Revista Degustação - edição 105

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os 5 erros (de verdade) dOs CONSELHOs DE ADMINISTRAÇãO a revista do novo líder

SABE O QUE AS EQUIPES INTELIGENTES TÊM? “Mais mulheres”, responde Malone, do MIT

management

ISSN 1415-8868

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R$ 54,00 nº 105 jul./ago. 2014

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ns u g l ea u os r q iaIS GERAM r t o p u os resar ue o m i br ” emp do q o c s des rque AÇÃO “pa INOV is ma


NESTA EDIÇÃo

Julho-agosto 2014

Nosso código de cores HSM Management organiza seu conteúdo pelos temas de gestão que mais interessam aos líderes de hoje e de amanhã. Cada matéria tem um tema principal e, de modo multidisciplinar, aborda outros. Identifique os temas também pelas cores:

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estratégia e execução liderança e pessoas empreendedorismo educação executiva sustentabilidade inovação marketing e vendas

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Os makers debatem a última fronteira do “faça você mesmo” O empreen­dedor de oficina pode gerar ruptura no longo prazo.

58 Celulose: em busca

da próxima inovação Entenda como um setor se torna um dos mais inovadores de um país (o Brasil) e outros não.

64 A outra face do

poderoso Vale A cultura do Vale do Silício californiano resiste à burocratização e quer florescer mais 50 anos.

A nova face da

68 nação startup

Israel vai além da internet e da TI; o ataque planejado agora é aos equipamentos médicos.

96 5 erros dos conselhos

Em meio a controvérsias, os boards das empresas brasileiras têm a chance de rever problemas e profissionalizar-se.

76 Os 3 segredos

improváveis das melhores equipes Um deles é ter mais mulheres.Thomas Malone, do centro de inteligência coletiva do MIT, explica por quê.

82 O grande salto do YouTube Reveja a trajetória da plataforma, do compartilhamento de vídeos até a massificação.

Em busca do

106 negociador-

-empreendedor Identificar uma situação de negociação e iniciá-la é mais fácil para um gestor norte-americano ou um brasileiro? Confira a pesquisa.

90 A inevitável

adesão à nuvem Já há empresas brasileiras, como uma varejista, com 40% de suas aplicações fora de casa.

110 AACD se reposiciona

Acompanhe as mudanças radicais dessa organização sem fins lucrativos, que parte para a inovação.

direto ao ponto Contagem regressiva com Yukari Kane • 10 QI aproxima a inovação das pessoas • 12 A última analista honesta e a bandeira feminina • 14 A renascença industrial (nos Estados Unidos) • 16 O preço e a psicologia • 18 Que líderes inspiram nossos executivos? • 20 Monte seu programa de combate ao estresse • 22 Risco e casamento • Os benefícios da não conformidade • 23 O ranking da diversidade • De onde vêm os narcisos

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116 Que ideias vão mudar o

mundo? Google X responde Saiba em que os gênios do discreto laboratório B do Google estão investindo seu tempo.

A febre mundial dos clusters de inovação

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qual é o mapa da mina brasileiro?

124 O novo testamento

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o recife antigo e os empreendedores do mangue

do marketing Jeffrey “Yoram” Wind, de Wharton, aponta o esgotamento dos dez pilares do paradigma atual da área e os substitui por outros seis.

nik neves

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130 Operação “felicidade”

Reed Hastings, do Netflix, é um dos CEOs mundiais que apostam na alegria e na liberdade dos colaboradores.

book

capa: nik neves

138 Leia na íntegra trecho do novo livro de A.G. Lafley, CEO da P&G mundial, e Roger Martin, diretor da Rotman School, que explica o passo a passo da estratégia que realmente funciona –e dá um exemplo real. colunistas • 74 Silvio Meira • 94 Carmen Migueles • 114 Betania Tanure • 122 John Davis

Ermenegildo Zegna e as estratégias da empresa familiar Você é um “famillionaire”? No Fórum HSM Family Business, o CEO do grupo que fabrica alguns dos ternos masculinos mais bonitos do mundo mostrou que é, apontando a família como seu maior ativo.

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146

Mapa cultural

Descubra qual tipo de cultura prevalece em sua empresa.

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direto ao ponto

Que líderes

inspiram nossos executivos? Mais de 5 mil executivos brasileiros elegem os líderes e as características de liderança que mais admiram na edição 2014 do estudo Nextview People/DMRH e revelam certo desamparo

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esponda rápido: quais são as cinco principais características que não podem faltar a um líder empresarial no Brasil? Nossa pesquisa de 2014, realizada com 4.599 executivos, mostra que são: inspirar e motivar pessoas (64%); coerência entre fala e ação (54%); desenvolver outras pessoas (46%); alta integridade e honestidade (39%); e capacidade de colaborar e trabalhar em equipe (38%). Esse resultado confirma que o século 21 trouxe consigo uma mudança de paradigma no modelo de gestão dos negócios, embora muitos ainda duvidem disso: o foco deixa de ser em custo e passa a ser em pessoas, realmente –as externas (clientes e consumidores) e as internas (colaboradores). Tanto que, ao contrário do discurso dominante, gerar resultados só aparece em 6º lugar (36%) e estabelecer metas desafiadoras, em 12º (19%). Mas esse líder que inspira e desenvolve pessoas existe em nossas empresas? Uma boa notícia é que 90% dos respondentes da pesquisa acreditam

O artigo é de

Danilca Rodrigues Galdini,

diretora da Nextview People, escrito com exclusividade para HSM Management.

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que sim, por verem a si mesmos como líderes inspiradores. Autoavaliam-se como líderes com foco na gestão da equipe e que desenvolvem as pessoas com quem trabalham. No entanto, um dado negativo chama a atenção: 59% dos executivos não têm um líder que os inspire. Esse índice sofreu bastante oscilação em todos os três anos em que foi realizada a pesquisa, porém a queda recente na porcentagem de respondentes que têm um líder inspirador sugere descrença em relação aos líderes atuais. A conjunção desses dois dados –os entrevistados se consideram líderes inspiradores, mas não têm quem os inspirem– demonstra à primeira vista que os executivos brasileiros são mais rigorosos com os outros do que consigo mesmos. Mas, analisado, o fenômeno é mais compreensível: de um lado, esses executivos sabem os


Órfãos de Eike O sentimento de orfandade é comprovado nos rankings dos líderes mais admirados. Ei-

Líderes mundiais admirados pelos brasileiros 1

Steve Jobs

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Nelson Mandela

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Líder ou ex-líder direto

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Pai ou mãe

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Bill Gates

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Jorge Paulo Lemann

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Jack Welch

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Fernando Henrique Cardoso

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Papa Francisco

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Antônio Ermírio de Moraes

Líderes nacionais admirados pelos brasileiros 1

Líder ou ex-líder direto

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Pai ou mãe

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Jorge Paulo Lemann

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Fernando Henrique Cardoso

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Antônio Ermírio de Moraes

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Abilio Diniz

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Fábio Barbosa

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Roberto Justus

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Bernardinho

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Silvio Santos / Ayrton Senna

ke Batista, que havia marcado presença desde a primeira edição do estudo, em 2012, tanto no ranking dos líderes mundiais como no dos nacionais, desapareceu, o mesmo ocorrendo com Roger Agnelli. E Steve Jobs, já falecido, continua a ser o líder mais admirado mundialmente, posição que ocupa desde 2012. O principal atributo que o torna inspirador é seu foco em inovação, assim como em Eike eram valorizados a ousadia e o empreendedorismo. Mais pessoas falecidas entraram nos rankings, como o líder sul-africano Nelson Mandela (em 3º lugar no ranking mundial) e o piloto Ayrton Senna (em 10º na lista nacional), sem mencionar aposentados. Também vale destacar que, no ranking dos dez líderes mundiais mais admirados pelos executivos, três vêm de fora do mundo empresarial, número que sobe para quatro no caso do levantamento nacional. É interessante observar ainda que pessoas próximas que fazem diferença no dia a dia, como pais e chefes diretos, ganharam importância em ambos os rankings. Os entrevistados justificaram sua admiração pelos líderes de ambos os rankings por sete atributos principais: foco em pessoas, capacidade de dar o exemplo, conduta ética, bom estilo de gestão, inovação, poder de fazer a diferença e foco em resultados.

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esforços que fazem para tornar-se líderes transformadores; de outro, sentem-se sozinhos na empreitada.


estratégia e execução | reportagem empreendedorismo

O grande salto do

Youtube A plataforma de compartilhamento de vídeos controlada pelo Google vai, assim como o Netflix, competir diretamente com a televisão, invadindo a telona com o decodificador Chromecast, do Google; Shiva Rajaraman, diretor de gestão de projetos do YouTube, detalha o caminho à massificação

A reportagem é da equipe da Knowledge@Wharton.

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Com um traje pressurizado que mais parecia a roupa de um astronauta do que a de um paraquedista, o aventureiro austríaco Felix Baumgartner pulou de uma plataforma situada a mais de 39 mil metros de altura, em Roswell, no estado norte-americano do Novo México. Só a subida até a base do salto, a bordo de uma cápsula espacial levada à estratosfera por um balão aerostático, durou duas horas e meia. Após alguns anos de preparação, havia chegado a hora da verdade: pular (e sobreviver) depois de se arriscar na que foi a maior queda e a maior distância já desafiadas por um ser humano até então. “Sei que o mundo inteiro está olhando para mim”, declarou Baumgartner alguns segundos antes de se lançar pelos ares. E estava mesmo: no dia 14 de outubro de 2012, data da etapa mais perigosa do projeto (chamado de Red Bull Stratos por causa do patrocinador, a marca de bebida energética de mesmo nome), a transmissão pelo YouTube registrou mais de 8 milhões de visualizações simultâneas –o número equivalia a


Lembrete HSM: O YouTube será um dos temas da ExpoManagement 2014. Seu fundador, Chad Hurley, será um dos palestrantes.

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estratégia e execução | reportagem

Vídeo do DJ sul-coreano Psy, um dos hits do YouTube, cujo clipe Gangnam Style já superou 2 bilhões de visualizações

A trajetória do YouTube, repassada por Rajaraman em sua palestra, é fundamental para explicar o salto que a empresa tenta dar agora, especialmente três sistemas que quebraram resistências de criadores de conteúdo, viabilizaram o modelo de receita e aumentaram o alcance potencial.

o Sucesso foi construído O volume da audiência atingido pelo YouTube naquele dia, um recorde, representou um marco importante na trajetória da empresa. “Ali entendemos que, se conseguíssemos fazer coisas fenomenais, estaríamos em condições de chegar até a massa”, explicou Shiva Rajaraman, diretor de gestão de projetos do site de compartilhamento de vídeos, durante uma palestra proferida como parte do evento BizTech@Wharton. O fenômeno Gangnam Style, do astro pop sul-coreano Psy, confirmou essa sensação [recentemente ultrapassou os 2 bilhões de visualizações], passando de uma curiosidade divertida a um sucesso mundial em pouco tempo. Porém o interessante da trajetória do YouTube é como sua atuação foi revolucionada desde que surgiu, principalmente como um “depósito” de vídeos virais sobre animais de estimação. Tornou-se a ferramenta favorita dos espectadores de vídeos de duração mais longa por meio de dispositivos de todos os tipos –computadores de mesa, tablets, celulares e televisores de alta definição (HD).

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feedback de anúncio Quando decide assistir a um anúncio até o fim, o usuário do YouTube está confirmando ao anunciante que ele é um alvo potencial; esse feedback é valioso para as empresas

Content ID. Pelo sistema de identificação de conteúdos, o YouTube passou a conseguir rastrear os conteúdos protegidos por direitos autorais, com o objetivo de permitir que os proprietários possam bloquear ou cobrar pelo acesso a eles. Anúncios TrueView. Esse sistema de anúncios de vídeo possibilita aos usuários escolher a quais anúncios desejam assistir depois de visualizar seus cinco segundos iniciais (e os anunciantes pagam apenas quando o espectador assiste a pelo menos 30 segundos da mensagem pu-

divulgação

8% de todo o movimento mundial da internet naquele momento. Agora, nos bastidores dos negócios, é o salto que o YouTube está dando, ao invadir acintosamente o território da televisão de massa, que chama mais a atenção.


estratégia e execução | reportagem

O Chromecast, decodificador multimídia à venda no Brasil por R$ 199, liga um televisor diretamente ao YouTube e outros serviços do Google e, com app correspondente, o vídeo do YouTube que rodava no celular passa a ser automaticamente reproduzido no televisor

blicitária), além de permitir que as pessoas escolham entre diferentes anúncios e decidam se querem ver o spot antes de um vídeo ou em momentos intercalados. “Não foi uma grande façanha tecnológica, mas sem dúvida foi algo poderoso, para nós e para o mercado”, explicou Rajaraman. “No modelo publicitário tradicional, o objetivo é dizer: ‘As pessoas podem gostar ou não do meu anúncio, mas vou encontrar uma forma de reproduzi-lo centenas de vezes’. Não existe feedback de qualidade sobre esse sistema.” O YouTube ofereceu esse feedback quase imediato ao permitir que os espectadores possam optar por assistir ou não ao comercial inteiro. Afinal, quem decide conferir a publicidade revela envolvimento com o conteúdo apresentado. Tradutor automático e legendagem por crowdsourcing. Grande parte da audiência de um criador de conteúdos do YouTube se origina de países diferentes do lugar em que ele vive, ou seja, os vídeos são internacionais. (Por exemplo, cerca de 80% das visualizações do YouTube acontecem fora dos Estados Unidos, apesar de boa parte dos conteúdos ainda ser de lá.) A disponibilização de um tradutor automático, do Google, ainda que dotado de uma precisão questionável, facilitou esse fenômeno. Mas o YouTube também vem testando a metodolo-

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gia de crowdsourcing para a legendagem dos vídeos. “Não há como um computador dar conta disso, mas sabemos que algumas pessoas acham fácil colaborar fazendo a tradução”, contou Rajaraman. telinha e TELONA

Desde que a empresa atingiu a notoriedade, a pergunta que está no ar é se o YouTube pretende migrar para os televisores. A suposição era de que sim, mas agora a resposta “sim” é oficial. Rajaraman justificou que, como uma grande porcentagem dos vídeos esco-

lhidos pelos usuários tem longa duração, isso leva naturalmente à necessidade de chegar à sala de estar dos usuários. Uma das medidas para isso foi a criação de diversos acordos com os consoles de games –Xbox, PlayStation, Nintendo– e todos os fabricantes de smart TVs, os aparelhos de televisão com conexão à internet. Mas os gestores do YouTube tinham consciência de que ainda é pequeno o número de proprietários de televisores inteligentes. Por outro lado, eles não eram indiferentes ao fato de que quase todas as pessoas carregam um celular no bolso. “Essa realidade nos colocou diante da pergunta: o que aconteceria se transportássemos a experiência dos telefones celulares para a televisão?”, falou Rajaraman. Então, o executivo e seus colegas perceberam, há um ano, que mais de 50% de todo o movimento do YouTube da Coreia do Sul se originava de telefones celulares. E a ideia começou a ganhar altitude. Por meio da empresa-mãe, o Google, o YouTube deu à luz o Chromecast. Trata-se de um pequeno decodificador multi-


estratégia e execução | reportagem

YouTube faz milionários

no brasil

não ser conservador Quando o balão do projeto Red Bull Stratos partiu, o YouTube contabilizou um total de 500 mil usuários de olho na transmissão ao vivo. Assim que a cápsula ultrapassou os 10.500 metros de altura, o número de espectadores online já era superior a 2,2 milhões. No momento em que Baumgartner superou os 30.500 metros, a audiência conectada

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ultrapassou os 5 milhões e, assim que o aventureiro chegou à plataforma de salto, a 39.045 metros de altura, mais de 8 milhões de usuários estavam conectados ao YouTube. “Temos de começar a pensar no funcionamento da internet, para garantir que ela conseguirá suportar esse padrão de tráfego”, disse Rajaraman, externando o que hoje é uma das maiores preocupações do YouTube. Segundo ele, o desafio da massificação à frente é fantástico de todos os ângulos

que se olhe, e também assustador, “como a maioria das coisas grandiosas que estão por vir”. Indagado sobre o que caracteriza essa capacidade de inovar do YouTube, ele falou do hábito de se opor a qualquer expressão de impossibilidade. E completou: “É preciso sempre mirar em algo realmente grande. O segredo está em não ser conservador”. hsm management © Knowledge@Wharton Reproduzido com autorização. Todos os direitos reservados.

divulgação

mídia que, assim que conectado à porta HDMI de um televisor de alta definição (e a uma porta USB como fonte de energia externa), liga o aparelho diretamente aos serviços do Google, entre eles o YouTube. Mais interessante ainda, um app do Chromecast transforma um telefone celular (com sistema operacional Android ou iOS) em um controle remoto intuitivo: quando o usuário aperta o botão Chromecast enquanto assiste a um vídeo, a televisão com Chromecast liga automaticamente e dá prosseguimento à reprodução. (O botão Chromecast é integrado no aplicativo de YouTube desses telefones.) Com um preço acessível de US$ 35 nos Estados Unidos [R$ 199 no Brasil, anunciado no início de junho], o Chromecast proporciona uma forma extremamente simples de assistir aos vídeos do YouTube nos televisores com tecnologia HD. O dispositivo também permite reproduzir os conteúdos disponibilizados por serviços como Netflix, Pandora e HBO Go. Em 2013, a revista Time apontou o Chromecast como o aparelho do ano, alertando que seu preço estimula a compra por impulso.

Enquanto o YouTube se massifica, empreendedores vão construindo negócios com a plataforma. O Brasil é um ótimo exemplo disso. No início de 2013, o site YouPix anunciou os dez primeiros brasileiros que fizeram fortuna no YouTube. A lista de milionários era encabeçada pelo comediante e empresário Felipe Neto, cujo canal no YouTube tem uma média de 3,5 milhões de visualizações por vídeo, algo equivalente a 15 pontos no Ibope, o que poucas emissoras da TV aberta brasileira conseguem. Como 1 ponto de audiência no Ibope significa algo em torno de 60 mil domicílios ligados em um programa na Grande São Paulo, um vídeo de Felipe Neto atingiria uma audiência equivalente à de um capítulo médio da novela vespertina Malhação, da TV Globo, se o Chromecast já estivesse diesseminado. Outros canais de humor, como Parafernalha, Galo Frito e Porta dos Fundos, estão entre os líderes do ranking de milionários, mas há também os “gamers” e o fenômeno infantil Galinha Pintadinha, que atingiu 1 bilhão de visualizações no início de 2014, audiência restrita a menos de 50 canais no mundo inteiro. Segundo estudo de caso do Insper, a galinha nascida no YouTube construiu um negócio sólido, com shows, licenciamento em fraldas e internacionalização de animações em inglês e espanhol –estima-se que fature mais de R$ 20 milhões ao ano. E sua empresa? Não vai aproveitar o novo YouTube massificado?


estratégia e execução | reportagem

A inevitável adesão à nuvem Resiliência, ganho em escalabilidade, processamento de dados em massa (big data), redução de custo e adoção do home office são algumas das vantagens apontadas pelas empresas na adoção da computação em nuvem

A reportagem é de Sílvio Anaz, colaborador de HSM Management. 90

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istockphoto

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O iPlayer, da BBC, é o mais popular serviço de vídeo on-demand no Reino Unido: em um ano, forneceu 600 milhões de horas de filmes, séries e programas de TV. A procura por seu acervo cresceu muito depois que os usuários passaram a acessá-lo também em tablets e smartphones. Como o iPlayer atendeu ao estouro de demanda? A BBC utilizou a tecnologia da “cloud computing”, ou computação em nuvem, como um serviço terceirizado em que se paga apenas o que se usa. Além da resiliência, a nuvem lhe deu capacidade de previsão, já que a rede britânica soube antecipadamente quanto lhe custaria oferecer os gigantescos volumes de conteúdo aos usuários, e isso facilitou o planejamento e a execução da estratégia do iPlayer. Se operasse com servidores tradicionais dentro de casa, ela não registraria tanto êxito. Assim como a BBC, cada vez mais empresas estão vendo a computação em nuvem como a melhor maneira de repor ou ampliar suas capacidades em tecnologia da informação (TI) sem grandes investimentos em infraestrutura e equipes operacionais, tanto que 76% das organizações têm alguma estratégia voltada para o setor, segundo pesquisa mundial realizada pela Capgemini, provedora global de serviços de consultoria, tecnologia e terceirização. As razões? Redução de custo de 25% a 30%, mais rapidez em pôr produtos no mercado, eficiência operacional e liberação de espaço nos servidores (data centers) internos. A nuvem vem ganhando mais adeptos corporativos também por conta de fenômenos como o big data –como processar conjuntos extremamente volumosos de dados apenas em casa?–, a crescente mobilidade dos profissionais e a prática do home office, que exigem da pessoa que carregue o escritório consigo para onde quer que vá. Isso explica por que a decisão sobre esse assunto está mudando de mãos dentro das empresas: em vez de exclusiva do departamento de TI, agora passa a ser estratégica, a cargo das unidades de negócios –conforme a pesquisa da Capgemini, estas já decidem em 45% dos casos. No entanto, apenas 56% das organizações pesquisadas afirmaram confiar em colocar seus da-

redução de custo Cerca de 76% das empresas têm alguma estratégia voltada para a computação em nuvem, conseguindo obter algo entre 25% e 30% de redução de custo

dos em nuvem, com temores quanto a segurança, confidencialidade e propriedade intelectual, acentuados pelas recentes denúncias de espionagem na internet. TENDÊNCIAS no brasil Como as empresas brasileiras estão se comportando em relação ao uso da nuvem? Uma das primeiras a abraçá-la, uma das maiores redes de lojas de departamentos de vestuário no Brasil foi estudada anonimamente na tese de mestrado de Cyro Sobragi, defendida em 2012 na escola de administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), permitindo uma visão do que vem acontecendo. A empresa adotou o modelo híbrido: 40% de sua infraestrutura e serviços em TI foram para a nuvem pública e 60% continuaram internos, na chamada nuvem privada. Na nuvem pública, ficaram o serviço de automação da força de trabalho, o de e-mail e o sistema de gestão de projetos, e, na privada, as aplicações que exigem customização, como o ERP (Enterprise Resource Planning). A reportagem de HSM Management procurou várias companhias que têm estratégias de nuvem, mas nenhuma quis detalhar o que vem fazendo. Segundo Paulo Marcelo, presidente da Capgemini Brasil, até grandes bancos e órgãos do setor público, naturalmente mais conservadores, já estão na nuvem pública hoje. Experiências de consultoria e um estudo realizado pela IDC Brasil, empresa especializada em tendências de tecnologia, traduzem os principais movimentos:

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estratégia e execução | reportagem

Da esquerda para a direita, Paulo Marcelo, presidente da Capgemini Brasil, e Denis Arcieri, country manager da IDC Brasil

mercado mundial de computação em nuvem deve crescer 25% e atingir US$ 100 bilhões, segundo projeção da IDC. No Brasil, um pouco atrasado, o crescimento previsto é bem maior: 65%. Em 2013, o mercado de nuvem pública no País girou em torno de US$ 342 milhões. Em 2014, passará a US$ 569 milhões e, em 2017, chegará a US$ 2,6 bilhões.

» 60% querem adotar. A última radiografia da nuvem no País feita pela IDC Brasil, no segundo semestre de 2013, aponta um rápido amadurecimento do mercado em relação à computação em nuvem. Se em janeiro de 2010 apenas 3,5% dos CIOs entrevistados manifestaram a intenção de investir em computação em nuvem, no segundo semestre de 2013 quase 60% afirmaram ter essa intenção em 2014. Isso é menos do que os 76% da amostra mundial da pesquisa da Capgemini, mas a evolução é significativa. “A tendência é que neste ano a maioria das empresas faça algum investimento em nuvem pública ou privada, seja em infraestrutura, softwares ou plataformas”, afirma Denis Arcieri, country manager da IDC Brasil. “A perspectiva é que mais de 20% dos servidores comercializados em 2014 irão para data centers públicos, e muitos deles vão estruturar os provedores de cloud computing para fornecer o serviço.”

» Pequenas e médias puxam. Grande parte do crescimento tem vindo de pequenas

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nuvens privadas Atrativos típicos da nuvem, como virtualização, segurança, recuperação de falhas, alta disponibilidade das aplicações e capacidade de processamento, também têm sido implantados em data centers próprios

e médias empresas, segundo Arcieri. A projeção revela uma consolidação do uso da computação em nuvem pelas organizações. Mas, como frisa Paulo Marcelo, até setores refratários quanto a essa terceirização, por causa de regulações e restrições mais severas do que as da média do mercado, já possuem atividades em nuvem pública hoje.

» O uso mais comum. A pesquisa da Capgemini mostra que 83% dos entrevistados usam a nuvem para desenvolvimento e gestão de no-

vas aplicações. As unidades de negócios veem a nuvem como plataforma ideal para que novas aplicações cheguem ao mercado o mais rápido possível, e ela de fato tem se tornado a plataforma-padrão para hospedar aplicações novas. » Aplicações estão mais sofisticadas. Antes eram colocadas na nuvem aplicações mais básicas, como o e-mail, e agora já se detecta a intenção de migrar soluções como o CRM [Customer Relationship Management] e o ERP. “Isso está claramente alinhado à pressão que os CIOs sofrem para reduzir o prazo do ciclo de implementação de uma solução nas empresas”, diz Arcieri.

» Analytics começa a engatinhar. Segundo a Capgemini Brasil, grande parte das empresas brasileiras realmente não possui uma estratégia clara de analytics, porque elas centram esforços nos sistemas transacionais que sustentam suas operações. No entanto,

divulgação

» Crescimento em números. Em 2014, o


segundo Paulo Marcelo, alguns clientes já estão usando a nuvem por sua grande capacidade de processamento. “Como o refinamento das informações e o vínculo com os dados internos do negócio ainda acontecem em soluções in-house, fica irrelevante a preocupação com a segurança das informações na nuvem.” Ele afirma que as empresas que estão utilizando ferramentas de analytics como orientadores de seu negócio geralmente mostram-se muito satisfeitas com os resultados alcançados.

Modelo de gestão em

xeque

Como a mobilidade dos profissionais requer o acesso às informações da companhia a partir de qualquer lugar, isso instiga que o modelo de gestão de pessoas relacionado com o tempo de trabalho dentro do escritório seja substituído por outro modelo, mais orientado a resultados e produtividade. “Esse é o maior desafio de gestão para o qual as empresas precisam se preparar agora, e a nuvem é um elemento fundamental dele”, analisa Paulo Marcelo, presidente da Capgemini Brasil. As áreas de back office, como as de recursos humanos, jurídica e financeira, estão puxando o cordão, porque se beneficiam diretamente da maior adoção do home office e da ampliação da capacidade de processamento das aplicações em períodos críticos, como fechamento de resultados trimestrais ou anuais, por exemplo. Obstáculos Denis Arcieri, da IDC Brasil, vê dois obstáculos cruciais atualmente no País em relação à migração para a nuvem. O primeiro é a segurança.“Diferentemente de outros países, no Brasil, o CIO quer saber onde está a nuvem; ele quer visitar o data center, e é importante para ele que a nuvem não esteja longe fisicamente da sede de sua organização.” O segundo ponto é a infraestrutura de rede no Brasil.“Em alguns casos, a infraestrutura de telecomunicações é um fator inibidor à adoção da computação em nuvem.” Quão maduro é o Brasil em TI? Considera-se que, quanto maior o investimento em softwares e serviços, maior é a maturidade de um mercado. Se, na média mundial, os investimentos são distribuídos meio a meio, no Brasil, ainda são 60% em hardware e 40% em software e serviços, segundo a IDC.

Fatiar aplicações, mantendo parte dentro de casa e parte fora, em um modelo híbrido, tem sido a opção preferida das empresas brasileiras

» Resistentes e defensores. As áreas menos favoráveis à migração para a nuvem são as de back office, e as mais favoráveis, as de TI e de negócios, que enxergam novas possibilidades de produtos e ofertas usando a flexibilidade e a velocidade de resultados que a nuvem proporciona. “Provavelmente, as áreas mais resistentes ainda não mediram os ganhos que a migração para a nuvem pode trazer para suas organizações”, diz Paulo Marcelo. » Nuvens especializadas. Ainda não há no Brasil as nuvens especializadas em segmentos de negócio, como a escocesa LawCloud, nuvem para escritórios de advocacia, ou a Capital Markets Community Platform, nuvem do mercado de capitais fruto de parceria entre a Bolsa de Valores de Nova York e a VMWare.

» Foco em segurança. Quanto ao sigilo de dados sensíveis dos clientes finais, Paulo Marcelo lembra que o modelo de negócio para empresas é diferente dos serviços disponibilizados ao público em geral, como Dropbox ou Google Drive.“Os modelos profissionais são fortemente baseados não só em acordos de nível de serviço, mas em um sofisticado roteiro de cópias de segurança, permitindo que eventuais dados perdidos sejam rapidamente recuperados.” » Excelência em casa. Se a empresa que adota o serviço em nuvem não mantém em seu quadro especialistas na área, deveria, na visão de Paulo Marcelo, para conectar negócios e tecnologia.

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inovação | reportagem empreendedorismo

Que ideias vão

mudar o mundo?

Google X responde Conheça o Google X, o laboratório B do Google, e entenda o que está movendo essa organização gigantesca daqui até o futuro

A reportagem é de Jon Gertner, colaborador da revista Fast Company. 116

| edição 105

balões com Wi-Fi e as lentes de contato que monitoram os níveis de açúcar no sangue pelas lágrimas. Em geral, o Google X procura pessoas que querem construir coisas e não se deixam desanimar facilmente. Dentro do laboratório, atualmente com mais de 250 colaboradores, há um grupo variado de profissionais: de escultores e filósofos a ex-guardas-florestais. Um dos cientistas já ganhou dois Oscars de efeitos especiais de Hollywood. “A definição clássica de especialista é a de alguém que sabe cada vez mais sobre um número menor de coisas, até que um dia acaba sabendo tudo sobre nada. Pessoas assim podem ser extremamente úteis quando o foco de atuação é bem restrito. Essas não são as pessoas para o Google X. O que queremos, de certa maneira, são aquelas que saibam cada vez menos sobre mais e mais coisas”, define Rich DeVaul, que comanda o Rapid Evaluation Team [equipe de avaliação rápida], conhecido internamente como Rapid Eval. Momento certo

Se há um grande plano por trás do Google X, ele parte da crença de que a combinação, algo conflituosa, de uma variedade de “inteligências” é a melhor aposta para criar produtos que podem resolver algumas das questões mais difíceis da atualidade. Ao mesmo tempo, o Google X é,

Fast Company/ Owen Gildersleeve

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Uma das primeiras coisas que chamam a atenção no Google X é o fato de não empregar tipos tradicionais do Vale do Silício. O Google já possui um grande laboratório, o Google Research, que é voltado para a computação e para as tecnologias da internet. O Google X é diferente. A distinção que normalmente se faz é a seguinte: enquanto o Google Research está focado nos bits, o Google X visa os átomos. Em outras palavras, a missão do Google X é criar objetos de verdade, que existem no mundo físico. Esse elemento está presente e confere coerência aos quatro principais projetos que até agora emergiram do laboratório: os carros sem motorista, o Google Glass, os


ele próprio, um experimento, um esforço para reconfigurar a forma como um laboratório de grande empresa deve funcionar. Faz isso assumindo riscos inacreditáveis e atuando em ampla gama de áreas da tecnologia, sem hesitar em se perder por caminhos que passam longe do negócio central da companhia-mãe, o Google. Ainda não se sabe se essa é uma estratégia genial ou idiota. Não há modelos históricos nem precedentes para o que essas pessoas estão fazendo. No entanto, faz algum sentido. A conjuntura em que o Google opera é inédita na história e talvez não se repita. A empresa é inimaginavelmente rica em talentos e está perto de alcançar

pré-

-revolução Às vésperas do que deve ser a quarta revolução industrial, movida pela aglutinação do poder das redes, da computação e da inteligência artificial, o Google quer ir além dos sistemas de busca

seu pico de influência, em um momento em que as redes e o poder da computação e da inteligência artificial estão se aglutinando para dar origem ao que muitos especialistas descrevem como quarta revolução industrial. [Vale lembrar que o Google adquiriu a inglesa DeepMind, de inteligência artificial, este ano.] Nesse contexto, o Google se esforça agora para ampliar seu negócio central para além dos sistemas de busca. Trata-se de

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Rich DeVaul, líder da equipe de avaliação rápida. “Se houver uma ideia completamente maluca e torta, provavelmente será de minha autoria”

gle escolheu investir no Google X em vez de em algo que fosse mais atraente para Wall Street, Teller diz: “Essa é uma falsa questão. Por que é preciso escolher?”. X da questão

A origem do Google X remonta a 2009, quando os cofundadores do Google, Sergey Brin e Larry Page, criaram o cargo de “diretor de outros”. Esse profissional deveria supervisionar o

divulgação

ocupar a brecha deixada no mercado, na visão de Astro Teller, diretor do laboratório, que prefere ser chamado de Captain of Moonshots. O conceito de “moonshot” remete à ideia de mirar a Lua ao imaginar possíveis inovações e descreve invenções audaciosas que têm pequena chance de sucesso, mas que podem revolucionar o mundo quando dão certo. [Para entender melhor o conceito, vale assistir ao vídeo Moonshot Thinking, disponível em: www.youtube.com/watch?v=0uaquGZKx_0.] Segundo Teller, as pequenas empresas sentem que não possuem os recursos necessários para investir em inovações com ambição equivalente à viagem à Lua. As grandes organizações consideram que isso criaria ruídos entre os acionistas. Os líderes governamentais acreditam que o setor público não tem dinheiro suficiente para esse tipo de investimento (ou que o Congresso ficaria escandalizado com um erro ou um fracasso típico de inovação). “Todo mundo acha que é responsabilidade do outro”, afirma Teller. Não importa que os moonshots do Google X não sejam puramente altruístas, como o Google gosta de fazer parecer. Embora os carros que dispensam a presença do motorista possam provavelmente salvar vidas, também vão liberar os passageiros para fazer pesquisas na internet e usar o Gmail. Os balões com Wi-Fi podem incluir bilhões entre os usuários do Google. Ainda assim, porém, é difícil não se encantar por essas e outras ideias em gestação no Google X. Ao ser perguntado por que o Goo-


Que ideias vão

mudar o mundo?

Google X responde

o cargo de “diretor de outros” evoluiu para o google x em um ano desenvolvimento de ideias distantes do negócio central do Google. O conceito evoluiu para o Google X em 2010, graças à iniciativa do engenheiro Sebastian Thrun, com o apoio de Brin e Page, para criar o carro sem motorista. A partir daí, o laboratório cresceu em torno desse projeto, com Thrun no comando das atividades. Foi ele que escolheu Teller como um de seus diretores, e, quando passou a se dedicar cada vez mais ao desenvolvimento da tecnologia para o carro (e mais tarde a sua startup de educação online, a Udacity), desistiu de coordenar outros projetos. Com isso, Teller assumiu a responsabilidade pelo dia a dia do Google X. Há diferentes explicações para o significado do X no no-

Seguindo a sabedoria tradicional, o Google comprou a empresa de energia eólica Makani para ser incorporada ao Google X

Detalhes das instalações do Google X

me desse laboratório. Inicialmente, era apenas uma alternativa enquanto não se chegava a um nome melhor. Hoje, é entendido como a busca por soluções que são dez vezes melhores que qualquer outra. Alguns dos profissionais que trabalham no Google enxergam o X como a representação de uma organização disposta a desenvolver tecnologias que daqui a dez anos vão produzir grande impacto. Isso tudo faz do Google X um caso único. Muito de vez em quando, os laboratórios das empresas investem parte de seu orçamento de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em projetos de risco, de longo prazo, mas o foco nos resultados trimestrais, assim como a percepção de que pode ser extremamente difícil recuperar um investimento feito em pesquisas remotas, pôs fim a praticamente todos os esforços desse tipo. Atualmente, considera-se bem mais sensato que uma empresa financie pesquisas de curto prazo, ou, se for o caso de olhar mais para o futuro, que compre os direitos de uma ideia embrionária que está sendo gerada em uma universidade ou em um órgão governamental, ou, ainda, que incorpore uma startup inovadora. Teller e Brin não são avessos a fazer isso. No entanto, a empresa deles rejeita concentrar-se 100% na sabedoria tradicional dos negócios, preferindo incubar também iniciativas de pesquisa próprias e ajudá-las pacientemente até que amadureçam. Recentemente, quando Page foi chamado a falar sobre os recursos financeiros que estavam sendo investidos em P&D, ele saiu pela tangente. “Minha luta é para que as pessoas gastem dinheiro em pesquisas de longo prazo”, disse, observando que o que tem sido investido é uma soma modesta diante dos lucros do Google. Quase ficção

Em termos gerais, os projetos do Google X compartilham três critérios. Todos devem: atacar um problema que afete milhões de pessoas –ou, ainda melhor, bilhões; basear-se em uma solução radical que tenha pelo menos um componente que se aproxime da ficção científica; e contar com tecnologias que são ou estão perto de se tornar acessíveis. Para DeVaul, porém, há outro princípio, mais unificador, que liga esses três critérios: nenhuma ideia deve ser incremental. Isso pode parecer um clichê, admite o líder do Rapid Eval, só que a rejeição ao incrementalismo não se dá por razões ideológicas, conforme ele argumenta. O motivo é realmente de ordem prática. “É muito difícil fazer qualquer coisa neste mundo. Até sair da cama todo dia de manhã é muito difícil para mim”, afirma. “Mas lidar com um problema dez vezes maior não é dez vezes mais difícil”, explica.

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DeVaul insiste que geralmente fazer incursões em grandes problemas é tão fácil quanto “tentar otimizar um processo em 5% ou 2%”, ou até mais fácil. Ele aponta como exemplo o caso dos carros. Se você quer desenvolver um carro que rode 40 quilômetros por litro de combustível, isso vai dar muito trabalho e não resolverá as questões relacionadas com os recursos fósseis ou as emissões de gases do efeito estufa. Mas, se você quer desenvolver um carro que faça 250 quilômetros com um litro de combustível, isso de fato pode resolver esses problemas do planeta, e você necessariamente tem de se libertar das convenções, porque é impossível apenas melhorar um projeto de automóvel já existente a esse ponto. Em vez disso, continua DeVaul, você precisa começar de novo, reexaminando o que um carro realmente é. Deve pensar em diferentes tipos de motores e combustíveis, em materiais que alterem o próprio conceito de transporte. E então talvez, só talvez, você chegue a algo que seja interessante para o Google X. Pés no chão

Nesse cenário futurista, Obi Felten é o membro da equipe que tenta manter todos com os pés no chão. DeVaul se refere a ela como a “pessoa normal” no laboratório, alguém capaz de trazer todos de volta para a Terra, fazendo perguntas simples como: “Isso é legal?”,

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O jeito GOOGLE X As ideias radicais que surgem no laboratório precisam sobreviver a um processo de análise rigoroso. acompanhe o caso do Projeto Loon, de balões com Wi-Fi

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Identificação do problema. O projeto surgiu com uma ideia envolvendo conexões entre equipamentos móveis. Mas, em junho de 2011, Rich DeVaul decidiu mudar o foco para o objetivo de aumentar o acesso à internet em áreas pobres e regiões rurais.

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Desenvolvimento da ideia. A equipe começou a trabalhar em uma aeronave de comunicação que pudesse ficar parada em um único ponto, porém garantir que ela não se movimentasse era extremamente difícil. Foi aí que DeVaul surgiu com a possibilidade de usar balões, como forma de permitir que uma parte flutuasse, mas tivesse outra, embaixo.

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Teste da solução. DeVaul adquiriu alguns balões climáticos de US$ 80 cada um e neles instalou transmissores. Ele lançou as “engenhocas” no reservatório de San Luis, a uma hora de distância do Google, e andou com seu carro pela região para testar o sinal.

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Construção dos protótipos. O projeto Loon se tornou oficial em agosto de 2011, com a contratação de uma equipe para construir vários protótipos. Também foi iniciado o desenvolvimento da antena e chegou-se a levantar uma pequena casa para estudar como a antena poderia ser instalada na residência dos usuários.

Melhor ainda é simplesmente deixar de lado a ideia de carros em favor de um conceito alternativo

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Lançamento do produto. O Google X contratou o empreendedor Mike Cassidy para transformar o projeto em um negócio. O primeiro passo foi a implementação de um projeto-piloto na Nova Zelândia, onde o Loon funcionou, temporariamente, em junho de 2013. Com o interesse crescente das empresas globais de telecomunicações, a equipe estuda que modelos de negócio poderiam funcionar melhor.


Que ideias vão

mudar o mundo?

Google X responde

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À esquerda, Obi Felten, cujo irreverente cargo pode ser traduzido como “chefe de preparar os lançamentos para a Lua para o contato com o mundo real”; à direita, Mitch Heinrich, criador da chamada “cozinha de design” do Google X, onde ele e colegas fazem protótipos simples de suas ideias

“Será que alguém comprará isso?”, “Será que alguém vai gostar disso?”. Felten não é engenheira. Ela trabalhou na área de marketing para o Google na Europa antes de ir para o Google X. Um de seus principais desafios é o fato de que não há nenhum modelo real de como uma empresa deve levar tecnologias radicais para o mercado. “Se alguém encontrar um modelo, por favor, me conte”, diz ela. Felizmente para o Google X, nem tudo precisa evoluir para ser uma fonte de faturamento significativa. “Nosso portfólio tem de dar dinheiro, mas não necessariamente cada produto precisa fazê-lo. Alguns serão melhores do que outros, se a medida for em dólares. Outros podem ter um impacto enorme no mundo, mas não chegar ao mercado de massa”, explica Felten.

alta expectativa O Google aposta suas fichas nos projetos do Google X –que precisam avançar um pouco em 2014–, como os balões Loon, o Google Glass e o carro sem motorista

Ainda este ano, o Google X espera anunciar um novo projeto, ultrassecreto, que provavelmente se encaixa nessa segunda categoria. O que será? Por enquanto, não há pistas. O que se percebe é que os profissionais do laboratório estão extremamente curiosos sobre transporte e energia limpa e que um assunto levado muito a sério internamente é o desenvolvimento de métodos de diagnóstico mais eficientes na área da saúde –com maior impacto do que o dos tratamentos médicos. Ao mesmo tempo, é importante ter em mente que o Google X tem uma tarefa de grande envergadura. A organização deve fazer os projetos já anunciados avançarem ao menos uma casa este ano. O Loon, dos balões com Wi-Fi, que ainda não conta com plano de negócios, tem atraído o interesse da maior parte das empresas de telecom do mundo, mas não está tecnicamente pronto para chegar a outro patamar. O Google Glass, mais próximo da comercialização, e os carros sem motorista, mais avançados na etapa de testes, têm atraído um interesse público extraordinário. Mas ainda é impossível dizer se ou quando serão bem-sucedidos como negócios ou se terão aquele impacto dez vezes maior em dez anos. hsm management © Fast Company Reproduzido com autorização. Distribuído por Tribune Media Services International. Todos os direitos reservados.

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