Hoje Macau • 2011.01.21 #2294

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Foi no renovado auditório da Universidade de São José que o historiador Frank Dikötter apresentou o seu último livro, “Mao’s Great Famine: a History of China’s Most Devasting Catastrophe”, que aborda um dos períodos mais críticos da história contemporânea chinesa. Partindo de uma oportunidade de abertura durante os Jogos Olímpicos de Pequim, com a desclassificação de alguns documentos históricos, Dikötter pegou mãos à obra e complementou com precisão o que já se sabia: Mao Tsé-Tung engendrou um dos maiores actos criminosos contra a Humanidade no século XX, em que perecerão, segundo dados actualizados pelo autor, cerca de 45 milhões de pessoas. Os que sobreviveram não tiveram uma existência menos perturbada, recorrendo aos actos mais imorais para poderem sobreviver. Esta foi uma época de terror onde tudo foi permitido para abrilhantar a grande China, como nação primordial à face do mundo. Um período de quatro anos (1958-62) que nasceu do Grande Salto em Frente em

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Entrevista | Frank Dikötter, historiador e professor em Hong Kong e Inglaterra

O grande salto para o abis que a China, além genocídio, bateu todos os recordes: a maior destruição de propriedade, o maior desperdício de recursos humanos e materiais, a maior fome no mundo, a maior destruição de florestas, o maior número de mentiras flagrantes em tão curto espaço de tempo. Sessenta anos depois, a República Popular, que partiu do esteiro de Mao, aí está como uma das grandes potências mundiais. O que se pergunta à partida é como foi possível que o regime de Mao Tsé-Tung conseguisse sobreviver tantos anos, acabando por se prolongar até aos dias de hoje com tanta fome, tanta gente liquidada, e anos depois ainda aparece a Revolução Cultural, em que a idolatria do Grande Líder se encontrava no ponto mais elevado. Que resposta há para tudo isto? Há uma linha directa entre pub

“Depois de 1949 é uma história que leva ao gradual mas sistémico fecho de qualquer tipo de liberdade. A liberdade de movimento, a liberdade religiosa, a liberdade associativa, a liberdade de imprensa, a liberdade de posse, tudo isso foi sistematicamente terminado ao longo de um período de dez anos” a Grande Fome, a que o meu livro se refere, que aconteceu entre 1959 e 1962, e a Revolução Cultural. Ela não pode ser compreendida sem perceber que Mao Tsé-Tung estava a tentar ver-se livre de todos aqueles que procuravam criticá-lo por tudo o que aconteceu durante o sinistro desastre do Grande Salto em Frente. A Revolução Cultural foi a tentativa de Mao limpar o seu caminho, retirando da sua frente todos aqueles que o enfrentaram anteriormente. Estava apenas a garantir a sua sobrevivência, infelizmente sem olhar a nenhum outro membro do seu partido, que foram eliminados implacavelmente. Foi uma espécie de selecção natural? Não sobreviveram os mais fortes, mas sim os mais cruéis. Esses foram os únicos que se mantiveram à tona da água. Essa foi uma política contínua durante o regime de Mao? Sim, até à sua morte, até com Zhou Enlai, uma peça fundamental no seu regime. No final, Mao não deixou de ficar satisfeito com a sua morte. Era assim, ele eliminava sem piedade uma pessoa atrás da outra. Todos os elementos que se chegaram demasiado perto do poder tiveram essa sorte, o que é extraordinário. Mao era realmente um homem astuto. Tendo estudado

especialmente a história do último século na China, que relação existe entre os períodos que vão da China imperial à China comunista, em que Mao reinou? O facto é que o que se toma em conta é de que a revolução de 1949 pôs um fim a toda a miséria na China. Foi exactamente ao contrário. Em 1949, após o curso de 56 anos, em particular na era republicana, a China foi acumulando algumas sérias inovações. Começou por abrir a sua economia, abrir as suas fronteiras, abrindo até o seu círculo político a um governo com uma constituição. As pessoas podiam circular livremente e as ideias entravam e saiam. Este é todo um período aberto. Depois de 1949 é uma história que leva ao gradual mas sistémico fecho de qualquer tipo de liberdade. A liberdade de movimento, a liberdade religiosa, a liberdade associativa, a liberdade de imprensa, a liberdade de posse, tudo isso foi sistematicamente terminado ao longo de um período de dez anos. E depois disso temos o Grande Salto em Frente. Um desastre massivo. Assim é sob os 30 anos do regime auto-destrutivo de Mao que chegamos à actualidade. E quando oiço hoje em dia que a China teve um extraordinário crescimento económico, fico

António Falcão | bloomland.cn

António Falcão

cultura

Iraniano Jafar P

bastante intrigado. Como é que depois de 30 anos a destruir uma coisa e a cavar um buraco negro tudo isso acontece? Quando se começa a sair desse buraco não é preciso muito para dizer que começamos do zero e não com resultados imediatos exultantes. Além do facto de que não acredito de modo nenhum em todos estes valores de crescimento. Faz-me lembrar precisamente o Grande Salto em Frente: “Taxa de crescimento magnífica”, “Realizações maravilhosas”, “Colheitas milagrosas”... Estamos então num novo Grande Salto em Frente? É certamente similar, já que estamos perante um partido que aprendeu como manipular as pessoas. Como manipular as estatísticas, como manipular a sua

própria imagem e a maneira como se apresenta ao exterior. A retirar do caminho todos aqueles que criticam o regime? Sim, e manipulando aqueles que possam ser contra. Não é que existam dezenas de milhões de pessoas a acreditar nisso. Mas pergunta-se: será este crescimento real? Ou será uma economia de bolha baseada num gigante baralho de cartas que pode cair de repente? Há uma certa benevolência por parte do Ocidente? O Ocidente não deixa de estar aí para apostar. Esse acaba por ser um novo dado. Em 1958, no Grande Salto em Frente, toda a gente comprava mas ninguém tinha uma estaca na China. Hoje a história é diferente.


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