entrevista 3
hoje macau quarta-feira 26.2.2014
idade), não conseguem perceber o que quer a escola. Porque é que isso acontece com as escolas de Macau? Há falta de profissionais, de programas ou as crianças com deficiências deste género ainda não são bem-vindas na comunidade? Tudo o que disse. Em Macau, 90% da população fala cantonês e as universidades locais não têm cursos de formação para lidar com estes problemas. Ou seja, a comunidade local não consegue, por exemplo, encontrar um terapeuta da fala. Para que os nossos locais consigam ter cursos sobre isto, têm de ir para Hong Kong, que, por sua vez, tem um limite de quotas para cursos específicos sobre isto e, normalmente, enchem com pessoas de lá. E depois, há o resto: os que não falam cantonês. Não podemos contratar pessoas que apenas falam cantonês para ensinar crianças que falem inglês ou português. Estes profissionais precisam de ensinar as crianças a comunicar e a linguagem não é só falada, há as entoações, os sotaques, a gramática, a linguística. Talvez esses profissionais conseguissem ajudar bebés, mas como é que comunicariam com os pais? E o Governo não está disponível para fazer estas contratações. É a falta de cursos que impede que haja mais profissionais destes em Macau, como acontece com os assistentes sociais? A mim foi-me dito pela Direcção dos Serviços para a Educação e Juventude (DSEJ) que deviam ser os pais a ajudar as crianças, mas os pais não sabem como o fazer. É preciso ter estratégias específicas, é preciso pessoas com treino para lidar com estas crianças e para ensinar aos pais. Também recebi treino na Dinamarca, no Reino Unido, em Espanha... Recebi treino para poder perceber o meu filho. A MDCA faz isso com os pais das crianças? Porquê? Sim, tentamos passar esse conhecimento aos pais. Não temos apenas as crianças, temos os pais cá também. Se as crianças estiverem apenas uma hora com um terapeuta, não há muito que consigam aprender... esquecem-se depois o que aprenderam nessa hora. É preciso que os pais aprendam, para conseguirem ajudar os filhos quando eles não estão com o terapeuta. Se não, é como dar-lhe de comer uma vez esta semana e dar-lhe de comer novamente apenas na próxima semana. A criança tem de ser estimulada para conseguir atingir o máximo do seu potencial, conhecer as suas próprias habilidades. Os pais que contam com a ajuda da MCDA vêem melhorias? Sim. E querem mais. Estão desesperados por mais e mais daquilo
Se não existisse a MCDA, deixaria Macau. Macau devia ter vergonha. Tenho muitas crianças e muitos pais nos meus ombros já e não os consigo deixar desamparados, porque se não já não estaria cá que temos para oferecer às crianças. Querem mais sessões, mais apoios individuais. Ainda hoje [ontem] tivemos uma história de sucesso, de uma criança que nunca tinha falado e disse ‘quero’. Que terapias providencia a MCDA? Terapia da fala, terapia para mudança comportamental, psicologia educacional e, depois, temos especialistas para as crianças com deficit de atenção. Temos também fisioterapia. Quantos profissionais tem neste momento a MCDA? Infelizmente, perdemos dois recentemente, devido às condições do local. Temos três, neste momento e não posso contratar mais. Tem ideia de quantos profissionais existem em Macau que podiam ajudar a MCDA?
Há cerca de 60 terapeutas. Mas, quantos centros de idosos há? A própria urgência do hospital parece um local geriátrico, com tantos idosos lá. Há cerca de 40 terapeutas da fala, mas para toda a gente que precisa... crianças, idosos. Não estão disponíveis.
algo por Macau. Eles estão a tirar tanto de Macau, que deviam dar de volta. Não percebo porque é que Macau não o faz, se tem os recursos financeiros para isso. Bastava quererem. Mas tem de se perceber que esta não é uma carreira para fazer dinheiro. É preciso amor.
Quantos profissionais precisaria Macau para cuidar de todos os que necessitam apoio? Não consigo dizer. Mas nós temos 560 crianças e cada terapeuta só pode cuidar no máximo de dez. É só fazer as contas... E dez crianças já é muito. Os profissionais precisam de tempo para estar com estas crianças, pelo menos duas a três vezes por semana. Têm de fazer grupos para conseguir prestar um serviço aceitável.
Como organização sem fins lucrativos, como é que a MCDA sobrevive? Exacto, sobreviver. Não devíamos estar a sobreviver, devíamos estar excelentes, não a fazer estes esforços todos para ajudar as crianças. Gastei todas as minhas poupanças, hipotequei a minha casa duas vezes só para conseguir aguentar a associação.
Qual a estimativa de crianças com estes problemas em Macau? Não temos todas as crianças connosco. Aliás, não temos material publicitário, não temos marketing sobre a associação. As crianças chegam cá, porque os pais falam uns com os outros e temos o nosso site e, agora, os média, com estes problemas de infiltrações no edifício. A partir do momento em que fizermos publicidade, posso dizer-lhe com toda a certeza que teríamos um centro cheio em três meses: facilmente teríamos 2000 crianças.
A MCDA cobra aos pais pelas sessões? Depende. Nunca cobramos os custos reais, que incluiriam as despesas da renda, dos terapeutas, materiais e os serviços. Normalmente, só cobramos o dinheiro que falta para conseguirmos pagar aos nossos terapeutas, cerca de 300/400 patacas. Mas os pais podem assinar um formulário onde dizem que não têm dinheiro suficiente e pagam o que podem: 50 patacas, cem patacas.
Isso é um problema comum entre todos os pais? Claro. E com as famílias chinesas ainda é pior, porque o método de ensino é ainda mais restrito, devido a ser muito baseado em memorizar a matéria. Temos miúdos que têm de ir para a escola de manhã e à tarde e ficam até tarde à noite para conseguirem completar os trabalhos de casa. Isso vai prejudicar o seu crescimento e a sua vida adulta.
Têm apoio do Governo? Sim. Mas considero-o um pouco como uma ‘armadilha’. O Instituto de Acção Social (IAS) dá-nos 120 mil patacas, mas apenas para alguns terapeutas e para a renda. Preciso de dividir este dinheiro entre essas coisas e já não recebemos agora porque não temos o local com crianças, por estar infiltrado com água, e esse dinheiro não cobre os salários. Pedimos ajuda a empresas privadas, mas elas respondem-nos que não podem ajudar-nos porque já pagam impostos.
Em 2010, falou sobre a importância de existir uma escola para estas crianças. Isso não aconteceu, mas acha que podia ser possível? Claro que é possível. Bastava o Governo ou um qualquer milionário ou filantrópico decidir fazê-lo. Um desses maravilhosos milionários
Se tiverem de mudar de local, têm para onde ir? O contrato vai expirar, não sabemos o que vai acontecer no próximo ano. E não temos para onde ir, porque a minha casa está cheia. Já perdemos um local e todo o material que lá estava veio para minha casa. A MCDA tentou colaborar
dos, ou seja é para um escritório. Não temos condições para ter lá crianças. Alguma vez receberam visitas de departamentos do Governo, interessados no vosso trabalho? Tivemos cá a DSEJ e o IAS, mas apenas depois de dizermos à DSEJ que não concordávamos com uma carta que nos tinham enviado a dizer que todos os serviços que prestamos já eram prestados pelo Governo. Macau assinou a Convenção dos Direitos das Crianças e tem dinheiro. Compreenderia se Macau não tivesse dinheiro, mas tem. Se tivéssemos noutro país, era mais sensível à questão. Mas Macau está tão orgulhoso do que poupa nos cofres, quando deveria estar a investir na educação das crianças e na sociedade. Estas crianças podem ficar mais caras em adultos, se não receberem apoio agora. Crianças com dificuldades destas, se não tiverem apoio, podem tornar-se adultos com problemas? Sim. Pode encontrá-los em grupos que os levam para drogas, que acalmam a sua dor emocional. Não se encaixam nas escolas, na família. As pessoas não percebem que as crianças querem agradar aos outros e, se não conseguem, arranjam outros meios para se sentirem bem. Se fizermos um inquérito no centro juvenil, podemos ver historiais de crianças que tinham estes problemas. E as pessoas pensam que as crianças estão a fazer de propósito. É mais fácil ignorar do que se envolver. Se a MCDA não existisse, estes pais teriam apoios noutro local? Não. Nem eu. Se não existisse a MCDA, deixaria Macau. Macau devia ter vergonha. Tenho muitas crianças e muitos pais nos meus ombros já e não os consigo deixar desamparados, porque se não já não estaria cá. Mas, se não conseguir atingir o objectivo que tracei há dez anos... tudo o que é preciso, é que alguma destas enormes empresas nos ajude. Um mero grupo de pais atingiu o que atingiu durante estes anos – conseguir que crianças que nunca teriam um futuro ‘normal’,
90% da população fala cantonês e as universidades locais não têm cursos de formação para lidar com estes problemas. Ou seja, a comunidade local não consegue, por exemplo, encontrar um terapeuta da fala dos casinos, todas as operadoras – não quero deixar escapar nenhuma – podem decidir querer criar algo assim. Pode acontecer, de forma fácil. Tudo o que é necessário é ter uma pessoa que diga “eu quero fazê-lo”. Basta que queiram fazer
com outros centros e associações, mas nunca nada se materializou. O IAS respondeu-nos a dizer que não tem locais e ofereceu-nos um local que encontrou onde pagamos 18 patacas por pé quadrado. Mas tem apenas dois mil pés quadra-
melhorassem... Sabemos que há pais que vão estar na nossa situação em dez anos e que precisam da nossa ajuda. A solução qual é? Ignorá-las, deixando-as à mercê de um destino triste? Ou deixar Macau?