coleção de moda para uma favela que venceu coletivamente inspirada e inserida nos bailes funks






coleção de moda para uma favela que venceu coletivamente inspirada e inserida nos bailes funks
coleção de moda para uma favela mente inspirada e inserida
favela que venceu coletivainserida nos bailes funks
Monografia apresentada à faculdade santa marcelina, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em moda na área de estilismo
orientação: prof mr. simone mina prof dr. vinicius do valle
Soberana! Dominação e poder, ocupando o que é nosso por direito: becos, ruas e vielas! isso não pode perder.
Manifestação cultural, ativismo e expressão influência na música, dança e cultura isso é o funk, a grande festa que se faz no bailão!
Segue sendo resistência adotado por grandes meios não deixa perder sua essência!
Música que instiga, anima e questiona com todas suas vertentes busca incluir e por onde passa, ovaciona, revoluciona!
Diversão, lazer, liberdade e expressão, para além disso, no baile vemos a comunidade unida para diversos propósitos dessa ocupação.
A rua é nossa!! Isso ninguém pode tirar através do baile nela, famílias se sustentam e a cultura local mostra que sabe criar!
Negados de políticas públicas, sem ações, na periferia fazemos nossa própria cultura, nosso próprio estilo, nossa moda e padrões, fora de padrões!
A favela venceu: esperança, motivação, coletividade para que seja uma frase não só de inspiração, mas sim realização!
No estilo do funk tudo é inovador, uso de marcas, acessórios e combinações inusitadas de novidades é o grande portador.
Símbolos, códigos e condutas, linguagem nas falas, visual nas misturas de elementos, identidade não falta, pode ter certeza absoluta.
Guarda chuvas para o alto, símbolo de status, arquitetura de vento, e de longe chama atenção no asfalto!
Bonés, correntes, lupas espelhadas, fazendo sua própria moda, driblando preconceitos, contribuindo cada vez mais para serem espalhadas!
Soberana vem para mostrar a essência, a coletividade cores vibrantes, estampas, peças versáteis, peças que funcionam juntas, mesmo com toda diversidade!
Exagero, trazendo toda opulência merecida, sem perder sua essência, trazendo peças feitas pela quebrada, juntando o fortalecimento e sendo também reconhecida!
É o poder, a ocupação, o pertencimento e valorização do funk, do baile, do lazer, do estilo fora de padrões, essa é a moda consciente que busca passar a visão!
O projeto tem como objetivo o desenvolvimento de uma coleção de moda baseada nos estudos e vivências nos bailes funks de São Paulo. Unindo o funk e a moda como dois assuntos muito importantes para a sociedade e cultura, afim de criar uma coleção que seja símbolo de auto estima, representatividade e cada vez mais símbolo de resistência daquilo que somos. Transmitir nossa base, nossas vivências, quem somos e da onde somos, o que carregamos dentro de nós através do exterior em vestimenta e combinações. Soberana busca sintetizar o significado dessa coleção, mostrando todo poder e dominação sobre as ruas que são nossas, para mostrar tudo que temos direito e como elas transformam vidas a partir de vivencias e cultura, transformando junto o nosso jeito de ser, o nosso estilo e mostrar nossa maneira única de cada um, trazendo toda opulência e elegância merecida. Mostraremos que estamos vivos ecoando nossa cultura, nossa música, nossos passi nhos e nossos dialetos cheios de cores, texturas e estampas. Por isso, não dispensamos nossas combinações de tudo isso para fazer o nosso próprio estilo e nossa própria moda.
Resistência – Opulência – Elegância – Pertencimento – Valorização – Cultura
The project aims to develop a fashion collection based on studies and ex periences at São Paulo funk parties. Joining funk and fashion as two very important subjects for society and culture, in order to create a collection that is a symbol of self-esteem, representation and increasingly a symbol of resistance of what we are. To transmit our base, our experiences, who we are and where we are from, what we carry inside us through the outside in clothing and combinations. Soberana seeks to synthesize the meaning of this collection, showing all the power and domination over the streets that are ours, to show everything we are entitled to and how they transform lives from experiences and cul ture, transforming together our way of being, our style and show our unique way of each one, bringing all the opulence and elegance well deserved. We will show that we are alive by echoing our culture, our music, our steps and our dialects full of colors, textures and prints. That’s why we don’t dispense with our combinations of all this to make our own style and our own fashion.
Resistance – Opulence – Elegance – Belonging – Appreciation – Culture
O presente trabalho de coleção de estilo pretender abordar a frase que muito ouvimos em letras de funk, que é “A favela venceu”. Dentro desse tema, de forma mais específica buscarei relacionar como a moda se manifesta nos bailes funks dentro das favelas e como o comportamento de jovens inseridos nesse movimento, que gostam, participam de bailes funks, escutam e vivenciam reflete na identidade das roupas dentro daquele polo cultural. Trata-se de um estudo bibliográfico e exploratório sobre a ideia de vencer coletivamente no campo periférico de favela inspirada nos bailes funks, e a relevância desse assunto para uma moda ainda elitizada e com preconceitos enraizados sobre referên cias que vem da periferia e da rua, onde tudo é construído.
A pesquisa terá como par tida o foco em funkeiros moradores das periferias de São Paulo, frequentadores de bailes funks e influências com seus ideais, comportamentos, musicalida de, dialetos e moda. Para analisar e discutir sobre as periferias e suas desigualdades em São Paulo, o trabalho contará com algumas discussões presentes no livro São Paulo: o planejamento da desigualdade de Raquel Rolnik, que entende a desigualda de como fruto de um projeto político, mas acredita possuir um grande poder de transformação.
Assim sendo, a estética dos funkeiros está inserida dentro dessa periferia coberta de desigualdade, por isso, busca-se tradu zir de forma elegante a possibilidade de transformação nesse estereótipo enraizado e mostrar a sua relevância para a moda contemporânea.
A escolha do tema se dá a partir do interesse da autora por uma moda periférica, visto que, a mesma vive dentro da periferia de Guarulhos em São Paulo e tem o funk como o seu principal estilo musical escutado, seja em casa ao abrir a janela e escutar sons iguais pela vizinhança ou em festas e shows que frequenta. Por isso, o desejo pessoal em ver cada vez mais nas ruas uma moda que represen te a realidade dos seus, é o que motiva a pesquisa e criação em torno desse tema.
Essa pesquisa e a criação que ela advém procuram, nesse sentido, reforçar referências culturais da periferia no funk e tra zer visibilidade para uma estética de moda que costuma ser rotulada e vista com preconceitos sem nem saber os significados por trás do que aqueles elementos significam para quem os usam.
Além disso, é lançado sobre essa pesquisa um novo olhar, poético e a partir de vivências para mostrar que é possível unir as referências e significados do funk periférico em uma coleção de moda conceitualmente, com a aspiração de ser expressada em cada elemento composto nas vestimentas dessa fave la que venceu coletivamente através da sua própria história.
O objetivo dessa pesquisa é unir a periferia e o funk como aliados para demonstrar a sua importância para a moda e sociedade. A partir dos achados e vivências desses estudos, inserindo explorações feitas e elementos pessoais, poderemos nos inspirar para a cria ção de uma coleção de moda com base nos bailes funks e suas referências dentro da periferia, mostrando a favela que venceu coletivamente a partir da sua própria cultura.
A metodologia proposta envolve a pesquisa de campo, com base em vivências e visitas nas periferias e bailes funks de São Paulo. Busca-se com essas visitas explorar o máximo de referências contextuais e imagéticas para adquirir repertório além da minha zona de conforto que é a periferia onde moro. Acre dita-se que cada lugar possui particularidades importantes para explorar e aprender, por isso, em um primeiro momento são pesquisas mais sem contato direto com as pessoas, para identificar melhor as referências, os costumes, as marcas que essas pessoas utilizam e o que tudo isso significa para eles. Porém, conforme for surgindo dúvidas e questões que possa agregar ao projeto, as entrevistas surgirão como grande embasamento para desenvolver uma pesquisa e criação coerente com a realidade do público em questão.
nificativo, portanto, busca-se esclarecer como as vertentes do funk estão atu almente, havendo diferenciações entre o funk com letras mais obscenas e o funk consciente que vem há algum tempo ganhando cada vez mais espaço para expressar suas realidades, sentimentos e aspirações com ostentação para realmente essa favela vencer, de fato passando a visão nas suas letras. quisa mais qualitativa em espaços externos (periferias e bailes funks) para aterrissar nesses lugares e ter embasamento visual, textual e de entrevistas para construir todo o processo de criação em pesquisa de campo. Com es sas referências, utiliza-se imagens autorais para montar o mapa mental e moodboard, onde a partir dele é extraído a cartela de cores, inspirações para possíveis estampas, características de vestimenta e a forma que essas com binações formam um styling característico e significativo para essa cultura.
Esse capítulo tem como objetivo refletir um pouco sobre como a periferia, a favela de São Paulo começou a existir e seus motivos, abordando principalmente sobre a desigual dade social presente não só no estado, mas no país todo. Segundo Karl Marx, a desigualdade social está diretamente atrelada ao nosso modelo de produção capitalista, onde a concentração de riqueza e poder está nas mãos da minoria, não sendo justo e gerando cada vez mais segregações no meio em que estamos inseridos. Dessa forma, fica evidente que o surgimento da periferia se dá devido à aspectos sociais e eco nômicos, por falta de políticas públicas, moradia e como uma forma de separar, limitando o acesso a determinados espaços.
Uma cidade partida, cravada por muros visíveis e invisíveis que a esgarçam em guetos e fortalezas. Estar em São Paulo é estar per manentemente exposto a sua imagem contraditória de opulência e miséria (ROLNIK, 2021). Assim como diversas cidades do país, São Paulo tem uma grande história da construção e instalação da desigualdade social em seu território, possuindo realidades totalmente diferentes. Desde o início, as cidades constituíram-se de maneira a re produzir a desigualdade social. A especulação imobiliária elevou os valores das residências, obrigando os mais pobres a procurarem mo radia em locais cada vez mais afastados dos valorizados “centros” urbanos, o que conduziu à “periferização da população” (SANTOS 2018).
Colonização e exploração, escravizando índios e ne gros que vieram traficados para o país, fatores esses que contribuíram para um fim tardio da escravidão, sendo Brasil o último país a “abolir” a escravidão. Não havendo políticas públicas de inserção dessa população escravizada de maneira efetiva na sociedade com educação e emprego, entrando logo em seguida no sistema capitalista que estamos inseridos até os dias de hoje, deixou negros à mercê da falta de trabalho, moradia e cada vez mais dificuldade nos seus dias.
Assim como diz Schwarcz (2019, p.27-28) sobre o autoritarismo brasileiro e nosso sistema “moldou condutas, definiu desigualdades sociais fez de raça e cor marcadores de diferenças fundamentais, ordenou etique tas de mando, e criou uma sociedade condicionada pelo paternalismo e por uma hierarquia muito restrita”.
Começaram então as imigrações de europeus para trabalharem nos campos e cidades, afim instalar a limpeza e o branqueamento da população, espe lhando-se na Europa como “sinônimo de modernização”.
O embranquecimento e a europeização passam então a se consti tuir como projeto de uma cidade que desejava ocultar não apenas a escraviza ção de indígenas e negros que foi a base de desenvolvimento, mas também a
Deixando evidente a construção de se gregações e dominações existentes ao longo da construção da cidade de São Paulo, era comum começar a ver a existência de cortiços até mesmo no centro da cidade, onde seus donos exploravam seus alugueis para a população escraviza da, enfatizando a diferença entre esses diferentes grupos. Desse modo, a construção dessa paisa gem francesa implicou demolições, despejos e remoções em massa de moradias populares que ocupavam o centro da cidade com sobrados, ofi
Nos anos 60 e 70 houve grande aumento das indústrias, aumentando con sequentemente também a procura por terrenos e habitações. Unindo com o êxodo rural e muitos migrantes vindo para São Paulo em busca de novas oportunidade, uma segregação mais delineada começou a aparecer, onde os territórios passaram a ser mais separados por grupo social e os mesmos foram indo cada vez mais para lugares afastados e construírem suas próprias casas, começando aí o crescimento periférico urbano e São Paulo passou a atrair cada vez mais migrantes de todos os lugares do país, principalmente de Minas Gerais, Nordeste e do interior do estado.
Se, no final do século 19, o centro da cidade era brasileiro e mesclava branco e negro, enquanto os bairros operários concentravam os estrangeiros, hoje a periferia popu lar é nordestina e negra. Quanto mais distante e precária a periferia, mais preta, parda e migrante. (ROLNIK, 2021, p.56)
A partir da desigualdade de renda e acesso desses moradores aos centros urbanos dificultados, a falta de políticas públicas e es paços culturais inseridos no seu cotidiano, ficam mais vulneráveis à violência, segregação e rotinas exaustivas por tempo muito grande de deslocamento para estudarem, trabalharem e depender dos transportes públicos.
[...] em 1924, entraram em cena os primeiros ônibus, clandestinos, na maioria montados sobre chassis de caminhões Ford. Dada sua versati lidade, o serviço não regulamentado de ônibus logo se transformou em sério competidor para os bondes (qualquer semelhança com as vans clandes tinas na São Paulo dos anos 1990 não é mera coincidência). (ROLNIK, 2021)
Com os ônibus o acesso a esses bairros mais distantes começa a se tornar um pouco mais acessível, visto que, se fosse depender apenas dos bondes seria ainda mais difícil. Tendo isso em vista, fica evidente a segregação da população, assim como nas criações das Cohabs (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo) que veio com o objetivo de construir casas populares para as pessoas necessitadas e a grande maioria era conjuntos residências em lugares bem afastados em relação ao centro da cidade, deslocando essas pessoas para cada vez mais longe, em locais com menos recursos, como moradia, escola, saúde, segurança e recursos básicos para sobrevivência.
“Uma diversidade de formas de vidas específicas, cada uma com suas leis evolutivas próprias e peculiares” (HERDER, 2005, apud EAGLETON, 2005, p.23-4, apud, PONTES, 2016, p-19)
Cultura, na ótica filosófica, é a forma própria e específica da existência huma na no mundo. E nossa própria existência tenomenologizada, ou seja, um pro cesso histórico permanente e inevitável, em que o ser humano tanto repre senta o sujeito produtivo como o objeto produzido. Em suma, os homens são seres culturais por natureza. (VANNUCCHI, 1999, p.24, apud, PONTES, 2016, p-19)
Assim como tudo possui diversas definições, com a cultura não é diferente. Mas, o que podemos afirmar é que está presente em todos, mundialmente, podendo ser nacional, regional, de grupos grandes ou pequenos. Para entendermos relações pesso ais e interpessoais, costumes e práticas, precisamos nos aproximar e estudar a cultura particular de cada povo, para poder compreender a sociedade na qual estão inseridos.
É importante considerar a diversidade cultural interna à nossa sociedade; isso é de fato
essencial para compreendermos melhor o país em que vivemos L..] contribuindo dessa forma para eliminar preconceitos [...]J. (SANTOS, 2009, p.19, apud, PONTES, 2016, p-20).
É importante entendermos também a cultura como uma forma de iden tidade e resistência, pois está diretamente atrelada com a origem de cada um, construindo uma base de conhecimento, posicionamento e luta social.
“A cultura erudita, que reproduz e é financiada pela elite, é considerada pela sociedade como uma cultura superior, restri ta; representa, portanto, as classes dominantes que buscam limitar o acesso às suas expressões artísticas.” (CETERTICH, 2020, p.76)
“A cultura popular, por sua vez, traz o saber popular, valores, crenças e sa beres desta parcela, representando a identidade e a história de um grupo. É criada pelo povo e expressa a cultura da maior parte da população, ain da que respeitando as distintas regionalidades.” (CETERTICH, 2020, p.75)
Sendo criada pelo povo, a cultura popular expressa valores, crenças e cos tumes, representando a identidade de um grupo. Tendo isso em vista, fica evidente que a cultura popular se trata de uma distinta e oposta à cultura dominante, quando falamos de uma sociedade desigual, onde a elite se diz melhores, sendo autori tária e impondo, mas não oferecendo a possibilidade de conhecer, frequentar esses espaços e conhecimentos “melhores”. Consequentemente, a luta de classes conti nua se fazendo presente, onde existe uma autoridade e imposição sobre a outra.
É ainda nessa luta de classes que muitos jovens buscam transformação, engajando-se em projetos culturais e buscando meios de se expressar, conscientizar e mudar a realidade em que vivem.
Nesses espaços “alternativos”, fragmentários e dispersos, embora conquista dos a duras penas e com muito empenho, pequenos grupos de vizinhos, amigos e pa rentes, companheiros de trabalho, de igreja ou de partido desenvolvem as suas formas de expressão, a partir das suas maneiras de pensar, de agir, de fazer e, sobretudo, de organizar conjuntos de relações sociais capazes de tornar viáveis, política e material mente, as suas atividades. (ARANTES, 2007, p. 76 apud, PONTES, 2016, p.21).
À vista de tudo isso, o termo cultura periférica começa a apa recer em meados dos anos 1990, com o surgimento de movimentos sociais, aumento de desemprego e violência nas periferias, que passaram a fazer cada vez mais produções artísticas, como por exemplo, o mo vimento hip-hop. A periferia passou então a ser reconhecida, comentada e ser um espaço que se respeita, se afirma e se assume como forma de iden tidade e orgulho, tornando-se ação política também de inserção social.
A produção periférica não é praticada apenas para que se alcance o reco nhecimento pessoal de sua criação (que, obviamente, diz respeito à própria condição humana), mas para que tenha uso, tanto para quem cria como para quem a consome. E esse uso é sobretudo político, [...], a favor da arte, da poesia e da palavra que fala, que denuncia e anuncia. (ALMEIDA, 2011, n.p., grifos, apud, CETERTICH, 2020, p.83)
Cultura popular, cultura periférica, são muito descriminadas nas mídias e pela cultura dominante, com teor sensacionalista no intuito de mostrar as coisas ruins da periferia. Porém, sabe-se que a muitas vezes elas se tornam cul tura de massa na mão dessa mesma elite, com intenção apenas do consumo.
“Ou seja, muitas vezes uma manifestação da cultura popular é discriminada e criminalizada, mas, posteriormente, é transformada em cultu ra de massa, como forma de mercantilização e de acumulação de capital pelas classes dominantes” (CETERTICH, 2020, p.79). Grande exemplo dessa cultura de massa é o funk, que surge inserido em uma cultura periférica, mas vemos em diversos outros veículos, mas muitas vezes apenas para vender.
[...] o momento do lazer –instante de esquecimento das dificuldades do dia-a-dia –é também aquele momento e oportunidade do encontro, do estabelecimento de laço, do reforço dos vínculos de lealdade e reciprocidade, da construção das diferenciações. Em contraposição ao universo do trabalho, submetido à lógica do capital que programa espaços, gestos, tempos, a esfera do lazer é regida por outra lógica, aberta ao exercício de uma certa criatividade(MAGNANI, 1988, p.39). [...] o momento do lazer –instante de esquecimento das dificuldades do dia-a-dia –é também aquele momento e oportunidade do encontro, do estabelecimento de laço, do reforço dos vínculos de lealdade e reciprocidade, da construção das diferenciações. Em contraposição ao universo do trabalho, submetido à lógica do capital que programa espaços, gestos, tempos, a esfera do lazer é regida por outra lógica, aberta ao exercício de uma certa criatividade(MAGNANI, 1988, p.39).
Não existe um padrão do que de fato são as atividades de lazer, pois elas se diferem dependendo do contexto social, lugar e realidade, mas sabemos que existem lazeres artísticos, físicos, manuais, sociais, etc. Trata-se de algo relativo de pessoa para pessoa, afim de uma bus ca por prazer pessoal, seja ele qual for.
e diferente de acordo com o contexto social em que os indivíduos estão inseridos, torna-se necessário um olhar diferente para o acesso a diversos espaços, onde começam a pos suir segregação de ambientes e de pessoas de acordo com o tipo de lazer em questão. Dessa forma, hoje o lazer é mui to visto como uma forma de gerar lucros, e quando isso começa a ser o mais importante, é onde está o problema.
Nas médias e grandes cidades bra sileiras, as periferias, os bairros populares, os morros e as favelas são verdadeiros deser tos de equipamentos culturais; ainda que a média de equipamentos seja elevada, estes se encontram concentrados em centros culturais de difícil acesso físico e simbólico aos seto res populares. (BRENNER; DAYRELL; CARRANO, 2005, p. 179, apud, ANDRADE; MARCELLINO, p.5)
Apesar disso, mesmo com todos esses limites sendo impostos, não sig nifica e não quer dizer que a periferia não tem seus momentos de lazer, pelo contrário. Há aqueles que conseguem sim ocupar espaços mais distantes e considerados “fora” da sua realidade, mas, o que vemos muito presente é a grande força que a população periférica tem em fazer o seu lazer e cultura de forma diferente dos que vivem em bairros mais afastados e possuem outra condição financeira. É em busca de lazer que muitos jovens da periferia têm como fundamental o encontro com pessoas, seja na calçada de casa, em uma roda de pagode, em um churrasco feito nas garagens/lajes, festas de aniversários, partidas de futebol na rua, no campo ou em quadras do bairro, bailes de rua, engajamento em projetos culturais, rodas de poesia e batalhas, entre ou tros. Para a periferia, o lazer significa muito mais do que o tempo que sobra do trabalho para aproveitar, ele representa a riqueza que encontros como es ses fortalecem e melhoram a convivência social, trazendo novas experiências e a importância do coletivo, do grupo e estar em sintonia com a comunidade.
Os rolezinhos, passeios coletivos, combinados pela internet, aos shopping centers, ocorridos de forma bastante intensa no final de 2013 e início de 2014, foram um exemplo bastante contundente desse processo, pois congregavam jovens que queriam estar nesses centros de compras, por serem considerados espaços de prestígio e reconhecimento, mas que sofreram dura repressão pelo fato de sua presença coletiva ser indesejada e percebida como ameaçadora. (PEREIRA, p.18)
Assim, vemos que principalmente os jovens da periferia não querem apenas circular pela cidade, querem e podem contribuir muito para a construção e produção cultural dentro da cidade e do bairro que vive. Claro que temos todas essas formas de lazer que a população da periferia encontra como alternativa para sua realidade e seu dia-a-dia, mas, não podemos esquecer que tudo isso é feito sem ajuda e incentivo político e social por quem deveria ser.
Sendo assim, não podemos também desconsiderar que a falta de lazer é um grande incentivo a violência, pois, sem muitas opções do que fazer e com poucos recursos, para muitos o tem po ocioso é usado para a produção de violência e crime. Por isso, o incentivo e o investimento em políticas públicas e um olhar mais presente para essa população é muito importante, para que o tempo ocioso seja usado para benefícios dos jovens e da periferia como um todo.
Inicialmente o funk é considerado um gênero musical, porém, sabe-se que quan do falamos sobre ele, muitas outras coisas estão envolvidas, pois, trata-se de uma manifestação cultural, um polo de cultura, influenciando não só na forma de tocar, mas na for ma de dançar, na forma de se expressar, de se vestir e ter um novo olhar para o mundo.
Sendo um dos ritmos mais escutados no Brasil, principalmente pelos jovens, o funk em 2020 foi o segundo gênero mais escutado no país, segundo dados divulgados pelo Spotify. Sua origem tem início nos anos 60/70 nos Estados Unidos, como uma ruptura com a música pop pelas comunidades afro-americanas, surgindo a partir do estilo musical soul music. Desde sua origem, retratavam temas políticos e enalteciam a cultura negra que vivenciava uma grande luta por direitos civis na época, por isso, nunca foi somente uma música e sim uma manifestação cultural, ativismo e forma de expressão através de elementos que os representassem.
Segundo Vianna (2014), no Brasil, o funk surgiu na década de 1970, em grandes bailes realizados no Canecão, tradicional casa de espe táculos localizada na cidade do Rio de Janeiro. Esses eventos, chamados Bailes da Pesada, ocorriam aos domingos e atraiam cerca de 5 mil pessoas oriundas de todos os baiRros, as quais iam ao local para dançar. No entan to, com a ascensão da MPB (Música Popular Brasileira), a casAde shows optou por investir neste novo público, o que obrigou os organizadores do Bai le da Pesada a procurarem outros espaços, passando, então, a ocorrer em clubes do subúrbio do Rio de Janeiro. (CETERTICH, p. 91)
Vemos que assim que o funk foi se instalando no Brasil, logo foi para as periferias, em bailes que foram cada vez expan dindo mais. Nesses espaços, as músicas com batidas marcantes para dançar era o que fazia mais sucesso, por enquanto, nesse pri meiro momento com as músicas dos Estados Unidos. Assim, o mo vimento foi ganhando mais força, junto com o movimento negro e claro, incomodando o atual governo durante a ditadura militar.
cantou uma música com Elis Regina e levantou a mão de punho cerrado fazendo referência ao partido político panteras negras². Logo, foi retirado do palco que fazia apresentação e exilado do Brasil durante anos. Isso tudo mostra como o funk vem desde sempre sendo alvo de repressão e censuras. Com o passar do tempo o funk começou a se diferenciar do americano e por volta dos anos 90 começou a surgir MCs brasileiros produzindo músicas em português, incorporando novas batidas, ligadas até mesmo ao nosso samba, reinventando um novo modelo. Cantando a realidade vivida nas periferias e o orgulho de pertencer a aquele espaço, valorizando suas origens, os jo vens passaram a se orgulhar das suas raízes e se sentir de alguma forma representados nas músicas que escutavam.
Nos bailes aconteciam muitas batalhas de MCs de comunidades diferentes, causando sempre algum tipo de confusão, o que para mídia era ótimo, pois, atentava-se apenas nisso e a expor aspectos de violência e criminalizar os bailes, culpabilizando os funkeiros por toda violência, males e principalmen te causar tensões sobre diferentes classes sociais.
Com o passar do tempo o funk começou a ser introduzido em festas de pessoas de outra classe, ginásti cas e outros espaços que a classe dominante frequentava, assim, a mídia começou a associar o funk a cultura e comportamento. Desse modo, começou então a “glamourização” do funk, onde quem consome não é mais somente a periferia e quem parte dessa realidade, mas agora também consumido pelas elites e se tornando em alguns casos uma cultura de massa, pois, apenas é bom quando é consumido e gera lucro às classes dominantes.
O movimento cultural não deixou de crescer, pelo contrário, expandiu-se cada vez mais e surgiram as primeiras MCs mulheres, falando sobre empoderamento feminino, machismo e até mesmo sobre corpo e sexo, o que antes era muito visto apenas por homens. Ainda com a expansão do funk, ele surge em São Paulo por volta da década de 90 na Baixada Santista, criando uma identidade própria do ritmo.
No entanto, entre os anos 2010 e 2012, quatro MCs da Baixada (Careca, Fellipe Boladão, Duda do Marapé e Primo) foram mortos em circunstâncias até hoje não esclarecidas, todos nos me ses de abril, episódios que ficaram conhecidos como as “mortes de abril”, o que diminuiu assim a produção de músicas e de artistas de funk naquela região. (CETERTICH,p.99)
Mesmo com o funk atingindo um público maior, não deixa de ser associado a criminalidade e sofrer fortes persegui ções, grande exemplo disso são as mortes de MCs e perseguição que eles ainda têm, como também o forte ataque da polícia nos bailes funks que acontecem na rua em São Paulo, como aconteceu em 2019 no Baile da DZ7 que culminou em morte de 9 jovens, além de diversos feridos. Trabalhadores? Estudan tes? Drogados? Bons ou maus? São esses os questionamentos apontados nas mídias, afim de encontrar uma justificativa para a morte desses jovens que estavam no seu momento de lazer, e não procurar punir os policiais militares ou encontrar soluções para toda essa repressão que sempre acontece nesses lugares.
Ainda sendo um dos estilos mais escutados, ainda inco moda e é alvo de tanta violência. Porém, é visto que é um gênero musical que está em constante inovação e mudanças, pos suindo diversos estilos dentro do funk, como por exemplo o funk mais pop, “150bpm”, “ostentação”, “funk consciente”, “mande lão”, dentre outros. Cada estilo diferente do funk surge em al gum momento específico, em lugares diferentes, com seus rit mos, costumes, passinhos e adesão diferente. Isso mostra o quanto o funk é amplo e trás diversas oportunidades para jo vens, afirmando assim, a sua suma importância para a periferia, para os jovens, para a cultura e arte na construção do indivíduo.
Diante alguns apontamentos, percebemos a pluralidade que o funk tem no Brasil e precisamos de fato conhecer um pouco mais sobre algumas vertentes, para conseguir dialogar e poder ter uma opinião formada, para além das aparências do que nos é posto sobre cada uma delas e sua relevância para as pessoas.
Inicialmente surgiu no funk carioca, marcado por um grande protagonismo dos DJS, uma nova expe rimentação na aceleração de ritmo presentes em batidas por minuto do funk. O que era feito normalmente com 130bpm (batidas por minuto) passou a ser feito com 150 e alcançou um grande sucesso, começando no ano de 2016, com o DJ Polyvox e depois com outros fazendo a mesma coisa, como por exemplo o DJ Rennan da Penha.
A importância do DJ para a música e sua bati da, é extremamente relevante e deve ser mais vista, pois nada mais é, do que o poder de exercer a sua arte através das mixagens e transformações. O movimento 150bpm está ai para mostrar que um DJ é capaz de motivar e implementar novidades para a música, contribuindo para sua evolução e diferenciação em determinados espaços.
Proporcionando novo ritmo, novos passinhos, novas agitações e competições, isso é o que o novo ritmo 150bpm proporcionou e continua proporcionando sendo tocado em muitos bailes, não só do Rio de Janeiro, e consequentemente abriu portas para que as bati das por minuto aumentassem cada vez mais, além mesmo dos 150.
Temos grandes exemplos de músicas que falam sobre o 150bpm e possui esse ritmo acelera do, uma delas é com o Kevin o Chris, Evoluiu 150BPM.
Em um sistema cada vez mais capitalista e onde a desigualdade está mais evidente. Isso posto, nota-se que há uma classe dominante, na qual dita muitos padrões, estéticas e consumo. Sendo assim, começa o interesse pelas classes mais baixas de também poderem alcançar coisas melhores, de mais qualidade e a aspiração por uma vida melhor para o ser individual, família e comunidade, favela. Muitos funks cantam a esperança, o sonho e a luta para conseguir uma condição melhor e as realidades por trás disso. Assim, começa a vertente do funk ostentação, em São Paulo, por volta de 2008 e o fortalecimento e divulgação desse novo estilo foi dado por plataforma de videoclipes, principalmente no Youtube, se espalhando para outras redes sociais também.
Um grande nome para que toda essa nova era fosse introduzida, é o produtor Konrad (mais conhecido como o Kond Zilla), um dos maiores responsáveis por essa produção e propagação, fazendo sucesso pelo Brasil e fora do país também.
O funk que aborda marcas de grife, orgulho em conseguir comprar coisas ca ras que antes eram tituladas apenas para a elite, como por exemplo, joias, roupas, tênis, bonés, óculos, carros, motos, entre outros.
Contando os plaque de 100, dentro de um Citroën,
Tudo isso enaltecendo o ritmo funk ostentação como pos sibilidade de transformação a partir da cultura. A vontade de alcançar aquilo que almeja, o desejo de fazer parte e se inserir dentro de uma sociedade que só oprime e segrega muitas coisas para quem vem da periferia, dificultando cada vez mais o acesso a esses tipos de coisas.
Ai nois convida, porque sabe que elas vêm.
De transporte nois tá bem, de Hornet ou 1100,
Kawasaky, tem Bandit, RR tem também.
A noite chegou, e nois partiu pro Baile funk,
E como de costume, toca a nave no rasante
De Sonata, de Azera, as mais gata sempre pira
Com os brilho das jóias no corpo de longe elas mira, Da até piripaque do Chaves onde nois por perto passa,
Onde tem fervo tem nois, onde tem fogo há fumaça.
(Plaque de 100 – MC Guimê)
Um grande clássico do “funk ostentação” com certeza é essa música do Mc Guimê, onde o videoclipe é cheio de carros, motos e casas grandes, mostrando realmente o luxo. Além disso, a própria letra fala muito sobre modelos de carros e motos luxuosas, sobre joias que usam no corpo e como tudo isso chama a atenção das pessoas por onde eles passam, já que essa também é uma das intenções, fazer com que as pessoas notem quem são eles e o que estão usando, comprando e ostentando.
Deixa o quebrada vencer
Ó, a evolução do menor
Também teve que perder
Pra colher dias melhor
Abre a garagem pra ver
Evoque e a Hohó
Pois nóis fez por merecer
Com muita luta e suor Hoje ele vem de Lacoste
O modelo Miami Open
Coleção de Big Croc (Pisando fofo no Balmain)
Hoje o Betinho ‘tá forte (oh, eh, ah, ah)
É mais a fonte que o shopping (ai, ai, ai, ai)
Merecimento do corre
Deus abençoe, amém (atividade na lojinha)
(SET Vila Clara Store – MC Hariel, NK, Leozinho NS, Lele JP, Marks, Joãozinho VT)
Nessa outra letra, alguns MCs cantam também so bre modelo de carros, sobre marcas de roupas, tênis que são muito conhecidos no meio do funk, assim como bonés e acessórios também. Tudo isso fortalecendo também a Vila Clara Store, que é uma loja em São Paulo onde vende artigos dessas marcas famosas e muitas pessoas vão comprar, não somente MCs famosos, mas também todos aqueles que es tão de alguma forma inseridos no funk não só como gênero musical, mas como estilo de vida e de vestimenta também.
Meto marcha vou buscar o que é nosso
Eu acho que essa vida não me satisfaz Eu juro que eu quero me mudar daqui Vou atrás do progresso pra me adiantar Só quero ver minha família mais feliz
Um sorriso no rosto da minha coroa Vale mais que barra de ouro
E se tudo der certo
Daqui um tempo, nóis vai ‘tá sorrindo à toa
Vou mostrar que favelado também pode
Dá risada da cara de quem desmerece
Olha só, o menor hoje de Porsche
Abre a janela pro vento bater
O que for ruim deixa o vento levar
Como já citado acima, o sonho de conseguir uma vida me lhor na vida das pessoas da favela é muito presente não só nessas le tras onde levam para o lado da ostentação, mas também existe um lado mais espiritual, onde acredita no seu sonho de fato, atrelando até um pouco com o funk consciente que falaremos a seguir, pois passa a visão de uma realidade, mas também mostra a insatisfação e o desejo de ascender socialmente.
Enquanto eu tiver forças pra viver
Eu nunca vou deixar de sonhar (Deus é por nós – MC Marks)
O funk consciente existe e é cada vez mais presente na vida dos jovens e até mesmo de pessoas mais velhas que começam a entender um pouco mais sobre o seu significado.
Uma das maiores vertentes dentro do funk atualmente, buscando trazer reflexões sobre a realidade, fazer denúncias ao sistema capitalista que estamos inseridos, denúncias políti cas, opressões vivenciadas pelos jovens da periferia, falar sobre preconceitos e busca passar uma visão para quem escu ta. Uma tradução dos sentimentos expressos nas músicas do funk consciente é o que familiariza as pessoas dele, seja por se reconhecer nas vivências cantadas, ou por usar a música como forma de aprendizado realmente, trazendo a capacidade de pensar, refletir e conhecer, podendo assim desenvol ver cada vez mais percepção e decisões sobre as coisas. Esse gênero promove sim o divertimento, mas produz informação, possibilitando o empoderamento, humildade e respeito.
Espera um pouco, para e pensa e controle com as droga
Que um barco sem direção o mar leva pra rocha
A viagem é muito louca e sempre perigosa
E tá transformando em zumbi vários truta da’ora
E lembra daquele parceiro
Que era atacante na quadra e com a mina?
Sempre avançado no tempo, pelo linguajar e pela picadilha
Dançava um break com nóis sabadão
Quando tinha escola da família
Tá desandado no óleo e de bom exemplo virou parasita
Que o beck enrolou e a brisa bateu na mente injuriada
É que a nota enrolou, ele tava na hora errada
Com a banca errada Quando a brisa bateu, o convite foi feito
Atenção desviada
Prejudicou, perdeu tudo o que tinha
A família, os amigo, hoje não tem mais nada.
Enquanto a lata chacoalhar
E a ilusão for a sensação de ser mais poderoso
Vários vai memo’ se arrastar
Que a Cracolândia tá lotada de curioso (Ilusão (Cracolândia) – Alok, MC Hariel, MC Davi, MC Ryan SP, Salvador da Rima e DJay W)
A letra de “Ilusão (Cracolândia)” produzida por Alok com alguns MCs, fala sobre a realidade de pessoas que se envolvem com as drogas, fazendo alusão à rua do centro de São Paulo, onde infelizmente há um grande número de usuários de drogas. A música traz a luta contra o vício, a dor de quem vive nesse contexto e busca conscientizar e alertar a população para que não entre para o mundo das drogas.
Os menor sem opção
Passando mó sufoco
Parado, pobre louco
A marmita era 15
Não tinha um real no bolso
Me ajuda, seu moço
Solução é ir pra boca
Eu fui diferente
O Lele era mente
Se espelhava no Kaxeta
No funk linha de frente
Respondeu virando o rosto
“Vê quanto ‘tá lá e vem me falar
Tó, é seu, fica com o troco”
O jogo virou
Deus abençoou
Louca vida, louca
Todos têm o livre arbítrio
Louca vida, louca
Eu escolhi ser cantor
(Sou vitorioso – MC Neguinho do Kaxe
ta e MC Lele JP)
Outro exemplo muito presente no funk consciente são as falas sobre as desigualdades sociais, assim como visto na letra “Sou Vitorioso” que mostra a dificuldade apresentada por um pobre que não tem nem o dinheiro para comprar uma marmita e ainda questiona a fal ta de oportunidade, não tendo muitas opções para quem é pobre e da favela, mas que ainda assim muitos encontram no funk uma oportunidade para mudar suas vidas, seja a partir de ensinamentos, como também sendo MC.
O funk é um grande ato de resistência até os dias de hoje, isso já sabemos. Desde o seu início sofre forte opressão por parte da polícia, política e mídia. Por isso, a insatisfação e a vontade de expor a realidade dessas relações através da música, se fez presente. Portan to, o “proibidão” é o gênero que retrata o dia a dia das pessoas da periferia com a polícia, sobre criminalidade, violência e atos ilícitos, pela visão de quem realmente vive isso, e não da mídia sensacionalista que passa apenas recortes e aquilo que acha conveniente para alienar. Importante lembrar também que esse nome vem realmente de uma forma que a mídia teve de tentar “proibir” esse gênero do funk, como forma de criminalizar o movimento.
Matar os polícia é a nossa meta
Fala pra nóis quem é o poder
Mente criminosa, coração bandido
Sou fruto de guerras e rebeliões
Comecei menor, já no 157
Hoje meu vício é roubar, profissão perigo
Especialista, formado na faculdade criminosa
Armamento pesado, ataque soviético
É que esse é o bonde do mk porque
Quem manda aqui
É o 1P e 2C, fala pra nóis quem é o poder
Fala pra nóis quem é o poder
É nóis que soma e nóis que tá
Forma de expressão pra mim não interessa
Estamos embraçado na mesma missão
Matar os polícia é a nossa meta
MC Daleste foi um grande nome para essa vertente de funk, o qual foi assassinado durante um show, no palco, quando usava a sua liberdade de expressão para can tar e denunciar realidades através de suas músicas. Acima ele relata um pouco da relação entre polícia e facções criminosas dentro da favela, além de mencionar armas usa das e entre outras coisas que foram consideradas apologias ao crime.
Se tu quer ouvir apologia, eu te apresento
Nosso arsenal (ham), esse é o kit do mal (Apologia – MC Daleste)
Olha, o momento é um tapa na cara
Poucas ideia, vergonha pra mídia
Tem que colocar o cuzão do Datena no ar
E falar que os mandrake deu perdido na polícia
Oi, no pião de vida loca, eu tô de moletom e touca
Acabou meu plantão na boca, eu vou pro baile curtir
Destino é casinha, dei um salve nas novinhas
Se trombrar com os coxinha, eu falo que sou MC Maloqueiro, favelado, bem trajado e o bolso com dinheiro
Tô fumando altos baseados com os parceiros
Nóis é atividade, menor de comunidade
Se tentar atrasar meu lado, eu vou atrasar o seu primeiro
De Glock na sinta e jacaré no peito
Tô levando a vida desse jeito
Mais respeito, nóis é gueto, vive nos caminho estreito
Antes de entrar pro crime, pros coxa já era suspeito
(Vergonha pra mídia – Salvador da Rima, MC Ryan SP, Kevin)
Presente também nesse ritmo do funk, no “proibidão” é falado sobre drogas, armas e principalmen te falar sobre a mídia sensacionalista que é grande responsável por propagar a criminalização do funk, sem ao menos buscar se aprofundar na favela e suas realidades.
Continuar fazendo esse tipo de funk acabou sendo um pouco perigoso, pois quem o faz retratando a rea lidade acaba ficando marcado pela mídia, pela polícia e infelizmente as vezes acabam sendo alvo de grandes opressões. Porém, é importante trazer pautas como es ses para as músicas, afim de debater com a sociedade.
Referindo-se inicialmente ao baile funk que acontece no Mandela, localizado na Praia Grande em São Paulo, é como “mandelão” que é mais conhecido entre as pessoas.
Basicamente esse ritmo de funk associa com o tipo de música que toca nesse baile, e atualmente, não somente nesse baile como em diversos outros também. Batidas mais pesadas, derivado do eletrofunk juntamente com o funk ousa dia, com muitas repetições e uma batida mais envolvente para dançar, hoje em dia é um ritmo mais tocado principalmente nos bailes de rua. Suas letras geralmente são um pouco mais de teor sexual e de ousadia, porém, a batida é o que cativa as pessoas para continuarem dançando no baile, deixando na maioria das vezes de lado a letra em si.
Oi, acabou a água, toma banho de leite
Leite quente, toma banho de leite
Oi, acabou a água, toma banho de leite
Leite quente, toma banho de leite
Ano passado eu já taquei
Esse ano eu taco de novo Tá carente, leite quente
Vem babando o ovo todo Tá carente, leite quente
Vem babando o ovo todo (Acabou a água – MC 3L)
Nos bailes funks o ritmo envolvente das batidas é o que anima e faz ter a existência de diversos passinhos a noite toda com essas músicas. Muitos DJS fazem a união de várias músicas com suas mixagens nos aparelhos, fazendo ficar cada vez mais envolvente as batidas e vem cada vez crescendo mais entre as pessoas do baile e chegando até em outras pessoas que não estão inseridas ou nunca ouviram.
Desde o início da sua história, o funk tem raízes dentro das favelas e principalmente em bailes organizados por DJs, promotores, moradores e feito totalmente de maneira independente, sem ajuda nenhuma do estado. Partindo desse princípio, ao longo do texto e de todo esse contexto, sabe-se que o funk sendo algo criminalizado, não somente o gênero musical, como principalmente o estilo de vida daqueles denominados “funkeiros”, haven do sempre uma cultura que se acha dominante à outra e no direito de proibir aquilo diferente da sua realidade. Sinônimo de diversão e lazer, os bailes funks são muito mais do que isso. Relações e práticas sociais, como os jovens constituem seus territórios de aproveitamento nas cidades e como participam da construção de uma representação so-
Realizados em clubes e atualmen te em São Paulo muito expandido para além de clubes, ocupando ruas, becos e vielas, é assim que o baile funk é apro priado pela juventude, servindo como forma de expressar suas manifestações, sejam elas danças, passinhos, canto, mi xagem de músicas, estilo de vida, moda, festa e diversão. Diferente de casas de show de funk onde a atração principal é o MC cantando em cima de um pal co, geralmente é cobrado um preço para entrar em local fechado, já no baile funk, sem precisar pagar ingresso para en-
Com os paredões gigantes de som, os DJs com suas mixagens para animar e as pessoas que fazendo toda a festa, seja com sinalizadores, fogos, animação, acessórios, guarda-chuvas e com suas falas e códigos que são permeados por todos os cantos do baile, com disciplina e regras que só ali encontramos.
É difícil quantificar quantos bailes funks existem na cidade de São Paulo atualmente, pois, em razão da pouca estrutura necessária para se pro mover os bailes, estes surgem diariamente, sendo que muitos não são organi zados formalmente ou, ainda, ocorrem pontualmente até que ações governa mentais e, principalmente, forças policiais os expulsem do local.
Em dezembro de 2016, o então prefeito João Doria avaliou os bailes funks que acontecem nas ruas das periferias de São Paulo como “um cancro que destrói a sociedade”. (CETERTICH, p.99)
Com a vertente do funk mandelão, que já foi citado nesse capítulo, tendo como principal elemento o ritmo dançante, acelerado e com letras muitas vezes obscenas, é normal vermos as pessoas relacionado a algo que destrói a sociedade por questionamentos sobre o consumo de álcool e drogas nos bailes funks, como se isso também não houvesse nas festas de bairros ricos e pessoas de uma classe social maior, apenas não é inves tigado e o tratamento é totalmente diferente.
Além disso, houve em 2017 um abaixo-assinado para que o estilo musical se tornasse um crime de saúde pú blica, alegando a presença de crimes, orgia e exploração sexual, roubo, pornografia e muitas outras coisas nos bailes funks. Outro questionamento que é muito presente na manifestação contra o funk é a presença de letras que falem sobre as mulheres, como objetificação ou como inferiores, questionamento válido, porém, que dentro do sistema patriarcal que vivemos ainda vemos essas mesmas pessoas se calando sobre a presença de falas ma chistas e até mesmo de letras assim em outros gêneros musicais, percebendo-se então que o problema é ape nas quando isso é explícito dentro de um estilo musical que já é alvo de críticas e criminalização como o funk.
Não temos como negar a perseguição que o estado tem sobre o funk e principalmente as operações de opressão realizadas pela polícia dentro dos bailes. Geralmente notícias muito vistas apenas nas redes sociais, divulgadas apenas por participantes daque le meio, que as vezes acabam nem chegando nas mídias tradicionais que atingem as classes dominantes.
Grande exemplo dessas operações foi a já citada aqui no capítulo, quando no ano de 2019 de forma brutal policiais militares entraram no baile com desculpas para atacar e acabou causando a morte de 9 jovens e no trauma físico e psicológico de vários outros pre sentes no local. Quem frequenta bailes funks em São Paulo já está acostumado a chegar e ter a surpresa de as ruas estarem tomadas por policiais, para que os jo vens não consigam ocupar aquele espaço para fazer o baile acontecer, causando as vezes a instabilida de de saber se realmente acontecerá ou não a festa.
Sendo uma forma de expressar também o descontentamento com a falta de investimento para o la zer dessas pessoas, essas pessoas já consideradas excluídas da sociedade buscam um espaço para tê-los como poder, sendo na sua comunidade ou em outras mais próximas onde acontecem os bailes.
Para além da visão de lazer e diversão, expressão e liberdade, o que é muito presente e pouco dado visibilidade é a importância que essas festas tem para a favela num todo, proporcionando aos moradores a oportunidade de produzir seu comércio local e criam ali o seu próprio socialismo e produção circular, seja com comidas, bebidas, roupas, acessórios, serviços de ajuda as pessoas que estão circulando pelo baile como o uso de banheiros em suas próprias casas, e entre tantas outras opções que acabam gerando lucro para es sas pessoas em dias de bailes. Sendo assim, quando acontece a proibição em algum dia por parte de poli ciais, deixam muitas famílias sem o lucro que estariam contando para aquele dia, não dando opção e nem oportunidade para que haja outra forma de sustento.
Conseguimos afirmar toda importância que hoje os bailes tem para as comunidades, quando conversan do com os jovens que frequentam dialogam sobre os seus motivos e o seu significado por trás. A maioria das respostas estão relacionadas com o lazer e a diversão, além de, uma forma barata se comparando com outros tipos de rolês que também promovam o lazer e a diver são. Pois a céu aberto e na rua acontece a festa, sem nenhum tipo de cobrança para entrar ou sair, e alguma exigência de consumir algo no local. Claro que, passan do a noite toda ali, uma hora ou outra irão consumir algo para beber ou comer, mas ainda assim, com um custo mais baixo que em outros lugares e ainda estarão fortalecendo o comércio local já dito anteriormente.
A favela venceu: frase de impacto, de esperança, de projeto, de motivação, mantra e inspiração para acreditar que é possível vencer dentro e fora da favela. Um lema levantado e muito popu larizado por Konrad, famoso pela sua empresa Kondzilla, dizendo que esse lema direciona e inspira seus negócios para que não só ele, mas as pessoas acreditem que irão vencer, independentemente do mais simples que for a sua forma de vencer. Ainda nesse contexto, é super comum dentro das periferias vermos as pessoas soltarem essa frase de que “a favela venceu” quando consegue conquistar algo, até mesmo coisas mínimas, como conseguir fazer algo legal, sair para se divertir, comprar algo que queria, ter seu tempo de lazer, algo que estava dando errado e dá certo, e tantas outras coisas simples, mas que são motivo para ficar feliz dentro de um contexto social que já possui tantas coisas que desmotivam, como a violência, fome, desigualdade, preconceito e criminalização, é impor tante ter coisas mínimas como uma frase que sirvam de estimulo.
Olha aí a favela no auge
Te falei que esse sufoco um dia acabaria
Nós driblou toda essa falta de oportunidade
Conseguimo e tô vivendo da minha correria, quem diria?
[...] Nós é mídia
Respeita onde nós chegou
Pau no cu de quem não acreditou
Desce lágrimas de alegria
Não esqueço de quem me ajudou
Nós tá vivendo o que nós sonhou
Vou gritar Que a favela venceu Pode pá
Quem duvidou se fudeu
(Favela venceu – MC Cabelinho e MC Hariel)
Vemos nessa letra cantada por MC Cabelinho e MC Hariel que
a favela no auge é o que significa uma vitória para eles. Estar na mídia e ser um pouco mais respeitado por quem desacreditou é o que motiva eles a gritarem que a favela venceu. Nesse caso, algumas pessoas espe cíficas venceram e usam essa frase que em contraponto, generaliza uma favela inteira sendo que na realidade está falando de um indivíduo específico.
Dentro desse questionamento, temos um outro lado de interpretação dessa frase de que a favela venceu, o lado que trata ela até mesmo como algo in dividual e até neoliberal, por acreditar que inviabiliza toda a luta que a favela tem, resumindo tudo a uma única vitória. Mas, diante disso posto, retornamos ao início do que abordamos e que acreditamos nela como uma frase de moti vação e lema de vida mesmo para se apegar a algo bom, sem intenção alguma de excluir as problemáticas existentes ou ignorar eles. Importante salientar também o espírito coletivo, que quando um de nós consegue progredir em algo, é também motivo de felicidade para todos, e não individual daquela pessoa.
A desigualdade desse mundo
Nesse mesmo pensamento, vemos a importância que esses movimentos culturais, principalmente o funk, tem importância dentro das suas comunidades, pois a partir do momento que uma pessoa consegue ter um pouco mais de condições, bus ca ajudar sua família, amigos e a população, como muitos exemplos as crianças. Nesse trabalho a coletividade da favela e do funk é o que temos como premissa, por isso, apegamo -nos nessa frase para mostrar realmente a força de a favela vencer coletivamente, gritando e lutando juntos para que essa frase cada dia mais não seja apenas uma motivação e sim a realidade diária dela e de quem está inserida nela.
Nem me deixa mais tão preocupado
Pra ele, na favela, só tem vagabundo (vagabundo)
Infelizmente eu não tô acostumado
E vê nóis passando de Audi
Eu tô engordando minha conta Mostrei que esse mundo dá voltas Passei na sua tela plana Explano que farei sacrifícios
E claro que nada é impossível pra quem tem fé
Sou determinado e focado
E eu sei muito bem o que eu quero pra mim
(A favela venceu – MC Tikão, MC Cabelinho e Djonga).
Por esse lado de ser uma frase que busca motivar e melhorar realidades, é muito comum vermos nas letras e clipes a grande exposição de artigos caros e importados, como Lamborghini, Audi que é citado na música acima, Lacos te, Dior, Gucci, casas de luxo, correntes e acessórios que não são baratos, vistos ainda com olhar de segregação por serem considerados apenas de classe alta, inalcançáveis por pessoas da periferia. Diante desses clipes e músicas, vemos algumas mudanças nesse posicionamento, o que incomoda muito a nossa sociedade que a todo momento precisa ser pautada por uma desigualdade absurda, escolhendo quem pode e quem não pode ter tais coisas, gerando desconforto em ver pessoas da favela usando a mesma camiseta, o mesmo boné ou a mesma marca que o playboy de elite, seja verdadeiro ou réplica (que as vezes é a única alternativa para se manter na moda dentro do contexto funkeiro), mas incomoda.
Diante esses fatos, vemos que “A favela venceu” vai além de uma frase, mas permeia muitos sentimentos e acaba sendo um símbolo de status ao conseguir exercer ela de fato na realidade das pessoas da favela, espiritual e material.
A moda é política, é expressão, arte, comunicação, é o mundo social à nossa volta e a expressão do nosso interior através do exterior. Caracteriza os indivíduos a uma determi nada cultura, classe, religião ou grupo social. Trazendo identidade, as roupas influência o comportamento e representa as atitudes so ciais de quem as usa. Sendo uma arte, liberta os homens das amarras do sistema e busca uma livre reflexão, para agir, pensar e reproduzir através daquilo que usa como vestimenta.
De acordo com Giorgio Riello (2013), com o crescimento dos centros urbanos ao final da Idade Média, as cidades tornaram-se polos de produção, comércio e consumo, onde se podiam comprar os melhores tecidos e objetos de moda confeccionados por alfaiates, ourives e artesãos. (GUEDES, 2022). Basicamente, foi na Idade Média que houve ascensão financeira e a burguesia começou a produzir e seguir alguns hábitos da nobreza para se sentirem parte da sociedade. É evidente que ao começo disso, a nobreza como classe dominante começa a tentar se diferenciar cada vez mais nos materiais e modelos usados, afim de que, não houvessem cópias, mas ainda assim, ainda conseguiam fazer imitações.
Se por um lado a moda nos diz sobre um momento específico, sobre o que está em alta em algum determinado lugar, o que colocamos em nossos corpos para nos cobrir e proteger, isso faz parte da indumentária, da necessidade que o ser humano teve na pré-história de usarem para adornos, proteção e até mesmo usar para se resguardar, remetendo ao pudor religioso.
Partimos do entendimento de que não são as roupas isoladamente, mas todo um conjunto de elementos que juntos, constroem e significam o corpo e a aparência do sujeito. Desse modo, calçados, acessórios e intervenções estéticas como tatua gens também são considerados. (GUEDES, 2022).
Visto que, na moda há também a grande presença da luta de classes, onde a função de distinção social ainda é grande, principalmente pelas classes dominantes desde o início do seu conceito, vemos isso refletir até os dias atuais na discriminação de certos estilos e formas de se representar dentro da sociedade. Assim, a busca intencional de distinção a partir da vestimenta, é o que muito movimenta a moda hoje.
(2014) que aborda Moda e contracultura: A relação entre a moda e os processos de identificação e diferenciação no funk carioca, a autora diz que “procura-se entender como, dentro dos espaços periféricos, a moda é utilizada como meio de identificação dentro dos grupos sociais e, que juntamente procuram se diferenciar”.
Dessa forma e como falamos nos outros capítulos sobre a construção do funk e os estilos diferentes existentes, fica claro que o funk é capaz de construir uma iden tidade, mesmo que quem escute e vivencie não partilhem da mesma comunidade e espaço no dia a dia.
O luxo presente no funk ostentação, clipes, letras e formas que os indivíduos usam isso como parte do seu estilo, é um grande ponto de partida para mostrar como o funk influencia também a moda. Mas, não só isso, nas favelas e bailes funks vemos muito a expressão do esti lo chavoso e mandrake, tendo o nome origem de uma planta que tem alucinógenos, analgésicos e narcóticos. Por outro lado, é usado como uma gíria para definir o estilo de funkeiros que chama atenção dos outros ao seu redor, seja pelas marcas famosas, pelo exagero ou pela forma que é composto os elementos no seu corpo.
Figura 14: Menino vestindo conjunto Cyclone - Fonte: Estadão
O estilo chave ou chavoso vem de uma expressão utilizada nas favelas, muito comum também nas letras dos funks que é “chave de cadeia”. Uma pessoa chave chama atenção pelo seu estilo, pela forma que utiliza algumas roupas e acessórios, junto com o tipo de corte de cabelo e forma de se portar, por isso, geralmente é muito abordado por policiais. Entende-se que há a presença de algumas características especificas no estilo desses jovens, como o uso de grandes correntes, rou pas de marca ou até mesmo réplicas, meias até a canela, comportamento mais descontraído e ostentação.
Já o estilo mandrake como já citado acima, é muito conhecido pelas marcas e por mais ostentação, sendo assim um pouco a “glamorização” do estilo cha ve, tendo uma estética um pouco mais “limpa” do que os chavosos e com certeza com mais ênfase no glamour de brilho, acessórios e evidenciando as marcas que usam.
Cabelão tá batendo na placa
Coxa esquerda toda tatuada Dederinha da Tony de prata Acho que eu encontrei minha mandraka Maloqueira completa o vilão
Se ele dá fuga, nóis fala: acelera! Tô contigo e os rolé dos bailão
O casal mais mandrake da quebra’ Que eu tô de flack, ela também Eu tô de ju, ela de penny Pistolinha no pingente Se brotar talarica, ela mata no dente (Casal Mandrake – MC Paulin da Capital e MC Drika)
O casal mandrake também é muito falado no meio do funk, pois é aquele casal que está sempre junto para o que der e vier, mas também estão dentro de um estereótipo: tatuagens, pratas, maloqueira, flack que é um tênis da Oakley, mar ca muito usada pelos funkeitos, ju que é os óculos de nome Juliet também da mesma marca, entre outros nomes de peças/acessórios conhecidos nesse meio.
Muitas dessas marcas usadas também são muito famosas por serem conhecidas no surf, porém, por ser considerado um esporte mais de elite, consequentemente o estilo aplicado para essas pessoas também tem suas particularidades. Assim, os funkeiros sub vertem a forma de usar essas marcas e adequem ao seu estilo próprio, com combinações inusitadas e outras maneiras de compor, fazendo a sua própria moda com elementos que antes eram considerados apenas de elite, abrindo portas e espaço para mostrar que a favela também pode e novamente que “a favela venceu” conquistando aos poucos coisas que são importantes para eles. Além de ressaltar que muitos desses artigos foram inseridos também no mundo das raves eletrônicas, por permitir grande conforto durante um grande tempo, atrelando assim o conforto com a moda. Sem contar que dentre alguns modelos de tênis e acessórios, possuem muitos relíquias e raridades, são assim chamados aqueles que já foram muito produzidos e hoje em dia não são mais fabricados, tornando assim exclusivo quem tem, trazendo mais ainda à tona a ostentação presente dentro do funk.
Nos meninos os cabelos cortados na régua, descoloridos, coloridos em outros tons, com riscos e figuras abstratas no cabelo e sobrancelha, enquanto as roupas geralmen te se resumem em bermudas largas, camisetas, algumas de time e calças largas que muitas vezes a estampa toma conta e atenção de tudo. Tênis e bonés que exibem as marcas, misturados com cordões, acessórios e tatuagens que compõem todo o traje dos funkeiros que principalmente estão nos bailes.
Enquanto por outro lado, as meninas geralmente de cabelos longos, corpo a mostra com roupas justas como shorts, mini saias e croppeds, camisetas de time, mas também roupas elásticas para possibilitar os movimentos de dança. Quanto as marcas, as femininas são um pouco diferentes, mas ainda há a presença de marcas que os meninos também usam e outras mais específicas de roupas brilhosas, justas e feitas para o corpo mais curvilíneom, como por exemplo a Planet Girls.
O estilo funkeiro, mandrake ou chavoso, não é uma tendência ou fanta sia e nem deve ser tratado dessa forma. São muitos desafios que essas pessoas enfrentam apenas por expressarem através de uma vestimenta, quem são e qual é o seu estilo de vida. Pouco deve -se saber, mas algumas marcas e objetos utilizados por funkeiros são motivos de enquadro e perseguição, pois são vis tos como estereótipos de mal elementos.
Começando a frequentar os bailes funks de São Paulo para enten der mais as realidades, para além daquilo que via superficial ou pela mídia, mas não vivenciava de fato dentro do baile durante uma noite inteira.
Primeiro baile: Marcone, na Vila Maria em São Paulo. Partindo da onde moro, até lá pego um ônibus e conforme ia passando nos pontos, pessoas que pareciam estar indo também para o mesmo lugar foram entrando. Talvez nesse momen to estereotipei as pessoas, pressupondo que elas iriam para o mesmo lugar que eu, de acordo com seus trajes, marcas e estilo. Mas, estava certa e ao chegar no ponto que pre cisava descer, o ônibus ficou vazio e todos foram atravessando a ponte, inclusive eu. .
Primeira experiência, atravessei a ponte que pre cisava e entrei nas ruas que acontecia o baile, tudo tranquilo, sem policiais proibindo as pessoas de entrar e sem tumultos. Cheguei um pouco cedo, estava acontecen do uma apresentação de um grupo de pagode no meio da avenida principal, antes de começar o baile de fato. Logo na entrada de uma das ruas vejo algumas faixas penduradas escritas “Chega de opressão, chega de humilhação”, claro que um aviso para a população e também para aqueles que vão ali apenas para repreender e oprimir. Por volta de meia noite pouquinho começaram a soltar fogos e sinalizadores para o alto: o baile ia começar.
Aglomeração de mais pessoas foi acontecendo, o som passa a ficar cada vez mais alto em paredão superpotente cheio de luzes, com algumas pessoas em cima e o restante em volta nas ruas dançando, bebendo e se divertindo, assim foi dada a lar gada. Minha atenção principal era nas vestimentas das pessoas: muitas estampas, mistura de elementos, quadriculado, xadrez, cores vibrantes, conjuntos, tênis de marca, óculos de diversos modelos bem chamativos, sem contar nos cortes de cabelo dos meni nos, que quando não estavam com bonés, estavam como eles dizem “na régua” que é bem feito, diferenciado e até mesmo com alguns desenhos ou plati nados, as meninas com cabelo solto ou com alguns detalhes de tranças, suas maquiagens super elabo radas, roupas com brilho e curtas ou então conjuntos mais confortáveis para dançar alguns passinhos.
Não podemos esquecer de umas das atrações dos bailes: os guarda-chuvas, famosas ubrellas por eles, de marcas como Lacoste, Ecko, Ferrari, Hollister e entre outras. Objetivo dessas umbrelas que são uma verdadeira arquitetura de vento para os jovens do baile: conforme você balança eles mais para o alto no ritmo da música mais ele vai fazendo vento para baixo e deixar o ambiente do baile mais climatizado, além de se tornar um grande símbolo de status presente nos bailes funks.
Estava na esquina da avenida principal do baile com uma ruazinha estreita e resolvi dar uma volta no quartei rão para passar no meio da principal do baile para conhecer mais como estava a festa.
Muitas pessoas dançando, outras apenas olhando, alguns tentando apenas passar de um lado da rua para o outro, outros tentando chegar em algum ponto do baile também, mas todos se divertindo e na maior disciplina, pois quando esbarrava um no outro, ou acontecia de pisar no pé do outro, trombar om bro ou algo do gênero, o dialeto utilizado mesmo com quem não conhecia, era de respeito e humildade, sem brigas e tumultos, diferente do que mostram na mídia que é confusão e briga. Muitos olhares para todos os lados e 40 minutos para atravessar e chegar na rua que estava no começo de volta. Será que estava cheio?
Vontade de ir ao banheiro, como iria ali na multidão e na rua? Para isso os moradores tem a solução, que é cobrar 2 reais para usarmos o banheiro de suas casas durante o período que está acontecendo o baile. Além de contribuir com as famílias, é uma forma de troca com aquelas pesso as, assim como foi nítido o senso de coletividade dentro des se baile entre quem está para curtir e os moradores em torno.
Toda casa tinha uma portinha aberta com seu comér cio local vendendo algo, seja o uso do banheiro, lanche, pizza, tabacaria, adega, comidas em um geral, lojas de roupas e encontrei até mesmo uma distribuidora de tecidos aberta na madrugada e trabalhando lá aberta no meio do baile, gerando com certeza uma curiosidade e troca de conversas com os jovens que estavam ali no baile. Dessa forma, como já citado anteriormente, fica evidente a união da favela para que haja cultura e lazer, unindo claramente com a valorização do que é da favela, para a favela, assim como são os comércios locais que acontecem nessas madrugadas e contribuem para que essa população tenha mais oportunidades de fazer o seu dinheiro ali e contribuir de alguma forma para o bairro que mora.
Entre os bailes visitados durante toda a pesquisa, fui em um bem perto da minha casa: o famoso baile da rua 100. No começo da noite parecia que não ia encher, não tinha tanta gente. Mas, foi ficando mais tarde e por volta das 02:00 da manhã foi onde encheu de fato. No início havia apenas um carro com paredão e logo depois avistei um carro trazendo outro paredão grande atrás, colocando um do lado do outro e sincronizando as músicas no mesmo tempo para ecoar mais alto ainda. Sinalizadores, fogos, guarda-chuvas para cima e para baixo, garrafa de bebida chacoalhando para cima no ritmo da música, um colado no outro e muitos passinhos pelos meninos e meninas, cada um da sua forma de dançar a batida das músicas. As sacadas das casas em volta estavam lotadas de pessoas (moradores ou pessoas que alugam as sacadas para acompanhar o baile todo de cima), bandeiras estendidas com o nome do baile, sinalizadores para o alto também, uma verdadeira festa.
“A lua cheia ilumina a favela, a lua cheia ilumina a favela...” na minha primeira ida ao baile da DZ7, em Paraisópolis, aquele já citado algumas vezes em outros capítulos, essa música escutamos de longe, naquela noite de calor enquanto vamos subindo as ruas que parece que nunca vai chegar no baile. No caminho motos passando a todo instante bem colado ao nosso corpo, pois vamos an dando pelas ruas mesmo, junto com todas as motos, carros, carros de comida, bicicletas e pessoas. Chegando lá em cima já estava cansada, mas a música cada vez mais alta fazia os ânimos aumentarem e entrar no ritmo também.
Na rua principal do baile vemos o Clube da DZ7 (produtora natural do baile da dz7, para expandir ainda mais a manifestação cultural) e nas suas paredes vá rios paredões grudados, quando olho para baixo uma multidão de pessoas e mais carros no começo e no fim com a mesma música, fazendo ecoar ainda mais.
Em frente ao Club DZ7 há pessoas de um lado da rua e do outro dançando umas de frente para as outras, como se fos se uma batalha de passinhos, mas deixando um espaço no meio para melhor circulação das pessoas dentro do baile, algumas com suas garrafas ou umbrelas balançando no ritmo da música.
Como já falo antes, os DJ’s possuem um grande protagonismo dentro do funk e principalmente dentro dos bailes funks. No baile da dz7 há a presença de diversos djs e eles vão revezando suas apresentações durante a noite toda, dando espaço para todos demonstrarem seu trabalho e animar o baile da sua maneira. Muito mais do que uma simples batida, alguns cantam por cima delas criando sua própria identidade e dando crédito a essas batidas feitas, trabalhando para envolver e animar através da música, é assim que o papel do dj se faz necessário para os espaços e principalmente nos bailes. Cada batida é um passinho diferente, uma emoção e novas invenções vão surgindo através dela, provocando ainda mais o público e instigando a se conhecer, soltar-se e se permitir viver aquela música de fato.
Figura 20: Paredão de baileFonte: Uol
Nem todas as idas nos bailes foram com sucesso. Uma delas fui em Heliópolis para o baile do Helipa, cheguei por vol ta de meia noite e pouco. Ao ir entrando cada vez mais para dentro da favela eu encontrava em cada esquina um carro ou uma van de policia militar, com alguns policiais para fora com suas armas e equipamentos. Dei uma volta por algumas ruas e em todas as esquinas havia policiais, não escutava som alto de música na avenida principal que acontece o baile e nem aglomeração tão forte como geralmente é, apenas algumas pessoas divididas entre as tabacarias e bares das ruas. Ainda assim, fiquei esperando até por volta de 01:30 e não houve movimentação, a não ser de mais policiais para impedir que acontecesse alguma festa ali. Resolvi ir embora então e ao chegar em casa 03:00 da manhã, logo vi que estava inician do uma live do baile do Helipa no Instagram, que estava começando o baile àquela hora. Com certeza os policiais foram embora, ou houve alguma conversa, ou algo do gênero para que o baile pudesse acontecer naquele dia de alguma forma.
Infelizmente é muito comum para quem frequenta bai le as vezes ter essas incertezas se vai ou não acontecer no dia ou se por algum motivo vão barrar tam bém mais esse direito de ocupar as ruas para fazer festa.
Em algumas idas em bailes foi possível conhecer um pouco mais do público que frequenta. Vemos de tudo um pou co, mas a grande maioria está ali de fato para curtir, se divertir e sair um pouco da sua rotina de serviço, estudos e afaze res da semana. Esses jovens veem os bailes como um espaço cultural e de lazer mesmo, com uma linguagem próxima das suas realidades: acontecem nas favelas, na rua, não paga para estar ali (a não ser que vá consumir algo) e linguagem parecida com as que estão acostumados. Não generalizando, há também em alguns bailes pessoas que vem de outra classe social para conhecer ou até mesmo já conhecem e vão para curtir algo fora da sua realidade, mas, percebe-se que é a minoria.
Escutei muitos deles ali falando que estavam indo direto do serviço para o baile, ou então que estavam indo curtir o baile e de lá já iam direto para o serviço no outro dia de manhã, outros já moram no próprio bairro que acontece o baile e aproveita para fortalecer a festa no seu espaço, alguns moram lon ge e mesmo assim vão até o baile para se divertir, visto que, acontecem diversos por São Paulo no mesmo dia e horários e com as divulgações em redes sociais fica mais fácil de saber.
Dessa forma, fica evidente que os bailes funks de São Paulo são bem movimentados e frequentados por maior par te dos jovens da própria favela e de outras também, afim de ser um espaço de lazer, cultura local, diversão e sociabilidade para os jovens que são privados de políticas públicas e in vestimentos por parte do estado para coisas que eles realmente se identifiquem e fomentem o espaço de convívio deles.
Nesse capítulo abordaremos a metodologia do processo criativo em relação à temática do trabalho, afim de desenvolver uma coleção de produtos e imagem de moda que valorize o tema, as pessoas que estão inseridas nele e traga opulência e que as pessoas se sintam bem, com autoestima, amor próprio e sentimento de pertencimento. Valorizando todo processo de pesquisa principalmente através da imersão e das vivências tidas nas idas aos bailes funks e contato direto com as pessoas. Afim de criar uma coleção que fosse feita da quebrada para as pessoas que frequentam bailes, porém, não deixando de lado a busca por versatilidade, atributos que deixassem as peças com mais funcionalidades e não somente mo delagens simples, tendo um olhar mais criativo e conceitual de moda.
As referências de arquitetura, acabamentos, suas festas e maneiras de lazer, realidades presente na periferia, o preconceito com o funk, ostentação como ascensão, estilo de vida e estilo de roupa, danças, identidade, esses e outros questionamentos foram surgindo ao longo do meu mapa mental, pois, são pontos importantes e que eu queria de alguma forma conseguir abordar e trazer para o meu trabalho. A princípio muitos elementos da favela iriam contribuir para a construção dessa coleção, porém, no meio do caminho o viés de baile funk é o que mais me encantava dentro do que eu já estava pesquisando Logo após fazer o mapa mental, o próximo passo era um moodboard para repro duzir a ideia do projeto, mais imagético mesmo. Para chegar em um mood que estivesse ao meu gosto, tive que fazer alguns, algumas opções não gostei da disposição, ficava muito quadrado, engessado, sem movimento e achava que não transmitia o que queria, até enfim chegar no final atual com formas orgânicas e a maior parte das fotos autorais.
A coleção pretende atingir jovens que se identificam com o estilo do funk e para além disso, pertencem e vivem essa realidade. Claro que a coleção não vem para segregar o uso e limitar o uso apenas a essas pessoas, mas, é esperado que quem use saiba da onde vem toda a inspiração, respeitem e acreditem na moda como uma forma livre de expressão. Um público que “veste a camisa” da onde vem, tratando como espaço que se respeita, afirmando, assumindo sua identidade e estilo, dando ênfase para os estilos presentes dentro do funk. Entre 16 e 30 anos é a média da idade do público dessa coleção, visto que, há um público bem jovem que está inserido na favela e nos bailes funks, levando isso para além da sua juventude, estendendo para até 30 anos ou mais, pois, o espírito jovem ainda permanece e não perde sua essência com o passar dos anos, pelo contrário, cada vez reafirma mais ainda.
Para aqueles que pretendem demonstrar através da vestimenta a sua essência, suas raízes, seu dia a dia em que está inserido, seu estado de espírito, afim de expressar com roupas, acessórios e ornamentos quem realmente é e o que sente no momento, através de cores, texturas, estampas e combinações.
Uma maneira de representar o nosso interior a partir do exterior e de valorizar tudo que pregamos, acreditamos e esperamos.
Para o desenvolvimento de alguma coleção sempre pen so primeiro na minha marca, os princípios que prego nela e o significado que ela tem pra mim, para aí sim conseguir ter um tema de coleção que compactue com tudo que acredi to e faça sentido. Desta maneira, a marca “Pontes” vem com um pouco do seu conceito original da palavra, onde as pon tes agem sendo soluções e não barreiras na vida das pessoas, com o intuito de ligar lugares diferentes em uma coisa só. Partindo desse conceito, a marca vem para promover o elo entre mundos considerados distintos dentro da sociedade, afim de que todos sejam tratados de maneira igualitária, quebrando paradigmas estabelecidos. Por isso, Pontes sendo uma marca de quebrada para a quebrada, com uma tendência mais urbana, tem como principal objetivo a moda como forma de expres são, de modo que todos possam se sentir representados, transcendendo seu interior para o exterior através da vestimenta.
Sendo assim, qualquer coleção que eu pensas se estaria diretamente ligada com um público que eu estou próxima ou esteja inserida. Por isso, a coleção inspirada em bailes funks faz o total sentido estar atrelada a essa marca que busca quebrar paradigmas e ser quem é sem distinções.
Inicialmente a coleção iria ter o nome de “A favela venceu”, porém, como durante toda a pesquisa e já citei aqui outras vezes, é uma frase que para alguns é sim de motivação e inspiração (como é o caso que eu iria usar) mas para outros é uma frase um pouco segre gadora, mesmo partindo do princípio inicial da minha coleção que é a questão da valorização do coletivo. Dessa forma, houve algumas re flexões e resolvi deixar essa parte para o subtítulo, que seria “Coleção de moda para uma favela que venceu coletivamente inspirada e inserida nos bailes funks” e o título principal foi alterado para “Soberana”.
O nome “Soberana” é o nome do bairro que eu mor,o na periferia de Guarulhos – SP e foi escolhido para carregar o nome da coleção por ser uma palavra que carrega uma au toridade, dominação e poder, atrelando principalmente ao poder das pessoas em ocupar as ruas que são nossas por direito para fazer a grande festa que é o baile funk. Ocupar es paços públicos é uma forma de cutucar o sistema e mostrar que estamos nos mexendo afim de produzir o nosso próprio lazer, com nossa própria cultura e nosso próprio bolso, que temos essa potência de fazer acontecer com a nossa própria força de vontade, imagina então se eles nos dessem sub sídio ao invés de apenas usar da opressão para nos oprimir?
Por isso, “Soberana” vem para evidenciar a imagem projetada da coleção para a sociedade um outro ponto de vista, longe de preconceito, estereótipos e mostrando o estilo diferenciado, não apenas como são rotulados e sim como pessoas elegantes, autênticas e potentes que são, principalmente nos bailes funks que é um lugar de liber dade de expressão, de descobertas, de ser quem é sem medo e se jogar na diversão. Unindo toda essa autonomia de ser quem é, usar o que quiser sem medo de rótulos, com a elegância e versatilidade presente nas noites que a coleção junta tudo isso para construir uma imagem de moda inspirada em todo esse contexto. “Soberana” vem para além disso, ser o grito de autoestima e liberdade!
A cor é algo que tem extrema importância para transmitir algo, assim como a vestimenta também. Unindo os dois, conseguimos produzir uma imagem de moda que passa alguma mensa gem, através das cores com suas harmonias e formas. Uma parte fundamental para o desenvolvimento de uma coleção de moda.
A partir de algumas fotos tiradas em bailes e fotos de referência, consegui extrair algumas cores de cada uma e ver qual cartela de cor me agradava mais. Desde o início tinha como premissa usar cores vibrantes com alguma cor clara junto para representar uma favela que realmente tem vida, cor, é animada e demonstrar a autenticidade do estilo cria do pelos jovens que frequentam aquele espaço, afim de trazer uma coleção alegre e colorida. com cores mais saturadas
A metodologia utilizada foi a partir do exercício de extração de cores, em exercício já feito em outros semestres com a professora Adriana e proposto pela Simone Mina no 7° semestre. Foi pensado também em nas harmonias das cores, unindo cores que fiquem contrastantes quando usadas juntas. O preto e off foram usados também bem pontualmente para conseguir dar um respiro das outras cores mais coloridas. Outro ponto que vale destacar é a distribuição das cores entre os looks, onde busquei aproximar um look com outro para dar um movimento maior e não ter cor sem estar em algum look ou pesar demais em al gumas e outras não. Sendo assim, há a presença de um look na imagem de uma menina e outro na imagem de um menino, onde possuem uma coordenação de cores, estampas e texturas, não restringindo o uso de um look “feminino” para o look “masculino” e vice-versa, pois são peças bem versáteis e sem restrição de uso.
Com um grande repertório de vivências e pesquisas nos bailes, pude fazer alguns estudos para que a minha ilustração transmitisse bem o meu público e seu estilo. Para a constru ção dessas ilustrações, inicialmente comecei pelas assinaturas de cabeça dos looks, fazendo o desenho de rostos de fren te, costas e perfil para depois então surgir algo a partir disso.
A primeira ilustração é de de rostos com cabelo masculino para cima, bem feito demonstrando a vaidade do público junto com os óculos sobrepostos indo até a testa, possuindo também uma textura no rosto que faz referência aos fios de postes presentes nas ruas da favela, tudo junto e misturado. O guarda chuva na cabeça também vem na ilustração para evidenciar esse ícone que é esse acessório nos bailes funks para os jovens. Cabelo com diversas trancinhas é um grande símbolo também de muitas meninas que frequentam os bailes, que geralmente é sempre feito por pessoas que moram na periferia e conseguem fazer esse trabalho dentro das suas próprias residências. Bo nés de diversas formas, materiais e cores também vemos de monte e na ilustração vem representando essa grande presença também. .
As roupas cheias de texturas, cores e estampas vem para demonstrar que mesmo dentro de um mesmo espaço, cada um possui o seu estilo de se vestir com os seus gostos pes soais. As estampas xadrez e quadriculadas foram escolhidas para representar na ilustração, pois, foi umas das principais mais vistas nos bailes, representando muito o que mais usam e se identificam. Como fundo dessa ilustra ção, foi feito uma transcrição manual da frase “A favela venceu” repetidas vezes, para compor de forma orgânica junto com os desenhos.
A segunda ilustração vem na mesma proposta da primeira, com rostos a partir das assinaturas de cabeça, porém, sem a presença de rou pas e o fundo com uma imagem das casas de favela com uma opacidade menor. O fundo todo preto em volta, afim de demonstrar um ar mais pesado, com a frase de uma música do Mc Neguinho do Kaxeta que diz “Louco e sonhador” para que haja uma reflexão de todo o contexto que está expresso nessa ilustração: favela, rostos característicos dela de monstrados com um ar diferente, sem roupa e outras informações que trouxessem mais vida para essas pessoas que estão inseridas na favela.
Algo muito presente no estilo desse público com certeza são as estampas. Por esse motivo, no início queria trabalhar com bastante estampas que tivessem a ver com a linguagem que costumam se identificar. Sendo assim, foi feito alguns testes de estampas para a primeira proposta de lineup.
Como já dito, o xadrez e quadriculado é muito usado e por isso resolvi fazer duas propostas de estampas nesse estilo: uma quadriculada colorida com fundo preto e linhas off intercaladas e outra com um xadrez pincelado feito no aplicativo Procreate e feito o rapport no photoshop.
A tipografia também é algo muito marcante, principal mente de fontes que remetam a pixe, grafite ou algo mais ur bano e por isso foi feito também 2 opções: ambas com a frase “A favela venceu”, uma na diagonal com uma letra mais fina e outra na horizontal mesmo com letras mais de grafite grossas.
Por último e não menos importante, foi feito o rapport de uma estampa com rostos e guarda chuvas, com a intensão de fazer um pouco mais estourada. Feito todas essas opções de estampas, apliquei no meu line-up de looks e ficou bem poluído, não que não seja algo presente nos bailes funks, pelo contrário. Porém, como a proposta da maioria das peças é ter uma grande versatili dade com bolsos, recortes e detalhes, com as estampas aplicadas não evidenciou tanto esses atributos que era um dife rencial e elementos primordiais para o conceito da coleção. Depois de alguns estudos, resolvi eliminar algumas estampas, ficar apenas com duas principais e uma de tipografia estourada para forros. A estampa de rostos permanece na mesma variante e a estampa de xadrez pincelado é alterado para a variante de fundo amarelo com pinceladas roxa, evidenciando esse contraste de cores deixando a estampa mais vibrante.
Para o desenvolvimento da coleção as formas e silhuetas foram criadas a partir de métodos e princípios que queria que estivessem presentes na coleção, por acreditar que faria muito sentido. O primeiro método foi utilizando o exercício da professora Yaeko Yamashita, na matéria de Modelagem Tridimensional I, onde a ideia era utilizar uma única peça para experimentar formas diferentes de utilizar em cima de um manequim, propondo novas posições e propostas com o auxílio apenas de alfinete para segurar essas possibilidades e testes. Depois disso, foi tira do algumas fotos e com papel vegetal por cima delas foi retirado uma silhueta da forma criada, muitas aleatórias e sem ideia de peça ou look. Dessa maneira, logo depois foi avaliando essas formas inusitadas que surgiram algumas peças para a coleção, incluindo alguns outros atributos, acabamentos e aviamentos, modificando também alguma coisa na forma para que ela tenha uma boa vestibilidade.
O segundo método utilizado foi utilizar imagens de referência e autorais que possuíam elementos presente na favela e dentro do polo de bailes funks para criação de formas e silhuetas. Primeiro observando e tentando produzir elementos que tivessem traços e formas parecidas com os elemen tos escolhidos, de forma abstrata inicialmente para depois transformar em silhuetas de peças para compor os looks.
Utilizando esses métodos para criação de peças, foi atrelado junto a construção o pilar que seria muito importante para o público e para a coleção que é a versatilidade das peças. sibilidade de tirar algumas partes para usar sozinha ou com outros looks, trazendo assim a democratização das peças e uma maior funcionalidade para elas.
Para isso, ao decorrer da criação as formas iam ocor rendo mudanças para a inclusão de atributos como bolsos, zíperes, aviamentos de ajustes e a pos-
Visto que, como já citado anteriormente, a rotina corrida de jovens que estudam, traba lham e procuram ir para bailes curtir o seu lazer depois de um dia cheio, ou que vá de pois do baile para o estudo ou trabalho, faz-se necessário bolsos e atributos que atendam as necessidades de guardar pertences, praticidade e versatilidade entre as peças.
Proporções, volumes e shapes das peças são inspirados sim nos bailes funks e seus elementos presentes dentro dele, mas, também é pensado em como traduzir isso incluindo mais algumas informações de moda, para trazer toda opulência que a coleção bus ca trazer. Por isso, é usado sim inspirações, porém, deixando um pouco mais sofisticado as modelagens das peças, buscando também trazer um impacto e desejo logo de primeira impressão por essa coleção.
Para entender um pouco mais como foi criada a coleção unindo todas as pesquisas e referências, foi necessário materia lizar tudo isso em superfícies, tecidos, aviamentos e atributos de forma que remetesse todo o universo que estamos trabalhando.
Por isso, a cada maquete, tecido ou aviamento foi pesquisado o porque usar e a importância deles para o público alvo.
Com estudos de alguns elementos, foram realizadas algumas maquetes têxteis para testes e entender o que melhor conversava com a coleção num todo. As estam pas que entram também em superfícies e abordaremos um pouco mais sobre elas e as outras superfícies criadas.
Primeiro o bordado feito com linha de bor dado a mão, ponto por ponto para fazer referência aos fios de postes que possuem bem embolados um por cima do outro interligando vários em uma coisa só. Essa maquete foi utilizada a ideia para apli car na coleção, porém de uma maneira diferente.
Segunda maquete têxtil foi com tecido e fitas de cetim aplicadas com máquina de costura por cima, for mando o padrão de um xadrez com três cores. Essa também não foi utilizada para os looks finais da coleção.
Terceira maquete têxtil foi aplicando com a costura na máquina um tecido ao outro, de forma que a organza refletisse mais brilho em cima do lamê, fazendo referência as lentes dos óculos e ao brilho presente nas festas. Também não foi aproveitada no final, mas utilizei a mesma ideia para aplicar um tecido brilhoso em cima de outro, para não descartar a presença de brilho.
Quarta maquete é uma que vou utilizar, porém com mais volume. Trata-se de uma aplicação de linhas, com a máquina de costura deixando umas partes presas e outras soltas, utilizando o retrocesso em lugares aleatórios para prender no início e fim de cada forma irregular. Fazendo referência aos fios de poste que havia tentado em outra maquete.
Quinta maquete foi usando também a máquina de costura para unir a manta acrílica no tecido, a partir de padrões. Foi usado a aplicação de enchimento por manta acrílica em algumas peças, porém, não há a presença de padrões assim.
Sexta maquete foi feita unindo dois tecidos de or ganza, colocando lentes de óculos desmontados posicionados entre as duas camadas de tecido e costurando como se fosse um bolso para que as lentes ficassem dentro. Depois de olhar o line-up todo, decidi não utilizar ela. Conclui-se então, que as superfícies têxteis presentes na coleção se dão mais por algumas estampas principais e de forro, mas também por algumas pontuais aplicações de linhas e enchimentos para dar volume nas peças. Pode-se dizer que o maior foco é na mescla e harmonia de estampa com cores vibrantes de forma que as silhuetas dos detalhes e atributos presente nas peças não fiquem perdidos ou com pouca visibilidade, priorizando dar um destaque para eles, mas ainda assim sem perder a essência de estampas e algumas texturas.
Como forma de proteção do corpo e expressão, surgiu a arte de tecelagem e produção de tecidos. Inicialmente produzidos com os dedos, assim nasceu as primeiras fibras que ao longo dos anos foram sendo transformadas em fio e descobrindo novos modos, desenhos, texturas e separações nos tipos de construções de tecelagem. Os te cidos planos possuem estrutura resultante de sucessivos entrelaçamentos de dois fios, um no urdume e outro na trama, que se cruzam e formam um ângulo reto (Daniel, 2011). Já as malhas são produzi das por teares circulares, obtidos por meio do entrelaçamento de um fio com ele próprio, em um processo idêntico ao tricô (Daniel, 2011).
Para a escolha dos tecidos dessa coleção, foi pensado principalmente no conforto, versatilida de e pesquisado muito os tipos que o público alvo já costuma utilizar, atrelado também ao conforto das peças que usam no estilo surf, visto que, mui tas das peças são adaptadas desse público também para o público do funk. Mas, não só atrelado ao estilo e principalmente na importância do conforto para que as pessoas consigam passar muitas horas com a mesma roupa e acessórios, sem que fique desconfortável em algum momento da noite.
Junto a tudo isso também há a presença mui to forte de brilho, seja nas roupas ou a partir de elementos como os fogos e fumaças, os acessórios espelhados, diretamente atrelados a visão que temos de festa e noite como algo ale gre, feliz e que refletem com certeza nas roupas.
Dentro dos tecidos planos, para essa coleção foram utilizados alguns com tipos de construções diferentes. O tafetá, com um aspecto acetinado, tem uma resistência e é rígido, possibilitando fazer peças que sejam um pouco mais armadas ou precisem dessa cara mais rígida e com um pouco de volume.
Outro tecido escolhido foi o tac tel, que possui um bom caimento nas peças, é leve e é versátil por secar rápido, trazer um conforto e não ser grosso, além de possibilitar criar uma diversidade de modelagens, por ter um bom caimento.
Dentro dos tecidos planos ainda, o veludo cotelê é um dos ícones para o pú blico, principalmente nas referências dos conjuntos da marca Cyclone, muito usada por esses jovens nos bailes. Mas não se trata de um veludo qualquer, suas canaletas são mais grossas, é um tecido que mostra que é importante por seu peso, é confortável e chama a atenção, sendo também uma forma de ostentação por per ceber de longe um grande atributo na peça.
Falando ainda de estrutura e algo que trás um peso e importância para a peça, o Neoprene foi esco lhido para fazer parte da coleção e pode ser definido como uma borracha sintética, que antes era muito utilizado para roupas de mergulho, por ser um tipo de malha, mas uma mais grossa e com um toque bom.
O conforto sendo algo primordial para a cole ção, o moletom não poderia ficar de fora, visto que, é uma malha com toque macio e segundo pesquisas, surgiu em meados de 1920 pensando principalmente em proteger os trabalhadores nos frigoríficos. Dessa forma, vemos que ele está diretamente atrelado ao conforto. Junto ao moletom, vemos a malha canelada,
que é um tipo de malha com canelu ras bem evidentes, compondo as pe ças, seja em punhos, detalhes ou barras.
Como já foi citado anteriormente, o brilho se faz presente nas festas e no baile funk principalmente, como forma de chamar a atenção e ostentação. Para transmitir esse brilho, mas sem perder o conforto e versatilidade nas peças, é utilizado um tecido que é uma tela vazada com brilho que possui uma boa elasticidade, mas carrega o glitter bem evidente.
Com todos esses tecidos escolhidos busca-se trazer para todas as peças da coleção um ar de importância e opulência, sem deixar de lado e sim eviden ciando o conforto e versatilidade em cada uma delas.
Quando falamos em versatilidade das peças, os aviamentos tem grande destaque, pois, são eles que possibilitam fecha mentos, aberturas, detalhes, ajustes, tirar peças de um lugar e usar com outras, além de ser um grande destaque em detalhes.
Com zíperes tratorados de dentes mais largos e coloridos, fitas de gorgorão, fivelas, reguladores, velcros, ilhós e fitas coloridas, é assim que junto com os tecidos trazem ainda mais valor às peças, com atributos importantes não só es teticamente bonitos, mas funcionais, que é o primordial para essa versatilidade.
Os acessórios criados pensando em estar dentro do tema da coleção foram na verdade mais como um conceito de vestir o corpo com as próprias peças. Dessa forma, os acessórios não são necessariamente se parados da roupa, possuindo bolsas e mochilas acoplados como bolsos grandes nas próprias peças, na parte de fora e nos forros também. Como já dito anteriormente, os jovens possuem um dia a dia mais agitado e as vezes vão direto de algum lugar para curtir o baile ou ainda vão do baile para outro lugar, e para isso é necessário a presença de muitos compar timentos para conseguir carregar tudo e não perder os seus pertences.
Ainda dentro dos acessórios, foi pen sado em mochilas e bolsas que são removíveis das peças e podemos utilizar sozinhas ou com outras peças também. Essa gran de variação de opções é muito importante para um público jovem que gosta sempre de inovar sem perder o conforto e estilo.
Nos calçados o plástico vem presente para “envolver” um tê nis já existente, como forma de valorizar e proteger algo que para esses jovens é algo muito importante, possuindo alguns calçados de mais valor agregado e até mesmo alguns que não são mais fabricados, os famosos “relíquias” ou raridades como eles falam. Para não deixar de lado isso que é visto para eles com muito cuidado, como um patrimônio de cuidado e valor, o plástico transparente, com ajuste de elástico e stopper vem com o conceito de realmente proteger, mas não apagar ou ofuscar o seu modelo, cor e detalhes.
O styling dentro da coleção busca valorizar a forma como o público faz suas composições e usa disso para transmitir a sua auten ticidade, estilo próprio e transmitir quem é, da onde vem e também expressar sentimentos, seja através das cores ou texturas. Há a ostenta ção por parte de quem possui condições, mas também quem procura estar dentro dessa estética e não tem condições por conta de uma desigualdade social muito presente, e como alternativa vão para o lado das réplicas, mas não deixam de se sentir felizes e parte daquele meio.
Além das roupas que já fazem parte da coleção, as bolsas e mochilas vem junto para compor e diversificar mais as possibilidades.
O uso dos artigos é algo muito importante dentro do funk, basta ouvir algumas músicas que vemos a presença desses artigos dentro das letras, falando do estilo, da oportunidade em conseguir ter essas coisas e também de colecionar tudo isso, por gosto mesmo ou ostentação. Toucas, óculos, correntes, cintos, relógios, entre outros artigos que vemos presente.
Correntes pratas, douradas e grossas são usadas para evidenciar esse poder e transmitir essa estética mais de luxo. As lupas são ícones dentro do funk e uma paixão principalmente pelos da marca Oakley, seja os famosos Juliet, Romeo, Mars, Double X, Penny e entre outros modelos que são muito utilizados. Fi cando evidente essa importância, o styling contará também com esses óculos, seja sozinho ou com outros sobrepostos na testa.
Os guarda-chuva, famosas umbrellas são muito vistas nos bailes funks de São Paulo, e com certeza não estariam de fora do styling da coleção. Não vem exclusivamente dos bailes funks o uso desses guarda-chuvas, mas sim desde os festivais eletrônicos que aconteciam nos EUA, quando a Oakley lançou um guarda-chuva e como o público já era muito fã da marca, passaram a comprar para se proteger do sol e logo se tornou algo de identificação, por cor, por marca e grupos. Logo veio para o Brasil e começou a ser utilizado também pelas pessoas nas raves daqui com a mesma utilidade de proteção e status de marca. Depois de um tempo foi migrando também para o funk, mais especificamente para os bailes funks de rua, sendo utilizado principalmente mais por causa das marcas, um símbolo de “ostentação” e também por fazer o vento quando levantados para cima fazendo movimentos e passinhos do ritmo do beat da mú sica, deixando aquele ambiente aglomerado mais fresco.
A beleza nesse styling é diversa e busca evidenciar todas essas combinações que juntas formam esse estilo mais autêntico e particular dentro dos bailes funks. Roupas estampadas, cores mais saturadas, texturas, unindo com todo acessório dourado, prata, óculos espelhados, penteados que valorizam ou bonés, tênis representativo, as umbrellas, enfim, o grande conjunto que no final passa uma imagem de moda diferente e que busca evidenciar novas formas e a versatilidade com uma certa opulência.
Diante toda pesquisa e desenvolvimento do trabalho, foi visto que ainda há muito preconceito com o funk, seus estilos e formas realmente de ser. Ficando evidente tudo isso, não faria o menor sentido colocar pessoas que não curtem baile funk e o funk em si para vestir a coleção. Dessa forma, todo o casting foi pensado e composto por pessoas que gostam de funk, outras que vivenciam de fato e possuem os bailes funks inseridos dentro da sua realidade, cada uma na sua parti cularidade, mas com o seu pertencimento de espaço, realidade e cultura de fato, de se identificar com todo o processo de construção de uma coleção que foi pensada e feita para eles. Por isso, não faria sentido eu não destacar essas pessoas que possuem lugar de fala e vivenciam isso de alguma forma.
Um casting “diverso” dentro desse meio, mas que ainda assim fazendo parte de um mesmo ambiente cada um tem sua essência e seu modo de se fazer importante, único e ter seu próprio estilo. Cabelo cacheado, liso ou tranças, ou a mistura de dois em um só, é o que vemos nas meninas. Boné, cabelo com risquinhos ou luzes, assim os meninos se apresentam na estética da coleção. Cada um com sua estatura, com sua identida de própria que agrega na roupa e em todo styling proposto.
Foram desenvolvidos alguns looks para compor o line up da coleção, utilizando os métodos de criação já citados nos outros capítulos, como a extração de forma, de cor, textura e a inclusão de elementos funcionais para a versatilidade das peças.
Ao todo foram 12 looks desenhados e apenas 6 escolhidos para desfilar no dia da banca externa na Faculdade
Santa Marcelina. Looks que juntos se complementam, mas separados conseguem compor com outras peças e contar novas histórias através de novos looks, assim é a moda den tro do baile: cada um com sua personalidade, usando roupas iguais ou diferentes, mas todos da sua própria maneira.
Depois de longos 4 anos de faculdade, com pandemia no meio, incertezas e 1 ano intenso de trabalho final, considero que tudo foi muito importante para o meu crescimen to pessoal e profissional na área de moda. Conseguir criar do zero uma coleção que possui todo um conceito por trás, com planejamento, cuidado e inspirações mostra como são grandes as opções que temos para transformar a vida das pessoas através da moda.
Finalizo esse trabalho com a sensação de que os 4 anos de faculdade valeram muito a pena, pois, foi a partir da arte que é a moda que consigo hoje demonstrar todos os meus anseios, desejos, denúncias e lutas através de uma vestimenta, e é isso que busco carregar em todos os meus trabalhos e projetos.
Muito mais do que roupas, o que foi desenvolvido ao longo desse trabalho tem um conceito maior do que o próprio tema, pois, além de dialogar e conhecer o tema, trás acessibilidade a no vos olhares sobre o mundo, novos questionamentos e reflexões para além do campo moda e estilo.
A moda transforma, e é através dessa afirmação que tenho a esperança de poder cada vez mais ajudar para uma indústria mais consciente, acessível, igualitária e que valorize todas as culturas, expressões e a particularidade de cada um. Cada projeto é um pedaço da mudança que podemos plantar no mundo e esse trabalho de graduação é um deles, que não para por aqui e sim busca con tinuar nas ruas pesquisando, dialogando, vivenciando e produzindo da quebrada para a quebrada.
BAUDOT, François. Moda do Século. São Paulo: Cosac & Naify, 2000.
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: Crime, Segregação e Cidadania em São Paulo. 3ª edição. São Paulo, Editora 34, 2011.
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CHESTHER, Rick. A favela venceu: De um povo heroico o brado retumbante. 1ª ed. São Paulo, Buzz Editora, 2020.
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