Hoje Macau 22 MAR 2019 #4253

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PEDRO LAMARES

ENTREVISTA

Pedro Lamares teve um percurso que passou por múltiplas formas de expressão artística, até que Pessoa o encaminhou para dizer poesia, o que o levou à representação. Todas estas estradas trouxeram o actor até Macau numa viagem que culmina, sábado às 21h, no palco do Teatro D. Pedro V, onde vai recriar o poema “Ode Marítima”, de Álvaro de Campos Está em Macau a recitar a “Ode Marítima” de Fernando Pessoa. Como é representar este texto emblemático do Pessoa? A Ode Marítima é aquilo a que chamamos na gíria teatral “um bife”. É um grande naco, e não é pela quantidade de texto. Aliás, eu não o faço de cor, o espectáculo é uma leitura viva e encenada. É um desafio brutal, acho que é, eventualmente, a coisa mais difícil e mais exigente que já disse. O texto pede uma entrega absoluta, não vale a pena dizer aquilo se não estiver disponível a entrar naquela espiral e encontrar a determinada altura o vórtice e alguma linha de trabalho que não seja um desatino total, que não seja só a loucura. Não há outra forma de fazer este espectáculo, sem ser com entrega total. A “Ode Marítima dá cabo de mim, é porrada emocional. Na semana antes de ter este espectáculo normalmente adoeço, fico sem voz. É uma cena psicossomática.

SOFIA MARGARIDA MOTA

ACTOR

“A ‘Ode Marítima’ dá cabo de mim”

O texto tem uma estrutura perfeita, é completamente pessoano; temos todo o delírio do Álvaro de Campos, visceral, mas tens o cérebro do Pessoa permanentemente a actuar sobre aquilo. O texto é tripartido. O primeiro bloco é a instalação, em que ele se senta no cais de pedra numa manhã de Verão e começa a observar o que vai acontecendo, mas ainda numa zona muito pacífica. A segunda parte é a subida em espiral, o de-

lírio absoluto e depois cai a pique de um momento para o outro. O terceiro momento é todo em baixo é toda a reflexão sobre o que aconteceu ali. A primeira vez que disse a Ode, ao trabalhar o texto em casa, há nove anos, sentei-me à noite na mesa da sala com um whisky, um cinzeiro e um maço de cigarros à frente. Comecei a tentar ler o texto para dentro e aquilo é ilegível. Entra-se nas onomatopeias e é impossível, não estava mesmo

a conseguir. Quando ia para aí na quarta página, voltei atrás e resolvi começar a dizer o texto em voz alta. Descomprometidamente. Liguei um cronómetro. Percebi que o texto tem exactamente 60 minutos, divididos em três blocos de 20. Sem ter o texto na cabeça, comecei a dizê-lo e entrei naquela espiral. Aliás, como ele diz no texto “o volante começou a girar dentro de mim”. Quando dei por mim, eram duas da manhã e, de

repente, tudo começou a surgir com essa lógica muito evidente. Representou Fernando Pessoa no filme “ Filme do Desassossego” de João Botelho. Como foi essa experiência? Morri de medo no início. A minha ligação ao Pessoa vem de muito pequeno. Com treze anos comecei a ler Alberto Caeiro, quando o meu padrasto me ofereceu “O guardador de rebanhos”. Aquilo mudou


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