h - Suplemento do Hoje Macau #55

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ARTES, LETRAS E IDEIAS

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PARTE INTEGRANTE DO HOJE MACAU Nツコ 2708. Nテグ PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

NOVOS Lテ好ERES

OS SENHORES QUE SE SEGUEM


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XVIII Congresso do Partido Comunista Chinês

“UMA DÉCADA FASCINANTE”

Rádio Macau O PARTIDO COMUNISTA Chinês (PCC) decide em Novembro, mês do XVIII Congresso da estrutura, quem vai mandar nos destinos do país durante os próximos dez anos. Neste congresso das grandes decisões, as maiores certezas dizem respeito às duas principais figuras do país: tudo aponta para que o cargo de secretário-geral do PCC seja ocupado pelo vice-presidente Xi Jinping – que passará a Presidente, substituindo Hu Jintao – e que o vice-primeiro-ministro Li Keqiang suceda a Wen Jiabao como primeiro-ministro. Mas o congresso do Partido serve também para decidir quem serão os principais políticos da China, nomes que Pequim ainda não revelou. No entanto,

e sobretudo nas últimas semanas, as movimentações na capital começaram a dar algumas certezas sobre um processo em que participa uma minoria dos mais de 80 milhões de filiados no PCC. A escolha dos líderes corresponde ainda a uma medição de forças e a um jogo de equilíbrios entre as diferentes facções: Xi Jinping é próximo do antigo Presidente Jiang Zemin, mas Li Keqiang é apadrinhado por Hu Jintao. A reunião magna do Partido Comunista Chinês realiza-se de cinco em cinco anos, sendo que a renovação da liderança é feita a cada dez. Para o Congresso que aí vem, há um dado concreto: desta vez, quando comparando com 2007, são mais os delegados de todo o país que se juntam em Pequim – ao todo, são 2270 os membros do partido que viajam até à capital.

Constituído por nove membros, o Comité Permanente do Politburo deve ser reduzido a apenas sete. Trata-se de uma mudança que tem como objectivo diminuir a discórdia dentro do núcleo duro do partido.

Do Congresso sai a composição de duas estruturas importantes – a Comissão Central para a Inspecção da Disciplina e o Comité Central, uma estrutura com pouco mais de 200 membros. Nesta hierarquia fortemente regulada pela disciplina interna, estão depois os 25 elementos do Politburo, que tem um Comité Permanente – o verdadeiro centro nevrálgico do poder –, onde estão os líderes do partido e da nação.

REGRESSO AO PASSADO

Constituído neste momento por nove membros, o Comité Permanente do Politburo (CPP) deve ser reduzido e ficar com apenas sete. Trata-se de uma mudança que, destaca o politólogo Eric Sautedé, tem como objectivo diminuir a discórdia dentro do núcleo duro do partido, uma vez que, com menos facções


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representadas, a possibilidade de haver guerras internas é menor. Este formato de sete elementos não é, na realidade, uma novidade. “Houve alturas, sobretudo antes do massacre de Tiananmen, em que eram cinco pessoas. Depois, durante os anos 1990, eram sete. E depois passámos a ter nove, a partir de

Xilai, o antigo Ministro do Comércio e membro do Politburo que se preparava para subir na hierarquia. “Foi mesmo uma surpresa, estávamos a 15 de Março. Apanhou toda a gente de surpresa e tivemos desenvolvimentos recentes”, salienta Eric Sautedé. “Muitas vezes – e este aspecto não é, de todo, transpa-

rente – há reuniões entre líderes de topo, com alguns novos a subir, outros mais antigos a tentarem arranjar apoios”. Uma análise à Agência Xinhua, diz o académico, permite recolher pistas sobre quem está dentro ou quem vai ficar de fora – basta olhar para a agenda dos políticos e ver com quem se encontram, num

“mentalidade de reforma”, porque trabalharam na abertura do país, “sobretudo nas zonas costeiras”, e também em reformas administrativas. “Nesse aspecto, acredito que há indicadores muito positivos.” Para estes indicadores contribui o facto de a nova geração ter outro tipo de for-

2002, quando a equipa de Hu Jintao e Wen Jiabao assumiu o poder”, recorda o professor da Universidade de São José. O número de membros do CPP tem que ver com a forte autodisciplina do partido e, à semelhança da idade-limite para desempenhar cargos públicos, não está na Constituição da República Popular da China. “Serve para garantir uma certa renovação, com frequência. A cada cinco anos há ligeiras mudanças na liderança e a cada dez há uma nova equipa, para renovar a liderança política, para renovar a direcção da China e as prioridades do Governo.” Sendo certo que os nomes de Xi Jinping e Li Keqiang correspondem a dados praticamente garantidos, a verdade é que o Congresso do próximo mês fica marcado por um ano invulgar que obrigou a novas contas dentro do partido: a queda de Bo

A nova geração ter outro tipo de formação académica, bem como percursos profissionais e pessoais diferentes dos da actual liderança. A nova equipa terá de ir ao encontro de um desafio maior chamado economia.

puzzle que não é simples de resolver. Neste contexto, a imprensa de Hong Kong tem conseguido avançar alguns nomes, a serem ainda confirmados. Mas, já no mês passado, houve mexidas em Pequim, com dois aliados de Hu Jintao a terem novos cargos. As alterações fazem com que, à partida, não estejam em condições de irem para o Politburo e muito menos para o Comité Permanente do Politburo.

mação académica, bem como percursos profissionais e pessoais diferentes dos da actual liderança. A nova equipa terá de ir ao encontro de um desafio maior chamado economia. É certo que a crise financeira dos últimos anos tem, de certo modo, passado ao lado da China, mas o país não conseguiu mudar a orientação geral da economia, que continua a estar muito dependente de investimentos e das exportações, aponta Eric Sautedé. “O modelo para reinventar está… por reinventar. Nada foi feito”, sentencia. “A equipa de Hu Jintao e Wen Jiabao conseguiu, pelo menos, duas coisas: deu prioridade às políticas sociais e à ideia de que o fosso entre ricos e pobres merece atenção; e criou uma Administração que reage e responde mais no que toca à manifestação de preocupações sociais e aos

OS POLÍTICOS DA REFORMA

Embora ainda sem uma lista final dos novos membros do CPP (ver textos nestas páginas), é possível ter-se uma ideia do que será a nova equipa de líderes da China. Eric Sautede destaca, desde logo, a diversidade – “muito maior” –, o que será “um bom sinal”. O politólogo recorda que muitos dos nomes apontados têm


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diferentes desejos da população”, analisa, dando como exemplo o modo como os políticos chineses utilizam a tecnologia da informação. Outro legado da actual liderança com o qual Xi Jiping e Li Keqiang terão de lidar é a corrupção. O politólogo acredita que se trata de uma dimensão da realidade chinesa que será “um dos grandes obstáculos à reinvenção do modelo económico”, porque poderão “existir algumas reservas em relação às pessoas no comando”. Ressalvando que “pode ser apenas parte das lutas entre facções que antecedem o Congresso”, Sautedé cita o texto que a Bloomberg publicou no início do Verão, uma longa reportagem sobre os bens e rendimentos da família do futuro Presidente, Xi Jinping, para explicar a origem das “reservas” que podem surgir. “O artigo revela muitos bens e investimentos em Hong Kong, em diferentes empresas, acima dos 300 milhões de dólares americanos. Apesar de serem da família dele, e não dele, a verdade é que, para um homem que fez a carreira na Administração Pública, isto gera dúvidas sobre a capacidade de limpar o sistema”, diz. O que é válido para o futuro Presidente, é certo para outros políticos da chamada quinta geração, homens nascidos nos anos 1960. “São eles que merecem ser observados. As famílias beneficiaram imenso com o desenvolvimento nos anos 1990 e já depois de 2000.”

UMA QUESTÃO DE LEGITIMIDADE

A última década política da China foi um período de grandes mudanças e desafios, com o país a afirmar-se como a segunda maior economia do mundo. Mas a década que aí vem, considera o jornalista José Carlos Matias, investigador sobre a China, não será mais simples – nem menos interessante para quem observa a evolução da nação. A mudança de paradigma económico acarreta a necessidade de o Partido Comunista Chinês encontrar meios para manter a legitimidade, muito alimentada pelo sentimento e pela educação nacionalistas. “O ritmo e o modelo de crescimento a que assistimos ao longo desta década já estão a transformar-se: já há sinais dessa transformação”, destaca José Carlos Matias. A China terá de saber gerir um “novo ciclo em que o crescimento vai ser mais baixo” e em que vai ser necessário fazer “a gestão das expectativas”, porque “o grau de exigência da população vai ser mais bastante mais elevado”. Para este aumento da exigência contribui uma maior liberdade económica e a vontade de usufruto de melhores serviços públicos, factores que, vinca o investigador, dão origem a uma questão-chave: “Saber se vai ou não haver pressão para que o sistema incorpore mecanismos de auscultação, mecanismos de consulta, que possam legitimar e que possam fazer com que o Partido se consiga adaptar às transformações da sociedade”. Eric Sautedé realça que a China entra agora numa nova fase que pode gerar desafios adicionais aos novos líderes. “A

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Vem aí mais uma década em que quase tudo pode mudar de novo. Mas certezas só depois de a nova liderança começar a trabalhar. “É preciso saber qual é o pensamento e qual é a visão de Xi Jinping, de Li Keqiang e dos outros líderes, e se isso é assim tão importante, no sentido em que estamos perante um modelo colectivo” China optou por um caminho que, em termos de desenvolvimento económico, tem sido um sucesso atrás do outro, mas está a chegar ao fim. Era o que estava a alimentar a legitimidade do regime.” Resta a dimensão nacionalista, “uma das duas pernas do PCC”, atendendo a que “foi o que lhe deu força em 1949, com a libertação dos japoneses, das forças estrangeiras.” No que toca às questões sociais que podem agitar o modelo político chinês, o politólogo recorda que Hu Jintao e Wen Jiabao tiveram capacidade para avançar, rapidamente, com reformas com impacto para a vida da população, reiterando, no entanto, que o trabalho não ficou concluído. “Começaram alguma coisa – as pensões e o sistema de segurança social ao nível nacional, os apoios aos camponeses nas cidades, uma vez que mais de 50 por cento da população é urbana. Mas, ainda assim, em qualquer lado a que se vá na China, a grande narrativa sobre o que se passa revela a capacidade do partido de harmonizar a verdade sobre o que se passa e de dar pouca margem à discórdia”, afirma. Exemplo deste “controlo da narrativa” é a forma como a China lida com a Internet. Até 2003, os cibernautas do país usufruíram de uma relativa liberdade. “Desde então, a Internet tem estado a ser muito mais controlada. Não há fontes alternativas de informação em portais, por exemplo. As novas tecnologias, estes instrumentos de comunicação digitais, não estão a mudar nada, porque até no Sina Weibo, a plataforma de microblogues da China – sendo o Twitter e o Facebook proibidos desde 2009 – as pessoas já não podem usar nicknames, têm de usar os nomes verdadeiros”, realça Sautedé, que investiga há vários anos o modo como


os políticos chineses reagem à rede de alcance mundial. “Há muitas formas e tecnologias para descobrir quem faz uma utilização dissidente da Internet.” Os mecanismos de controlo, associados a uma educação fortemente nacionalista, fazem com que o Governo possa continuar a ser “muito pragmático”, uma característica do Partido Comunista Chinês. “Nunca fica muito tempo longe da realidade. Mesmo quando a realidade ataca, a liderança percebe rapidamente que foi atacada e que precisa de fazer alguma coisa. Reage muito – é um legado dos anos 1980, da era Deng Xiaoping”, contextualiza o politólogo. Neste cenário, Eric Sautedé acredita que a evolução da China passa, sobretudo, por uma nova dimensão na Administração e por alguma democracia ao nível interno do PCC.

A CHINA E OS OUTROS

O professor da Universidade de São José salienta que o facto de a nova equipa estar bem preparada em termos de formação económica revela que o grande desafio da próxima década será a reinvenção do modelo de funcionamento da economia. Nesta perspectiva, acrescenta José Carlos Matias, a agenda da China vai ficar marcada pelas relações com os vizinhos e com o número um da economia mundial, os Estados Unidos da América: “A questão da vizinhança é uma questão que, obviamente, poderá marcar esta década. A gestão das relações com determinados vizinhos no Sudeste Asiático e, claro está, com o Japão, vai continuar em cima da mesa, bem como a questão da Península Coreana”. Quanto aos Estados Unidos, “é a relação central”, entende o investigador. “Diria que a China e os Estados Unidos estão condenados a terem uma espécie de mecanismo de consulta permanente. Têm a beneficiar se procurarem encaixar-se, se os Estados Unidos encaixarem a emergência da China e a China se encaixar enquanto poder emergente a nível internacional, económico e não só.” Depois de dez anos em que quase tudo mudou na China, vêm aí mais uma década em que quase tudo pode mudar de novo. Mas certezas, destaca José Carlos Matias, só depois de a nova liderança começar a trabalhar. “É preciso saber qual é o pensamento e qual é a visão de Xi Jinping, de Li Keqiang e dos outros líderes, e se isso é assim tão importante, no sentido em que estamos perante um modelo colectivo”, lembra. Os líderes terão de “responder a várias pressões, vindas do Exército Popular de Libertação, de vários sectores a nível industrial – o sector energético e petrolífero tem um peso extraordinário –, e depois, claro, os outros sectores da economia que poderão puxar o país por outro lado”. No próximo mês, lançam-se os dados para mais dez anos de jogo, com os escolhidos do Partido a assumirem os cargos de topo do país em Março do próximo ano. Num processo feito de incógnitas, José Carlos Matias avança com uma certeza: “Será uma década fascinante”.

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XI JINPING

NASCEU em 1953 e teve uma infância atormentada pelas perseguições feitas ao pai. Xi Jinping é filho de Xi Zhongxun, um revolucionário protagonista da Longa Marcha, que caiu em desgraça aos olhos do regime. O homem que, em Março do próximo ano, deverá assumir a presidência da China, é, portanto, aquilo a que se chama um “Príncipe Vermelho”. Os anos difíceis do pai foram tempos amargos para Xi Jinping, que esteve numa comuna popular em Shaanxi, de

onde fugiu para, mais tarde, ser apanhado. Foi obrigado a denunciar o pai e a crescer com paciência – uma das virtudes que lhe é, de resto, apontada pelos analistas. Os tempos mudaram e o pai de Xi Jinping acabou por se tornar numa figura essencial da reforma imaginada por Deng Xiaoping, na década de 1980: Xi Zhongxun foi um dos arquitectos das zonas económicas especiais da China, um homem virado para a reforma do país, o que acabou por influenciar o pensamento político do filho que, entretanto, se tornou engenheiro químico e doutor em ciências sociais. Tido como estando “na primeira linha do reformismo económico chinês”, o futuro Presidente tem um “estilo sóbrio”, dizem os analistas, que chega “a raiar a modéstia”. Casado em segundas núpcias com uma cantora muito popular na China, Xi Jinping mandou a única filha do casal estudar em Harvard. Dizem que é um homem virado para o mundo, conhecedor das regras da globalização e dos sistemas institucionais do Ocidente. Xi está no Partido Comunista Chinês (PCC) desde 1974, numa altura em

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que era ainda estudante. Passou por várias províncias, sempre ao serviço do Partido, e foi governador em Fujian e Zhejiang. Em 2007, mudou-se para Xangai, para ser secretário do PCC na capital económica do país. Foi substituir um antigo membro do partido condenado por corrupção – a nomeação para um lugar de tanta importância, e no contexto em que aconteceu, conta muito na hierarquia da nomenclatura. No mesmo ano, entrou no Comité Permanente do Politburo, o grupo dos nove mais poderosos do Partido, sendo que, também em 2007, passou a presidir à Escola Central do Partido Comunista Chinês, cargo que ainda desempenha. Sobre Xi Jinping, diz-se ainda ser um defensor de um desenvolvimento económico virado para o mercado, mas certo é que tem mostrado também forte apoio às grandes empresas, ou seja, às que são detidas pelo Estado. Quanto às reformas políticas, o futuro Presidente, protegido de Jiang Zemin, parece ser menos liberal: entra no grupo dos conservadores, dos que partilham as velhas doutrinas marxistas.

LI KEQIANG

O FUTURO primeiro-ministro nasceu em 1955 e estudou Direito, mas tem um doutoramento em Economia. Há quem lhe chame “o novo cérebro da macroeconomia”. O sucessor de Wen Jiabao é o “protegido” de Hu Jintao. A relação com o actual Presidente começou na década de 1980, na ala jovem do Partido Comunista Chinês. Foi por proposta de Hu Jintao que Li Keqiang entrou no Comité Permanente do Politburo.

Visto como um homem sensível e tolerante, não agrada a algumas facções – sobretudo aos mais conservadores –, mas os analistas dizem que não é um homem de rupturas, sendo, portanto, um adepto dos consensos. Li Keqiang tem uma história familiar diferente da de Xi Jinping. Natural de Anhui, província pobre no centro da China, é filho de gente humilde: o pai era apenas um funcionário da administração local, que teve, porém, o rasgo de, em plena Revolução Cultural, arranjar para o filho um professor que, clandestinamente, lhe ensinou o gosto pela arte e pela literatura. O futuro primeiro-ministro não escapou à vida nas comunas – foi enviado para uma das mais miseráveis da província. Ainda assim, nos quatro anos que lá esteve, continuou a estudar. Em 1978, na nova era de Deng Xiaoping, Li Keqiang inscreveu-se na Juventude Comunista e recuperou o tempo perdido: foi para a faculdade. Em 1982, estava formado, o que faz dele um dos primeiros juristas da história do pós-maoismo.

Quanto ao percurso dentro do Partido, Li Keqiang encontrou resistências durante a ascensão ao poder. Chegou a ser conhecido por “ave de mau agouro” porque, quando era governador em Henan, em 1999, o mandato foi manchado por uma série de catástrofes naturais. Acabou por ser transferido para Liaoning mas, dois meses, depois uma explosão numa mina na província fez mais de 200 mortos. Mas o maior desaire político de Li Keqiang aconteceu em Henan, onde foi governador. Quando tomou posse, encontrou uma província devastada pela sida. Milhares de camponeses vendiam sangue a estruturas ligadas ao partido, que recolhia plasma para revender a multinacionais. As associações de voluntários que estiveram no local acusam Li Keqiang de não ter culpabilizado os responsáveis pela tragédia e de se ter limitado a garantir fundos para os tratamentos. Vice-primeiro ministro executivo desde 2008, Li Keqiang é membro do comité central do Partido Comunista Chinês.


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Os outros candidatos ao poder Zhang Dejiang

Yu Zhengsheng LÍDER DO PARTIDO em Xangai, Yu Zhengsheng é o nome apontado para suceder a Wu Bangguo à frente da Assembleia Popular Nacional. Para José Carlos Matias, jornalista e investigador sobre a China, Yu Zhengsheng tem todas as condições para entrar no grupo dos políticos com mais poder. “Nas vésperas de qualquer congresso do Partido Comunista Chinês, alguém que é secretário do Partido em Xangai e que ainda não faz parte do Comité Permanente do Politburo é, por natureza, um fortíssimo candidato. Há cinco anos, o secretário do Partido em Xangai era Xi Jinping e foi, na altura, promovido”, recorda. O futuro Presidente “ascendeu, tomando a dianteira como o líder da quinta geração.” Mas Yu Zhengsheng é um homem com um perfil diferente do Xi Jinping, até porque nasceu em 1945. “Se tivermos em conta o princípio da retirada de altos cargos políticos por volta dos 70, 71 anos – uma regra não escrita, mas que tem sido seguida sobretudo desde a transição de Jiang Zemin para Hu Jintao –, esta será a oportunidade para Yu Zhengsheng ascender ao grupo do centro nevrálgico do poder.” Tal faz com que, se Yu for escolhido, em 2017 deva sair do Comité Permanente do Politburo. Sobre o líder do PCC em Xangai, há ainda a dizer que este “Príncipe Vermelho”, filho de um revolucionário, é visto pelos analistas como um dos protegidos de Deng Xiaoping e de Jiang Zemin.

FOI PARA CHONGQING depois da queda de Bo Xilai, o que é desde logo um sinal da forte confiança depositada a este aliado de Jiang Zemin. Zhang Dejiang deve agora regressar a Pequim, para presidir à Conferência Consultiva Política do Povo Chinês. É tido como o mais conservador dos nomes apontados para o Comité Permanente do Politburo (CPP). “Tem um percurso de facto bastante interessante. Tal como Yu Zhengsheng, nasceu em meados dos anos 1940, pelo que também é esta a última oportunidade para ascender ao CPP. Tem um percurso interessante desde logo por ser formado em Economia na Universidade Kim Il-sung, na Coreia do Norte”, destaca o investigador José Carlos Matias. Zhang Dejiang é, desde 2008, vice-primeiro-ministro com funções não executivas. O facto de ter assumido o lugar outrora de Bo Xilai é um sinal da força política que tem, mas não só: “Indica também aquilo que alguns analistas políticos encararam como uma solução de compromisso”. Ou seja, “o afastamento de Bo Xilai terá sido uma solução de compromisso entre aquilo que interessava, tendo em conta a situação, a Hu Jintao e ao seu grupo, ao próprio futuro líder Xi Jinping e às pessoas mais próximas, e ao próprio Jiang Zemin”.

A ligação de Zhang Dejiang a Jiang Zemin vem do início dos anos 1990, quando Jiang Zemin visitou a Coreia do Norte pela primeira vez após ter ascendido ao lugar de secretário-geral do Partido. “Foi Zhang que organizou a visita e desempenhou um papel importante”, contextualiza José Carlos Matias. “Desde essa altura que os analistas consideram que é uma figura com um grau de ‘guanxi’, de relacionamento com o universo que gira em torno do anterior líder.”

Ainda sobre Zhang Dejiang, há a dizer que é um defensor do fortalecimento das empresas estatais, ou seja, do ponto de vista económico, não é um liberal.

Li Yuanchao LIDERA O PODEROSO Departamento de Organização do Partido Comunista Chinês e deve ser nomeado vice-presidente. Li Yuanchao é apontado como o futuro responsável pelos assuntos de Macau e Hong Kong. “É uma figura muito importante”, diz o investigador José Carlos Matias. “É considerado uma figura próxima de Hu Jintao, sobretudo desde os anos 1980, altura em que o actual Presidente liderou a Liga da Juventude Comunista”, estrutura da qual Li emergiu. “Existe uma relação próxima de vários desses quadros da Liga com o Presidente Hu Jintao. Li Yuanchao é considerado um dos mais brilhantes e interessantes membros dessa sensibilidade.” Li Yuanchao faz parte da linha de Li Keqiang, o provável futuro primeiro-ministro. O facto de estar à frente do Departamento de Organização demonstra a importância política que tem. “É uma figura forte, que certamente terá uma palavra a dizer e que poderá ser, no ranking a ser decidido – só saberemos quando forem anunciados no final do Congresso – candidato a um lugar bastante cimeiro nesse mesmo ranking”, refere José Carlos Matias. “O facto de ser apontado por vários analistas como uma pessoa que, dentro do Comité Permanente do Politburo, pode vir a liderar o grupo responsável que coordena as questões de Macau e de Hong Kong, sucedendo assim ao vice-presidente Xi Jinping, será também algo interessante. Também há quem refira que, por essa ordem de razões, e também olhando para certos precedentes, podemos ter uma situação em que poderá ser vice-presidente.”

Wang Qishan VICE-PRIMEIRO-MINISTRO desde 2008, Wang Qishan é conhecido por ser perito em assuntos económicos e financeiros. Goza de prestígio e tem uma boa imagem a nível internacional, sendo um político habituado a tarefas difíceis. “Foi uma pessoa que mereceu a confiança em alturas delicadas”, descreve José Carlos Matias, fazendo referência à síndroma respiratória aguda na China, em 2003. Na sequência do afastamento do presidente da Câmara de Pequim, Wang Qishan ocupou o cargo principal no município da capital chinesa, onde ficou até 2007. “Tem trabalho de investigação feito na Academia de Ciências Sociais Chinesas, quando ainda era relativamente jovem”, acrescenta o jornalista e investigador, e “uma relação de proximidade com Jiang Zemin”, que vem de laços de amizade fortes com um dos filhos do antigo Presidente.


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Muitos nomes para um só lugar WANG YAN, Liu Yandong, Zhang Gaoli e Liu Yunshan são candidatos a um lugar no Comité Permanente do Politburo, mas há menos certezas sobre estes nomes. Já esta semana, foi tornado público o resultado de uma votação interna no Partido Comunista Chinês (PCC) que coloca Zhang Gaoli, figura próxima do antigo Presidente Jiang Zemin, numa posição confortável para subir na hierarquia da estrutura. Secretário do PCC em Tianjin, Zhang Gaoli, faz parte da geração nascida na década de 1940 e tem este ano a última oportunidade de entrar para o centro nevrálgico do poder. “Membro do Politburo desde 2007, ano em que passou a liderar o Partido em Tianjin, é membro de pleno direito do Comité Central – posições que fazem com que cumpra alguns requisitos para ser um candidato à ascensão”, explica José Carlos Matias, jornalista e investigador sobre a China. Zhang Gaoli enfrenta uma forte concorrência, a começar pelo chefe do Partido em Guangdong. Wang Yang, líder do PCC na província vizinha, teria um lugar assegurado num Comité Permanente com nove assentos, mas na perspectiva de serem só sete os lugares, poderá ficar de fora. Se tal não acontecer, e conseguir entrar no grupo dos políticos mais importantes, então é possível fazer algumas leituras políticas, desde logo por ser próximo da linha de Hu Jintao. “Wang Yang destacou-se como secretário do Partido em Guangdong, uma posição muito forte”, aponta José Carlos Matias. “Procurou trazer algo de novo, refrescar o discurso, e olhar para Guangdong numa perspectiva de dez a 15 anos, para que a província se possa equiparar, em termos de PIB e de desenvolvimento económico, a uma Coreia do Sul.” Wang defende “uma reestruturação económica e industrial de Guangdong que deixe de passar em grande medida pela mão-de-obra intensiva, para uma aposta maior no capital intensivo e na especialização na tecnologia”. Enquanto político, Wang Yang é tido como um promotor de um discurso de maior contacto com os cidadãos – o que, destaca José Carlos Matias, nem sempre tem uma aplicação prática. Ainda assim, o líder do PCC em Guangdong é um homem que fala em “mecanismos de auscultação e de consulta de várias forças da sociedade, procurando religar o Partido às suas bases, e à classe média e aos profissionais”. Wang Yang tem como trunfo ser capaz de lidar com as muitas revoltas sociais que vão acontecendo na província vizinha, mas bem colocado na corrida está também Liu Yunshan, o responsável máximo pelo Departamento de Propaganda. Liu faz parte do grupo dos que têm agora a última oportunidade.

“Tem um percurso ligado, neste caso, ao Presidente Hu Jintao, pelo que seria uma figura que poderia reforçar a influência pós-Congresso do actual Presidente. Tem um percurso interessante nas zonas rurais, coincidindo em termos de perfil com homens próximos a Hu Jintao”, refere o investigador. Liu Yunshan trabalhou na Mongólia Interior e, à semelhança de outras figuras da sua geração, foi enviado para zonas rurais durante a Revolução Cultural. “Tem um percurso ao nível da Propaganda e uma experiência de 25 anos”, acrescenta ainda José Carlos Matias. “Julgo que, na perspectiva do Partido, terá feito

um trabalho competente e eficaz que poderá ser recompensado.” Na corrida ao lugar que sobra no Comité Permanente do Politburo está ainda uma mulher, Liu Yandong, “uma figura interessante, membro do Conselho de Estado, com trabalho feito, durante vários anos, na coordenação e liderança do departamento da Frente Unida que faz a ligação aos grupos da sociedade, fora do Partido”. Liu Yandong, refere o investigador, “procura também fazer uma ligação forte com os compatriotas de Macau, Hong Kong e Taiwan”. Tem uma relação com Macau “considerável”: “Encontrou-se mais do

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que uma vez com figuras da comunidade macaense, quer aqui, quer em Pequim, durante visitas de representantes da comunidade. Segundo vários analistas, teve um papel importante na coordenação da política de gestão dos dossiês de Macau e Hong Kong dentro do Politburo porque, embora tendo sido Xi Jinping o coordenador dessa pasta, Liu terá sido colocada a auxiliá-lo”. Há já vários anos que não há uma mulher no centro do poder na China. Com ligações a Hu Jintao, Liu Yandong poderá ficar de fora se, no jogo de equilíbrios entre as várias facções, o pêndulo for sobretudo para o lado de Jiang Zemin.


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António Graça de Abreu

“São as ruas de Cantão sombrias e mal-cheirosas, com o aspecto de pobreza e decrepitude das construções que as bordam, e com lama viscosa de chiqueiro que as tapeta durante uma grande parte do ano.”1 Camilo Pessanha (No seu prefácio escrito em Maio de 1912, ao Esboço Crítico da Civilização Chinesa, de Morais Palha)

CONFESSO que não gosto da cidade de Cantão ou 广州Guangzhou, não pelas razões pressurosamente apresentadas há cem anos atrás por Camilo Pessanha (que de resto, apesar da permanência de mais de trinta anos em Macau, da grande China só conheceu Macau, Hong Kong e Cantão), mas porque a cidade, hoje tão rasgada por enormes avenidas e arranha-céus, jamais mexeu comigo em termos de sensibilidade e entendimentos. Culpa minha, por certo. Aqui cheguei pela primeira vez em 1979, na extensa viagem de comboio e depois minibus desde Pequim até Macau. Voltei no ano seguinte na companhia do Wang Quanli, meu chefe na secção portuguesa das Edições de Pequim em Línguas Estrangeiras. Veio como meu intérprete para me ajudar na investigação que então eu fazia, como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian sobre documentação Portugal-Macau-China existente no Império do Meio e, neste caso, na Biblioteca Central de Cantão. Antes de seguirmos para Macau, fomos jantar com um amigo dele a um excelente restaurante onde nos serviram dezenas de estranhíssimos petiscos da cozinha cantonense que eu não sabia, nem sei hoje, identificar. Comemos como bons mandarins do passado – eles estavam informados de que a conta era para o português pagar! --, e recordo um caldo de pedaços de cobra perfumado com coentros e outras ervas. Os camaradas chineses diziam-me que era sopa de galinha quando se estava mesmo a ver que se tratava de nacos redondinhos de cobra. Tenho uma fotografia com o Wang Quanli, tirada na altura, a preto e branco, numa China naturalmente toda a cores, diante da torre Zhenhai, construída em 1380 e transformada no Museu da Cidade da Cantão. Estou com 32 anos e recordo as cores da minha indumentária, uma camisa branca, um casaco chinês azul e umas calças portuguesas verdes à boca de sino, segundo o estilo ocidental da época. Wang Quanli, também segundo a moda chinesa de então, veste todo de azul, o fatinho “à Mao”. Regressei a Cantão já não sei quantas vezes, sempre nas entradas ou saídas desde a gran-

广州CANTÃO D C H I N A C

de China para Macau e Hong Kong, ambas situadas a apenas 120/130 quilómetros de distância. Continuo a não gostar da cidade, agora pejada de fábricas, de construções modernas e chusmas de arranha-céus feios, como aquela enorme e moderníssima Torre de Cantão, tipo gigantesca rosca alteada que à noite se cobre das mais improváveis misturas de cores psicadélicas, quase todas de um refinado mau gosto. Em Setembro de 1992 cheguei a Cantão vindo de Chengdu, após longa jornada desde Lisboa que englobara já Moscovo, Pequim, Xi’an, Chengdu, Lhasa e outra vez Chengdu. Era o meu grupo de 27 alunos em viagem, já avançado nos anos, do curso de História da China e de História de Macau que eu leccionara no auditório da Missão de Macau em Lisboa. Saímos do Boeing 707 no aeroporto de Cantão com uma temperatura de trinta e tal graus e uma humidade de 95%, a China subtropical brindava-nos com aquele imenso bafo sufocante e quente que mexia com todos nós. O autocarro que nos levaria ao hotel encontrava-se quase a um quilómetro de distância, no parque de estacionamento do aeroporto. Não havia quem nos carregasse as malas e foi o arrastar das já pesadas bagagens, obesas de tantas compras na China. Ao chegar ao autocarro, a Teresa Almeida Ribeiro diz “Eu rebentei!” Desmaia e cai. A senhora, uma das mais divertidas e perspicazes companheiras de viagem, – fumava com prazer umas tantas cigarrilhas espiralando o fumo no ar e tinha uma gargalhada infindável, inesquecível –-, sessenta e dois anos loiros e trigueiros acabados de fazer em Lhasa, no Tibete, não aguenta o cansaço e desfalece, esvai-se rapidamente. No banco da frente do autocarro, amparo a Teresa nos meus braços. Arrancamos céleres para um hospital situado logo ali, a oitocentos metros do aeroporto. A cabeça da Teresa cai sobre o meu braço direito, o rosto está cinzento, palpo-lhe o pulso, parado, sem vida. Chegados ao hospital, ainda na maca fazem-lhe respiração boca a boca, massajam-lhe o coração. A Teresa não reage, está morta. Uma fulminante embolia cerebral. Partiu sem sofrimento, cumpriu-se a inexorável, injusta lei da vida e da morte. Avanço com o meu combalido grupo para o hotel, um qualquer coisa Central Plaza, não fui capaz de fixar o nome. Viaja connosco um compadre da Teresa, o Vassalo e Silva que tem o telefone da sua filha. Ligamos para Lisboa onde são duas horas da manhã. Falo com uma estremunhada voz masculina, o genro da Teresa. Faço o relato do sucedido, destacando a verdade, a Maria Teresa teve morte súbita, não sofreu, morreu em paz. Os chineses pedem

a presença de um membro da família, caso os familiares decidam levar o corpo de regresso a Portugal. Se tal não acontece, será cremada e ficará em Cantão. Do outro lado da linha, em Lisboa, o genro da Teresa, quase emudecido de espanto e surpresa, diz-me: “Amanhã há conselho de ministros, vou falar com o Prof. Cavaco.” Pergunto: “Falar com o Prof. Cavaco? Desculpe, mas eu estou a falar com quem?”

“Sou o ministro da Finanças, Jorge Braga de Macedo.” Duas horas depois, recebo no hotel uma chamada telefónica do secretário do Dr. Salavessa da Costa, um dos secretários adjuntos do governo de Macau. Está em Cantão e recebeu ordens para nos ajudar em tudo o que for necessário. No dia seguinte chegará o próprio Dr. Salavessa. De resto, naqueles dias estava a ter lugar em Cantão,


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R Ó N I C A

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DA MINHA TRISTEZA no hotel Cisne Branco, uma semana de promoção do turismo em Macau. À noite vou à morgue -- ou a uma das morgues de Cantão, não sei se existiam mais na cidade que tinha então cinco milhões de habitantes --, identificar o corpo da Teresa. Entro, sou conduzido para uma espécie de armazém, o lugar mais sinistro que alguma vez conheci, um horror, um pavor de estarrecer, uma visão real das profundezas

do inferno. Enquanto aguardo autorização para seguir para o complexo das câmaras frigoríficas onde a Teresa está depositada, assisto à chegada quase contínua de corpos de pessoas mortas. Cadáveres esventrados e decepados, sangues acastanhados em trapos sujos, corpos amontoados no chão, pelos cantos, hirtos e ressequidos, despejados das macas. Um cheiro fétido que se entranha nas narinas e no meu cérebro.

Lá fora, do outro lado das paredes do armazém da morgue, ouve-se o choro, os gritos lancinantes de familiares. A Teresa está bem, relativamente longe desta mórbida confusão. Abrem o gavetão com o seu corpo. O rosto frio, branco, sossegado. Partiste cedo demais, minha amiga, descansa em paz, entra no aconchego de Deus, avança na serenidade do tempo. Vêm-me entregar a roupa da Teresa. Falta um

cinto com uma bolsa que a Margarida Dornelas, sua companheira de quarto na viagem, me dissera que ela usava por baixo da roupa e onde se deveriam encontrar cerca de 4.000 dólares. Pergunto pela bolsa, ninguém sabe. Peço para investigarem. Dizem-me mais tarde que a Teresa não trazia cinto, nem bolsa nenhuma. Na morgue de Cantão alguém ficou com 4.000 dólares norte-americanos. Regresso ao hotel com as imagens tenebrosas daquela morgue chinesa a pairar diante de mim. Todo o meu grupo, que logo após o falecimento da Teresa animei quanto pude, havia saído com o guia local para o jantar nocturno a bordo de um barco no passeio pelo rio da Pérolas. Sozinho no hotel, tenho fome, acho que nunca senti tanta fome em toda a minha vida. Há jantar buffet no hotel qualquer coisa Central Plaza, cidade de Cantão. São quase dez horas da noite, o restaurante vai fechar mas ainda dá para eu me servir. Bebo três ou quatro cervejas, encho dois pratos com uma imensidade de iguarias. Tenho sede de viver, tenho fome de vida. Dois dias depois voltei à morgue, com o Dr. Salavessa e a Isabel Cardoso, a mais jovem companheira do meu grupo em viagem. Comprámos uns rolos de seda branca e fomos embrulhar o corpo da Teresa, envolvê-la em seda pura de excepcional qualidade. Ficou a descansar num caixão, pronta para o longo transporte para Portugal. O general Rocha Vieira, governador de Macau, e sobretudo o Dr. Salavessa da Costa, secretário adjunto, foram inexcedíveis no apoio em dias tão difíceis vividos em Cantão. Um bem haja aos dois e também um abraço fraterno para a Maria José Baião que nos acompanhou três dias depois, dedicada e amiga, em Macau. Cinco dias após o falecimento da Teresa, às sete horas da manhã, o bom padre Manuel Teixeira, na igreja do Colégio de Santa Rosa de Lima, em Macau, dizia missa por alma de Maria Teresa de Almeida Ribeiro. O meu grupo de 26 portugueses estava quase todo ali, com a memória da Teresa, com o padre Teixeira, com o nosso Deus. Sete dias depois, em Lisboa, na Basílica da Estrela realizava-se a missa de corpo presente. O corpo da Teresa viajara de Cantão para Hong Kong, de helicóptero e por fim de avião de Hong Kong para Frankfurt, e de Frankfurt para Lisboa. Após a missa e o encontro com o Céu, a Teresa, depois da China, descia por fim à terra lusitana. Para todos nós, Cantão estava definitivamente longe. 1 Camilo Pessanha, China (estudos e traduções), Lisboa, Agência Geral das Colónias, 1944, pag. 35.


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U T O P I A S F R Á G E I S

PROJECTO DE EXPOSIÇÃO SOBRE

CAMILO PESSANHA QUE NUNCA CHEGOU A ACONTECER Carlos Morais José O Barco – Eu vi a luz em um país perdido. Imagem geral do convés ou do camarote do navio. Sugestão de lugares por onde Camilo Pessanha passou: Suez, Marselha, Singapura, Malásia, Adém, etc. Temas biográficos: Os primeiros anos e partida para o Oriente, a juventude, o estudante, o viajante. Temas literários: o poemas sobre o mar, o amor e a partida, a viagem; cartas (podem ser lidos extractos). A Cidade – Meus olhos apagados vede a água cair. Coimbra e Macau na época de Camilo Pessanha Utilização de fotografias da época ou mesmo um filme, se existir. Temas biográficos: A vida de Macau (professor, advogado, juiz), a euforia, o Direito. Temas literários: A crítica. Poemas e textos relacionados com Macau. O poeta e a cidade.

A Casa – Tudo matéria... tudo podridão Pessanha mundis. O quarto, o interior, as mulheres, o recolhimento, a morte. Temas biográficos: Pessanha e a cultura chinesa, a colecção, o longo e contínuo afastamento do mundo e das pessoas, o ópio. Temas literários: Poemas íntimos (ex.: Branco e Vermelho). As traduções das elegias.


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À S U P E R F Í C I E

próximo oriente

Hugo Pinto

COME ON, FEEL THE NOISE “I certainly had no feeling for harmony, and Schoenberg thought that that would make it impossible for me to write music. He said, ‘You’ll come to a wall you won’t be able to get through.’ So I said, ‘I’ll beat my head against that wall.’ “ John Cage

“Howling into Harmony” é o título do documentário estreado este Verão, em Pequim, que retrata a nova geração (a segunda, para usar a terminologia aplicada ao cinema) de músicos chineses dedicados a uma das mais extremas formas de expressão: o “noise”. Realizado pelo canadiano Joshua Frank ao longo de seis meses, em 2011, “Howling into Harmony” foca a atenção em três dos nomes mais relevantes da cena actual, que tem epicentro na capital chinesa: Li Yang Yang (Raying Temple, Nojiji), He Fan (Birdstriking, Carsick Cars, Deadly Cradle Death) e Li Qing (Soviet Pop, Snapline). Pelos respectivos percursos, origens e projectos nos quais se desdobram, os três protagonistas de “Howling into Harmony” representam diversas facetas da já de si multifacetada Pequim da cena artística, da música, dos clubes nocturnos, dos estúdios, dos armazéns, da clandestinidade, das ruas desertas e fora de horas, da criatividade que demasiadas vezes não tem senão que bater numa grande muralha. Depois de artistas como Yan Jun, Li Jianhong ou Turturing Nurse terem desbravado caminho nas sínicas experiências “noise”, Joshua Frank decide apontar a câmara e o microfone aos que seguiram as pisadas dos mestres pioneiros. Enquanto o documentário não tem distribuição comercial assegurada (e enquanto não é exibido numa qualquer sessão da animada temporada cinematográfica de Macau...), para aguçar o apetite resta o “trailer” e alguma literatura, de entre a qual se destaca o artigo que o realizador Joshua Frank escreveu para a revista Discosalt, onde nos elucida sobre os três jovens “fazedores de barulho”. Ficamos assim a saber, por exemplo, que, em 2003, Li Yang Yang abandonou a província

de Shandong para rumar até Pequim. Acompanhado de pouco mais do que uma guitarra, com os escritos de Jack Kerouac e William Burroughs na cabeça e nas veias, quiçá inspirado nas origens rurais, decide criar uma comuna nos arrabaldes da capital (Tongzhou), onde se junta um colectivo de artistas (ainda activo e chamado Nojiji, que também é nome de editora), e onde também operam um clube e sala de espectáculos chamada Raying Temple. Dos três personagens de “Howling into Harmony”, Li Yang Yang, descreve Joshua Frank, é o mais extremoso devoto da obliteração de qualquer convenção musical. He Fan, estudante universitário ainda a viver com os pais, mostra maior propensão para “letras em forma de hinos” embutidas no rock de guitarras do tipo “wall of sound” que pratica, igualmente, no projecto Carsick Cars, do qual faz parte. “Mais pensativa e comedida”, Li Qing é uma “construtora de sons” e meticulosa dominadora e coleccionadora de sintetizadores “vintage” comprados no eBay. “Para os observadores ocidentais”, escreve Joshua Frank, “pode ser tentador cair numa série de chavões redutores” [passe a redundância], como pensar que o rock chinês é “a definitiva afirmação num regime totalitário”. No entanto, continua o realizador, “a verdade é que, de Pequim a Brooklyn, a maior parte de nós forma bandas pelas mesmas razões: é divertido, é ‘cool’, e a expressão individual é uma forma de provocar uma grande agitação”. Mas os idealistas que não desanimem. Na China, o simples facto de se levar a vida como músico é um gesto de grande significado político. Numa sociedade que tende a apagar os traços distintivos e individualistas e que promove a medição do sucesso pela propriedade de uma habitação, um automóvel e um casamento (tal como no resto do mundo, vendo bem), a música (para não dizer o “noise”) é a antítese perfeita da vontade do regime. Uma outra espécie de harmonia. De uma barulhenta harmonia.

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C I D A D E S I N V I S Í V E I S

metrópolis

Tiago Quadros*

A CASA INVISÍVEL DE ANDO NADA, a não ser um cubo de betão branco, deixa suspeitar que, para além do portão, a poucos suspiros de distância, podemos olhar uma obra de Tadao Ando. É ao fazermos o caminho das árvores alinhadas que vemos emergir na planície verde, o recorte luminoso de uma caixa de metal, atrás da qual, logo acima da linha do horizonte, se estende um perfil em betão. Estamos em Itália. Para atingirmos o centro da casa, espaço de ventre ameno, descemos ainda abalados a encosta. A imagem de um janelão imponente convida-nos a entrar – o coração da casa abre-se ainda frio. Antes de chegarmos atravessamos um corredor, e depois outro à direita. Paramos numa antecâmara e voltamos a virar à direita, descemos uma escada. O passeio sinuoso e até confuso percorrido até aqui, representa a “sequência espacial plena de variações” mencionada por Tadao Ando quando ele próprio conta como, neste trabalho, queria criar “um labirinto subterrâneo, cheio de diferentes experiências espaciais, inesperadas na vida quotidiana”. Antes mesmo de descermos somos convidados, num jogo de avanços e recuos, que acompanha o desenho e a organização interna da casa, a contemplarmos novamente o mesmo janelão, agora do lado de dentro. Embora estejamos abaixo do nível do solo, a luz natural que abunda entra pelo janelão. A parte anterior da sala revela-nos uma vasta extensão de

relvado. O lado íngreme da trincheira é aqui substituído por um declive artificial, sem limite aparente, produzindo a ilusão de um grande espaço aberto. Surpreendente, no entanto, é o facto de este lado do edifício não ser tratado como “traseiras”, chegando mesmo a parecer o alçado mais articulado de todo o projecto. De volta ao exterior, vislumbramos um longo muro à esquerda, que continua até desaparecer no chão. O convite agora é para desviarmos o olhar em direcção à piscina. A estrutura imponente de betão, que protege toda esta área da luz, ajudando também a articular o espaço interior com o exterior, quase parece o enorme pórtico de uma fachada. Surge, assim, uma surpreendente inversão dos atributos e das funções entre o alçado da entrada e o da parte anterior: tão mudo, o primeiro, quanto dilatado, o segundo. Da sala de estar acede-se à sala de jantar, que com o pátio interior, do qual está separado por uma membrana feita de vidro, parece ser um espaço único. Contido por muros altos de betão, o pátio surge como um espaço encerrado, apenas com o céu como anúncio - inatingível – de um mundo exterior. O programa apresentado pelos clientes era, desde o início, muito claro: era pedido a Tadao Ando que procurasse acima de tudo a privacidade dos habitantes na casa. Neste sentido, o pedido imposto a Tadao Ando era já tema de trabalho e

Para Tadao Ando, o espaço só ganha vida quando as pessoas entram nele. Então, uma das funções mais importantes que a arquitectura pode desempenhar, e que o espaço desempenha dentro da arquitectura, é o de estimular a interacção entre as pessoas investigação para o arquitecto japonês, autor de um grande conjunto de casas encerradas e programaticamente indiferentes ao contexto. Assim, o tema real do projecto passou a ser desenvolvido em linha, não como um constrangimento a evitar a todo o custo, mas antes como um convite para dar continuidade às ex-

periências em curso, nomeadamente em relação ao uso da luz natural, modelada como um elemento constitutivo do espaço. É a partir destes dados que Tadao Ando se vai aproximar do conceito de uma casa afundada, sem vontade de entender o contexto em que se insere. Para Tadao Ando, o espaço só ganha vida quando as pessoas entram nele. Então, uma das funções mais importantes que a arquitectura pode desempenhar, e que o espaço desempenha dentro da arquitectura, é o de estimular a interacção entre as pessoas, e a interacção entre as pessoas e as ideias expressas nas pinturas e nas esculturas, e, o que é mais importante, o de estimular a interacção dentro de cada um. Paredes, tectos e janelas devem estimular ideias, e, segundo o arquitecto japonês, as ideias não são puras. Com efeito, um espaço nunca é uma coisa só. É um lugar para muitos sentidos: visão, audição e tacto, entre outros. A casa construída por Tadao Ando em 2002, em Itália, foi baptizada de casa invisível. Para a escolha do nome pesaram, as intenções iniciais que propunham enterrar o edifício na sua quase totalidade, deixando apenas à superfície uma grade regular de quadrados desenhados no relvado. *Arquitecto, Mestre em Cor na Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa


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C I D A D E S I N V I S Í V E I S

perspectivas Jorge Rodrigues Simão

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A BIOSEMIÓTICA “To modern science, dualism still holds good as a way of dividing the world into two kingdoms, those of mind and of matter, the cultural and the natural spheres. Non-intervention is still the easiest compromise and one which ensures that both the humanities and the natural sciences can get on with their work undisturbed. And it is this boundary that biosemiotics seeks to cross in hopes of establishing a link between the two alienated sides of our existence-to give humanity its place in nature.” Signs of Meaning in the Universe Jesper Hoffmeyer

O CONCEITO de biosemiótica foi pela primeira vez usado pelo bioquímico dinamarquês Jesper Hoffmeyer, professor do Instituto de Biologia da Universidade de Copenhaga, na sua digressão pelos aspectos teóricos da biologia, ao referir-se a uma nova propriedade emergente de todos os sistemas vivos e que apareceu no planeta com a origem da vida e foi aumentando com a evolução. A sua argumentação teórica é desenvolvida no fundamento de que a biosemiótica, constitui uma ponte entre a história dos sistemas termodinâmicos e a humana no seu sentido cultural. É defensor do pensamento de que o estudo das ciências da vida, relativamente à comunicação, progrediu em duas direcções. A primeira, explica os fenómenos de comunicação da informação em mecanismos genéticos e moleculares. É um reducionismo genético e molecular. A segunda, presentemente em desenvolvimento, é designada por semiotização da natureza, valorizando a etologia, como disciplina que estuda os padrões de comportamento específicos das espécies animais, por meio do processo de selecção natural, tendo como cientista destacado o etólogo austríaco, Konrad Lorenz, galardoado em 1973, com o prémio Nobel da Fisiologia/Medicina, pelos estudos que realizou nessa área do saber. Esta corrente de pensamento recebeu influência também das ideias defendidas pelo antropólogo, linguista e semiótico americano, Thomas Seboek. Assim, na esteira destes pensadores, a etologia é um caso particular de semiótica ao longo dos tempos, ou os desenvolvimentos da sociologia biológica e comunicação na espécie animal, base da exo-semiótica, ou seja, externos aos organismos vivos, são anteriores a esta segunda teoria. A semiótica no sentido moderno, ainda que tenha desaparecido do panorama das ciências sociais como prática, tem de facto estado presente como sensibilidade. O conhecimento do significado do ADN e a transcrição genética, bem como o papel dos sinais internos das células para estimular a cópia para a síntese de novas biomoléculas, demonstram a existência de mecanismos intracelulares de comunicação, ou uma semiótica interna (endosemiótica). Em sentido oposto, que

centraliza no ADN toda a manifestação da informação biológica, existe a ideia crítica que afirma que as células acumulam um passado evolutivo, muito amplo, que se forma nas suas estruturas, do mesmo modo que um embrião manifesta ao longo do seu desenvolvimento, as formas do seu passado evolutivo. Os avanços têm fundamento não apenas no ADN, mas também, no passado histórico que se revela morfológica e fisiologicamente na célula e que conforma o seu comportamento, ou seja, que a informação genética manifesta-se de uma forma relativamente condicionada pelo contexto material, que tem uma origem histórica ou evolutiva. Os conhecimentos obtidos permitem afirmar, por referencia à semiótica natural, que a comunicação biológica não foi estudada como um fenómeno que requer uma teoria especial ou um modelo, mas como uma desordenada acumulação de experiências das diferentes disciplinas biológicas, relativas à existência de sinais ligados a processos na natureza. As explicações dadas aos fenómenos de comunicação, para os biólogos, reduzem-se com frequência à existência de mecanismos moleculares mal conhecidos, que se estabeleceram ao longo da evolução por selecção natural e, que requerem uma ulterior investigação, refugiando-se pois, no determinismo genético e molecular, que trava o desenvolvimento de uma teoria sobre a biosemiótica. Os avanços relativos ao entendimento da evolução dos sistemas complexos, revelam que a vida é um processo criativo. Os sistemas afastados do equilíbrio termodinâmico, tendem a auto-organizarem-se, a produzir maior ordem, sem cair na entropia ou no caos. Neste modelo conceitual, a vida e a sua evolução deram lugar a múltiplas formas e sistemas de organização e de comunicação, em que o homem e as suas actividades e criações se encontram imersos. Formas e sistemas de comunicação que se foram desenvolvendo ao longo da evolução. Os mecanismos de funcionamento e organização social e cultural não são mais do que um caso particular desta evolução da vida no planeta e, por conseguinte, o seu funcionamento nos sistemas mais gerais e complexos deve estar apoiado em mecanismos surgidos em outros sistemas. Assim, com este tipo de argumentação, é possível justificar que os conhecimentos da semiótica social poderiam ter muito provavelmente uma projecção na biosemiótica, bem como o oposto. Neste sentido, Jesper Hoffmeyer, afirma que a biologia pode ser um ponto de passagem ou contacto entre a física e as novas ciências e as humanidades, uma vez que a

biologia usa métodos e princípios científicos da física e da química, como uma manifestação da natureza física da matéria e vinculando-a de forma definitiva, considerado o homem um ser biológico imerso num contexto ecológico, ou num sistema eco-social de natureza semiótica e material e defende a existência de sistemas de comunicação com o meio ambiente em todos os níveis de organização biológica, desde as bactérias ao homem. Os mecanismos mais simples têm propriedades como a quimiotaxia (processo de deslocação de células para um gradiente químico) e fototaxia ou fototropismo (processo de deslocação de alguns seres vivos, em particular determinadas plantas que respondem à luminosidade, como por exemplo, o girassol, em relação ao movimento do planeta em relação ao sol), segundo as quais as bactérias podem reagir seguindo variantes de concentrações de nutrientes ou da luz do seu meio ambiente. As bactérias, por sua vez, alteraram pelo uso dos nutrientes, por exemplo, no seu meio ambiente. No decurso da evolução os organismos que tiveram a capacidade de aumentarem as suas interacções semióticas, foram os que se desenvolveram e estão presentes na biosfera. Os aspectos semióticos dos processos materiais foram aumentando gradualmente, tendo em vista uma maior autonomia ou auto-organização dos organismos. No decurso da evolução esta tendência deu lugar, nos limites mais conhecidos, a sofisticados sistemas semióticos, como a linguagem ou o pensamento no homem e muito provavelmente também em outros animais, tal como sugerem os estudos etológicos no chimpanzé, por exemplo. A ecologia, adentro das ciências biológicas, veio a interessar-se pelas propriedades emergentes dos ecossistemas, entre as quais, a informação e a sua transmissão que têm uma enorme importância. No futuro é provável que se constate a natureza semiótica dos elementos dos ecossistemas e destes na sua globalidade, e que a ecologia teórica se desenvolva incorporando as formações semióticas num novo nível de integração. Assim, muitas observações sobre a dinâmica do ecossistema mostram possuir uma natureza semiótica. No entanto, a informação toma formas diferentes das que são reconhecíveis a partir da semiótica social. Uma população do ecossistema apresenta uma dinâmica de crescimento dependente do seu meio ambiente e de factores específicos, como a presença de alimento, espaço disponível, estado inicial da população, crescimento vegetativo nesse momento, presença de competidores, ca-

A semiótica no sentido moderno, ainda que tenha desaparecido do panorama das ciências sociais como prática, tem de facto estado presente como sensibilidade. O conhecimento do significado do ADN e a transcrição genética, bem como o papel dos sinais internos das células para estimular a cópia para a síntese de novas biomoléculas, demonstram a existência de mecanismos intracelulares de comunicação, ou uma semiótica interna (endosemiótica) racterísticas do ambiente físico-químico, entre outros. Segundo essas circunstâncias, a população em conjunto cresce, decresce ou mantém-se, ou seja, dirige-se a um estado, em função dos significados ecológicos precisos do momento e do contexto ambiental.


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老子

O L H O S A O A L T O

gente sagrada

José Simões Morais

LAO ZI, FUNDADOR DO DAO FILOSÓFICO MUITO ANTES de o Tauismo se ter transfigurado numa religião animista, era uma filosofia que ao longo de milénios, desde ancestrais tempos, se foi elaborando e com Lao Zi (sábio ancião) teve pela primeira vez tradução pela palavra escrita. Por tal considera-se Laúcio (como os primeiros jesuítas o chamaram; Lao Tzé em cantonense e Lao Zi em mandarim) o fundador da filosofia Tao ( 道Dao). Segundo o historiador Sima Qian (c.145-87 a.C.), no livro das Memórias Históricas, Lao Zi, cujo nome de nascimento era Li Er, terá nascido no reino de Chu, no período Primavera-Outono, por volta de 591 a.C. (mas segundo a tradição nasceu em 604 a.C., aparecendo também por vezes a data de 571 a.C.), em Lixiang Qurenli, atualmente designado por Cidade Palácio Taiqing, no concelho de Luyi, a Leste da província de Henan. Diz-se que Lao Zi aparentava ter 80 anos quando nasceu com cabelos brancos. Filho de um casal de Dragões Celestes, conta a lenda de um alquimista e sua mãe, que concebeu este ser iluminado ao engolir uma pérola de Luz. Lao Zi foi um historiador, arquivista e conservador da biblioteca da corte Chu durante a dinastia Zhou e resignou ao seu posto para meditando, entrar no sem Tempo do Universo. Certa vez, em 521 a.C., tinha Confúcio os seus 30 anos, quando se foi encontrar com Lao Zi, que andava pelos 70 anos. No regresso desse encontro, Confúcio disse aos seus discípulos: “Sei que as aves podem voar, os peixes nadar e os quadrúpedes correr. Os que correm podem ser apanhados com as redes; os que nadam, com as linhas; e os que voam, com as setas. Porém, ao dragão que ascende, arrebatado pelas nuvens e pelos ventos, como é que é possível apanhá-lo? Avistei-me com Lao Zi e ele é como o dragão!” Idoso, muito considerado já no seu tempo pelo seu grande saber de ancião, relatos há que narram ter nascido como criança aos 80 anos. Deve ser durante essa via-

gem que Yin Xi, quando numa noite observava as estrelas e respirava ar puro no posto da passagem de Hangu, situado no monte Zhongnan, província de Shaanxi, viu ao longe, vinda de Leste, uma massa púrpura. Percebendo que se aproximava um ser sagrado, esperou-o. O guarda de fronteira reconhecendo Lao Zi não o deixou partir para Oeste enquanto este sábio não deixasse um livro para que a sua sabedoria de vida pudesse ficar perpetuada. Para além de ter iniciado Yin Xi no Dao, Lao Zi acedeu a ser escrita a sua filosofia, algo que até então se tinha negado a fazer, deixando-nos assim o “Livro da Via e da Virtude” em mandarm Dao De Jing (道德经). “Dao é vazio. Mas se fizermos uso dele parece inesgotável. Como é profundo!” Capítulo 4 do livro Dao De Jing. Livro com 5000 carateres, em 81 curtos poemas, influenciou todos os domínios da vida chinesa, desde a medicina até à religião. Escrita a Via da Virtude pelo Dao, partiu este venerável ser para Oeste, segundo a lenda, sobre um búfalo. Ainda na Passagem de Hangu, Lao Zi, na despedida a Yin Xi, disse-lhe que renasceria três anos depois no mercado onde se vendia cabras pretas. Pouco tempo depois Yin Xi chegou a Chengdu e seguiu um rapaz que tinha uma cabra preta levando-a até a sua casa, onde espera que Lao Zi renasça. No panteão tauista, Lao Zi pertence à trindade da pessoa etérea que preside ao Céu. Estando representada no Imperador de Jade, tem como segunda entidade, o venerável do Céu que, regulando o yin e yang, escreve o livro a partir dos ensinamentos de Lao Zi sobre as doutrinas emanadas da primeira pessoa da trindade tauista, o Imperador de Jade. Por isso, Lao Zi aparece representado à direita do Imperador de Jade. Em Macau, muitos são os templos que têm a imagem de Lao Zi, sendo o seu aniversário celebrado no dia 15 da segunda Lua, segundo o calendário lunar chinês.


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L E T R A S S Í N I C A S

HUAI NAN ZI 淮南子

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O LIVRO DOS MESTRES DE HUAINAN

Igualizavam a morte e a vida e se assimilavam à mudança e à evolução.

DO ESTADO E DA SOCIEDADE – 18 Os antigos líderes consideravam leve o mundo e pequena a miríade de coisas; igualizavam a morte e a vida e se assimilavam à mudança e à evolução. Abraçavam a mente dos grandes sábios de modo a reflectirem os sentimentos de todos os seres. Acima, eram companheiros de luzes espirituais; em baixo, eram membros da criação. Se aqueles que agora desejam aprender a Via dos antigos líderes não atingem a sua clara iluminação e profunda sagacidade, mantendo somente suas leis e políticas, é obvio que não poderão governar. Como tal, obter dez espadas afiadas não

é tão bom como dominar a arte de fazer espadas.

prescreviam, mas iguais no sentido em que conquistaram o coração do povo.

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A maior simplicidade é informe; a Via que vai mais longe é imensurável. Assim, o céu é rotundo sem ser desenhado por um compasso e a terra é direita sem ser desenhada por uma régua.

Aqueles que dão valor à vida não se destroem a si mesmos em nome de ganhos materiais. Aqueles que são firmes na ética não tentam poupar-se quando avistam dificuldades. Aqueles que são gananciosos por dinheiro descuram a saúde quando avistam uma possibilidade de lucro – Aqueles que desejam um bom nome não o tentam obter injustamente.

*** As leis dos Três Augustos e dos Cinco Imperadores [NT- Grupo de líderes e heróis, de características mitológicas, do período anterior à Dinastia Xia] da alta antiguidade eram diferentes naquilo que

Tradução de Rui Cascais Ilustração de Rui Rasquinho

Huai Nan Zi (淮南子), O Livro dos Mestres de Huainan foi composto por um conjunto de sábios taoistas na corte de Huainan (actual Província de Anhui), no século II a.C., no decorrer da Dinastia Han do Oeste (206 a.C. a 9 d.C.). Conhecidos como “Os Oito Imortais”, estes sábios destilaram e refinaram o corpo de ensinamentos taoistas já existente (ou seja, o Tao Te Qing e o Chuang Tzu) num só volume, sob o patrocínio e coordenação do lendário Príncipe Liu An de Huainan. A versão portuguesa que aqui se apresenta segue uma selecção de extractos fundamentais, efectuada a partir do texto canónico completo pelo Professor Thomas Cleary e por si traduzida em Taoist Classics, Volume I, Shambhala: Boston, 2003. Estes extractos encontram-se organizados em quatro grupos: “Da Sociedade e do Estado”; “Da Guerra”; “Da Paz” e “Da Sabedoria”. O texto original chinês pode ser consultado na íntegra em www.ctext.org, na secção intitulada “Miscellaneous Schools”.


Lê os verdadeiros escritores, lê Balzac, Han Shan, Shakespeare, Dostoieveski. Jack Kerouac

O homem que um dia se chamou Han Shan, ninguém sabe quem foi. Quando alguém o via, considerava-o um doido, um pobre diabo. Vivia retirado na montanha Tiantai, sete léguas a oeste do distrito de Tangxing, num lugar chamado Han Shan (Montanha Fria), entre rochas e falésias. Daí descia frequentemente para o templo de Guoqing, ao encontro do seu amigo Shi De, encarregado da limpeza da cozinha do mosteiro que lhe guardava restos de comida em malgas feitas com cana de bambu. Lu Qiuyin, prefeito de Taizhou (Séc. IX)

Quem gosta de poesia, quem deseja abrir a mente para as mil subtilezas do budismo chan ou zen, quem procura a simples inteligência do saber encontrará em Han Shan um mestre, um confrade, um amigo. António Graça de Abreu

POEMAS DE

HAN SHAN edição bilingue

TRADUÇÃO, PREFÁCIO E NOTAS DE ANTÓNIO GRAÇA DE ABREU


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