Vila Ida em relação ao futebol é a ligação entre os grupos escolares e a Igreja Nossa Senhora Rainha da Paz. As crianças que queriam treinar nos times juvenis deveriam comparecer tanto à missa, quanto às aulas. Quando presentes ganhavam pequenos cartões ou carimbos que deviam mostrar para os técnicos dos times para jogar.

Gerava-se assim um incentivo aos jovens para permanecer na escola e

À esquerda, reconstituição através de desenho de Serginho com uniforme do Café do Ponto F.C. À direita foto de Serginho jogando bola em frente à sua casa.

Desenho e foto de Hugo Guedes

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frequentar as missas. Diferente da Vila Madalena e Beatriz, onde os times eram mais relacionados aos grupos de amigos e bares da região, ali não existia esse sistema de presença nas demais atividades do bairro.

O primeiro time da Vila Ida foi o Diamante Negro, que mudou para o nome de Esporte Clube Vila Ida, e mais tarde, com a chegada do Café do Ponto torna-se o primeiro time patrocinado da região, sendo assim o Café do Ponto F. C.. Outros times coexistiam na mesma vila como o Estrela e o Fernão Dias, Na Estrada das Boiadas havia o campo do Paulista e o campo do Cruzada, próximo de onde hoje fica o Parque Villa Lobos, além dos times mirins. Segundo Luís, os times adultos possuíam campos, enquanto os times mirins possuíam os “campinhos”, que eram de dimensões reduzidas para a prática

das crianças. Existia o “Cafézinho” que era o time juvenil do Café do Ponto, também o Corinthinhans e o Flamenguinho, batizados com o nome no diminutivo, ambos times mirins.

A relação única da Vila Ida com seu fvutebol reflete nas gerações de atletas de qualidade que a vila abrigou, Lioji que foi capitão do Café do Ponto jogou diversos anos sendo respeitado pela comunidade futebolística até hoje.

O mais notório exemplo de jogador que ascendeu no esporte na Vila Ida foi o jogador Wladimir Rodrigues dos Santos. Iniciou sua carreira nos campos da Vila Ida, toda sua família era do bairro. Jogou já em 1972, com apenas 18 anos no Corinthians, na primeira divisão, e posteriormente jogou pela seleção brasileira.

O time que mais notório da Vila Ida foi o

Jogo do Café do Ponto F.C. no campeonato de várzea paulista, os jogos aconteciam em regiões industriais nas margens dos rios. Desenho de Hugo Guedes à partir de foto.

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Café do Ponto F. C.. O time aparece em diversos relatos dos moradores, mesmo conversando pessoalmente com moradores das outras vilas, Pedro da Vila Madalena e Rogério da Vila Beatriz falam do Café do Ponto como um grande adversário nos campos de várzea.

O fundador do Café do Ponto, Alexandre Nascimento Gonçalves, nascido em 1917 no interior de São Paulo, conta no seu relato gravado para o documentário da Vila Ida a trajetória da empresa. A empresa Café do Ponto começou em 1951 na Rua Martim Carrasco número 100, no atual Largo de Pinheiros, mas por questões de espaço físico e razões econômicas muda-se para a Vila Ida em 1957, para um edifício que funcionava antes como uma fábrica de sabão.

Alexandre conta que a empresa ficou na Vila Ida durante vinte anos, que foram os anos de maior crescimento para o nome Café do Ponto. Logo a parceria entre a empresa e o time Clube Vila Ida F. C. se daria através da amizade e trabalho conjunto entre Alexandre e Lioji, que era morador e jogador da Vila Ida. O time foi rebatizado com o nome Café do Ponto F. C., e passou a receber apoio da empresa para participar de campeonatos de várzea, através da disponibilização de transporte para o time, cotas de café para os jogadores e confecção de uniformes. “Realmente o futebol deu um grande incentivo ao Café do Ponto, nós devemos em grande parte à atividade do grupo desportivo Café do Ponto F. C., foi um período muito bom.” relata Alexandre em vídeo para o documentário da Vila Ida.

Com o crescimento dos bairros da

Cia City nos arredores da Vila Ida, os campos de futebol deixaram de existir. Alexandre fala sobre o fim do Café do Ponto na Vila Ida que ocorreu por pressão da prefeitura e dos moradores vizinhos, que reclamavam da fumaça produzida pela torra dos grãos de café. Mesmo após negociação e diminuição da produção a empresa encerrou a produção ali e se mudou da Vila Ida. O time de futebol Café Do Ponto F. C. terminou logo após a saída da empresa de café.

O morador da Vila Ida, Gerson Luiz Rosa de Jesus, nasceu na na vila em 1952, e relata a saudades que sente dos campos de futebol: “Eu sinto falta dos campos de futebol que tínhamos.

Acima, escudo Cinco campos de futebol e hoje não tem nenhum, do Café do viraram todos praças, e nós ficamos de lado. Em um Ponto F. C.. bairro de somente duas ruas, nunca vi ter tantos jogaAbaixo, escudo do Leão do dores bons de bola em um só lugar.”

Morro F. C..

Gerson também relata a importância do time do Café Desenho a do Ponto para o pequeno bairro: “A Vila Ida antigamente partir de foto. era dividida em turmas. A turma do meio, a turma de Hugo Guedes cima e a turma de baixo, eu mesmo era da turma de baixo. Então só começou a ter uma união geral de todos a partir do Café do Ponto”.

Hoje na Vila Ida apenas um time resistiu ao tempo, o 100 Querer F. C.. Time formado por integrantes do Corinthians juvenil e do Café do Ponto F. C.. O time não possui campo oficial e treina em campos próximos à várzea do Rio Tietê.

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Aerofoto da região da Vila Ida e Vila Jataí, acima a rua Cerro Corá, e do outro lado do morro a Vila Argentina. É possível identificar as ruas da Cia. City já demarcadas e algumas casas já construídas no canto esquerdo inferior da foto. Fotografia de 1958 dispónível no Geoportal de memória Paulista.

Desenho de Serginho utilizando o uniforme do Juvenil Café do Ponto F. C. e o brasão do time juvenil. Desenho de Hugo Guedes à partir de foto.

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Serginho em frente à sua casa na região baixa da rua Alberto Seabra, Vila Ida. Foto: Hugo Guedes.

No dia 26 de setembro fui à região da Rua Alberto Seabra, região onde através de observação de mapas e vistas aéreas era a antiga Vila Ida, ocupação de caráter linear seguindo um par de vias se estendia da atual Cerro Corá até a Estrada das Boiadas, atual Diógenes Ribeiro de Lima.

Nas vias ainda podem ser encontradas diversas construções, na maioria antigas residências, que conservam o estilo construtivo, ocupação do terreno e relação com a rua de algumas décadas no passado.

Perto do cruzamento da Alberto Seabra com a rua Alvilândia encontrei um homem que jogava bola sozinho na calçada, usava uma camiseta da Escola de Samba Pérola Negra, da Vila Madalena, shorts e chinelo, brincava com a bola de forma despreocupada segurando um rádio, um celular e um molho de chaves. Logo que me aproximei ele me cumprimentou com um sorriso, e seguiu jogando. Parei a bicicleta pois queria fotografar as casas ali. Serginho me cumprimentou e perguntou se eu queria tirar uma foto dele, logo conversamos sobre ele e a vila, eu sentado na bicicleta e ele encostado no muro da casa que mora.

Serginho se apresentou e respondeu todas as perguntas que lhe fazia com muito entusiasmo e nostalgia. Relatou que Nasceu e morou naquela casa quase toda a vida. Morava com a mãe e irmãos. Mostra a casa térrea de duas águas, centralizada no terreno de aproximadamente dez metros por vinte e cinco de profundidade. Diz que antes não havia portão, e que primeiro veio um portão baixo que durou muito tempo, só depois sua irmã teria instalado o portão atual.

Foi jogador de futebol de várzea no time júnior do Café do Ponto, time que tinha patrocínio da empresa de café na época, bastante pioneira em patrocinar times de futebol em São Paulo.

Chegou a jogar no time de base do São Paulo F. C., mas deixou a carreira para cuidar da mãe que ficou doente antes de falecer. Diz ter crescido ali e que não pretende deixar a Vila Ida. 65

Desenrolar das vilas

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À partir das histórias e fotos é possível dizer que na década de 60 as vila já tornam-se consolidadas, tendo suas próprias características urbanas e socioculturais. A Vila Ida e Vila Beatriz são menores em área do que a Vila Madalena, mas possuem seus próprios times de futebol e vizinhança de longa data.

As diferenças entre as vilas também se tornam mais claras conforme a passagem do tempo. Na Vila Madalena que é constituída, na sua maioria, de terrenos de dez metros por cinquenta de profundidade, começam à aparecer no fim da década de 1950, quartos para locação. Era comum que os portugueses do bairro construíssem quartos nos fundos para locação, ou para filhos que quando mudavam de casa deixavam os quartos vagos. Depoimento de Pedro ilustra bem essa situação. Ele diz: “Meu pai tinha essa casa, na Girassol, e ele construíu outros quartos no fundo para alugar. Era assim que ocorria, muitas pessoas faziam isso, pois os terrenos eram muito compridos, e ainda tinha espaço para horta no fundo! Éramos cinco irmãos, e ainda tinha espaço pra alugar.”

Assim a Vila Madalena recebe pessoas que buscam emprego na região passam a morar nos quartos alugados. Ainda com caráter bastante simples e tendo uma movimentação nos bares de moradores e trabalhadores locais. O jornalista mineiro Mouzar Benedito narra na sua coluna no blog da editora Boitempo um pouco deste momento histórico da Vila Madalena. Ele escreve: “Quando cheguei a São Paulo para morar em fevereiro de 1963, depois de completar 16 anos de idade, vim direto pra uma pensão na rua Lisboa, em Pinheiros. Não tinha dinheiro, por isso não frequentava bares e restaurantes, mas mesmo que tivesse não havia muito o que frequentar. Aliás, eu ia a alguns poucos que existiam, quando conseguia um dinheirinho.”

A Vila Madalena é marcada pelos acontecimentos à partir de 1968. No dia 17 de dezembro de 1968, cinco dias depois de instaurado o AI-5 no período da ditadura militar no Brasil, ocorre a invasão dos edifícios do CRUSP. Apesar das barricadas que existiam no campus, dezessete tanques das tropas do II Exér-

cito e unidades da Polícia Militar de São Paulo iniciam uma busca investigativa nos prédios dos estudantes, cerca de 800 pessoas são levadas para investigação.

O CRUSP permaneceria fechado por mais dez anos consecutivos até a reocupação em 1977 por um pequeno grupo de estudantes através de ocupação e acampamentos. Durantes esses anos sem a moradia estudantil, os estudantes que ocuparam os prédios passaram a procurar moradia com preços baixos e próximos ao campus do Butantã, logo os quartos e casas da Vila Madalena passaram a ter uma demanda estudantil. Tais eventos são narrados por José Maria Filardo Bassalo em seu website, morador do CRUSP na ocasião da invasão.

O início da década de 1970 é marcada na Vila Madalena pela nova população jovem estudantil que ali se instalou. Foi à partir deste ponto que a Vila começa a ganhar características atribuídas à ela até hoje, de um lugar de discussões e debates, boêmio e vivo, com bares e restaurantes para diferentes públicos. O livro de Enio Squeff, chamado Vila Madalena: Crônica histórica e

Feira da Vila, 1973. Evento da Vila Madalena que reúne os maradores que produzem arte e artesanatos.

Acervo do Jornal Estadão.

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Casas da Rua Harmonia. Na direita a casa de Rosa Landi, moradora do bairro que possui acervo fotográfico histórico da Vila Madalena registrado pelo seu pai, Antônio Landi.

Foto: Hugo Guedes

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Fotografia registrada à partir de avião sobre o território da Vila Madalena, feita por Antônio Landi no início da década de 1950. Nesta foto é possível ver a casa da família Landi na Rua Harmonia, na parte inferior central da foto, a residência ao lado direito de uma casa em construção, ainda sem telhado. Acervo pessoal de Rosa Landi.

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sentimental narra alguns acontecimentos e momentos resultantes da chegada dos novos moradores.

Enio descreve um fatores que foi muito importante para esse casamento bastante harmonioso entre os moradores mais tradicionais da Vila Madalena e os recém chegados universitários.

Seriam os relatos sobre os jovens “não darem chápeu” nas contas, como era dito pelos moradores. Tanto as contas nos bares quanto os contratos de aluguel eram na sua grande maioria verbais, de comum acordo entre as duas partes. O dono bar tinha como garantia apenas a palavra de quem colocava o que consumia na caderneta, assim como quem alugava quartos ou imóveis, apenas acreditava no que foi acordado verbalmente. Enio relembra que os estudantes eram elogiados pelos tradicionais moradores por pagarem em dia as contas. Levando em conta que o bairro foi apelidado de “risca-faca” durante algum tempo, nome que aparece tanto no livro de Décio Justo, quanto no livro de Enio Squeff.

Um fator que não fica explícito mas pode ser inferido à partir dos livros de Décio e Enio, seria a identificação entre os estudantes e habitantes da vila. Eram estudantes de história, geografia, artes plásticas, arquitetura, filosofia e outras mais áreas que discutiam tanto matérias do curso quanto assuntos políticos.

Em um período histórico que tal discussão era bastante perigosa.

Os habitantes da Vila Madalena eram trabalhadores que atuaram na construção do Cemitério São Paulo, desde pedreiros e serralheiros, até escultores, pintores e artesãos. Eram as pessoas que trabalhavam nos túmulos e ornamentação do mesmo, assim um estudante de arquitetura da USP encontraria uma conversa sobre métodos construtivos sem muita dificuldade.

Além de possuírem familiaridades nas áreas artísticas, eram também alinhados politicamente. Os estudantes da USP classificados na época como comunistas eram alvos das autoridades, os moradores tradicionais eram em grande parte trabalhadores simples, de um bairro considerado perigoso

A partir de fotografia feita por Eduardo José Afonso, representação do Bar 2 Antônios que existia na Rua Purpurina, entre as ruas Fradique Coutinho e Fidalga. O local hoje abriga um edifício residencial.

Desenho de Hugo Guedes.

Na página seguinte, fotografia de Pedro e Mara na casa que era da família de Mara na Rua Harmonia, Vila Madalena.

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por quem não conhecia a Vila, também não caiam bem aos olhos de policiais. O viés político era alinhado entre os dois lados.

A década de 1970 foi marcada pela mudança de zoneamento da Vila Ida, que à partir do Plano Diretor aprovado em 1972 passou a ser zona estritamente residencial. O único estabelecimento que não foi afetado pela mudança foi a Padaria Milagrosa, que fica em zoneamento de corredor da região, justamente a esquina da rua Alberto seabra com a rua Japiaçóia, bem em frente com a praça Elvira de Jesus Jarra. Os bares e estabelecimentos da região fecharam conforme a pressão da vizinhança que crescia em número, sem vínculo afetivo com a Vila Ida e sua história.

Gerson, morador da Vila Ida, fala de como a Padaria Milagrosa é importante para o bairro. No seu relato gravado para o documentário da Vila Ida ele fala como a esquina onde fica a padaria tornou-se o último local de encontro para os moradores locais. Pessoas que se mudaram da Vila Ida retornam para a Padaria Milagrosa em datas especiais para rever os amigos, e o time de futebol 100 Querer ainda se encontra nos fins de semana para socializar após os jogos de futebol.

À partir dessas informações é possível afirmar que os anos de 1970 foram pivotais na história das vilas Madalena e Ida. Sendo na Vila Madalena a chegada de uma nova população que traz consequências positivas para o bairro, enquanto na Vila Ida a mudança do zoneamento de 1972 traz consequências negativas, pois diminui drasticamente os espaços de encontro e interação dos seus moradores.

A Vila Beatriz passa por um período de verticalização de parte do seu território. As quadras entre a Rua Isabel de Castela e Rua das Tabocas passam a ter edifícios residenciais no fim da década de 1970. Hoje a área entre as duas ruas possui mais de quinze edifícios. João, morador da Vila Beatriz e frequentador do Bar do Seu Rogério relatou que o primeiro prédio residencial da Vila Beatriz foi construído em frente ao bar, na Rua Beatriz, mas é o único da rua até hoje. E que nos anos seguintes as ruas paralelas, Tabocas

e Isabel de Castela, foram subindo os edifícios.

A verticalização da Vila Madalena ocorre no mesmo período, semelhante à Vila Beatriz, sendo as décadas dos anos 1980 em diante, marcadas pelas mudanças na paisagem do bairro. Mudanças que motivaram o morador da Vila Madalena e professor de história, Eduardo José Afonso, à iniciar o registro fotográfico de diversos locais e paisagens da vila. Em conversa Eduardo conta que durante sua primeira graduação decidiu iniciar o trabalho fotográfico como atividade acadêmica, trabalho que continua até hoje. O acervo de Eduardo conta hoje com mais de três mil fotografias que evidenciam as mudanças que o território da Vila Madalena sofre desde que os registros começaram. Além das fotos feitas pelo professor, existem fotos doadas por moradores e até mesmo fotos que seriam descartadas em imóveis que seriam demolidos.

A Vila Ida não teve um período de verticalização intensa como as outras vilas, o que pode ser devido ao seu território pequeno e limite junto aos lotes da Cia. City, que possuía códigos de edificação bastante restritos.

Hoje, no território da Vila Ida existem quatro edifícios residenciais, sendo dois deles no limite do território do bairro.

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ConclusĂŁo

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A Vila Madalena passa a receber novos moradores e frequentadores dos seus espaços, o que favorece uma efervescência cultural no bairro. Vila Beatriz passa por uma mudança de tipologia através da chegada de edifícios residenciais verticais e valorização do território, assim como a Vila Madalena. A Vila Ida perde a presença de estabelecimentos comerciais e seus espaços deixam de ser local de encontro dos habitantes. No território das três vilas ocorre a migração de pessoas mais pobres devido à valorização do território e aumento dos aluguéis, caracterizando a ocorrência de gentrificação.

O rápido crescimento da cidade de São Paulo se reflete nas vilas estudadas. Em um período de meio século, a características sociais e paisagísticas locais de cada vila se alteraram drasticamente. A comparação através de registros fotográficos atuais, com os de algumas décadas atrás, mostra uma transformação quase completa dos locais. Quase, pois lugares ainda existem como eram, sofrendo poucas alterações até hoje, e as pessoas que viveram esse passado ainda estão presentes nas vilas para transmitir a memória do local.

Torcida formada por moradores da Vila Ida presente em jogo de futebol. Foto do acervo pessoal de Lioji Hiraichi.

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Quem chega em uma das vilas hoje, sem conhecimento prévio, não vê vestígios de um passado rico, e não muito distante.

Na Vila Ida não há como saber sobre a tradição do futebol nos campos de várzea, ou dos bares e armazéns que preenchiam as suas duas únicas ruas. Na Vila Madalena, o bairro associado à boemia e boutiques não dá indícios das ruas de terra, dos trilhos do bonde ou dos albergues.

Muito da memória das vilas ainda permanece guardada pelos que a vivenciaram, e depende diretamente de iniciativas de

Fachada de imóvel à venda na Rua Aspicuelta, Vila Madalena. Foto retirada do Google Maps.

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pessoas para o registro em texto, foto ou vídeo. A Vila Madalena já foi tema de livros e registros fotográficos, iniciativas importantes tomadas por pessoas como Eduardo Afonso, Décio Justo e Enio Squeff. A Vila Ida, por exemplo, não possui registros de memória em livros. Muito recentemente o registro do diretor Riba de Castro, Vila Ida e Volta mostra em formato de documentário a riqueza das memórias passadas por meio de relato pelos moradores locais.

No entanto a passagem do tempo cada vez mais transforma e apaga os vestígios desse passado. Preservar essa memória

significa enriquecer o futuro desses locais, sempre lembrando suas origens e transformações. Seja mantendo viva a memória cultural dos espaços de convivência, o futebol que se desenvolveu nesses espaços, ou os rios e córregos que hoje passam escondidos sob as ruas.

Como disse Eduardo para entrevista à televisão: “Aquele espaço tem uma história, as pessoas que vão para lá precisam compartilhar dessa história, porque ali há um espaço de congraçamento daquilo que foi para o que está sendo construído”. As mudanças

e transformações dos bairros são naturais, por isso, a importância da consciência da história e memória torna-se tão importante.

Para assim, transformar e preservar as características próprias desses locais, com intuito de melhorar a qualidade desses espaços sem perder sua essência e memória.

Mesmo local da foto anterior após a demolição do imóvel. Rua Aspicuelta, Vila Madalena.

Foto: Hugo Guedes

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ReferĂŞncias

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Relato moradora da vila beatriz http://almeidaodette2.blogspot.com/2012/09/como-surgiu-vila-madalena_7. html

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