h - Suplemento do Hoje Macau #65

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PARTE INTEGRANTE DO HOJE MACAU Nツコ 2755. Nテグ PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

ARTES, LETRAS E IDEIAS

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A RIQUEZA DE BABEL


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Peter Brughel, Cego guiando os Cegos

DO VALOR DA TRADUÇÃO

E DA TRADUÇÃO ENQUANTO VALOR Carlos Morais José

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EM me considerar um tradutor, por obrigação profissional, amiúde me vi na obrigação de me confrontar com a explicitação de conceitos estrangeiros na minha língua o que motivou, antes de mais, esta reflexão. Como qualquer Ocidental com acesso à Filosofia, desde cedo me vi confrontado com a proposição heideggeriana segundo a qual a linguagem filosófica seria Grega ou Alemã, excluindo assim outras línguas europeias da reflexão filosófica. É claro que a condição de Português imediatamente excluiria a minha língua materna de tais terrenos, caso encontrasse em Heiddeger qualquer sombra de verdade que não a causada pela sua própria arrogância e fechamento. Felizmente, descobri atempadamente uma carta de Benedito Espinosa na qual o filósofo judeu, de ascendência portuguesa, lamentava o facto de não poder, no seu tempo, discorrer noutra língua que não o Latim,

pois então era esse o idioma culto através do qual os sábios europeus comunicavam. Dizia ele que preferiria mil vezes escrever na língua em que se lhe formava o pensamento, a saber a língua de sua mãe: o Português. Ora se a minha língua era boa para Espinosa certamente que bastaria para mim. Mais tarde, perante outras leituras, nomeadamente de Pensamento Português, conclui que o linguajar camoniano nos içava a outros pa-

tamares, nomeadamente através da expressão poética, que nada deviam a outras línguas europeias. Pelo contrário, estou convencido que pensar em Língua Portuguesa nos remete para territórios por desbravar, onde a sensibilidade que a nossa expressão carrega os define como excelsos e únicos. Certamente que o mesmo se passará com outras línguas, do Sérvio-Croata ao Húngaro, passando pelo Francês. Se recuarmos no tempo, facilmente veri-

Foi o processo de tradução do Grego que fez crescer de forma consequente a filosofia europeia, admitindo a intromissão do Árabe, a cristalização do Latim e, finalmente, a transdução em Francês, Alemão e Inglês. Quer dizer: sem a existência destas permanentes traduções não se teria constituído aquilo que hoje chamamos Filosofia Ocidental

ficaremos que foi o processo de tradução do Grego que fez crescer de forma consequente a filosofia europeia, admitindo a intromissão do Árabe, a cristalização do Latim e, finalmente, a transdução em Francês, Alemão e Inglês. Quer dizer: sem a existência destas permanentes traduções não se teria constituído aquilo que hoje chamamos Filosofia Ocidental, pois na própria viagem que os conceitos executaram assim foram afinados, re-delimitados, adaptados ou, numa palavra, universalizados. Compreende-se, portanto, a diferença radical do pensamento europeu face, por exemplo, ao pensamento Chinês (que nunca passou por estes transes) e como o facto de tais conceitos se encontrarem em constante transmutação constitui uma riqueza difícil de superar. Na China, assistimos a um pensamento que sempre se desenvolveu numa só língua, o que surge reforçado pelo facto de serem expressos através de uma escrita ideográfica que, graças às suas características, contornou, quer no tempo quer no espaço, a necessidade de tradução. Poderemos, eviden-


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temente, exceptuar no contexto sínico, o advento do budismo, que exigiu o contacto com o sânscrito hindu. E repare-se como a conversão búdica de muitos intelectuais chineses enriqueceu o pensamento da China com novos conceitos. Contudo, teremos também de considerar que a forma chinesa predominante da doutrina de Sakyamuni (o budismo chan) foi extremamente influenciada pelo daoismo, tendo os conceitos desta corrente do pensamento Chinês sido utilizados para expressar os conceitos da doutrina importada, não tendo existido um contacto permanente entre as duas grandes civilizações do Oriente. O mesmo poderá ser dito do pensamento islâmico, na medida em que, postulando a sacralidade da língua Árabe pós-corânica, se remete a si mesmo para um sistema auto-referenciável que desemboca obviamente num circuito fechado cujas consequências ainda estão por extrair na sua totalidade. O momento avicénico e averroiciano constituíram o ponto mais alto da reflexão islâmica, na medida em que incluíram em si mesmo o pensamento Grego. Quando se traduz um conceito filosófico tal implica uma recorrência do pensamento mas também uma recriação que alarga o espaço semântico a um novo contexto, permitindo ao sujeito novos encontros e novas saídas. Tal como a tradução poética — a quem ninguém de bom juízo negaria a vertente criativa — também o pensamento filosófico se desdobra no momento da tradução, ao encontrar as ressonâncias semânticas evidentes em cada língua. Sofrendo deste efeito, a própria língua Alemã se viu na necessidade de se complexificar e modificar, quer para acompanhar a expressão Grega, quer para exprimir novos conceitos dali derivados mas para os quais não possuía palavras capazes de se estenderem à plenitude das ideias concebidas. Temos o exemplo do Dasein heideggeriano, que em Português teria de ser traduzido por Ser-aí, caso não existisse na nossa língua o verbo “estar”, distinto de “ser”, que possibilita a palavra “Estante”. Aliás, o verbo “estar” abre na língua Portuguesa um infinito de possibilidades conceptuais que outras línguas europeias, como o Francês e o Inglês, apenas vislumbram nas suas limitações. De tudo isto se pode concluir, aqui em Macau, que o permanente esforço de tradução de Chinês para Português e vice-versa nos abre um universo de novidade, na medida em que, quer num sentido quer noutro, possibilita e estimula a criação de novos terrenos de conceptualização, a um tempo próximos e distantes da matriz original, eivados de uma energia comparável ao processo renascentista de tradução das línguas europeias umas nas outras, cujos fecundos resultados hoje ainda se fazem sentir no pensamento mundial. Tal tem vindo a ser claro em domínio mais pragmáticos, como o Direito, no qual qualquer neófito compreende as virtualidades de ter de pensar em profundidade a própria disciplina, ao ver-se na contingência da tradução.

É aliás surpreendente que de uma colaboração com cinco séculos relativamente escassos tenham sido os frutos filosóficos deste encontro de civilizações, podendo tal facto ser atribuído à natureza de Macau como cidade de mercadores onde o fluir do metal parece ser avesso ao fluir do pensamento. Por outro lado, a ausência de mecenas dignos desse nome nunca aqui procurou fixar pessoas capazes de produzir, em termos dignos de registo, um pensamento cuja profundidade excedesse a dos interesses instalados e por instalar. A incapacidade Portuguesa em construir uma verdadeira Sinologia e o desinteresse Chinês pela Filosofia poderão ser explicados de diversos modos mas sem nunca fugir ao facto histórico de, até ao presente, nunca aqui ter existido uma Escola, uma Academia, versada sobre estes assuntos — ainda hoje não existe um único curso (discurso) de Filosofia nas diversas universidades de Macau! Bem insisti, durante os anos 90 do século passado, no tempo em que a Administração de Macau era controlada por Portugal, na necessidade fundamental de aqui criar um Instituto de Sinologia Portuguesa, precisamente para lançar neste fecundo solo tamanhas raízes, somente para me confrontar com os sorrisos irónicos de quem então ocupava as cadeiras do poder e dispunha de meios para realizar tal desiderato. O que sobrava em meios, soçobrava em vontade e visão. Não compreendiam os governantes de então, como nunca o compreenderam os seus predecessores, o evidente interesse nacional de tal projecto como se não bastasse a vergonha dele nunca ter sido realizado. Sendo o país europeu que há mais tempo manteve uma relação permanente com a China seria quase incompreensível a inexistência de uma Sinologia Portuguesa e o desinteresse dos nossos líderes pela sua construção, não se desse o caso de tal facto ser parte da explicação para a nossa decadência no contexto europeu. A má liderança, que faz “fraca a forte gente”, foi um destino português a cujos resultados ainda hoje assistimos. Deveríamos ter transportado de Oriente a sua sabedoria e os seus modos, mas limitámo-nos à vil matéria, ao ruim contado, deixando para outros os assuntos do conhecimento e do espírito. Não perco, contudo, a esperança de que sejam ainda nestas terras frutificados os conceitos que transportamos em tensão de Ocidente, de modo a possibilitar a sua viagem de regresso de modo a renovar um pensamento que detecto cada vez mais fragmentado e solipsista, auto-referenciado e por isso pouco inovador. É neste sentido que entendo a decadência do Ocidente, no sentido em que foi referido pelos nossos místicos, como René Guénon ou Frithoj Schuon, e não como a obrigatoriedade de retorno à tradição. A estrada deverá ser palmilhada pelas suas bifurcações, como entendia Jorge Luis Borges, e não pelo asfalto que nos encaminha continuamente na mesma direção. Por mais espinhoso e incompreendido que seja este caminho.

Peter Brughel, O País da Utopia (detalhe)

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h REFLEXÕES SOBRE HARMONIA 4

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APENAS O SILÊNCIO PERMITE O SOM APENAS O BRANCO DO PAPEL DÁ LUGAR À ESCRITA

António Conceição Júnior

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que deveria presidir à nossa condição de seres humanos seria a compreensão do mecanismo da Natureza, à qual pertencemos. Na Natureza tudo é equilibrado: do frio ao calor, da luz à escuridão, do pesado ao leve, as quatro estações. Tudo se refere à ordem natural (da Natureza) das coisas e dos seus ritmos. Contudo, quando nos afastamos do que é natural, isto é, do que é parte da Natureza, o desequilíbrio surge. E desta falta de equilíbrio nasce a falta de harmonia, o que não é senão ir contra a ordem natural, no seu significado mais profundo.

O CÉU E A TERRA

Para os chineses, o termo Céu não significa apenas a divindade, mas todo o Universo. A terra é entendida como a Natureza aprendida, e os antigos Chineses compreendiam que havia uma directa ligação entre o Céu e a Terra através do conceito do Tai Qi: O Yin e o Yang, o equilíbrio dos opostos e a dualidade da vida. Representados pelo todo denominado Tai Qi e o Yin e Yang, formando a trindade de onde fluem as energias que governam a vida humana e todas as coisas do Universo. Yin, o segmento negro do Tai Qi é o princípio feminino, passivo, contraído e receptivo e Yang o segmento branco, o princípio masculino, activo, expansivo da natureza e da vida. Contudo o Yin contém Yang e o Yang contém Yin. Nenhuma das qualidades do Yin ou do Yang são uma, melhor que a outra. São igualmente atraídas ou repelidas, dependentes e estimuladas mutuamente, daí o pequeno círculo Yang no Yin, e o oposto. Estão em permanente fluxo vogando para longe e para perto, expandindo-se e contraindo-se, mantendo o equilíbrio do Universo. É assim que a energia positiva não tem necessariamente que significar Bondade nem a negativa deve ser conotada com o Mal. O dia não é melhor do que a noite, é apenas o seu oposto. É nesse sentido que, quando o Yin e o Yang foram formulados através do Tai Qi, constituíam uma referência de tudo o que existe simultaneamente no Universo e na Terra. Hoje a ciência explica que a electricidade só pode, como o magnetismo, fluir, se tivermos um polo positivo e outro negativo. O magnetismo, a electricidade,

a gravidade são tudo forças que existem igualmente na Terra e no Universo. Por isso esta é a ligação entre Céu e Terra. O Universo pulsa com todo o tipo de correntes de energia, por isso o princípio do Tai Qi é Universal porque faz parte do Universo. Num único século conseguimos destruir seriamente o planeta. Destruímos as florestas da Amazónia, a camada de ozono e começamos a sentir a resposta da Natureza, porque nos afastámos do que é natural com os nossos modos civilizados.

O CONFLITO

A terra não tem agenda, o Universo não tem agenda. Olhemos os objectos que nos rodeiam; são inanimados, inertes. Os animais não têm agenda, cumprem apenas o curso da sua sobrevivência. A Natureza existe para além do Bem e do Mal. Os homens são os únicos que têm ou criam agendas, desejam poder, alimentam a ganância. Isso afastou-nos daquilo que os Taoístas chamam a Via, que consiste na procura de uma compreensão profunda de tudo o que existe e de uma vida em harmonia com o Tao, a origem de tudo. O conflito sempre existiu no ser humano, face ao egoísmo, e à necessidade de possuír e controlar. Quando ouvimos duas pessoas a discutir acaloradamente num debate televisivo, o que assistimos é a um diálogo de surdos. Nenhum ouve o outro. Estão mais empenhados em fazer passar os seus pontos de vista, e o resultado é invariavelmente catastrófico, porque ambos ensurdecem e demonstram o autismo de que estão possuídos. Esta situação está bem distante da sabedoria, e constitui a conclusão de que aqueles que procuram seguir a Via sabem que o silêncio é o palco do som. A Harmonia é sabedoria. Sabedoria é a compreensão do ontem e do amanhã e das leis da Natureza e do Universo, vivendo, porém, um dia de cada vez. O conflito explica-se também pelo Princípio de Arquimedes. Quando as coisas não podem ser mudadas, é inútil tentar mudá-las. Cada coisa tem a sua natureza intrínseca. O que sucede é que olhamos cada coisa de acordo com a nossa perspectiva contaminada, seja pela generosidade ou pelo egoísmo, por uma agenda ou por algo que nos turva o julgamento, e não segundo uma perspectiva neutra que nos permitiria compreender melhor a situação. Assim, quando se afirma que a verdadeira forma é informe, não é mera retórica. É a realidade natural:


Observemos as águas de um rio. Será que elas lutam com as rochas no seu curso? Não, elas contornam-nas porque a água é informe. Contudo esquecemos isso e tentamos impôr os nossos pontos de vista. Assim, quando esquecemos as lições da Natureza, perdemos a possibilidade de adquirir mais sabedoria. A água não tem forma. Toma a forma do recipiente que a contém. Esta é a via da Natureza. Não ter forma é a verdadeira forma. OLHAR E VISÃO Eis o conceito nipónico de SHINGEN

心眼 A palavra é composta de dois caracteres chineses que em japonês se designam por kanji. shin, aqui representado pelo carácter da esquerda que significa também kôkoro, (coração) conota-se aqui com o conceito de espírito, enquanto o segundo carácter, gen, significa olho, olhar. assim, desse coração associado ao olho, temos uma primeira transcrição que é visão compassiva. porém é preciso estarmos cientes de que essa visão anuncia a clarividência que só pode ser atingida com a visão despida de paixões. a paixão é a emoção descontrolada. a visão compassiva ou clarividente já ultrapassou esse descontrolo. vê-se com a mente e o espírito, porquanto se já sabe que a visão ocular é do mero domínio da óptica. os nipónicos categorizavam o olhar e a visão de forma diferente. vejamos como:

NIKUGEN • A VISÃO NUA

esta não é mais do que a imagem simples recebida pela retina, destituída de qualquer processo mental ou emocional. é, assim, o mais baixo dos cinco níveis de visão e possui três limitações. primeiro, nikugen é completamente superficial. a pessoa que possui apenas nikugen não vê mais além do que a existência dos objectos no seu campo de visão. a visão nua não comporta nenhuma compreensão mais aprofundada desses objectos tal como vieram parar aonde estão, como podem interagir, ou como podem afectar o observador ou outros. seguidamente, nikugen está limitada ao ponto de vista do observador. só “vê” o lado dos objectos que estão virados na sua direcção, e é uma visão quase apenas bi-dimensional. finalmente, a visão nua é facilmente obstruída. a simples colocação de um objecto diante dos olhos do observador termina-lhe o olhar. estas características aplicam-se não apenas à visão física. alguém que queira ver um problema usando nikugen apenas vê os seus aspectos mais superficiais. por exemplo, sem dinheiro, constata que se encontra sem nada. se quer um pão,

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literalmente significante olhar pensante, está a um nível mais elevado, no qual a imagem recebida pelo cérebro é melhorada por uma compreensão das implicações das coisas ou situações ob-

servadas. importa contudo não confundir egen com pensamento analítico. o olhar interpretativo não é sobre pensar no que vê. é antes um processo automático e subconsciente no qual o olhar e a mente operam conjuntamente uma interpretação das imagens recebidas pelo cérebro, produzindo assim uma visão mais profunda do que o mero olhar físico. um exemplo talvez experimentado por muitos: alguém observando dois carros aproximando-se de um cruzamento ao mesmo tempo, por duas ruas que se não

perspectiva, a visão do observador não é tão susceptível às distorções das suas ideias pré-concebidas, reacções emocionais, ou condições de vida. recorrendo a exemplos prévios, alguém com esta perspectiva neutra já é capaz de perceber as faces escondidas dos ob-

jectos. aplicando conhecimento e experiência, a sua mente já permite uma visão mais alargada. isto é, alguém usando de uma perspectiva neutra, em vez de estreitamente perceber a falta de dinheiro para um pão, verá a situação como uma necessidade de comida, observação que já ofe-

rece outras opções para uma solução. porém, ainda que com esta perspectiva de cima, as emoções do observador, preconceitos e circunstâncias da vida interferem com a verdadeira compreensão da sua visão que ainda está limitada àquilo que os olhos vêem.

EGEN • O OLHAR INTERPRETATIVO

verá uma impossibilidade total na compra de alimento. esta visão bi-dimensional cega o seu portador perante outras possibilidades, como trocar trabalho por comida ou vender algo que possui para obter dinheiro para comer.

TENGEN • A PERSPECTIVA NEUTRA

o estádio seguinte do desenvolvimento da visão é tengen, literalmente visão celeste, não no sentido angelical ou transcendente do termo, mas antes do ponto de vista do observador. com tengen, o observador já não está preso pelo seu próprio ponto de vista, antes tem uma perspectiva neutra por via da qual vê os objectos ou o problema como se olhando para eles de uma grande altura. literalmente, a visão tengen permite “ver a floresta pelas árvores”. assim, com uma menos auto-centrada

A avaliação do guerreiro da luz está em sintonia com as imutáveis leis da natureza. Ele entende os princípios de causa e efeito, e que mesmo acções “erradas” são motivadas pelas forças de causa e efeito.

vêem uma à outra, vislumbra um acidente prestes a acontecer. a maior parte das pessoas não precisará de parar para perceber isto. pela experiência, sabendo que nenhum dos condutores vê o outro, sabemos automática e subconscientemente que irão chocar. se olhássemos com nikugen ou tengen veríamos apenas dois carros movendo-se, independentemente um do outro, sem estabelecer uma relação causal. infelizmente, enquanto a maioria dos adultos possui o olhar interpretativo no que respeita aos aspectos físicos, falta-nos egen a outro nível. com verdadeiro egen reconheceríamos quando um choque de personalidades ou vontades estaria da iminência de ocorrer. veríamos um acontecimento não apenas na sua forma física, mas no contexto das forças em movimento e os efeitos que mais tarde resultariam


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como consequência imediata ou remota. assim, o maior benefício de egen é que agora o observador percebe natural e subconscientemente a relação de causa-efeito das coisas que observa ou testemunha. contudo egen ainda tem insuficiências.

gen, com a ajuda de hogen já se encontra no local da reunião, aguardando a chegado dos outros. ele previu que haveria hora de ponta, engarrafamentos, pelo que acordou mais cedo, pôs-se a caminho de antes do congestionamento do trânsito e assim chegaria antecipadamente, ganhando um psicológico ascendente sobre os outros.

SHINGEN-HOGEN • O OLHAR COMPASSIVO apesar de todos os benefícios, egen ainda está incompleto. embora o observador receba a visão completa e desobstruída das situações, suas causas e efeitos - mesmo as razões e motivos subjacentes às acções - esta visão é distanciada e desapaixonada. o nível de visão seguinte, shingen, confere o mais vital ingrediente de todos: a compaixão, a faísca que motiva o guerreiro da luz a agir correctamente numa situação. ele vê um acontecimento não apenas da sua perspectiva, ou como o afectará a ele, mas como o evento afectará as vidas de todos os envolvidos. mais ainda, ele vê com compreensão e compaixão por todos os envolvidos, de modo que a sua acção não será a que mais conveniente lhe seja, mas sim aquela que melhor será para a sociedade no seu todo, independentemente da escala do conceito. o guerreiro de luz não olha os sentimentos, acções, ou desejos dos outros como certos ou errados. assim o seu juízo não será toldado pela necessidade de provar-se que está certo. também não tem de ultrapassar a natural hesitação de outra pessoa admitir que está certa ou errada. o que o interessa e motiva é o que é mais valioso. assim, num desentendimento, o guerreiro da luz observa as visões dos outros como alternativas, usando shingen para analisar qual das alternativas pode ter maior valia para a sociedade. com esta abordagem torna-se também mais fácil persuadir os outros a aceitar a melhor escolha também. a avaliação do guerreiro da luz está em sintonia com as imutáveis leis da natureza. ele entende os princípios de causa e efeito, e que mesmo acções “erradas” são motivadas pelas forças de causa e efeito. por este motivo, shingen é muitas vezes referido como hogen, cuja tradução literal é a de visão legal, mas não se refere às leis da humanidade. poder-se-á talvez entender melhor utilizando o termo perspectiva universal, no sentido de que, tendo igual compaixão por todas as pessoas operando sob uma ordem natural, imutável, mas sob a qual o guerreiro da luz pode escolher intervir. É desta neutralidade inserida na ordem universal da natureza que o guerreiro da luz procura observar e agir da maneira mais benéfica. os antigos samurai eram treinados para uma percepção mais aguda e global das situações. ver com o coração era o estádio máximo de desenvolvimento da visão da mente-espírito. hoje, o guerreiro da luz ou da paz global recupera essa visão para princípios mais nobres que a guerra. assim, aquele que

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O BEM E O MAL

vê segundo shingen-hogen percorreu um caminho desde o primitivo nikugen, passando por tengen e egen. ganhou maior visão interior, maior compaixão, tornou-se mais natural por se integrar nas leis do universo. vejamos um exemplo do quotidiano: • um execuivo com nikugen está atrasado para uma importante reunião de negócios, e quando se põe a caminho vê-se obrigado a conduzir velozmente no meio do trânsito congestionado, ziguezagueando de faixa em faixa, tentando ganhar alguns precisos minutos.

• um outro executivo possuidor de tengen perceberá que corre riscos de ser multado, poderá reduzir um pouco a velocidade, mas continua a querer ganhar tempo para chegar atempadamente à reunião. • outro executivo possuidor de egen não deixará que o seu desejo de dar uma boa imagem de si na reunião tolde a sua visão. ele percebe que conduzir desvairadamente perigará a sua e a vida de outros, que têm o mesmo direito à segurança que ele. • por fim, o executivo possuidor de shin-

O que distingue o Bem do Mal é o tipo de energia manifestada por cada um destes dois princípios. O bem possui uma característica que é o altruísmo, a generosidade e a luminosidade, porque é um princípio iluminado. Segue as leis da Natureza, porque que o Bem ou o Mal são de natureza terrena e específicos da humanidade. O que chamamos Mal provém da energia humana de tipo negativo, isto é, algo ainda confuso, contendo egoísmo, e vivendo na escuridão onde nada pode vislumbrar, por isso manifesta-se dentro do limitado âmbito onde reside. A Natureza não conhece o Bem ou o Mal. Apenas o homem possui essa característica que lhe é intrínseca, sendo-lhe dada a opção da escolha. Todos caímos já na tentação de nos proclamarmos donos da Verdade. Já ouvimos proclamações sobre o Mal que não são mais que polarizações, que degeneram na falta de harmonia. Por isso podemos compreender porque a Via não tem nome. É inominada, e quando a queremos definir, deixa de ser a Via. Assim, aqueles que seguem a Via, nada proclamam. O nosso Ego é o nosso pior inimigo. Se o pudermos combater teremos ganho uma importante batalha sobre nós mesmos. Por essa mesma razão, um homem chamado Jeshua, da tribo de David, que era membro da seita dos Nazarenos (do termo aramaico Nazar) disse no seu belissimo sermão da Montanha: Bem aventurados os pobres de espírito porque deles é o reino dos céus. Contudo esta frase deve ser entendida correctamente, porquanto se sabe que o mais antigo Evangelho (do Grego Evangelion: Boa nova) foi escrito em Grego mais de 130 anos depois da crucificação. Bem aventurados os simples (despojados do Ego ) porque deles é o reino da paz interior (Céu). Só removendo do nosso mundo específico as imagens ilusórias, poderemos compreender a essência das coisas. Descascando uma cebola camada a camada conduz-nos ao Vazio, o Grande Vazio que tudo contém. Assim, conhecendo o essencial, que é o Nada, iniciamos o caminho para a nossa libertação. Nascemos nus e retornaremos à terra sem nada. Apenas o espírito, essa energia que, pertencendo ao Universo, é imperecível. Assim é que a busca da perfeição do espírito deve ser a primeira prioridade, porque essa é a busca da Harmonia, a paz interior. Por isso, a Harmonia é, simultaneamente, Natural e Universal.


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C H I N A C

大同

DATONG

CAP

António Graça de Abreu ABRIGADA NO norte da província de Shanxi, encostada à Grande Muralha, às fronteiras milenares da velha China, Datong pode orgulhar-se de possuir uma história antiquíssima. Hoje em dia, quando o comum dos chineses ouve falar em Datong, associa o nome ao carvão, e também às grutas budistas de Yungang que datam do século V e distam dezasseis quilómetros da cidade. Mas há muitas mais histórias para contar. Situada a 350 quilómetros de Pequim, o burgo foi outrora, e continua a ser hoje, um ponto chave de ligação entre a China e a Mongólia. No ano já distante de 1981, passei duas vezes por Datong, de comboio. Primeiro, no pino do Verão a caminho de Huhot, capital da Mongólia Interior chinesa e cinco meses mais tarde, na extrema do Inverno, com tudo coberto de neve e temperaturas de quinze graus negativos, no Transiberiano, o comboio que desde Pequim me levou à Mongólia, à Sibéria e finalmente a Moscovo. No passado, eram infindáveis as caravanas de camelos que lentamente iam unindo as terras do norte da China às paragens mongóis da Ásia Central, e era em Datong que os viajantes das longas jornadas encontravam um dos lugares de albergaria e acolhimento. Em 2004, na Primavera, e em 2011, no Verão, passei finalmente umas noites em Datong e agora sim, deu para a tarefa impossível de tentar conhecer e entender a cidade. Datong foi capital da breve dinastia Wei do Norte (386-494), os homens construtores das grutas budistas de Yungang. Chamava-se então Pingcheng e a sua fundação data do século III a.C. Com o povo Liao que ocupou toda a região a partir de 907, mudou de nome e passou a chamar-se Datong que significa “grande união”, o que corresponde a um conceito importante da moral confuciana. Confúcio fala pela primeira vez em Datong -- não a cidade mas o princípio de bom governo --, no礼记 Li Ji, ou “Livros dos Ritos” associando os dois caracteres “da tong” 大同 à grande unidade, à harmonia utópica que devia reinar entre os homens. Os Liao e depois os Jin (1115-1234), povos sinizados que chegaram a governar o norte da China e a Mongólia, encheram a cidade de magníficos templos budistas, alguns deles ainda hoje existentes, poupados à fúria destruidora de inúmeras rebeliões e conflitos que ciclicamente assolaram estas paragens do norte do império chinês. Na minha primeira estadia em Datong, Abril

de 2004, mal instalado num hotel feio e desconfortável construído nos anos cinquenta do século passado destinado aos especialistas soviéticos que, como técnicos, ajudavam os chineses a “construir o socialismo”, transportando para a China maquinaria e tecnologia já então obsoleta, nessa primeira visita fiquei com muito má opinião da cida-

de. Havia poeira amarela no ar vinda do não muito distante deserto de Gobi, havia fumo negro e restos de carvão um pouco por todo o lado -- a cidade está rodeada por minas de carvão. Infelizmente, Datong tinha a fama e o proveito de ser uma das cidades mais poluídas da China. E entre as dez cidades mais poluídas do mundo nove são chinesas.

Ainda hoje, 64% da energia eléctrica produzida e consumida no país tem por origem o carvão e a China é o maior consumidor de carvão a nível mundial. Existem minas um pouco por toda a parte, às vezes a funcionar em condições de absoluta precaridade e insegurança o que faz com que o número de mortos por acidentes ultrapasse os 3.000 por ano.


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PITAL DO CARVÃO NA PROVÍNCIA DE SHANXI

Paga-se um preço elevado pela modernização e crescimento da China. Mas, como pude comprovar no Verão de 2011, a cidade de Datong está mais limpa e arejada. Novas avenidas, novos hotéis, novos quarteirões habitacionais. Encerraram-se velhas minas, outras foram sujeitas a grandes obras. Desta última vez, a poluição

passou-me ao lado. E reconstruíu-se a antiga muralha que agora, imponente, rodeia de novo quase todo o burgo. E alindaram-se os espaços onde se situam os templos de cima e de baixo de Hua Yuansi, dois conjuntos magníficos de pavilhões budistas datados de 1140, exactamente o ano em que nasceu Portugal. No interior do pa-

vilhão Daxiong Baodian, um conjunto fabuloso de estátuas de divindades budistas, com nove séculos de idade, saúda silenciosamente o viajante de passagem. Não muito longe, encontramos um enorme painel em faiança e porcelana vidrada, azul, amarela e verde, com baixos relevos de nove dragões imperiais, as cinco garras de cada

um deles espetadas no colorido esmaecido dos anos, tudo datado do início da dinastia Ming (1368-1644). Se formos capazes de esquecer carvões e poluições, Datong, a cidade da “grande unidade”, pode ser um interessante destino para alguns dias de descobertas, entusiasmos e serenos confortos em viagens pela China.


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D E P R O F U N D I S

a revolta do emir

Pedro Lystmann

O BAR CRISTAL O Bar Cristal, sito no Hotel Wynn Encore, é um bar íntimo que, no entanto, copia teimosamente do Cinnebar, seu correspondente no corpo principal do Hotel Wynn, um hábito irritante e completamente despropositado. Também neste bar parte de uma das suas paredes se abre aos corredores do hotel que o acolhe, desviando a atenção dos bebentes para o desfile bacento dos seus frequentadores, protagonistas de uma desinteressante vaidadezinha de província. Esta parede, que é, na realidade, uma porta de vidro que pode ser quase totalmente fechada, teima em manter uma abertura desnecessária. Deve mandar-se, com uma urgência danada, fechar esta parede para que se possa usufruir unicamente do que lá dentro se passa. Ao contrário do que acontece com outros bares que já foram nestas páginas objecto de atenção, este tem uma geografia muito concentrada. É quase um quadrado. Se pensarmos na sua altura, verificamos que é, aliás, quase um cubo. Não há nenhuma parte de que se não vejam, com grande nitidez, todas as outras, e todos os lugares são, assim, o seu centro. Num tempo e num lugar em que a violên-

cia do excesso visual pode levar a um entorpecimento dos sentidos, é em sítios com esta simplicidade e pureza de corte que se aprende - ou reaprende - a sentir e usar o espaço. Neste cubo é difícil de fugir à impressão de que qualquer movimento que nele se pratique não é, sempre, um gesto de palco, observado e interpretado. Não há nele gestos ou olhares que se percam na inocência. A esta exposição junta-se uma imobilidade. O quadrado, expressão do 4, promove uma quietação e desencoraja o movimento excessivo ou demasiado rápido. Não resta senão abandonar a ideia da partida e do voo e aceitar o destino. Este é, definitivamente, um lugar que pela sua dimensão terrestre obriga a pensar resignadamente na nossa estação na ordem global das coisas. O bar do Hotel Mandarin será, em comparação a este, de uma ousadia gótica. No entanto, ao bar Cristal também não é estranho um certo movimento. Os seus cantos e as vidraças que fazem vezes de portas e paredes exibem motivos que criam uma disposição sedentária e floral cujas curvas não contrastam mal com o rigor da espelhária que

decora o interior da zona do balcão. A candelabra central (uma antiguidade oitocentista) lança um pequeno grito de rebeldia. Repito. Não só se deve mandar fechar a janela que dá para o ruído exterior (um ignóbil corredor) como também se deveria tornar a sua porta de entrada menos ampla. Torná-la mais estreita equivaleria a uma pequena encenação, cada vez mais necessária, da prova iniciática da “porta estreita”. Aqueles que a transpusessem, numa actualização mais estreita, sentir-se-iam certamente mais confiantes na sua posição de iniciados. Debate-se a oposição entre o espaço fechado e o espaço aberto. Assim, seria aqui possível construir um espaço clos de uma intimidade de jardim, um encantador vergel onde corressem confortavelmente as ambrósias indispensáveis ao estender das preguiças e ao consumo da lentidão vegetal. A esta intimidade benigna junta-se a proficiência do pessoal de misturas. Aqui, neste aconchego quase embrionário (feche-se a parede que dá para o exterior) nada há a temer. Não só os cocktails clássicos são bem confeccionados, como os que lhe são próprios raramente desapontam – como o pro-

va a frescura de um ginger lemongrass margharita. O mesmo se poderá dizer àqueles que se inclinam para as misturas sem concurso alcoólico. As serviçais de mesa, como seria de esperar num hotel Wynn, são competentíssimas, só se distanciando da perfeição pela falta de alguma antiguidade no serviço que não poderiam ter. A estas qualidades junta-se um sistema de som perfeitamente adaptado ao pequeno lugar, volume ideal, som bem distribuído e escolha musical acertada. Este é um cubo de que por vezes se torna difícil sair. A lista de bebidas reflecte a intenção íntima que preside à sua construção. Não é extensa mas é cúbica, concentrada, fechada num calor próprio. Uns oito tintos, uns oito brancos, champagnes que cheguem se pensarmos que, afinal, isto não passa de um bar de lobby de hotel. Infelizmente, repete-se a insuficiência na oferta de cervejas que se tornou habitual em Macau. Contraste-se este bar, a todos os níveis, com um outro que repete o motivo do quadrado mas que revela um programa completamente oposto: o desconhecido, electrizante, excessivo, injustamente esquecido, mal-amado, czárico (ainda existente?) Russian Room.


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próximo oriente

Hugo Pinto

POWER TO THE TRIO Guitarra, baixo e bateria. Nunca foi preciso muito mais para que se cumprisse o rock’n’roll. Desde The Jimi Hendrix Experience que a expressão “power trio” se tornou corriqueira para apresentar bandas com o número de elementos que é exactamente “a conta que Deus fez”, três. O simbolismo de união e equilíbrio que aparece na Santíssima Trindade ou nos três sobrinhos do Pato Donald (como lembra a sempre cheia de bonomia e democrática Wikipedia) não poderia, claro, escapar ao mundo da música. ZO (guitarra), Fun (baixo) e Atom (bateria e voz) formam a banda que é, na China, talvez a mais prolífica e demonstrativa das qualidades de um verdadeiro “power trio” (os Carsick Cars serão os mais conhecidos, mas também os que têm maior apetência para se perderem em digressões experimentalistas e “shoegazers”, mostrando mais vontade em revolver mentes do que menear ancas). Os Hedgehog existem desde 2005 e, até agora, contam sete álbuns de originais na sua discografia (precisamente, dá um por ano). O mais recente, “Sun Fun Gun”, é de 2012 e tem sido agraciado com encómios do género “melhor disco da banda”. Não é caso para menos. Para os Hedgehog, o disco lançado este ano representou uma espécie de recomeço. Além de marcar a estreia do baixista Fun (He Yifan), “Sun Fun Gun” enceta também um rol de colaborações internacionais: pela primeira vez, recorreram aos créditos de um produtor estrangeiro, John Grew, e arregimentaram Gillian Rivers (violinista que colaborou com gente tão diversa como MGMT, Yeah Yeah Yeahs, Mountain Goats, TV On The Radio ou Sonic Boom, dos Spacemen 3) para um aparição no tema “Choose Whatever You Want All The Time”. Convocarama, ainda, Yan Yu Long (dos compatriotas Chui Wan) para tocar violino em “The Loneliest Day”. Em “Sun Fun Gun”, a carta de intenções dos Hedgehog mantém-se, no entanto, a mesma de sempre: criar uma sonoridade própria onde irrompe um forte apelo “pop” que se eleva sólido na estrutura que combina influências punk, psicadélicas e“noise”. De absolutamente novo, haverá nos no álbum um aperfeiçoamento que não havia antes, como se os Hedgehog tivessem, finalmente, adquirido o domínio e o controlo sobre as suas próprias criações. Dizer que esta música é simplesmente bem feita e produzida de modo competente é negligenciar “o óbvio ululante”, para usar a expressão de Nélson Rodrigues, que nos diz que tudo o que ouvimos em “Sun Fun Gun” (como

em qualquer outro disco, já agora) é o resultado de um longo processo de selecção e edição (de ideias, sons, notas, melodias, estéticas). Não há coincidências, e o facto de os Hedgehog optarem por caminhos menos desviantes e transgressores, comparativamente com os que são trilhados por uma boa parte das bandas chinesas “da moda”, todas devidamente “avant garde”, não lhe retira o mínimo mérito. Da abertura feita por “Heart On Fire” até ao final de “You Guys Rock D22, I Was There Man”, os Hedgehog não deixam pedra sobre pedra: o “rock” corre-lhes nas veias, mesmo quando contemporizam com a pop descomplexada e “teenager” (“Black Kiss”) ou gingona (“Choose Whatever You Want All The Time”). E, sempre, do princípio ao fim, a urgência, o sangue na guelra próprio de quem observa sem ficar impassível “um tempo de rápida mudança, metrópoles cheias

de competição”, e se questiona: “Quanto espaço restou para a verdadeira juventude, real e apaixonada, na China do novo século?” É este o discurso dos Hedgehog na apresentação de “Sun Fun Gun”, afinal um manifesto contra os “valores sem valor” ou uma “vida cega e orientada pelo dinheiro”. Estas palavras deveriam ter uma ressonância profunda na China, mais penetrante do que a que chega apenas aos jovens que “desistem do heroísmo pessoal, dos que nada têm e nada hão-de ganhar”; aos jovens que enchem o D22 nas noites de concertos, nas noites de “amor, solidão, tédio, falhanço, autismo, dor, riso.” Aos que “não querem saber se vivem para o momento ou para o futuro”. “Sun, Fun, Gun” Zha Record, 2012 Hedgehog

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perspectivas Jorge Rodrigues Simão

POPULISMO, A CONSTRUÇÃO DO POLÍTICO “Radical politics should concern “life” issues and be “generative”, allowing people and groups to make things happen; and democracy should be envisaged in the form of dialogue, controversial issues being resolved through listening to each other”. Hegemony and Socialist Strategy: Towards a Radical Democratic Politics Ernesto Laclau and Chantal Mouffe

A ANÁLISE das correntes do pensamento sociológico, filosófico e político da história das instituições e a praxis política das personalidades que moldaram as diferentes formas de exercício do poder, em particular, desde o passado século, mostra as alterações que a democracia foi sofrendo e o consequente uso de identificações, rótulos e definições, que desfiguraram o sentido original das palavras e que derivaram em más práticas políticas e criaram em muitas partes do mundo um circulo vicioso. O populismo é revivido, actualmente, por todo o mundo, como resultante da crise internacional e da ideia que a sociedade tem da sua verdadeira essência. É um conceito político, que pode ser definido como conjunto de ideias heterogéneas, que têm como característica comum a antipatia verbal ou real aos grupos económicos e intelectuais dominantes, partidos políticos, delação da corrupção do poder por meio das classes privilegiadas e a constante solicitação de apoio do povo, como origem do poder, em todas as grandes decisões tomadas pelos líderes que governam. Os líderes caracterizam-se por usarem um discurso emocional de persuasão do “povo” de apenas trabalharem para o seu bem-estar e progresso, funcionando como santos protectores, no sentido negativo do conceito. O termo era em geral conotado com os grandes populistas russos e americanos do século XIX. O mundo ocidental é apenas um, e existem tonalidades próprias de populismo que se diferenciam de acordo com o local ou país onde surgem. O filósofo e cientista político, Karl Marx, chama de bonapartismo. O fundador da sociologia, Max Weber, dá-lhe o nome do cesarismo plebiscitado. Muitas vezes conotado com o fascismo, pois é apelidado como populismo as propostas mais autoritárias do partido do governo. É um uso estranho e distorcido no sentido mais comum. É chamado de populismo às tendências caudilhistas, com traços autoritários, geralmente de esquerdas. É reservado o termo fascismo para descrever as tendências caudilhistas, igualmente, com características autoritárias, em geral de extrema-direita. Assim, Fidel Castro é um populista e o general Francisco Franco,

fascista. O político italiano Benito Mussolini, líder do “Partido Nacional Fascista” que governou a Itália de 1922 a1943, inaugurou tal prática política, caracterizada por um nacionalismo exacerbado, corporativismo, feroz anticomunismo, censura e propaganda. Ainda que apresentando forma distinta de exercício do poder, Adolfo Hitler é considerado igualmente, como fascista. A diferença entre populismo e fascismo resume-se ao facto de que ambas as correntes de pensamento, propõe soluções político-sociais de cariz autoritário para os problemas de um país, que não se enquadram nos sistemas legais e democráticos tradicionais, em que o primeiro acerca-se do povo para ganhar eleitores, e o segundo para o oprimir. O populismo é prestigiado pelo politólogo Ernesto Laclau, que desenvolve no livro “Hegemony and Socialist Strategy: Towards a Radical Democratic Politics”, escrito em conjunto com Chantal Mouffe, politóloga belga, e considerado como o alicerce do pós-marxismo. O populismo surgiu no Brasil, ligado ao primeiro consulado do presidente Getúlio Vargas que exerceu o primeiro mandato de 1930 a 1945 e o segundo de 1951 a 1954, caracterizado por um tipo de governo de aproximação excessiva do povo, satisfazendo os seus pedidos e conhecido por “pai dos pobres”, bíblica denominação criada pelo aparelho de propaganda do Estado. Além do presidente brasileiro, podem considerar-se como da primeira era do populismo, o presidente da Bolívia, Victor Estenssoro, que exerceu o mandato por quatro vezes, nos períodos de 1952 a 1956, 1960 a 1964 (duas fases) e de 1985 a1989, fundador do “Movimento Nacionalista Revolucionário” que liderou durante 50 anos, tendo criado a “Revolução Boliviana”, em 1952, que transformou de forma radical o país, com repercussões em todo o continente. O seu quarto mandato foi caracterizado pela

implementação de políticas económicas de cariz neoliberal. A Argentina seguiu o populismo pela mão de Juan Péron, que exerceu o mandato de 1946 a 1955 e de 1973 a 1974, sendo o seu governo marcado pelo controlo da economia, nacionalização das principais empresas do país e atribuído amplas regalias aos trabalhadores. A Colômbia mostrava tendências de seguir o populismo com Jorge Eliecer Gaitán, proclamado líder do Partido Liberal, em Outubro de 1947, que podia ter vencido as eleições presidenciais de 1949, caso não tivesse sido assassinado em 1948. O populismo veio a iniciar-se no país de forma anacrónica, com o presidente Gustavo Rojas Pinilla, que por meio de um golpe de estado, exerceu o mandato de 1953 a 1957, e que se caracterizou como de ditadura populista. O Equador seguiu o populismo de José Ibarra, que exerceu o mandato presidencial cinco vezes, de 1934 a 1935, 1944 a 1946, 1952 a 1956, 1960 a 1961 e 1968 a 1972, convertendo em 1946 o seu regime em ditadura, tendo sido deposto pelo golpe de estado de 1947. O México, quanto ao populismo, foi defendido pelo “Partido Revolucionário Institucional” que deteve o poder dominante entre 1929 e 2000. O populismo nas décadas de 1930 e 1940 tinham como “raison d’être”, a manutenção da ordem oligárquica contestada pela crise do modelo de exportação, não praticando a repressão, mas incorporando as classes populares (trabalhadoras) aos regimes políticos, evitando desse modo a revolução. O sociológo italiano Gino Germani, na sua “Teoria da Modernização” afirmou que a primeira concepção do populismo ocorrida nas décadas de 1950 e 1960, deveu-se ao facto do desenvolvimento da América do Sul ter seguido um modelo diverso das democracias da Europa, pelo que a fragmentação da sociedade foi seguida de um veloz processo de industrialização e urbanização, pelo que as clas-

ses trabalhadoras teriam exigido maior participação no processo democrático, se não tivessem intervindo militarmente com regimes de ditadura ou nacionais populares. A segunda concepção do populismo que ocorreu na década de 1970, afastou-se da “Teoria da Modernização” e os líderes populistas conseguiram sucesso por recurso a um modelo combinado de repressão e manipulação política com a satisfação das exigências das classes trabalhadoras. É um mito acreditar que a América do Sul não consegue atingir um modelo de social-democracia como na Europa, dadas as especificidades de cultura, mentalidade, história e tradições que seriam muito originais e estranhas, senão exóticas, e o peronismo foi uma delas, por exemplo. O peronismo foi um período de excepcionalidade da vida da Argentina, que existia mesmo antes de Juan Perón ocupar a presidência. Analisado esse período, o peronismo parece menos populismo e mais fascista de influência europeia. O “kirchnerismo” é um conceito usado para definir a “praxis” política do presidente argentino, Nestor Kirchner, falecido, e que exerceu o mandato de 2003 a 2007, dos seus apoiantes e da sua esposa, actual presidente, Cristina Kirchner, que exerce o mandato desde 2007, tendo sido reeleita o ano passado. O “kirchnerismo” não é peronismo e não é democracia, porque o poder judicial está completamente destruído e o poder legislativo é uma pequena minoria que não tem poder para alterar o que quer que seja e o restante não é controlável. Os populismos de Hugo Chavez, Fernando Correa, Evo Morales e de Cristina Kirchner parecem iguais, mas não são, tal como não existem países semelhantes. Hugo Chavez tem petróleo e Cristina Kirchner tem soja. Hugo Chavez tem um exército armado e disciplinado. Cristina Kirchner tem apenas um grupo de apoiantes improvisados, mas o modelo é o de Hugo Chavez. O “kirchnerismo” assumiu que é moda condenar o peronismo, com excepção de Evita, defendida como mito de ter sido uma revolucionária e Juan Perón era um conservador. Actuavam de forma simbiótica, da mesma forma que fazem no presente, porque Nestor Kirchner, faleceu e querem os seus apoiantes dos últimos momentos fazer crer que ele era como Evita, o que se torna impossível porque Cristina Kirchner deprecia o peronismo e segue o modelo de Hugo Chavez, que por sua vez o adquiriu de Juan Péron, ou seja, sem saber a Argentina tem de novo o peronismo por meio da influência que Hugo Chavez exerce sobre Cristina Kirchner.


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A PAZ, A GUERRA, A MENTIRA E O NOBEL José Goulão A POMPA, a circunstância, o ambiente apalaçado onde se congregaram os risos de plástico em máscaras de hipocrisia aprimoraram a transformação em farsa de uma cerimónia onde deveria imperar a dignidade, uma vez que se pretendia evocar o valor mais importante para a Humanidade – a Paz. É gente como aquela, presente no episódio de Oslo no qual se consumou a trágic a entrega do Prémio Nobel da Paz à União Europeia, que governa o mundo, que decide como deve ser a vida de cada um de nós, como devemos pensar, quem temos de apoiar ou odiar, quem é terrorista e combatente pela liberdade e que, de degrau em degrau na escada do despudor, deita diretamente para o lixo cada voto a que se resume a nossa participação oficial na trapaça da democracia por eles instituída. Lá estavam eles, a trempe, o triunvirato, a troika. Barroso ao meio, Van Rompuy à direita, Schulz à esquerda, não liguem às suas posições relativas porque eles são vértices à escala europeia do partido único governante e que chamou a si próprio o poder de decidir sobre 27 países, e muito mais. A Paz está em boas mãos, disse o

Comité Nobel ao mundo através do gesto de entregar àqueles altos representantes da União Europeia, e também agentes do governo mundial dos mercados, as insígnias que deveriam antes agraciar os inimigos da guerra, os isentos de qualquer contaminação com os fabricantes e fazedores de conflitos armados. Sabemos todos que isso não é assim. E por muito que queiramos não confundir as pessoas com as instituições belicistas que representaram na cerimónia, sabemos que nem isso podemos fazer, e com toda a segurança, pelo menos num dos casos. O caso do dr. Barroso, o exemplo perfeito. Diz ele que a União Europeia merece o prémio porque garante a paz na Europa. Como se na Europa a paz se resumisse a não haver guerra entre a França e a Alemanha, a não haver confronto direto entre a Rússia e a Nato. Há na Europa uma guerra social contra os cidadãos, a violência através da expansão vertiginosa da pobreza, um ataque flagrante à condição

humana através da sonegação do emprego, do roubo dos direitos adquiridos e inerentes, da perversão das leis, da falsificação da democracia. A falácia é irmã da mentira e de mentiras percebe o dr. Barroso porque participou naquele conclave das Lajes em que foi decidido mandar matar centenas de milhar de pessoas com base na monumental peta das armas químicas em poder do ex-amigo Saddam Hussein. Essas armas químicas não apareceram. Mas se lerem e escutarem as notícias mais atuais, ainda que pela rama, parece agora haver outras que provavelmente jamais aparecerão. São as armas químicas do regime de Assad na Síria, o argumento que já serviu à Nato para armar a Turquia ainda com mais mísseis e que parece sustentar os preparativos de uma eventual invasão direta no caso de os combatentes da liberdade para lá exportados pelos países civilizados e outros que também o são, como o Qatar e a Arábia Sau-

dita, não darem conta do recado de instaurar “a democracia”. E falo de libertadores que também já foram “terroristas”, por exemplo no Iraque e Afeganistão, dir-se-á que não sabem muito bem o que são, mas não é verdade: sabem que são mercenários e “soldados de Deus”, seja lá o que isso for para nós. É da guerra da Síria e contra o povo da Síria que falo. A propósito da qual o insuspeito Le Figaro – insuspeito neste caso porque sendo porta voz das direitas escreve às vezes o que as direitas não querem ler – revela que militares franceses estiveram nas “zonas libertadas sírias” para tratarem da cooperação com os “rebeldes”. Com o conhecimento, é claro, do presidente Hollande, que terá recomendado aos emissários o apuramento da “cor política” de cada grupo, não vá o Diabo tecê-las, se bem que já as tenha tecido. Ora se nós o sabemos não me digam que o senhor Barroso, ou os senhores Van Rompuy e Schulz, à frente do Conselho e Parlamento Europeus, não o sabem… A União Europeia apoia guerras, participa em guerras, ajuda a fabricar guerras. Aquilo que se passou em Oslo foi em boa verdade um ato de guerra, em nome da paz. A partir daqui já não há mais nada para falsificar.


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韦陀

O L H O S A O A L T O

gente sagrada

José Simões Morais

WEI TUO

O BODHISATVA SKANDA

QUANDO SE entra num mosteiro Budista Mahayana, normalmente logo de frente está um altar com a estátua do Buda Sorridente, Milefo, e nas suas costas aparece quase sempre a imagem de Wei Tuo. Encontra-se assim virado para o recinto do templo, já que é o protector do mosteiro e do Dharma. História ainda do tempo em que Sakyamuni fazia sermões, quando um dia ninguém apareceu para o ouvir. Estranho, pois os seus ensinamentos até então eram muito concorridos e perguntando a razão, soube ser o enorme porte físico de Wei Tuo, que nessa altura se encontrava em frente da porta, o factor para as pessoas terem medo de entrar. Então, o Buda mudou-o de local e colocou-o virado para o interior do templo. Segundo a lenda, Wei Tuo, também conhecido por Skanda, era filho de um rei virtuoso, que seguia os ensinamentos do Buda Sakyamuni. Antes de Guatama Sakyamuni entrar no Nirvana, instruiu Skanda para ser o guardião do Dharma (portador da Lei, ou doutrina da Ordem Cósmica) e ficar responsável pela comunidade budista, Sangha, resolvendo os conflitos internos que surgissem, assim como para proteger os seus membros, quando seduzidos por Mara. Mara é um demónio que tentou seduzir Guatama durante as suas meditações, com a imagem de uma bonita mulher, representando os impulsos mundanos e o fim da vida espiritual. Pouco tempo tinha passado após o corpo do Buda Sakyamuni ter sido cremado quando, as sariras (as relíquias de Buda) foram roubadas. Skanda tomou como seu o trabalho de as recuperar e assim conseguiu reavê-las. Wei Tuo, desde a entrada do Budismo na China, encontra-se representado no panteão budista, sendo, pela ajuda de Guan Yin, um Bodhisattva (ser que está desperto, pois atingiu a Iluminação e se encontra no mundo dos vivos para os ajudar

a acordarem) e o guardião dos mosteiros. Segundo uma das suas histórias, antes de passar para Bodhisattva, foi General e por isso se apresenta com uma imagem toda dourada com armadura e capacete guerreiro. Há quem o aponte como proveniente do deus hinduísta da Guerra. Wei Tuo é o principal dos oito capitães sobre as ordens do Guardião da Direcção do Sul. Certa vez encontrava-se como guardião do templo Hua Cheng em Jiuhuashan (província de Anhui), uma das quatro montanhas sagradas para o Budismo na China, quando aí meditava o bodhisattva Dizang Wang. Alguém que por lá passou, ao olhar para a figura estática, querendo-se certificar que não era uma estátua, pegou num alfinete e picou-o. O sangue jorrou e assustado fugiu. Pouco tempo depois apareceu Wei Tuo que, olhando para o sangue já seco no joelho de Dizang Wang, lhe perguntou o que acontecera. Explicado o sucedido, logo Wei Tuo saiu, tendo regressado mais tarde. O Bodhisattva suspeitando, questionou-o sobre o que fora fazer e como resposta ouviu de Wei Tuo, que quem o importunara estava morto. Horrorizado, Dizang Wang desabafou dizendo ser Wei Tuo um pessoa sem coração e o oposto a um budista. Por isso, expulsou-o e assim a estátua de Wei Tuo foi colocada fora do templo, a meio da montanha Jiuhua. Vestido como um General tem uma auréola flamejante à volta do corpo e numa das mãos, o vajras, símbolo de Guardião do Dharma. É pelo posicionamento do vajras (que simboliza o indestrutível e a força irresistível do dharma) que Wei Tuo tem na mão, que se sabe sobre a importância do mosteiro. O aniversário de Wei Tuo acontece no terceiro dia do sexto mês lunar. Na península de Macau encontramos a sua imagem no Kun Iam Tong e no Kun Iam Miu.


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O LIVRO DOS MESTRES DE HUAINAN

Decerto falharás na conquista.

DO ESTADO E DA SOCIEDADE – 27 Em tempos antigos, quando o Estado de Chu se preparava para atacar o Estado de Song, o filósofo Mozi ficou a saber e muito o lamentou. Partiu do Estado de Lu, onde nascera, e caminhou durante dez dias e dez noites. Os seus pés se encheram de bolhas e calos, mas não se deteve enquanto não chegou a Chu, rasgando pedaços das suas roupas para envolver os pés à medida que seguia. Quando chegou à fala com o rei de Chu, Mozi disse: “Ouvi dizer que preparas um exército para atacar Song. Já tens um plano definido e infalível para tomar Song? Ter-te-ás esquecido do sofrimento e dor que causarás ao povo? Se o teu exército fosse travado e tuas armas destruídas, e tu mesmo ficasses infame por injusto sem ter ganho um palmo de território, será que ainda atacarias o Estado de Song?” O rei replicou: ”Se estivesse certo de não conseguir tomar Song e, ao mesmo tempo, de cometer uma injustiça, porque o atacaria?” Mozi disse: “A meu ver, farás decerto violência à justiça e decerto falharás na conquista de Song.” O rei disse: “Disponho dos melhores engenheiros do mundo para me construírem torres de cerco. Se as puser em posição para atacar Song, como poderei falhar?” Então, Mozi disse ao rei para montar um cerco, afirmando que demonstraria como montar uma defesa. Os mestres engenheiros montaram nove cercos, e Mozi todos frustrou, nenhum deixando penetrar. E o rei de Chu depôs as armas e desistiu de atacar Song. Tradução de Rui Cascais Ilustração de Rui Rasquinho

Huai Nan Zi (淮南子), O Livro dos Mestres de Huainan foi composto por um conjunto de sábios taoistas na corte de Huainan (actual Província de Anhui), no século II a.C., no decorrer da Dinastia Han do Oeste (206 a.C. a 9 d.C.). Conhecidos como “Os Oito Imortais”, estes sábios destilaram e refinaram o corpo de ensinamentos taoistas já existente (ou seja, o Tao Te Qing e o Chuang Tzu) num só volume, sob o patrocínio e coordenação do lendário Príncipe Liu An de Huainan. A versão portuguesa que aqui se apresenta segue uma selecção de extractos fundamentais, efectuada a partir do texto canónico completo pelo Professor Thomas Cleary e por si traduzida em Taoist Classics, Volume I, Shambhala: Boston, 2003. Estes extractos encontram-se organizados em quatro grupos: “Da Sociedade e do Estado”; “Da Guerra”; “Da Paz” e “Da Sabedoria”. O texto original chinês pode ser consultado na íntegra em www.ctext.org, na secção intitulada “Miscellaneous Schools”.


Lê os verdadeiros escritores, lê Balzac, Han Shan, Shakespeare, Dostoieveski. Jack Kerouac

O homem que um dia se chamou Han Shan, ninguém sabe quem foi. Quando alguém o via, considerava-o um doido, um pobre diabo. Vivia retirado na montanha Tiantai, sete léguas a oeste do distrito de Tangxing, num lugar chamado Han Shan (Montanha Fria), entre rochas e falésias. Daí descia frequentemente para o templo de Guoqing, ao encontro do seu amigo Shi De, encarregado da limpeza da cozinha do mosteiro que lhe guardava restos de comida em malgas feitas com cana de bambu. Lu Qiuyin, prefeito de Taizhou (Séc. IX)

Quem gosta de poesia, quem deseja abrir a mente para as mil subtilezas do budismo chan ou zen, quem procura a simples inteligência do saber encontrará em Han Shan um mestre, um confrade, um amigo. António Graça de Abreu

POEMAS DE

HAN SHAN edição bilingue

TRADUÇÃO, PREFÁCIO E NOTAS DE ANTÓNIO GRAÇA DE ABREU


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