Hoje Macau 30 OUT 2019 # 4401

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quarta-feira 30.10.2019

Existem em Macau dois edifícios habitacionais renovados onde reina o conceito de co-living. Cada pessoa aluga um quarto a preços mais baixos com partilha de áreas comuns, onde acaba por se desenvolver um espírito de comunidade. Dois arquitectos alertam, contudo, que esta é uma consequência e não uma solução para o problema das rendas elevadas e da má qualidade das casas

ceito de co-living, apesar de ser um território onde a habitação é muito cara. “É um processo lento em Macau, que não é uma cidade como Hong Kong, ou Londres, por exemplo. Este é um território muito específico. Acho que para as novas gerações este conceito é algo comum, mas aqui é sempre um processo mais lento.” O Macau Co-Living tem actualmente entre 19 e 20 residentes. “A maior parte são estrangeiros, sendo a maior parte portugueses e pessoas de Hong Kong”, assegura Tatiana Rocha. “Notamos que há muitas pessoas de Hong Kong a trabalhar em Macau durante a semana, e procuram apenas o mínimo de condições. Temos também chineses e pessoal de Macau, alguns, pessoas de Taiwan, Vietname, Tailândia.” Quem vive naquele edifício “procura uma renda acessível e uma casa em condições. Os apartamentos são novos e a decoração é atractiva. Oferecemos uma coisa boa, que é o facto de só pedirmos o pagamento do primeiro mês e uma caução, ao contrário dos quatro meses que pedem nas agências, que é algo que custa muito a pagar no início”, frisou a responsável pela gestão dos apartamentos. Até agora tudo tem corrido bem. “O feedback tem sido positivo. Há pessoas que começam, mas depois preferem algo mais privado, porque se calhar não estavam preparadas. Diria que essas pessoas são as mais novas, acabaram de sair de casa dos pais, e não sabem muito bem como é viver com outras pessoas. Os mais velhos, com mais de 25 anos, não se importam tanto de viver em comunidade”, disse Tatiana Rocha.

NA HORTA E COSTA

ou um ano. Há pessoas em Macau que trabalham apenas durante a semana e regressam para as suas cidades natais aos fins-de-semana, então procuram apenas um espaço confortável e privado. Desta forma podem poupar metade do dinheiro que gastariam a arrendar um estúdio”, adiantou. Robert Cai não tem dúvidas de que, no que às formas de alojamento diz respeito, partilhar um apartamento “é cada vez mais rentável e é uma oportunidade para as pessoas se conhecerem”. Ainda assim, Robert Cai nota que “há poucos locais a quererem viver no nosso espaço”. “Temos sobretudo estrangeiros que estudam fora e vêm para Macau trabalhar”, acrescentou. No Macau Co-Living, Tatiana Rocha é uma espécie de faz-tudo, que garante que todos os equipa-

mentos funcionam nas devidas condições e promove ainda eventos, que acontecem no terraço ou na sala, para que os moradores possam conviver. Tatiana não tem dúvidas de que a sociedade de Macau está muito lentamente a aderir ao con-

“Quisemos preencher uma lacuna em termos de alojamento para pessoas que querem arrendar um espaço por apenas três meses ou um ano.” ROBERT CAI MENTOR DO PROJECTO MACAU CO-LIVING

O segundo espaço de co-living existente em Macau fica situado na avenida Horta e Costa, e tem sido promovido nas redes sociais. Nina Sousa é responsável pela gestão do espaço que foi desenvolvido por uma empresa do ramo imobiliário, e serviu de tradutora a Lam Mong Tat, proprietário. Este assegura que o projecto de co-living surgiu por saber que “nem todos ganham o suficiente para pagar uma renda em Macau”. “Sendo agente imobiliário, por sorte encontrei um prédio que podia ser renovado, tendo sido ajustados os preços para satisfazer e ajudar certos clientes”, referiu, apontando que são os estrangeiros que mais procuram este estilo de vida. “Temos chineses (do continente), nepaleses, indianos e até portugueses que não são residentes de Macau. Não acho que o co-living seja uma tendência, até porque vejo cada vez mais pessoas a mudarem-se para a China, por ser perto de Macau e por ter melhor qualidade de vida”, disse Lam Mong Tat. O próximo projecto é apostar num espaço de co-working para

empresas, a fim de “ajudar mais pessoas que querem começar um negócio em Macau, mas que não precisam de espaços muito grandes, nem querem pagar rendas muito altas”.

FRUTO DOS TEMPOS

Dominic Choi, arquitecto ligado à associação Arquitectos Sem Fronteiras, defendeu ao HM que o co-living nunca será uma solução para os problemas habitacionais de Macau, mas sim uma consequência dos valores elevados que se praticam no território. “Este tipo de alojamento é muito comum no seio de estudantes universitários, por exemplo, ou em Hong Kong, onde as pessoas partilham espaços em que dormem em gaiolas ou beliches. Este tipo de alojamento não é nada de novo, mas é o resultado das mudanças na sociedade, devido às elevadas rendas e ao facto de as pessoas que não conseguirem comprar casas. Diria que não é uma solução para esta questão social, mas sim uma consequência.” O arquitecto alerta para o facto de poderem surgir conflitos sociais. “Há sempre questões relacionadas com a partilha do espaço. Nos casos de co-working as pessoas partilham um espaço com a sua empresa, mas num conceito de co-living há bastantes diferenças. Há muitas coisas que podem originar potenciais problemas de segurança, higiene e isso pode originar vários conflitos. É sempre necessário criar espaços

totalmente independentes que não se podem partilhar para que haja segurança suficiente. Há sempre desafios”, adiantou. Dominic Choi assegura também que, em Macau, o Governo tem um maior controlo sobre os terrenos do território, além de existirem regras mais apertadas para a construção de edifícios, face a Hong Kong. A solução para os altos preços passa mesmo pela construção de mais casas públicas. “Não podemos ter casas públicas em todo o lado, mas deve haver um devido planeamento em termos de infra-estruturas para que seja viável para as pessoas.” Também o arquitecto Mário Duque defende que o co-living não é uma solução por servir, sobretudo, uma fatia da população que reside temporariamente no território.

“Não podemos ter casas públicas em todo o lado, mas deve haver um devido planeamento em termos de infra-estruturas para que seja viável para as pessoas.” DOMINIC CHOI ARQUITECTO

“Essa forma de habitar é uma experiência pessoal altamente gratificante, mas tem a ver com questões geracionais e financeiras. Acho que a sociedade não vai aderir a essa modalidade de alojamento, que é significativa porque tem em vista uma população flutuante, que em Macau é igualmente significativa. A economia de Macau baseia-se nesse tipo de população e para essas pessoas é um modo vantajoso de aderir à habitação com qualidade.” Para Mário Duque, o co-living “acaba por servir sempre pessoas que não são da cidade”. “Em Macau isso tem a ver com outras nuances, relacionadas com os custos da habitação, que cai num lado disfuncional que é o facto de as pessoas precisarem de mais dinheiro do que aquele que é o rácio razoável para pagar despesas de habitação. Como isso não é possível, têm de arranjar situações alternativas. Há outra razão que é o parque habitacional em Macau ser muito degradado, e as casas que estão disponíveis para essa habitação partilhada não serem do agrado das pessoas”, rematou o arquitecto. Andreia Sofia Silva

andreia.silva@hojemacau.com.mo


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