Plano de Bairro: um 'caminho educativo' para territórios educativos e educadores

Page 1

Plano de Bairro: um ‘caminho educativo’ para territórios educativos e educadores Heloisa Bento Ribeiro 30 de abril de 2022


DEDICATÓRIA

dedico este trabalho a minha avó Idalina (in memoriam). que mesmo com dificuldade de redigir o próprio nome, (assim como muitos brasileiros analfabetos funcionais) sabia compreender o destino dos ônibus pelo formato das letras dos letreiros. e seguiu caminhando no caos da cidade, com coragem. emergindo os aprendizados do próprio território. “a leitura do mundo precede a leitura da palavra” Paulo Freire

porque o território educa. você foi minha primeira professora disso.


Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada corretamente a fonte. HELOISA BENTO RIBEIRO (heloisabribeiro@gmail.com)

AGRADECIMENTOS Agradeço a minha família, especialmente aos meus pais, Roselei e Pedro, por serem pilar do meu “caminho educativo” desde sempre. Agradeço ao Professor Jorge Bassani, grande mestre, que me convidou para ser assistente da disciplina que ministrou na Escola da Cidade, e pelos caminhos que este convite possibilitou. Aos professores Pedro Sales, Frédéric Petitdemange, Marta Lagreca, Marcelo Bernardini, Tácito Pio da Silveira, com quem pude colaborar como professora assistente em diferentes disciplinas na Escola da Cidade posteriormente. E pelas diversas aprendizagens que essas experiências trouxeram. À Carol Tonetti, Maira Rios e Noelia Monteiro, responsáveis pela Pós-Graduação “Arquitetura, Educação e Sociedade”, que tanto contribuiu para pensar a atuação na docência de Arquitetura e Urbanismo e para as reflexões sobre a aproximação deste campo à educação. À todos aqueles que estiveram envolvidos na disciplina eletiva “Plano de Bairro: Escola, Território e Processos Participativos”, em especial à Sandra Rufino, que dividiu comigo a coordenação deste processo. Aos professores colaboradores Angela Amaral, Beatriz Goulart, Denise Jardim, Simone Gatti e Zico Rollemberg. As professoras assistentes Bárbara Francelin e Simone Alves. Aos represen-

Plano de Bairro: um ‘caminho educativo’ para territórios educativos e educadores Heloisa Bento Ribeiro Orientadoras Carol Tonetti e Maira Rios São Paulo, abril de 2022 53 p. Monografia apresentada ao curso de Pós Graduação Lato Sensu, “Arquitetura, Educação e Sociedade”, da Escola da Cidade 1.Educação 2.Território 3.Plano de Bairro

tantes do EMAU Base: Ligia Duarte Lanna e Giulio Michelino. Ao Gt Educação E Território Do Br Cidades: Tereza Herling, Marcos Manoel dos Santos e Tania Maria Uehara. À comunidade escolar da EMEF Padre José Pegoraro, em especial à Hilda Behling e Cida Rodrigues. À Anna Beatriz Galvão, Ivanise Calil e Jussara Nogueira, educadoras, que como Marcos, Tania e Cida, estiveram também na disciplina como estudantes, nos lembrando que educar é se colocar constantemente em aprendizagem. À todos que estiveram conosco nesse samba composto, um “caminho educativo” que construímos juntos. Agradeço a partilha e a possibilidade de construir esse processo com vocês. 05


RESUMO

A presente pesquisa, dissertada como trabalho de conclusão à Pós-Graduação Lato Sensu “Arquitetura, Educação e Sociedade”, da Escola da Cidade, consolida reflexões a partir da coordenação da disciplina eletiva “Plano de Bairro: Escola, Território e Processos Participativos”, no segundo semestre de 2021 na mesma instituição, juntamente com as aprendizagens adquiridas ao longo do curso. Com a finalidade de colaborar com a construção de conhecimento acerca da ação de educar, Propondo-se a refletir sobre os pontos que confluem os campos da Arquitetura, Urbanismo e Educação, a pesquisa propõe-se a refletir sobre a concepção de territórios educativos e educadores, compreendendo na experiência do Plano de Bairro do Parque Cocaia um dispositivo que desvela essa inter-relação. Dessa forma, concentra-se nos exercícios de definição conceitual de território, de territorialização e subjetivação, e sua compreensão como educador e educativo; propõe-se a investigar o plano de bairro como instrumento urbanístico (e pedagógico), analisando duas referências consolidadas; por fim, observa, a partir da experiência vivida, o processo do Plano de Bairro do Parque Cocaia como um ‘caminho pedagógico’, buscando identificar em si a emergência do território educativo e educador. Dessa forma, a pesquisa não propõe-se a apresentar resultados do Plano de Bairro, mas sim ‘caminhos’ que nos levem a aproximar do campo de encontro do território e da educação.

Palavras-chave: Educação Território Plano de Bairro 06

07


ABSTRACT

The present research, presented as a paper to the Lato Sensu Post-Graduation “Architecture, Education and Society” of Escola da Cidade, consolidates thoughts resulted by the ministering of the elective discipline “Neighborhood Plan: School, Territory and Participatory Processes”, in the second semester of 2021 in the same institution, along with the learning acquired during the course. In order to collaborate with the discussion about the action of educating, this paper proposes to research on the points that converge the fields of Architecture, Urbanism and Education, reflecting on the conception of educational and educator territories, understanding in the experience of the Neighborhood Plan of Parque Cocaia a device that reveals this interrelation. Thus, it focuses on the exercises of conceptual definition of territory, territorialization and subjectivation, and its understanding as an educational and educator; it proposes to investigate the neighborhood plan as an urbanistic (and pedagogical) instrument, analyzing two consolidated references; finally, it observes, from the experience, the process of the Neighborhood Plan of Parque Cocaia as a ‘pedagogical path’, seeking to identify in itself the emergence of the educational and educator territory. Therefore, the research does not propose to present results of the Neighborhood Plan, but rather ‘paths’ that lead us to approach the field where territory and education meet.

Keywords Education Territory Neighborhood Plan

08

09


13

TERRITÓRIOS EDUCATIVOS E EDUCADORES

21

O PLANO DE BAIRRO: INSTRUMENTO PARA O TERRITÓRIO EDUCATIVO(ADOR)

25

OUTRAS EXPERIÊNCIAS: O PLANO DE BAIRRO DO JARDIM LAPENNA

29

OUTRAS EXPERIÊNCIAS: O PLANO DE BAIRRO DO JARDIM PANTANAL

10

33

O PLANO DE BAIRRO DO PQ. RESIDENCIAL COCAIA

35

METODOLOGIA PARTICIPATIVA: “O CAMINHO EDUCATIVO”

37

O PONTO DE PARTIDA: “NOSSAS VOZES”

41

CAMINHAR JUNTO: O DIAGNÓSTICOTÉCNICO E PARTICIPATIVO

49

CONSIDERAÇÕES

50

BIBLIOGRAFIA


TERRITÓRIOS: EDUCATIVOS E EDUCADORES

Para engendrar o processo de ensino-aprendizagem insere-se a necessidade de um suporte espacial. Afirma-se, que a ação educativa atribui características a esse suporte, sendo reciprocamente condicionada por suas características. Qual o espaço da educação? Como o espaço contribui para o processo educativo? São a essas perguntas que o presente trabalho se direciona - não em uma tentativa de respondê-las, mas com objetivo de a elas caminhar, sobre elas refletir e a partir delas criar instrumentos que possam contribuir para a discussão. Como ponto de partida, faz-se necessário caracterizar o ‘suporte’, apreendendo conceitualmente o que designa espaço e território, buscando dessa forma apontamentos que possam colaborar na discussão sobre onde ocorre a ação educativa. Há diversos teóricos que conceituam e diferenciam espaço e território, mas no presente trabalho será apreendido o conceito onde território é concebido a partir da uma ação sobre o espaço: “é essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator 12

13


que realiza um programa) em qualquer nível” (RAFFESTIN, 1993,

Além da ação sob o ‘suporte’ como uma característica de territó-

p. 143). Dessa forma, território é produto das relações sociais sobre

rio, há outras camadas que também o caracterizam. Santos (2002)

um suporte – o espaço – sendo constituído por diversas dimensões

caracteriza território ao ser atribuída “identidade” ao suporte, ao

atributivas, em constante transformação, a partir das ações dos ato-

“chão”. Segundo o autor, o território é formado por um conjunto de

res que o compõem:

sistemas de objetos (naturais e sociais, como relevo, vegetação, fauna, flora, infraestrutura, moradia, indústria, mercadorias) e ações

“Uma interpretação dos debates é que território é com-

(humanas e biológicas), mas não se restringe a esse sistema: ”O ter-

posto por várias dimensões, físicas, sociais, econômicas,

ritório não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas

culturais, portanto, o espaço como entidade geométrica

de coisas superpostas. O território tem que ser entendido como o

o compõe, mas não o define. Esta afirmação está nas ba-

território usado, não o território em si. O território usado é o chão

ses do entendimento e da dimensão estratégica dos co-

mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo

letivos na cidade, reescrever os rituais do solo, e incide

que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lu-

na ideia de realidade dada em contraponto à realidade

gar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da

nômade. Em outras palavras, é na distinção entre espa-

vida” (SANTOS, 2002, pág.10).

ço e território no âmbito da Geografia que se concentra a ideia de palimpsesto, de algo que nunca está pronto

O conceito de território se apresenta de forma diversa nas dife-

e que pode se revolucionar a partir de sua transforma-

rentes áreas do conhecimento. Segundo Borges (2021), na Geogra-

ção” (BASSANI, 2019, pág. 65)

fia, território é compreendido de forma multidimensional a partir de sua materialidade; na Ciência Política, apresenta-se vinculado ao Estado, a partir de sua dimensão de poder; na Antropologia, trata-se em sua dimensão simbólica-cultural; na Sociologia, a partir de sua influência nas relações. Apesar das diferentes linhas que o caracterizam, a dimensão da ação sobre um suporte apresenta-se com enfoque importante, pois é o processo que produz território, sendo denominada de territorialização. Nas ações sobre esse suporte, os autores da ação também são afetados, atingidos pela ação e pelo suporte. A esse processo denomina-se subjetivação, processo pelo qual se constitui subjetividade, o mundo interno onde se instala as opiniões em relação ao mundo externo, criando marcas singulares e marcas compartilhadas na dimensão coletiva. É no processo de subjetivação que são produzidas subjetividades, processo no qual torna-se sujeito. Aponta-se a importância de apreender os processos de subjetivação e territorialização juntos, como um processo onde ao produzir sub-

imagem 1. O Palimpsesto de Arquimedes fonte: The Walters Museum 14

jetividades, o sujeito também se territorializa: 15


É na ação dialética que se fundamenta a teoria freireana, de modo “Tais mutações da subjetividade não funcionam apenas

que o mundo é a realidade de onde “emergem os homens”, o seu

no registro das ideologias, mas no próprio coração dos

“aqui e agora”, que objetivada, permite que os homens conheçam o

indivíduos, em sua maneira de perceber o mundo, de se

mundo e assim o transformem:

articular como tecido urbano, com os processos maquínicos do trabalho, com a ordem social suporte dessas

“É exatamente em suas relações dialéticas com a realida-

forças produtivas.” (GUATARRI; ROLNIK, 1996)

de que iremos discutir a educação como um processo de constante libertação do homem. Educação que, por isto

Na amplitude das ações que produzem território, compreenden-

mesmo, não aceitará nem o homem isolado do mundo

do o processo de territorialização-subjetivação, insere-se a reflexão

- criando este em sua consciência-, nem tampouco o

sobre o processo educativo como uma das ações sob esse ‘suporte’.

mundo sem homem- incapaz de transformá-lo.

Dessa forma, uma pedagogia da territorialidade propõe-se a consi-

Educação que, no fundo, se tornaria a-histórica: no pri-

derar o território como elemento central do processo educativo dia-

meiro caso, por “faltar” o mundo, concretamente; no se-

lógico. A territorialização possibilita o processo de subjetivação, e no

gundo, por carecer do homem” (FREIRE, 1983, pág. 51)

tornar-se sujeito, o processo educativo emancipador se insere. Em “A Pedagogia do Oprimido” (2014), Paulo Freire, patrono da educação

Dessa forma, conclui-se que uma pedagogia eminentemente li-

brasileira, conceitua a base de sua pedagogia pela compreensão da

bertária considera os sujeitos (e assim a subjetivação) em sua relação

formação do sujeito a partir de um processo de conscientização com

com o mundo (o ‘suporte’, sob o qual a ação pedagógica ocorre e

o mundo:

que portanto é territorializada). Em decorrência, atribuir o adjetivo “A reflexão que propõe, por ser autêntica, não é sobre

de ‘educativo’ ao território concede a ele uma camada da ação que

este homem abstração nem sobre este mundo sem ho-

o caracteriza. O território educativo nos coloca, portanto, uma di-

mens, mas sobre os homens em suas relações com o

mensão do processo educativo que abrange um ‘suporte’ delimitado

mundo. Relações em que consciência e mundo se dão

pela ação, não por edificações pré-concebidas com a funcionalidade

simultaneamente. Não há uma consciência antes e um

de educar (as escolas, por exemplo). Essa ação pode ocorrer não só

mundo depois e vice-versa” (FREIRE, 2014, pág. 45-46)

na escola (educação formal), mas também na família e na comunidade (educação informal) e em outras instituições, como museus,

O autor aponta que a tarefa histórica dos homens - a transfor-

ONGS, etc (não-formal). Educar, quando compreendido na dimen-

mação da realidade opressora - é um processo que se dá a partir

são do território educativo, é, portanto, processo de territorialização

da transformação no mundo e com o mundo. O mundo é coloca-

e subjetivação, ‘no mundo e com o mundo’, com si e com os outros,

do como mediador desse processo, de forma que “ninguém educa

podendo ser emaranhado com o próprio processo de socialização:

ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens educam entre si,

“processo educativo confunde-se com um processo amplo e multi-

mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 2014, pág. 44). Compreende-se

forme de socialização” (CANÁRIO, 2006. págs. 100-101).

aqui o mundo, sua materialidade e imaterialidade, como ‘suporte’ do processo educativo, que a partir da ação educativa é concebido como território. 16

Ao territorializar-se e subjetivar-se, o processo educativo dialoga com o território - observa o território, apreende o território, compre17


O QUE É TERRITÓRIO EDUCATIVO?

ende o território e constrói conhecimento sobre o território. Dessa forma, o território além de ‘suporte’, pode vir a ser também ‘insumo’ do processo educativo. Nesse processo, o ‘suporte’ e as ‘ações’ que constituem território, podem ser apreendidas, de modo que o terri-

Feito por camadas de tempo, permanências, rupturas e novas contruções

Resiliência

tório além de educativo, torna-se também educador: “... o espaço construído pode ser um excelente ma-

Ousadia

terial pedagógico auxiliar. De fato, o espaço urbano ou rural, coletivo ou individual fala da história dos homens em cada lugar: não uma história de homens genéricos

Permeabilidade

que transformam e constroem um mundo longínquo

mobilidade urbana

e abstrato, mas a história específica dos homens que viveram ou que vivem determinadas condições de or-

árvores

ganização produtiva, no bairro e na cidade em que as crianças vivem.” (LIMA, 1989, pág 101)

verde

calçadas

Dessa forma, o território é educativo, pois é o suporte da ação pe-

infraestrutura urbana

Todo território é educativo!

Pertencimento

segurança

dagógica, e também educador, pois seus elementos e dinâmicas são potenciais insumos para o processo educativo. Para evidenciar essa relação e potencializar o processo educativo como um processo de territorialização e subjetivação é importante constituir dispositivos e caminhos.

Sustentabilidade É construído pelas camadas do território

(Re)conhecimento > Imagem 2. Painel reflexivo realizado na disciplina eletiva “Plano de Bairro: Escola, Território e Processos Participativos”. fonte: estudantes da disciplina 18

Sevirologia praça

bicicleta como transporte

ConexÃo 19


O PLANO DE BAIRRO: INSTRUMENTO PARA OTERRITÓRIO EDUCATIVO(ADOR)

A constituição do território educativo e educador se dá a partir da ação educativa. Porém, a inter-relação entre território e educação por muito permanece nebulosa, de modo que é fundamental a criação de dispositivos que potencializem a ação educativa e que também possam inferir sobre o ‘suporte’ desta ação, em outras palavras, que fortaleçam o território educativo e educador. Para tanto, o presente trabalho apresenta como dispositivo o instrumento urbanístico ‘plano de bairro’ e a experiência de desenvolvimento de um plano de bairro junto a Escola Municipal Padre José Pegoraro, localizada na cidade de São Paulo, Brasil. O plano de bairro é um dispositivo urbanístico elaborado de maneira participativa com os moradores de uma localidade, estando inserido no âmbito do micro-planejamento, na escala do bairro (com os perímetros delimitados a partir da percepção dos moradores durante as oficinas de planejamento participativo). Segundo o Plano Diretor Estratégico de São Paulo (2014), Art. 350, os Planos de Bairro têm como objetivos: “I - articular as questões locais com as questões estruturais da cidade; 21


II - fortalecer a economia local e estimular as oportunidades de tra-

território); envolver (os diferentes perfis de moradores, a população

balho;

e o poder público, dialogando sobre os conflitos e debatendo as pro-

III - estabelecer diretrizes para a implantação de mobiliário urba-

postas) e desenvolver (delimitando a área de intervenção, prevendo

no, padrões de piso e de equipamentos de infraestrutura, garantindo

ações de curto, médio e longo prazo e registrando o processo). Todo

acessibilidade e mobilidade dos pedestres, sobretudo aqueles porta-

esse processo insere reflexões e conscientiza os moradores sobre o

dores e necessidades especiais;

bairro onde estão, podendo apresentar-se portanto como um dis-

IV - levantar as necessidades locais por equipamentos públicos, so-

positivo que engendra o processo de territorialização e subjetivação,

ciais e de lazer;

trazendo à evidência a importância da identificação de si no territó-

V - relacionar as unidades de paisagem em que se ambientam, os

rio:

equipamentos, políticas e projetos nos setores urbanos em que se in-

“O bairro também se caracteriza pelo ‘sentimento de lo-

serem, considerando os planos setoriais no que se refere às questões

calidade’ existente nos seus moradores, cuja formação

físico-territoriais;

depende não apenas da posição geográfica, mas tam-

VI - identificar as manifestações artísticas e culturais, a fim de fo-

bém do intercâmbio entre as famílias e as pessoas. Po-

mentar a preservação da memória os bairros, as identidades cultu-

demos dizer ainda que é o lugar ao qual os moradores

rais e geográficas, bem como apoiar a preservação do patrimônio

têm consciência de pertencer”

imaterial;

(FECOMÉRCIO SP, p.12).

VII - identificar o patrimônio ambiental local, propondo estratégias para sua conservação.” (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2014)

Nesse processo - conhecer, envolver, desenvolver - a ação coloca o território como mediador do processo de formação de conhecimen-

Há um aspecto central na elaboração dos Planos de Bairro: os pro-

to - sobre si e sobre onde se está - e também é conteúdo, sendo assim

cessos participativos, compreendidos nas etapas de pesquisa, análise

uma ação propriamente educativa. Dessa forma, como dispositivo, o

de dados e definição de proposições para intervenção no território.

Plano de Bairro evidencia e potencializa as dinâmicas para um terri-

Nesse processo podem ser propostas intervenções nos campos da

tório educativo e educador.

infraestrutura (iluminação, drenagem, sistema viário e mobiliário urbano), equipamentos (saúde, educação, esportes, lazer e cultura, assistência social), economia (apoio ao comércio local, galerias, suporte a iniciativas de geração de renda), segurança (iniciativas que melhorem a segurança do bairro), meio ambiente (áreas verdes, coleta de lixo, arborização de vias), mobilidade (passeio público, acessibilidade, ciclovias), e outros campos que surjam a partir dos apontamentos da comunidade. Para o desenvolvimento de planos de bairro é importante considerar três momentos no processo participativo junto às comunidades: conhecer (a história, a identidade e os processos que ocorrem no 22

23


OUTRAS EXPERIÊNCIAS: O PLANO DE BAIRRO DO JARDIM LAPENNA

O Jardim Lapenna localiza-se no distrito de São Miguel Paulista, São Paulo. Formado por uma rápida e recente urbanização, que lhe conferiu um aumento populacional de 240% entre 2000 e 2017 (de 5 mil habitantes em 2000 (Censo, IBGE) para cerca de 12 mil habitantes em 2017, estimativa realizada pela Unidade Básica de Saúde local (TSUNODA, 2019, p.16), o território apresenta graves problemas urbanos como falta de saneamento básico, alta incidência de alagamentos e muitos habitantes em situação de vulnerabilidade social. Porém, é também território de potências, com organizações com forte articulação comunitária. É neste território onde foi realizado, em 2017, com apoio da Fundação Tide Setúbal e assessoria técnica do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas, o Plano de Bairro, que resultou em 48 ações, organizadas em 14 propostas e 4 grandes desafios. Para o desenvolvimento do plano partiu-se de um processo de reconhecimento do território (o Lapenna que temos) para a proposição de um futuro território (o Lapenna que queremos). A primeira etapa, o levantamento de dados, buscou realizar ações participativas 24

25


de diagnóstico (percursos e registros pelo bairro; conversa com sujeitos importantes, como as Agentes Comunitárias de Saúde (ACS);

divulgação lapenna que temos (levantamento de dados) do projeto​

oficinas participa-

construção

tivas diagnósticas​

de propostas​

lapenna que queremos​

escuto da comunidade). A partir disso, o processo focou em comuni-

(pactuação de

car a comunidade e divulgar as ações para mobilização e engajamen-

estratégias e

to, com a promoção de um evento, a “festa de lançamento do Plano

priorização)​

de Bairro”, com tendas de ações: mapa dos sonhos, mapa afetivo do

Imagem 3. Diagrama de processo do Plano de Bairro do Jardim Lapenna

Lapenna, estação brincadeiras, dança, ponto de leitura na rua, varal dos sonhos, rádio de rua Lapenna, estação saúde, estação esporte Lapenna e um grafite de convite a participar no processo. Essa abertura se encaminhou para a terceira etapa, onde foram realizadas as oficinas participativas diagnósticas, com oficinas abertas à comunidade e uma oficina realizada junto a Escola Estadual Pedro Moreira, sendo abordadas as temáticas: População e Vulnerabilidade, Equipamentos e Serviços Públicos, Geografia do Lapenna: meio ambiente e habitação, Mapa de potencialidades. Dado o diagnóstico, o processo seguiu para a construção de propostas, por meio de oficinas (Desejos de transformações para o Lapenna, Equipamentos e Serviços Públicos, Infraestrutura urbana e meio ambiente, Espaços livres), circulação de caixas para inserção de propostas, “acupunturas territoriais”(mutirões realizados em duas praças do território) e realização de uma “Virada Sustentável”. Nesta etapa também foi criado um colegiado, com representantes de diferentes segmentos, importante instrumento para a governança do plano. Com as propostas elencadas, a fase de estratégias e pactuações se iniciou, buscando pela compreensão dos desafios e das propostas, a definição de ações, a apreensão do impacto, a definição de custos e de dificuldades para efetivação. O processo foi assim consolidado em um Plano de Bairro, aprovado pela comunidade e encaminhado para o poder público.

Dada a realização do Plano de Bairro, algumas intervenções no território foram realizadas em um processo ao longo dos últimos 5 anos, como: intervenções de limpeza e requalificação em uma rua escolar e de duas praças; aproximação do poder público local (subprefeitura), com melhoria das ações zeladoria como a manutenção de calçadas, oferecimento de caminhão para bombear água de enchente e limpeza de galerias (bueiros); obras de drenagem urbana; construção de um ecoponto; projeto de requalificação de uma área, em execução pela prefeitura. Além disso, a consolidação do colegiado foi um importante passo, pois esses sujeitos foram importantes articuladores para pressionar ações junto ao poder público, monitorando as intervenções de acordo com os interesses da comunidade: “O Plano de Bairro se torna essencial para a construção de um território de direitos, pois apresenta as prioridades definidas pela população de forma participativa. Seu percurso tem fortalecido a participação numa nova dimensão, estruturando um colegiado com as lideranças comunitárias e sociais do bairro. Igualmente, o Plano de Bairro tem veiculado a mobilização social entendendo o percurso como um pensar-participar-fazer, executando ações de forma direta enquanto se articula o plano ao interior das lideranças e em relação à cidade e sua macro-política” (TSUNODA, 2019)

26

27


Para Andrelissa Ruiz1, da Fundação Tide Setúbal, o Plano de Bairro do Jardim Lapenna inverte a lógica política, onde os moradores apresentam o plano e não os vereadores que chegam oferecendo intervenções no território. Além disso, insere os interesses coletivos

1 Fala proferida por Andrelissa Ruiz na aula 07, do dia 17/09/2021, na disciplina “Plano de Bairro: Escola, Território e Processos Participativos”, da Escola da Cidade.

OUTRAS EXPERIÊNCIAS: O PLANO DE BAIRRO DO JARDIM PANTANAL

acima dos individuais e dessa forma constitui um território de direitos. Nesse processo, os moradores passaram a se sentir responsáveis pelo território, se reconhecendo como “do Jardim Lapenna”, situação que não se evidenciava anteriormente.

O Jardim Pantanal é um bairro localizado no extremo leste da cidade de São Paulo, na divisa com a cidade de Guarulhos. O bairro está na várzea do Rio Tietê, em uma cota onde há muitos riscos de inundação - problema recorrente no território. Neste contexto, o Plano de Bairro do Jardim Pantanal foi iniciado, em uma parceria entre o núcleo Urbanizar do Instituto Alana (com extensa atuação no território) e o Instituto dos Arquitetos do Brasil Núcleo São Paulo (IAB-sp), em 2019, com a perspectiva de duração até 2024. Neste período, a pandemia inseriu novas questões emergenciais, que também foram abarcadas pelo projeto. Imagem 4. Mapeamento participativo realizado para o Plano de Bairro Jd. Lapenna fonte: Fundação Tide Setúbal

O processo então se estruturou em uma fase inicial de análise e caracterização técnica, onde foram levantados documentos e realizado um diagnóstico preliminar do território. A partir disso, o projeto se estruturou em duas frentes: as diretrizes emergenciais para contenção da pandemia e diretrizes estruturais para a requalificação do território. As diretrizes emergenciais tiveram por foco medidas de atenção até a imunização completa da população e medidas para mitigar os impactos da pandemia. As diretrizes estruturais se concentraram

28

29


nos eixos drenagem do solo e contenção de alagamentos, qualifica-

crianças que ficam na rua, a rua é o lugar do brincar. E a rua é aquela

ção dos espaços livres e mobilidade urbana. Para desenvolvimen-

rua que a gente viu ali, uma rua sem asfalto, uma rua sem esgoto. A

to do plano, foram estruturadas ações de articulação comunitária:

importância de qualificar os espaços livres para essa população usar

ações de engajamento da comunidade pela comunicação (criação de

2 Fala proferida por Simone Gatti na aula 07, do dia 24/09/2021, na disciplina “Plano de Bairro: Escola, Território e Processos Participativos”, da Escola da Cidade.

um núcleo de comunicadores e rádio comunitária); integração da população a canais institucionais de participação (conselho gestor da ZEIS 1 Jd. Pantanal, conselho consultivo da APA Várzea do Tietê); e organização e definição de responsabilidades - quem faz o quê?

escolas, foram considerados no processo como importantes interlocutores. O Plano de Bairro do Jardim Pantanal não está finalizado, mas sua

(IAB-SP, 2021).

análise técnica, eixos: ​ -serviços e equipamentos públicos​ -mobilidade e espaços públicos ​ -meio ambiente ​ -habitação ​ -infraestrutura ​ -geração de emprego e renda ​ -segurança pública ​ -violência doméstica ​ -construção comunitária ​ -alimentação saudável ​ -projetos e planos para a região

seu território de forma saudável”2. Dessa forma, esses sujeitos, e as

estrutura metodológica apresenta pontos importantes como referências de desenvolvimento para esses tipos de planos. Um dos pontos

diretrizes emergenciais para

apontados por Simone Gatti, é a preocupação pedagógica desse pro-

contenção da pandemia​

cesso: articulação comunitária​

“Esse projeto também tem toda uma preocupação pedagógica, de

diretrizes estruturais para a

que essas soluções apresentadas elas não são só soluções para serem

requalificação do território​

testadas, mas para serem trabalhadas sobretudo no viés da educação ambiental. Para que a população seja parceira disso, acompanhe, faça a manutenção, a monitoria e que as crianças participem desse 3

Idem

processo.”3

Imagem 5. Diagrama de processo do Plano de Bairro do Jardim Pantanal

Atualmente, o projeto segue com a estruturação de três grupos de trabalho: escolas, meio ambiente, mobilidade e espaços públicos. Encaminhando o processo de forma descentralizada, esses grupos desenvolvem as ações diagnósticas e também já consolidam algumas demandas - como um ecoponto recém-inaugurado. No grupo de trabalho “escolas”, três escolas públicas de ensino básico do território foram articuladas, de modo a pensarem ações para seus entornos imediatos (raios de 200m), por meio de metodologias de escuta de crianças e adolescentes, como mapas afetivos. Simone Gatti, coordenadora do projeto pelo IAB-SP, relata que “é impressionante o número de crianças nesse território …são muitas crianças … muitas 30

Imagem 6. Painel de divulgação do Plano de Bairro Jd. Pantanal. fonte: IAB-SP 31


O PLANO DE BAIRRO DO PQ. RESIDENCIAL COCAIA

A compreensão da dimensão educativa e educadora atribuída ao território, insere olhar para dinâmicas e equipamentos caracterizados pela essência educativa. Dessa forma faz-se necessário olhar para as escolas, os equipamentos de educação formal, não como os espaços limites da educação, mas como irradiadores do processo educativo ao território: “A escola deve ser também um centro irradiador da cultura popular, à disposição da comunidade, não para consumi-la, mas para recriá-la. A escola é também um espaço de organização política das classes populares. A escola como um espaço de ensino-aprendizagem será então um centro de debates de ideias, soluções, reflexões, onde a organização popular vai sistematizando sua própria experiência.” (FREIRE, 1991, p.16) 4 O Projeto Brasil Cidades é um fórum nacional com objetivo de constituir uma rede de ação coletiva em torno da agenda urbana 32

Dessa forma, para constituir estratégias para elaboração dos Planos de Bairro, o Grupo de Trabalho Educação e Território do BR Cidades4, realizou articulações com escolas públicas de ensino bási33


co da cidade de São Paulo, para realização de planos para seus respectivos bairros, e com faculdades de Arquitetura e Urbanismo, que colaboraram neste processo com estudantes, pesquisadores e extensionistas. A Escola da Cidade, desta forma, iniciou parceria com a Escola Municipal de Ensino Fundamental Padre José Pegoraro, por meio da disciplina eletiva “Planos de Bairro: Escola, Território e Processo Participativo”5, com apoio do Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo Base, formado por estudantes da própria Escola da Cidade.

5

Disciplina ministrada no segundo semestre/2021:

METODOLOGIA PARTICIPATIVA: “O CAMINHO EDUCATIVO”

- Professores Responsáveis: Sandra Rufino e Heloisa Bento Ribeiro - Professores Colaboradores: Angela Amaral, Beatriz Goulart, Denise Jardim, Simone Gatti, Zico Rollemberg - Professoras Assistentes: Bárbara Francelin e Simone Alves

A disciplina eletiva, ministrada no segundo semestre de 2021, tinha por objetivos: apresentar conceitos e práticas que abranjam a relação entre educação e território; expor metodologias de processo participativo para constituição de planos de bairro; buscar o entendimento das relações urbanas existentes e mapear as problemáticas encontradas no entorno das escolas; desenvolver diagnóstico participativo junto às comunidades; refletir sobre o desenvolvimento ur-

Com objetivo concreto de iniciar o Plano de Bairro do Pq. Residen-

bano a partir da análise de conflitos, impasses e possibilidades do

cial Cocaia, compreendendo esse processo como um dispositivo

local estudado, reconhecendo instrumentos, agentes e práticas6. Foi estruturada em três módulos, sendo os dois primeiros com aulas ex-

6 Para mais informações, consultar ementa da disciplina ANEXO I

educativo territorializante, a disciplina eletiva inicia se estruturando como um processo educativo na Escola da Cidade (educadores e

positivas que tinham por objetivo fundamentar sobre aspectos rela-

educandos do ensino superior) e também no território do Pq. Res-

cionados aos processos participativos e governança local (módulo

idencial Cocaia (grupo da escola da cidade e comunidade escolar

1), e sobre cidade e educação (módulo 2); o terceiro módulo, conco-

da EMEF Padre José Pegoraro). Essas relações estabelecem diálogos

mitante aos demais, foi estruturado como um módulo prático que ti-

entre diferentes sujeitos: educadores e educandos da Escola da Ci-

nha por objetivo realizar o diagnóstico participativo preliminar para

dade, educadores e educandos da EMEF Padre José Pegoraro, assim

o plano de bairro, iniciado com a comunidade escolar (estudantes e

como a comunidade escolar como um todo, famílias e demais su-

professores).

jeitos deste território. Essa compreensão, assim como as referências de Planos de Bairros desenvolvidos, são de suma importância para a construção metodológica da disciplina, um “caminho educativo” construído conjuntamente, entre esses sujeitos, tendo por essência o processo dialógico e horizontal. No “caminho educativo” percorrido, os diálogos se estabeleceram não só entre os sujeitos envolvidos no processo, mas também entre sujeitos e território. Freire (2018) nos aponta que “só existe saber

34

35


O PONTO DE PARTIDA: “NOSSAS VOZES”

na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros”(FREIRE, 2018, p.60), dessa forma a ação dialógica se estabelece não só entre sujeitos do processo educativo, mas também em diálogo com o território e a partir da ação, do intervir, no território. Para uma efetiva relação dialógica entre sujeitos, educadores e educandos, faz-se necessário que sejam compreendidos de forma horizontal no processo, de modo que “o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os ‘argumentos de autoridade’ já não valem” (FREIRE, 2018). São essas premissas que embasam o “caminho educativo” da disciplina eletiva “Plano de Bairro: escola, território e processo participativo”, que tem como eixo irradiador a escola e a comunidade

A EMEF Padre José Pegoraro, localizada no Grajaú, extremo sul

escolar (EMEF Padre José Pegoraro), o território como ‘suporte’ e ‘insumo educativo’ e o processo participativo (dialógico e hori-

de São Paulo, é reconhecida por projetos que dialogam com o terri-

zontal) como eixo metodológico. Dessa forma, o processo se inicia

tório. Essa experiência foi apresentada no início da disciplina, pela

emergindo do território e de seus sujeitos, desenvolvendo ações de

comunidade escolar, de modo a mostrar ações já consolidadas que

diagnóstico, ao passo que foram realizadas aulas expositivas como

pudessem dialogar com o Plano de Bairro e apresentar a narrativa

apoio à reflexão-ação.

desses sujeitos sobre o território. Dentre os projetos realizados, o projeto “Um país chamado Grajaú” destaca-se pela abordagem temática similar a apresentada na disciplina. O projeto “Um país chamado Grajaú”, surgiu a partir da análise de documentos e dados onde o Grajaú apresentava os piores indicadores da cidade em algumas categorias, relata o Professor Carlos 7 O relato pode ser vizualizado no vídeo “Um páis chamado Grajaú”, disponível no site: https://sites. google.com/view/umpaischamadograjau/p%C3%A1gina-inicial

Amorim7. A partir disso, os professores da escola buscaram apresentar outra faceta do território, realizando com os estudantes o levantamento de ONGs e projetos sociais locais, os quais os estudantes posteriormente visitaram e com lideranças dialogaram. Em uma dessas visitas, Professora Thabata dos Santos relata que um dos estudantes

8

Idem

afirmou “Nossa professora, aqui a gente tá tendo uma aula!8”, e dessa forma “Perceberam que a aula não é só dentro da escola. Quando a

36

37


gente leva eles pra fora, sai dos muros da escola, expande esse horizonte, eles percebem que a aprendizagem pode se dar no dia-a-dia, no cotidiano, na vida real que eles têm, que eles podem aprender de muitas formas”9.

9

Idem

Essas visitas foram consolidadas em um mapa colaborativo e em um site10 que também apresenta conhecimento consolidado sobre a

10

Idem

história do bairro, informações sobre a escola, sobre a memória do território (levantado a partir de outro projeto, realizado em 2013, “Grajaú: onde minha história começa”) e um caderno de campo. Os professores relatam que o projeto reverberou em mudanças de percepção dos estudantes sobre o território, observando a cada nova saída eles mais protagonistas e com uma visão nova sobre o território, não somente do que é posto midiaticamente. Esse processo insere uma forma de aprender com o bairro, sua história e seus personagens.

Imagem 7. Mural do território realizado por Imargem na EMEF Pegoraro. fonte: EMEF Padre José Pegoraro 38

Imagem 8. Mapa produzido pelos estudantes da EMEF Pegoraro, para o projeto “Um país chamado Grajáu”. Estão mapeados pontos de Educação, Meio Ambiente, Arte e Cultura, Saúde, Moradia e Assistência Social. fonte: Site Um País Chamado Grajaú

39


CAMINHAR JUNTO: O DIAGNÓSTICO TÉCNICO E PARTICIPATIVO

A partir da apresentação do território pelas vozes do território, a disciplina se estruturou com aulas expositivas e exercícios coletivos. Esse processo esteve diretamente relacionado ao processo de escuta comunitária realizado na EMEF Padre José Pegoraro, a ser descrito posteriormente. É importante salientar que educadores da EMEF Padre José Pegoraro participaram da disciplina, como estudantes, sendo de extrema importância para atribuir olhares a partir de suas vivências e contribuir no desenho do ‘caminhar educativo’. As aulas expositivas buscaram, dessa forma, aprofundar temáticas para embasar o processo de desenvolvimento do Plano de Bairro e a realização de um diagnóstico técnico preliminar. Foram abordadas temáticas relativas a campo do urbanismo (legislação urbanística, formação urbana do Grajaú, o instrumento plano de bairro, experiências de plano de bairro - Jd. Lapenna, Jd. Pantanal, projetos do escritório URBE, Grupo Periférico-UnB); território e educação (cidade educadora, pedagogia urbana e território CEU); metodologias Imagem 9. Registros de suas moradias realizado pelos estudantes. Hilda Behling, Coordenadora pedagógica da EMEF Pegoraro, cha40 ma a atenção para como os estudantes observam suas casas e suas ruas “veja a sensibilidade desses estudantes com seu território”. fonte: Site Um País Chamado Grajaú

41


participativas (metodologias para estimular a participação da comunidade; a experiência do Jardim da União). A disciplina também incorporou experiência dos estudantes, que ministraram algumas aulas, como a aula “Encontro com o Maranhão”, onde Jussara Nogueira relatou sua experiência em planejamento urbano participativo neste território, e “Apresentação do EMAU Base”, onde os estudantes do escritório modelo de arquitetura e urbanismo da Escola da Cidade também apresentaram suas experiências (ANEXO I). Durante o processo, foram realizados levantamentos cartográficos do território e foi constituído um quadro analítico que consolida um diagnóstico técnico preliminar. O quadro apresenta os eixos trabalhados ao longo da discussão: mobilidade; infraestrutura e equipamentos públicos; meio ambiente; economia; segurança; habitação; história e pertencimento; autonomia e governança. Os dois últimos tópicos não apareceram nos planos de bairro estudados, mas foram

Imagem 10. Grupo na EMEF Pegoraro. fonte: Heloisa Ribeiro

Imagem 11. Descarte de lixo ao redor daa escola. fonte: Heloisa Ribeiro

incorporados a partir da escuta participativa como eixos importantes que emergem do território. Esses eixos foram analisados a partir de problemas/potências, levantando questões e proposições de como resolvê-las. No âmbito da disciplina eletiva, três ações de escuta participativa foram realizadas. A primeira, dia 18/09/2021 concentrou-se na escuta dos educadores da EMEF Padre José Pegoraro e no reconhecimento do entorno imediato da escola. A segunda, dia 06/11/2021 foi estruturada em dois momentos: mapeamento participativo com os educadores e com os educandos. A terceira ação, processo perene, consistiu na colocação de uma caixa dos sonhos, onde a comunidade escolar insere questões, reflexões, desenhos com base no que desejam para o futuro da escola e seu território. Esses processos iniciados propuseram-se a ser um piloto de metodologias participativas a consolidarem-se a longo prazo no processo de elaboração do Plano de Bairro, mas também inseriram-se como ações pedagógicas, onde ao pensar o território os sujeitos emergiram temas dele e com ele aprendiam. 42

Imagem 12. Escuta dos professores da EMEF Pegoraro. fonte: Heloisa Ribeiro

43


44 Imagem 12. Mapeamento participativo realizado com professores e estudante da EMEF Pegoraro fonte: Heloisa Ribeiro

45


46

Imagem 13. Contribuições dos estudantes da EMEF Pegoraro na Caixa dos sonhos fonte: EMEF Pegoraro

47


CONSIDERAÇÕES

O processo aqui descrito, ainda em andamento, foi apresentado de forma a exemplificar como constituir dispositivos que articulem território e educação e assim possam contribuir para um processo de territorialização e subjetivação, consolidando as dimensões do território educativo e educador. Dessa forma, compreender a dimensão do território no processo educativo faz-se assim necessário, sendo ‘suporte’ e também ‘insumo’ da ação de educar: “Todo educador, se quiser sê-lo, tem de ser arquiteto. De fato, ele sempre o é, tanto se ele decide modificar o espaço escolar, quanto se o deixa tal e qual está dado. O espaço não é neutro. Sempre educa. Resulta daí o interesse pela análise conjunta de ambos os aspectos - o espaço e a educação -, a fim de se considerar suas implicações recíprocas. ” (VIÑAO FRAGO; ESCOLANO, 2001, pág 75) Para a arquitetura e urbanismo, as reflexões que aqui constam apresentam pontos a serem considerados no pensar e projetar. Considerar, dentre as camadas que constituem os territórios, a camada educativa, nos coloca frente a desafios que possam contribuir para outros territórios e cidades mais educativas e educadoras. Dessa forma, “o arquiteto, se quiser sê-lo, tem de ser também educador”, buscando, de maneira dialógica, olhar ao território também pela camada da educação. 48

49


BIBLIOGRAFIA ASSIS, Ana Paula de. A Agência dos jogos - Dissenso e emancipação na produção política do espaço. Tese (doutorado) apresentada à Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura. Belo Horizonte: 2017. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/MMMD-AY7NWJ ASSOCIAÇÃO CIDADE ESCOLA APRENDIZ (org). Bairro-Escola: passo a passo. São Paulo: Fundação Educar, UNICEF, UNDIME, MEC, 2007. Disponível em: https://www.cidadeescolaaprendiz.org. br/wp-content/uploads/2014/03/Bairro-escola_passo-a-passo.pdf ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE CIDADES EDUCADORAS. Educação e vida urbana: 20 anos de Cidades Educadoras. Torres Novas: Almondina, 2013. Disponível em: https://www. edcities.org/wp-content/uploads/2015/11/livro-20-anos-cidades-educadoras-PT.pdf BASSANI, J. “Das intervenções artísticas à ação política urbana”. São Paulo, 2019. 280 p. Tese (Livre-Docência) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto. BASSANI, J.; MASSIMETI, F. T.; RODRIGUES, M. “Extensão universitária na Ilha do Bororé: o território como instrumento pedagógico”. In: Anais XVIII ENANPUR, 2019. Disponível em: http:// anpur.org.br/xviiienanpur/anais BRASIL. Série Mais Educação: Territórios Educativos para Educação Integral. Brasília: 2009 Disponível em: http://educacaointegral. org.br/wp-content/uploads/2014/04/territorioseducativos.pdf CABEZUDO, Alicia. Cidade educadora: uma proposta para os governos locais. In: GADOTI, Moacir; PADILHA, Roberto; CABEZUDO, Alicia. Cidade educadora: princípios e experiências. São Paulo: Cortez, 2004. CAMPOS FILHO, Cândido Malta. Reinvente seu bairro: caminhos para você participar do planejamento de sua cidade. [S.l: s.n.], 2003. CANÁRIO, Rui. A Escola tem futuro. Porto Alegre, Artmed, 2006 50

CIDADES EDUCADORAS. Carta das Cidades Educadoras. Barcelona:1994. Disponível em: www.edcities.org DÓRIA, Og; PEREZ, Maria Aparecida. Educação, CEU e cidade Breve história da educação brasileira nos 450 anos da cidade de São Paulo. São Paulo, SP: Secretaria Municipal de Educação, 2007. DUARTE, Jorge C. S. Plano de desenvolvimento do Bairro: uma metodologia participativa. São Paulo: Fischer2/FecomercioSP. Disponível em: https://www.fecomercio.com.br/ upload/pdf/2015/13/ cartilha-plano-bairro-plano-de-desenvolvimento.pdf FECOMERCIO SP. Plano de Desenvolvimento de Bairro: uma metodologia participativa. São Paulo: s/d. Disponivel em: https://www. fecomercio.com.br/upload/pdf/2015/13/cartilha-plano-bairro-plano-de-desenvolvimento.pdf FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Cortez Editora, 1991. FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação?. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2014. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2018. GÓMEZ-GRANELL, Carmen; VILA, Ignacio. A cidade como projeto educativo. São Paulo: Artmed, 2003 GUATARRI, Felix; ROLNIK, Sueli. Micropolítica – cartografia do desejo. Vozes, 1996 HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos ter51


ritórios” à multiterritorialidade [2004]. – 11. ed. – Rio de Janeiro: Bertrand, 2019. INSTITUTO DOS ARQUITETOS DO BRASIL. Jd Pantanal: Plano emergencial e propostas iniciais para o Plano de Bairro. São Paulo: 2021. Disponível em: https://www.iabsp.org.br/jd_pantanal_plano_emergencial_e_propostas_iniciais_para_plano_de_bairro.pdf LIMA, Mayumi de Souza Lima. A cidade e a criança. São Paulo: Nobel, 1989 PREFEITURA DE SÃO PAULO. Guia de Planos de Bairro. Prefeitura de São Paulo- Secretaria Executiva de Projetos Estratégicos: 2020. Disponível em: https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/ wp-content/ uploads/2020/11/Guia_de_bairros.pdf PREFEITURA DE SÃO PAULO. Plano Diretor Estratégico. São Paulo: 2014 RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. São Paulo: Editora da da Universidade de São Paulo, 2006. SINGER, Helena (Org.). Territórios educativos : experiências em diálogo com o Bairro-Escola (Volume 1). São Paulo : Moderna, 2015. Disponível em: https://www.cidadeescolaaprendiz.org.br/ wp-content/uploads/2015/04/Territorios-Educativos_Vol1.pdf TSUNODA, Fábio, el al.Territórios de Direitos : um guia para construir um Plano de Bairro com base na experiência do Jardim Lapena. São Paulo : Fundação Tide Setubal, 2019. Disponível em: https://fundacaotidesetubal.org.br/midia/publicacao_2986.pdf VIÑAO FRAGO, Antonio; ESCOLANO, Agustín. Currículo, espaço e subjetividade. A arquitetura como programa. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 1998

52

53


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.