Hoje Macau 28 NOV 2018 #4182

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28.11.2018 quarta-feira

A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas

A Poesia Completa de Li He

惱公 (第一章) 宋 玉 愁 空 斷 , 嬌 饒 粉 自 紅 。 歌 聲 春 草 露 , 門 掩 杏 花 叢 。 注 口 櫻 桃 小 , 添 眉 桂 葉 濃 。 曉 奩 妝 秀 靨 , 夜 帳 減 香 筒 。 鈿 鏡 飛 孤 鵲 , 江 圖 畫 水 葒 。 陂 陀 梳 碧 鳳 , 腰 裊 帶 金 蟲 。 杜 若 含 清 露 , 河 蒲 聚 紫 茸 。 月 分 蛾 黛 破 , 花 合 靨 朱 融 。 發 重 疑 盤 霧 , 腰 輕 乍 倚 風 。 密 書 題 豆 蔻 , 隱 語 笑 芙 蓉 。 莫 鎖 茱 萸 匣 , 休 開 翡 翠 籠 。 弄 珠 驚 漢 燕 , 燒 蜜 引 胡 蜂 。 醉 纈 拋 紅 網 , 單 羅 掛 綠 蒙 。 數 錢 教 奼 女 , 買 藥 問 巴 賨 。 勻 臉 安 斜 雁 , 移 燈 想 夢 熊 。 腸 攢 非 束 竹 , 胘 急 是 張 弓 。 晚 樹 迷 新 蝶 , 殘 霓 憶 斷 虹 。 古 時 填 渤 澥 , 今 日 鑿 崆 峒 。 繡 沓 褰 長 幔 , 羅 裙 結 短 封 。 心 搖 如 舞 鶴 , 骨 出 似 飛 龍 。

Ressentimento (Parte I) As vãs esperanças de Sung Yu desvaneceram-se em melancolia, Que grácil beldade ela era, polvilhada de rosa.1 Escuto-a cantar entre a orvalhada erva primaveril, Está fechado seu portão, encimado por flores de alperce. Ela pinta a boca, uma pequena cereja, Põe lápis nas sobrancelhas, de verde profundo como folhas de cássia. Na alba maquilha o rosto junto ao aparador, No leito, o aroma da noite se evola do incensário. Do seu espelho embutido voa uma pega solitária.2 Num biombo, uma paisagem de rio com capim pintado. O seu cabelo espirala, é uma fénix azul-negra, Com dourados insectos trémulos nela pousados. Ela é uma íris transbordante de claro orvalho, Um espigão púrpura de tifal.3 Sobrancelhas negras, luas crescentes que não franzem, Covinhas da cara vermelhas como flores vincadas. Madeixas em seu redor pesadas como névoa, A cintura tão fina que a partiria uma brisa. Escreve cartas de amor revestidas a cardamomo, Rindo da secreta palavra “lótus”.4 Não cerres a caixa de brocado púrpura, Nem abras o cesto forrado a penas de guarda-rios. Brincando com suas pérolas assusta as andorinhas do sul, Queimando mel atrai as abelhas do norte. Lança redes vermelhas manchadas de branco, E instala finos laços de verde gaze. Ensina suas lindas moças a lidar com dinheiro, Pergunta a seu servo de Ba que remédios comprar.

Uma linha de gansos cruza o pó de arroz da sua face, Movendo a lamparina, rumina sonhos com ursos.5 Os seus sentimentos não se cingem como bambu atado, A carne do seu ventre de súbito tensa como um arco. No ocaso, borboletas novas transviam-se nas árvores, Desvanecendo-se, um arco-íris fêmea anseia por um macho desaparecido. Há muito, uma ave tentou secar todo o Golfo de Chihli, Hoje, um velho escava túneis nos montes Kong Tong.6 De uma corda bordada suspensas longas cortinas, Sua saia de seda atada pela bainha curta. Como grou dançante seu coração adeja, Os seus ossos saídos como os de um dragão caído.

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O autor da tradução inglesa consultada para esta versão portuguesa alude à particular obscuridade deste poema e afirma, muito justificadamente, ter realizado uma tradução conjectural em vários momentos. Sung Yu, suposto autor dos Nove Argumentos (Jiu Bien) foi um poeta do século III a.c., famoso pelo seu comportamento dissoluto e mulherengo. A pega era um motivo decorativo comum em espelhos e uma alusão à história de um casal que partiu um espelho em dois, cada um guardando uma metade. Se a esposa fosse infiel na ausência do marido, a sua metade do espelho transformar-se-ia num pega que voava a ir contar-lhe. Typha orientalis. A flor de cardamomo simbolizava o amor. “Lótus” (蓮 lián) e “amor” (戀 liàn) pronunciavam-se da mesma forma (1o tom) em chinês antigo. Sonhar com ursos era presságio do nascimento de um filho; com cobras, de uma filha. Os esforços de esquecer seu amor são tão vãos quanto os do pássaro jing-wei, que tentou encher de terra o Mar Oriental, ou os do famoso Mestre Simples da Montanha Setentrional, que se lançou ao trabalho de demolir os Montes Tai-lang e Wang-wu.

Tradução de Rui Cascais • Ilustração de Rui Rasquinho Li He (790 a 816) nasceu em Fu-chang durante a Dinastia Tang, pertencendo a um ramo menor da casa imperial. A sua morte prematura aos vinte e sete anos, a par da escassez de pormenores biográficos, deixam-nos apenas com uma espécie de fantasma literário. A Nova História dos Tang (Xin Tang shu) diz-nos que He “nunca escrevia poemas sobre um tópico específico, forçando os seus versos a conformarem-se ao tema, como era prática de outros poetas [...] Tudo quanto escrevia era inquietantemente extraordinário, quebrando com a tradição literária.” Segundo um crítico da Dinastia Song, o alucinátorio idioma poético de Li He é a “linguagem de um imortal demoníaco.” A versão inglesa de referência aqui usada é a tradução clássica da autoria de J.D. Frodsham, intitulada Goddesses, Ghosts, and Demons, publicada em São Francisco, em 1983, pela North Point Press.


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