Revista HSM Management 109 degustacao

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sustentabilidade | entrevista

E os valores dos Brasileiros? Um dos maiores incômodos de quem analisa os valores do Brasil pela lente da filosofia, de acordo com Clóvis de Barros Filho, é a visão de que o brasileiro quer tirar proveito de tudo e é, por natureza, preguiçoso e corrupto. “Essa visão é preconceituosa e, eu diria, até racista.” Segundo o professor, algumas viagens internacionais já mostram que a preguiça, por exemplo, é global. “Já trabalhei na França, na Espanha e na Alemanha, e posso garantir que os profissionais lá se esforçam menos que os brasileiros em seu trabalho, mesmo tendo benefícios iguais ou maiores”, afirma. “Vale para empresas. Acompanho a expansão do aeroporto de Berlim e posso dizer: teve início há 15 anos, já custou vários milhões de euros e as obras ainda estão no começo.” Sobre a malandragem, ele é ainda mais enfático. “Quantos de nós já não fomos levados na conversa na Itália, um dos berços da Europa?” Ele também faz comparações sobre a corrupção. “Sabe-se que empresas europeias têm índices de corrupção superiores aos das nossas.” Para Barros Filho, o exercício da ética é atrapalhado por essa autoimagem distorcida, pois, quando se atribuem as coisas erradas à cultura, foge-se das responsabilidades.

NAS EMPRESAS

Seja no caso do Hebdo, seja no dia a dia das empresas, o dilema dos valores é o mesmo. Gestores e profissionais deveriam perguntar-se diariamente: será que isso tem mesmo de ser do jeito que é? É preciso fazer questionamentos em cada decisão que inclui questões éticas complexas, segundo Barros Filho, ainda que seja para chegar à conclusão de que nada deve mudar. O modo como as empresas costumam lidar com seus valores tem similaridade com o dos terroristas de Paris. Elas fazem uma lavagem cerebral relativa aos valores, espalhando-os em banners e outras formas de comunicação, mas raramente refletem criticamente sobre eles.

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“Os valores viram um mero jargão, uma frase que entra na moda e todo mundo usa, enquanto não chega a próxima moda”, explica o professor. Barros Filho apresenta provas concretas da falta de reflexão corporativa. “‘Transparência’ faz parte da lista de valores de muitas empresas, mas como é possível haver transparência se a maioria dos contratos estabelecidos inclui cláusulas de confidencialidade? Isso significa que transparência não é um valor real, nem é viável”, explica. Para o filósofo, a verdade é que as empresas sobrevivem sem transparência, mas não

Martelando

as empresas Transparência, inovação e confiança são incluídos por muitas empresas em suas listas de valores, mas não seriam, se houvesse reflexão. É similar ao que aconteceu com os terroristas que atacaram o Charlie Hebdo

No livro O Executivo e o Martelo, publicado pela HSM Editora, Clóvis de Barros Filho, em parceria com Arthur Meucci, se inspira na ideia do filósofo alemão Nietzsche de golpear com um martelo as verdades cristalizadas e as fórmulas mágicas de sucesso. A seguir, confira algumas provocações que o professor dirige a empresas e gestores: LIBERDADE E PRIVACIDADE “Em nossas organizações, falta um padrão de políticas que promovam liberdade e privacidade –o sistema bancário, por exemplo, não permite a manifestação de nenhum dos dois comportamentos a seus funcionários. E as empresas aqui ainda não acham tão importante colocar essas questões em debate, o que é preocupante.” TECNOLOGIA “É normal haver dilemas éticos quanto à tecnologia. Esses dilemas são inerentes a evoluções tecnológicas como a que vivemos com a tecnologia da informação, a biogenética etc. O que falta, talvez, é os empresários brasileiros se aliarem às universidades para


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