TFG FAUUSP | Lugar de mulher: experiência e projeto da Casa Laudelina de Campos Melo

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Catalogação na Publicação Serviço Técnico de Biblioteca Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

Garcia, Helena Sá Barretto Prado Lugar de mulher: experiência e projeto da Casa Laudelina de Campos Melo / Helena Sá Barretto Prado Garcia; orientador Karina Oliveira Leitão. - São Paulo, 2022. 147Trabalhop.

Final de Graduação (Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. 1. Feminismo. 2. Ocupações Urbanas. 3. Assessoria Técnica. 4. Patrimônio Cultural. I. Leitão, Karina Oliveira, orient. II. Título.

experiência e projeto da Casa Laudelina de Campos Melo lugarmulherde

Orientação: Profa. Dra. Karina Oliveira Leitão São Paulo, julho de 2022

Helena Sá Barretto Prado Garcia Trabalho final de graduação do curso de Arquitetura e Urbanismo apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

Love is the contraband in Hell, cause love is an acid that eats away bars. But you, me, and tomorrow hold hands and make vows that struggle will multiply. The hacksaw has two blades.

The shotgun has two barrels. We are pregnant with freedom. We are a conspiracy. Assata Shakur

abstract

Keywords: Feminism; Urban occupations; Techni cal assistance; Social movements; Cultural heritage.

This work addresses the trajectory of reference hous es for women, built by the Movimento de Mulheres Olga Benário (Women Moviment Olga Benário), wich has as objective the strengthening of existing networks of com bat against violence towards women, as well as instru ment for report and pressure for integrated public pol itics that combats sexual and gender violence. So far (2022), the movement has done ten occupations in sev en states (Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo, Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e Santa Catarina), three of wich located in São Paulo’s metropolitan area and one in the town of São Paulo, pursuing the supply of social, legal, psychological assistance and tempo rary housing for women in violence situation, besides political education and cultural events. Approaching the women occupation Laudelina de Campos Melo, found ed in March 2021, in Canindé neighborhood, developed, then, a work in purpose of supplying technical advice and instruments in the process of incremental improve ments in the house, to enable the consolidation of this space. This work Proposes to produce knowledge wich contribute to expand comprehension towards the cres cent role of this occupations as unique political organ isms for potentiate the city and feminism in practice, and from that, the development of an alternative projectual exercise that is coherent to the movement’s forms of organisation and necessities. Thus, surveys and analy sis of the building and it’s forms of use were made, for the purpose of providing diagnoses and orientations for the occupation of this space, as well as general instruc tions and technical discussions for the indicated repairs.

Palavras chave: Feminismo; Ocupações urbanas; Asses soria técnica; Movimentos sociais; Patrimônio Cultural.

Este trabalho aborda a trajetória das casas de referên cia para mulheres construídas pelo Movimento de Mu lheres Olga Benário, que tem como objetivo o fortaleci mento das redes existentes de enfrentamento à violência contra a mulher bem como de instrumento de denúncia e pressão por políticas públicas integradas que combatam a violência sexual e de gênero. Atualmente (2022), o mo vimento realizou dez ocupações em sete estados (Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo, Bahia, Pernambu co, Rio de Janeiro e Santa Catarina), sendo três destas na grande São Paulo e uma na capital, que procuram o fornecimento de assistência social, jurídica, psicológi ca e abrigamento temporário para mulheres em situa ção de violência, além de formações políticas e eventos culturais. Aproximando-se da ocupação de mulheres Laudelina de Campos Melo, inaugurada em março de 2021 na região do Canindé, desenvolveu-se, assim, um trabalho no sentido de fornecer assessoria e instrumen tos técnicos no processo de melhorias incrementais na casa, para possibilitar a consolidação deste espaço. Pro põe-se produzir reflexões que contribuam para ampliar a compreensão do papel crescente destas ocupações enquanto organismos políticos singulares de potencia lização da cidade e do feminismo na prática, e a partir disto, a exploração de um exercício projetual alternativo que seja coerente às formas de organização e necessi dades do movimento. Deste modo, foram realizados le vantamentos e análises do edifício e das formas de uso do espaço, no sentido de fornecer diagnósticos e orien tações para a ocupação do local, bem como instruções gerais e discussões técnicas para os reparos indicados.

resumo

Para Manoel Lisboa de Moura, Amaro Félix, Amaro Luís Carvalho, Manoel Aleixo e Emmanuel Bezerra dos Santos, brutalmente assassinados pelo regime militar, que deram suas vidas pela liberdade do povo brasileiro, e seguem vivos em cada lutador e lutadora popular, em cada assembleia e em cada reunião.

Para minha avó Elba, que meu deu as palavras.

Para toda equipe do NEA, em especial para o Estevão, por todo aprendizadopaciência.e

Para meu irmão Daniel, que me deu a parceria. Para meu avô Jorge Antonio, que me deu o gênio forte.

Para Danielly, Julio Cezar, Luis, Vitor, Chacon, e todos os meus companheiros da União da Juventude Rebelião na USP, em especial aos que fincaram os primeiros pés e abriram os caminhos para tantas conquistas nestesperíodos.últimos Para Yu, Julia, Juliana, Marlene, Ana Kohara, Rafaela, Tami, Helô e todas as grandes lutadoras que erguem com seus próprios braços o Movimento de Mulheres mais combativo do Brasil. Para Felipe, Guilherme Brasil, Lucas Marcelino, Gabriel, Fefe, Guilherme e Raíssa, e todos os grandes camaradas da Unidade Popular pelo Socialismo.

Para minhas amigas Gisele, Paula, Elisa, Luana e Vick, Para Rulia e Isabel, grandes arquitetas, exemplos de profissão e de vida, e que foram essenciais em todo o processo de reabilitação do edifício da Laudelina.Casa

agradecimentos

Para todos os amigos que tive o prazer de conhecer nesses seis anos e meio de USP, estranhos, confusos, complexos e muito ricos. Com carinho especial ao meus amigos do grupo FAB, Martim, Dago, Nicolas, Rogerio, Camila Ono, Luis, Dani Motta, Gabriel e Ariel, e para meu amigo e companheiro de loucuras mais esquisito, Mateus Moll. Para Maria José e Nathalia Barbosa, por todo carinho e energia positiva nestes meus vinte e cinco anos. Para meu amigo Pedro Mignac, e sua presença desde sempre neste meu quarto de século. Para meus amados amigos Julia, Tiago, Gustavo, Sami e toda a nossa grande família clubber.

Para o Tarcísio, meu companheiro de luta e de vida, que me acompanhou na grande dificuldade desta reta final.

Para a minha mãe Flávia, que me deu tudo.

Para a grande mulher e professora, que tive o privilégio de chamar de orientadora neste último ano e meio, Karina Leitão

sumário introdução00 12 a cidade e a mulher01 16 produzir e reproduzir 18 as mulheres e a gramática das ocupações urbanas 26 é pela vida das mulheres02 34 sobre violência: reflexões e respostas 36 movimento de mulheres olga benário 44 tina martins 50 irmãs mirabal 52 helenira preta 54 laudelina de campos melo 58 carolina maria de jesus e helenira preta II 60 preta zeferina, soledad barrett, almeirinda gama e antonieta de barros 62 o comum e o específico 64 uma ruína da cidade fabril03 66 reflexão sobre a memória 68 pari: centro e periferia, ontem e hoje 70 histórico do edifício 80 ocupar, resistir e transformar: a experiência da casa laudelina de campos melo 04 84 ocupar 84 reavivar 86 amadurecer 88 levantamentos 96 mapeamento de manifestações patológicas e problemas de infraestrutura 100 práticas alternativas: o projeto 102 intervenções de curto prazo 112 intervenções de médio prazo 114 mutirão: com quantas mãos se faz uma cozinha 116 considerações finais05 124 índice gráfico 128 referências bibliográficas e bibliografia 136 anexos 141

00introdução

ferencial:

ACasa Laudelina de Campos Melo, inaugurada em março de 2021 na região do Canindé, faz parte de um conjunto de ocupações ur banas ligadas ao Movimento de Mulheres Olga Benário. Esta nova tipologia de ocupação inaugurada pelo movimento surge em 2016, nascida a partir das experiências de ocupações de moradia na região metropolitana de Belo Horizonte vinculadas ao Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas. Num processo de recondução da luta à área central da capital mineira, como forma de politizar o debate sobre a violência contra a mulher e pressionar o governo por políticas públi cas, transforma-se então o antigo restaurante universitário da UFMG – sem uso há 10 anos – em Casa de Referência da Mulher. Ocupan do este vácuo do poder público, o movimento passa a atender as de mandas existentes de acolhimento de mulheres em situação de risco e prevenção à violência, contestando, em primeira instância o descaso do governo e da sociedade, e em última instância, a própria condição política da violência contra a mulher – que é propriamente constituída pelo universo do privado, do doméstico. Este texto é uma junção de prática, reflexão, pesquisa, e envolvimento pessoal com o Movimento de Mulheres Olga Benário, o qual integro desde 2018. Meu processo pessoal de imersão no tema dos estudos feministas, no entanto, já data de alguns tantos anos, tratando-se de uma parte fundamental em minha formação política e pessoal. Em 2014, movida pela curiosidade e vontade de compreender o mundo em suas complexidades e contradições, passo a integrar coletivos de atuação feminista. No ano de 2015, que precedeu minha entrada na universidade, passo a atuar como voluntária num pequeno trabalho de conversas e suporte a mulheres em situação de prostituição na re gião do bairro da Luz. Este projeto logo se desenvolveu e se consolidou na forma de organização não governamental, e hoje consiste numa das maiores redes de apoio a mulheres em situação de prostituição e extrema vulnerabilidade social em São Paulo, a ONG Mulheres da Luz. De lá até aqui meu percurso se ramificou, entre grupos de estudos, coletivos políticos, atividades e conferências, mas manteve-se este re o do movimento popular de mulheres. Meu objeto de pesquisa me persegue, e não o contrário. Ele se define antes que eu possa pegá-lo, pois ele é também toda minha vida. Ele é uma síntese deste processo e de muitos questionamentos que per meiam grande parte de minha graduação na faculdade de Arquitetura e Urbanismo, mas é também o conjunto de mãos e do esforço das mu lheres que me formaram, e das mulheres que me precederam. Pro curo, portanto, dispor não de uma obra pronta, mas de um exercício, viabilizado tanto pela reflexão e o estudo, quanto pelo contexto dado nas atividades cotidianas dentro de uma ocupação.

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Para adentrar ao tema, no primeiro capítulo, introduz-se um estudo de territorialização do espaço das casas e suas potencialidades, a par tir de, principalmente, questões postas pela obra do filósofo-sociólogo francês Henri Lefebvre (1972). Apresenta-se então os conceitos que serão tratados, do processo de espacialização a partir da epistemolo gia Trata-sefeminista.doaprofundamento do estudo das casas de referência do movimento de mulheres enquanto uma grámatica constituída entre o fenômeno recente da explosão das ocupações urbanas - tanto em nú mero quanto em modos de organização - nas metrópoles brasileiras, de modo a colocar “o desafio de analisar as ocupações como dialetica mente tensionadas entre o espaço abstrato e o espaço diferencial teo rizados por Lefebvre entre a dominação e a apropriação: nem um, nem outro, mas ambos ao mesmo tempo; um espaço contraditório, aberto e movente” (BASTOS, et. al, 2017, p.4). E a partir destes questionamen tos, tangencia-se a questão da condição feminina diante do urbano, discorrendo sobre a dialética do processo de materialização do traba lho feminino no processo de produção do espaço urbano e doméstico.

Apresento aqui o resultado de um processo não linear, e desenvolvi do ao longo de muitos desvios e incertezas decorrentes dos meses de consolidação do espaço da Casa Laudelina de Campos Melo. Trazer uma aproximação teórica a esse trabalho, constante, diário e cansa tivo, revelou uma série de dificuldades não esperadas, mas também, ainda mais, através dos múltiplos gestos, percursos, ritmos e ciclos, uma série de vocações transformadoras da mulher e do urbano na periferia do capitalismo.

O segundo capítulo introduz uma reflexão sobre a história da organi zação do movimento feminista brasileiro pela pauta do combate à vio lência doméstica e violência contra a mulher, bem como o processo de estruturação da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil. A partir desta discussão, coloca-se a história do Movimento de Mulheres Olga Benário, bem como localização de suas propostas de programa político e formas de atuação. Frente estas reflexões e aos conceitos expostos no capítulo anterior, trataremos das Casas de Referência construídas pelo movimento, abrangendo algumas de suas estratégias de organização e trabalho nos diferentes territórios.

Na terceira parte inicia-se estudo sobre o objeto deste TFG, Através da leitura do contexto histórico construído do distrito do Pari, cosntrói-se as bases para então uma etapa posterior de conhecimento e prospec ção ao edifício, estudando seus aspectos históricos e sua linguagem Adiante,construtiva.naquarta parte, trataremos então do processo de ocupação 14

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complexidades deste tipo de ocu pação, em suas necessidades e imprevisibilidades, nos recursos disponíveis e na progressão das intervenções no tempo, tendo como norteamento a construção coletiva de Finalmente,soluções.procura-se concluir esta reflexão sobre as múltiplas escalas e transdisciplinaridades reunindo e qualificando a hipó tese das ocupações de mulheres como espaços que constituem um novo vocabulário para a gra mática das ocupações. Além dis so, procura-se pontuar de que maneiras a prática cotidiana desta ocupação, incluindo neste conjunto de atividades a práti ca da auto-reforma, atua como qualificadores do sujeito político feminino coletivo, e constituidora de uma práxis urbana específica.

de fato, utilizando do exercício metodológico da parte anterior como suporte para a atuação frente a realidade concreta desta ocupação. Diante de uma pers pectiva da abordagem dos estu dos patrimoniais e dos movimen tos populares como potenciais zeladores da memória urbana, apresenta-se uma a “linha do tempo” em linguagem de quadri nhos de readequação do imóvel pelo movimento ao longo do ano de 2021, através dos processos de mutirões, além do próprio co tidiano das atividades realizadas no local. Nesta etapa, opta-se por uma linguagem gráfica enquan to forma de condução da leitura do espaço, mas também enquan to opção ética de resguardar as identidades ali teturaorgânica,ticacio,autogeridosquentedeDispõe-sedoumaintervenção,neia-sesocio-territoriaisnovafrenteçãodete-sepresentestedeConjuntamentepresentes.aesteprocessoanálisedestaocupação,diandasdiferençasprogramáticasnesseespaço,reflesobreaprópriapráticaassessoramentoedeprodudearquiteturasalternativasaosdesafiosimpostospelarealidadedosmovimentosurbanos.Deliumsegundomomentodeemqueseorganizapropostaderequalificaçãoimóvelemdiscussãocoletiva.entãodeumaetapaprojetoparticipativoeconseorganizaçãodemutirõesdereformasnoedifídissolvendoporvezesaprátécnicaàpolítica.Demaneirapratica-seumaarquiquepossaincorporaras

a cidade & a mulher 01

Falar sobre a produção do espaço urbano a partir de uma epistemolo gia feminista, ademais, acrescenta camadas de análises muitas vezes encobertas na sociologia urbana clássica. No entanto, os conceitos de produzir e reproduzir “O espaço é ao mesmo tempo um produto e um condicionador das relações sociais. À luz disso, segue-se que pretender mudar as relações sociais sem mudar a organização espacial (não somente o substrato material, mas os territórios e as “imagens do lugar”) seria um contrassenso. A mudança da sociedade concreta não há de ser apenas uma mudança das relações sociais, mas também uma mudança espaço social.” (SOUZA, M. L. 2010)

Aconcepção e materialização do espaço urbano pode ser entendida a partir de abordagens multidisciplinares, desde a antropologia, passando pela semiologia, pelo direito, pelo urbanismo, além de muitas outras. No caso das teorias de metodologia marxista, elabora-se esta questão a partir da perspectiva do urbano como um espaço produzido, isto é, um produto das relações sociais, mas, dialeticamente, também produtor destas mesmas. O processo de espacialização, desta forma, passa a ser compreendido como aquele que “não se trata de locali zar no espaço preexistente uma necessidade ou uma função, mas, ao contrário, trata-se de espacializar uma atividade social, ligada a uma prática no seu conjunto, produzindo um espaço apropriado” (LEFEB VRE, 1973). Para medida de análise, muitas vezes, realizam-se leituras e ações que fragmentam o espaço, e pela necessidade de delimitar, promovem -se desigualdades e diferentes formas de exclusão. Porém, para uma análise conceitual eficaz é necessário compreender o espaço em sua realidade composicional, ou seja, em suas multiplicidades. A supera ção da visão fragmentária de mundo exige ponderabilidade na criação de métodos que desfragmentem o espaço e que não restrinjam estas qualidades composicionais e completivas. Como indicará Fernandes (2005), a simultaneidade em movimento manifesta as propriedades do espaço em ser produto e produção, deslocamento e fixidez, processo e resultado, lugar de onde se parte e aonde se chega.

A cidade é fruto de uma série de contradições constitutivas, que a ma terializam como teia viva de relações sociais, mas também expressão imediata de uma forma de exploração econômica e social. O urbano é um conjunto que expressa os conflitos latentes da sociedade pós-in dustrial, sendo uma forma que, neste ponto do desenvolvimento eco nômico, condiciona todas as outras da sociedade, “um continente que se descobre e que se explora à medida que é construído” (LEFEBVRE, 2008). O espaço não se constitui no capitalismo como lugar passivo das relações sociais, mas se revela ativo (operatório e instrumental) ao exercício das hegemonias (SOJA, 1993).

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19 Imagem 01 Poster

Esta divisão, dentro do desen volvimento de uma sociedade de acumulação, não apenas delimi tará os universos das esferas produtivas e reprodutivas, mas também identificará o homem à primeira e a mulher à segunda. Na parcela da reprodução, o tra balho doméstico e o cuidado da família, que garantirão as condi ções para perpetuação da par cela da produção, ao passo que serão naturalizados enquanto o trabalho feminino serão também

movimentotambém“Capitalismodependedotrabalhodoméstico”,produzidopelofeministainglêsnosanos1970.

Acervo: See Red Women Workshop

produção e reprodução do espa ço, entendidos a partir do senti do amplo indicado por Lefebvre, fornecem o insumo necessário à construção de uma crítica ca paz de interpretar a realidade em sua integralidade. Assim, ela bora-se aqui uma síntese desta discussão, com certa medida de simplificação que cabe ao escopo deste TFG, mas ressaltando que o debate do feminino e o urbano ainda pulsa e se desenvolve. Assim como uma sociedade não pode deixar de consumir, tampouco pode deixar de produzir. Portanto, conside rado do ponto de vista de uma inter dependência contínua e do fluxo con tínuo de sua renovação, todo processo social de produção é simultaneamen te processo de reprodução. (MARX, 2013: 780). A condição social da mulher é dada a partir da divisão sexual do trabalho, que segmenta aquilo que é trabalho produtivo e repro dutivo, de modo que este segundo se detém na esfera da domestici dade e das atividades ligadas à reprodução social. Por trabalho produtivo, entende-se conjunto de relações sociais sob cuja rela ção se executa o processo de tra balho que transforma os meios e produz mercadorias e valor. Por reprodução, compreende-se todo o processo de criação de condições para que este primei ro aconteça. A força de trabalho, que realiza as atividades produti vas, é reproduzida, como indicado por Battacharya (2013), ante três aspectos: (1) pelas atividades que regeneram o trabalhador fora do processo de produção e o permi tem retornar a ele como comida, como uma cama para dormir, mas também cuidados psíquicos que mantém uma pessoa íntegra; (2) pelas atividades que mantêm e regeneram não-trabalhadores que estão fora do processo de produção – isto é, os que são fu turos ou antigos trabalhadores, como crianças ou adultos que es tão fora do mercado de trabalho por qualquer motivo, seja pela idade avançada, deficiência ou desemprego; (3) pela própria re produção de trabalhadores fres cos, ou seja, dar à luz.

20 Imagem 02 Poster “Sozinhas não temos poder, juntas somos fortes”, produz ido pelo anosfeministamovimentoinglêsnos1970. Acervo: See Red Women Workshop

ao mesmo tempo desprovidos de valor social. Desta forma, sen do o trabalho produtivo o único produtor de valor, se constitui rá então uma hierarquia entre estes, de modo que o trabalho reprodutivo se torna, assim, um instrumento de depreciação da atividade doméstica e da própria condição social da mulher (FEDE RICI , 2004). A dicotomia entre a casa, o uno, e a cidade, o universo, assim como a dicotomia entre o público e o privado, formatará então a dico tomia entre homem e a mulher – um discurso público materiali zado na forma urbana para sepa rar a esfera reprodutiva da pro dutiva. A “mulher privada” como assinala Zaída Muxi (2018) é, fundamentalmente, o modelo de mulher, definido não só pelo con junto de atividades que esta deve praticar e o conjunto de lugares que deve ocupar, mas também quais aspectos físicos deve ter e quais modos de comportamento deve ter, inteiramente pautado para cumprir com as expectati vas Nestepatriarcais.regime,a que denomina mos patriarcado, as mulheres são objetos da satisfação sexu al dos homens, reprodutoras de herdeiros, de força de trabalho e de novas reprodutoras (SAF FIOTTI, 2004). Tratamos, portan to, de um fenômeno compósito entre as esferas de dominação e exploração, violentamente insti tuído e que dá as bases materiais de acumulação primitiva para o desenvolvimento do capitalismo moderno. A dominação-exploração constitui um único fenômeno, apresentando duas faces. Desta sorte, a base econômica do patriarcado não consiste apenas na intensa discriminação salarial das trabalhadoras, em sua segregação ocupacional e em sua marginalização de importantes papéis econômicos e político-deliberativos, mas também no controle de sua sexualidade e, por conseguinte, de sua capacidade repro dutiva. Seja para induzir as mulheres a ter grande número de filhos, seja para convencê-las a controlar a quantidade de nascimentos e o espaço de tempo entre os filhos, o controle está sempre em mãos masculinos, embora elemen tos femininos possam intermediar e mesmo implementar estes projetos (SAFFIOTTI, 2004: 113). As teóricas feministas, em espe cial a partir dos anos 1960, de bruçam-se sobre estas questões e, refletindo que o poder e as prá ticas políticas e econômicas são estreitamente relacionados às estruturas e práticas da esfera doméstica, expuseram o quanto a dicotomia entre público e do méstico servem a funções ide ológicas. Destas constatações elaboram uma síntese: o slogan “o pessoal é político”, o qual afir ma, em primeiro lugar, que o que acontece na vida pessoal, parti cularmente nas relações entre os sexos, não é imune em relação à dinâmica de poder, que tem ti picamente sido vista como a face distintiva do político. E em se gundo lugar, que nem o domínio 21

da vida doméstica, pessoal, nem aquele da vida não-doméstica, econômica e política, podem ser interpretados isolados um do ou tro (OKIN, 2008). A ideia de que a política ocorre só na esfera pública e o que é privado é ne cessariamente apolítico teria sido de safiada pela insistência feminista de que o “pessoal é político”. Segundo as autoras, a domesticidade e o cuidado com as crianças são inerentemente políticos na definição das relações de gênero e a arena pública, supostamen te impessoal, também é estruturada a partir de formas particulares de inte ração “pessoal” (como as que silenciam as mulheres no meio sindical e em outros encontros políticos) (FREITAS, 2019).

É errado, portanto, presumir que as mulheres nunca ocuparam corporalmente o espaço da cida de. No caso do Brasil, as mulhe res das classes sociais mais bai xas, em especial negras, sempre vivenciaram ao espaço público, e também no geral se encontravam na parcela da força produtiva, ainda que majoritariamente no campo das atividades mais de preciadas. São Paulo, Beco das Minas. Ponto de encontro noturno das vendedoras negras, escravas e forras, que no exílio desenraizador da escravidão na Amé rica praticavam sua arte tradicional do comércio ambulante e de feiras de comestíveis e gêneros de primeira necessidade. Escravas de tabuleiro, vendendo quitutes e biscoitos, alternavam-se com vendedoras livres, caipiras, mestiças, de garapa, aluá, saúvas e peixes. [...] Na costa ocidental da África, de onde se originou uma parte dos negros que aqui aportaram como escravos, o comércio era uma prática essencialmente feminina. [...] A venda nas ruas estabelecia contatos, permitia a troca de informações e garantia de sobrevivência de quilombos urbanos, lugares onde se acoitavam os escravos fugidos (ROLNIK, 1997: 61). Além disso, mesmo no espaço doméstico, quando entendendo -se as complexificações de raça e classe, também não há um do mínio estritamente do universo 22 03 Revista: O Cruzeiro, 1955, ed. 34, p. 58 Acervo: NacionalBiblioteca

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Acervo: See Red Women Workshop

privado. Como afirmará Almeida (2001), isso se dá principalmente nesta organização social que tem, estruturalmente em sua história, unidades domésticas compostas com relações familiares e relações de classes desiguais, como servos, escravos domésticos, e em última instância, as empregadas domésticas. As evidências históricas, dessa forma, revelam que as distinções entre público e privado são maleá veis e se materializam enquanto um dispositivo de dominação e ao pro pósito ideológico de obscurecer a discriminação contra as mulheres, mais do que de fato descrever a organização social. Assim, a herança da escravidão se materializa na figura da empregada doméstica, e das funções historicamente relegadas às mulheres negras como as de la vadeiras, passadeiras e quituteiras. Dentro da própria condição dos domicílios das mulheres brasileiras, constitui-se então a conflituosa relação de raça e classe entre a patroa e a serviçal. Ainda assim, ressalta-se que a vivência das mulheres no espaço pú blico ainda se constitui por esta separação formal, impressa por uma condição de marginalidade, de modo que para muitas mulheres a cida de não é um lugar onde elas estão, mas sim um lugar que vão quando necessitam, um lugar hostil à sua presença. “E vão para cidade com um sentimento que são ´fora do lugar´, estrangeiras, ainda que na for malidade do direito sejam cidadãs. (...)”. (GOUVEIA, 2011: 7). A organi zação do espaço da cidade e do modo de vida urbano não incorpora a vida das mulheres, pelo contrário, as repele. Considerando a realidade urbana das metrópoles brasileiras, enten de-se que o processo de urbanização acelerada que se dá a partir da segunda metade do século XX se impõe diante da condição geral de precariedade para a maioria dos trabalhadores no Brasil. Especial mente nas últimas duas décadas do século passado, a relação entre o modelo excludente de produção e de acumulação de riquezas con duziu parcelas da população a condições de marginalidade, ao mesmo tempo que impôs um processo de cercamento e segregação territo

Imagem 04 Poster produzido pelo movimento feminista inglês nos anos 1970.

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rial e dos meios de vida singulares que compõe o espectro social em geral. O processo, descrito por Kowarick (1988) como o de implosão -explosão da cidade em sua transformação em metrópole, é um dado diretamente dependente da expulsão da população trabalhadora dos centros urbanos e pauperização das condições de trabalho e de vida.

Desse modo, aquilo que se denomina por espoliação urbana contempo rânea vai além do processo físico e material da expulsão da população de suas terras e casas pelo aparato violento do Estado e do merca do, sendo também um processo abstrato, cultural, simbólico e epis temológico. Somado a este processo acrescenta-se, a instrumental ineficiência ou mesmo ausência de uma política urbana que estruture habitação, serviços públicos essenciais e uma gestão urbana conse quente, contribuindo para aprofundar a exclusão territorial e, nesse sentido, as mulheres, sobretudo as negras e de baixa renda foram e têm sido as mais penalizadas (PELEGRINO, 2011).

Na periferia, as mulheres encontram uma cidade com deficiências es truturais extremas, e estão constantemente submetidas a espoliações e extorsões que se operam através da precariedade ou mesmo ine xistência de serviços de consumo coletivo, que se apresentam como socialmente necessários em relação aos níveis de subsistência. Estas condições agudizam ainda mais a dilapidação que se realiza nas rela ções de trabalho. Ou seja, os obstáculos que se interpõe para o efetivo cumprimento do direito à moradia, direito a acesso à serviços públicos e, em última instância, uma vida urbana plena, afetam de forma dife rente e desproporcional as mulheres. A dupla jornada, a inserção no mercado informal de trabalho, a insegurança no espaço urbano sem infraestrutura adequada as coloca de forma vulnerável no território da cidade. Uma realidade que se faz evidente sobretudo para a mulher das classes populares, que por diferentes razões não vivencia plena mente o espaço da cidade, de modo que sua história, sua cultura e sua vida política, acabam por se circunscrever entre os fatores que interditam a sua vida no âmbito do doméstico, espalhando-se para vida 24

Emerge uma São Paulo metropolitana neoliberal, com aspecto de des possessão, descaracterização e pasteurização. Um estado de reifica ção, que diz respeito às relações sociais entre seres humanos como relações entre “coisas”, de modo a conduzir a mercantilização dos mo dos de sociabilização, representação e expressão culturais em signos e significados universais, reprodutíveis e vendáveis numa lógica do mercado global. A cidade, especialmente nas últimas três décadas, se torna atrativa não apenas ao investimento, mas um suporte especiali zado para o consumo e circulação de capitais, conduzindo a um terri tório lapidado e higienizado, que expulsa de si tudo aquilo que é abjeto e indesejado – os trabalhadores em geral.

pública, muitas vezes as distan ciando da prática política (SILVA, No2013).entanto, mesmo diante desta série de entraves elencados, ob serva-se que as mulheres histo ricamente estiveram inseridas nas lutas populares no Brasil, como descreve Teles no livro Bre ve História do Feminismo no Bra sil (1993). Vários são os exemplos dessa sua atuação, como pode mos citar: nos quilombos (sécu los XVII e XVIII); nas ligas cam ponesas (anos 70); na luta pela Anistia e Democratização do País; na luta das mulheres por Creche (anos 80); pela A Reforma Sani tária como base do Sistema úni co de Saúde; no movimento pelo custo de vida (anos 60); entre tan tas outras; A luta política, entre suas con tradições, acertos e erros, é his toricamente o lugar de materia lização da mulher como sujeito, enquanto o caminho para a exis tência plena. Neste sentido, con forme apontado pelo sociólogo alemão Georg Simmel (1902) na reflexão sobre os movimentos de mulheres na Alemanha, é possí vel entender o aporte destas na vida política como forma de modi ficação profunda da cultura obje tiva masculina. Segundo o autor, justamente pelo fato de as mu lheres estarem ligadas à esfera da reprodução da vida, por não produzirem concretamente um objeto e uma mercadoria nesta função, na ação de sua entrada na esfera pública, estas trariam formas de organizar a vida social e o trabalho sob um viés humani zado e sensível. Não se trata, po rém, de naturalizar a condição de existência feminina vinculada ao cuidado, mas do processo inver so, que consiste no entendimento do caráter essencial dessas ati vidades para a manutenção de toda a sociedade e, deste modo, da (re)localização do reino da es fera da reprodução da vida como elemento também central na luta política, e por conseguinte como central na produção de espaciali dades contra-hegemônicas.

O significado cultural objetivo deste último [o movimento das mulheres] só poderia ser o de que as mulheres preenchem por sua vez, certo núme ro de vezes, as formas de existência de prestação até então reservadas aos homens. A questão será, ao contrário: vão nascer de semelhante movimento produções inteiramente novas, qualitativamente distintas das precedentes e que não se limitam a multiplicar as antigas? O reino dos conteúdos da cultura será objetivamente ampliado com isso? Não se vai contentar com copiar, vai-se inventar? (...) verão nas respos tas dadas o significado último do mo vimento das mulheres, movimento que influenciará o futuro de nossa espécie de maneira mais profunda do que a própria questão operária. (SIMMEL, 1993: 69) 25 Imagem 05 Manifestação da campanha contra a Carestia em São Paulo. Autor: desconhecido

e

Tais movimentos urbanos mostram que o espaço não é apenas econômico e su bordinado ao valor de troca, e que tampouco é meramente um instrumento políti em hiper Movimento nos Bairros Vilas Favelas (MLB) 2021

Apartir de meados dos anos 1970, ainda durante o governo da Dita dura Militar no Brasil (1964-1985), grupos da sociedade civil pas sam a se reorganizar conforme suas reivindicações específicas. Pul verizam movimentos raciais, de mulheres, sem-teto, sem-terra, de luta pelo acesso à saúde, etc., que mantinham pautas associadas a pontos comuns como a luta contra a censura, pela anistia e liberdades políti cas, ou por uma constituinte e pela soberania nacional. Neste cenário de riqueza e multiplicidade de agentes políticos da redemocratização, passam a atuar, durante a década de 1980, movimentos que construí ram uma luta política organizada pelo direito à moradia digna e amplo acesso aos bens comuns urbanos. Retoma-se então o debate sobre a Reforma Urbana, que vinha se desenvolvendo desde os anos 1960, e a temática do direito a cidade passa a ser discutida mais amplamente. Neste sentido, e a partir da perspectiva do fazer urbano materializado vida comum, o palco dos conflitos de classes deixa de ser somente o chão da fábrica, e passa a ser chão da cidade inteira. Os novos movi mentos sociais não serão apenas restritos às demandas em torno do mundo do trabalho, que questionam o uso e a organização capitalista do espaço, mas organizações atentas às problemáticas da reprodução social e dos fazeres cotidianos (BASTOS, et. al, 2017).

Foto: Jornal A Ver dade Autor: Jorge Ferreira

mercado realizada pelo

as mulheres e a gramática das ocupações urbanas

26 Imagem 06 Ocupação

de Luta

em dezembro de

co homogeneizante. Diversamente, tal qual o tempo, o espaço é um protótipo perpétuo do valor de uso que resiste à generalização do valor de troca e do trabalho sob o capitalismo. Ainda que não tenham o caráter contínuo e ins titucionalizado do trabalhismo, a pres são desses movimentos aponta para a explosão de todos os espaços impostos, para a produção de um espaço autoge rido pelos “interessados”. (BASTOS, et. al, 2017). Na década de 1980, com o cres cente processo de vacância imobiliária e de alteração no di namismo econômico da área cen tral de São Paulo, intensificam-se as contradições constituídas pelo processo espoliador de produ ção da cidade (KOWARICK, 1988). A gestão pública marcada pelo imperativo dos interesses priva dos, como a ampliação do domí nio dos grandes incorporadores sob a teia urbana e financeiriza ção dos centros metropolitanos, bem como as reações por parte dos moradores de cortiços e coo perativas organizadas, começam a indicar as fricções de classe latentes, acirrada pela brecha crescente na distribuição do solo e serviços urbanos. De 1980 a 2000, o número de domicí lios na Região Metropolitana de São Paulo saltou de cerca de três milhões para cinco milhões – e desses, estima-se que mais de um milhão encontre-se em favelas (MARQUES e TORRES, 2002). Segundo levantamento de 2009, feito pela Secretaria Municipal de Habita ção, existem 127.084 cortiços espalhados pela cidade. Dados oficiais indicam ainda a dinâmica perversa que orienta a ocupação da cidade: dados prelimi nares do Censo 2010 mostram que há cerca de 290 mil imóveis ociosos na cidade de São Paulo, enquanto, de acor do com as informações da Secretaria Municipal de Habitação, cerca de 130 mil famílias não têm onde morar. (TA TAGIBA, et al, 2012) Foi nesta época que, inspirados no modelo organizativo das lu tas camponesas, com especial ao trabalho do Movimento dos Sem Terra (MST), os movimentos de sem-teto passam a adotar a prática de ocupação em terre nos e edifícios urbanos vacantes, reivindicando sua transforma ção em habitação popular. Neste fenômeno, destacam-se os mo 27 Imagem 07 Revista Brasiln8.,Mulher1977. Acervo:VladmirinstitutoHerzog

vimentos liderados por grupos organizados como a Unificação das Lutas de Cortiço (ULC), o Mo vimento de Moradia no Centro (MMC) e, posteriormente, o Mo vimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC), além de mais recente mente o Movimento dos Traba lhadores Sem-Teto (MTST). Em referência a esse cenário de negação de um direito básico de cidadania, o movimento de mora dia impõe-se como ator coletivo sob a chave do direito à moradia digna. Assim, a atividade das ocu pações urbanas construídas por estes movimentos se desenvol veu, em geral, ao longo da experi ência de interação conflitiva com o Estado, acumulando um con junto de práticas e rotinas que conformaram um repertório de ação no qual se destacam como estratégias principais, embora não exclusivas: 1) a ocupação de prédios e terrenos públicos; 2) a participação em espaços institu cionais; 3) a luta por moradia no centro e 4) a construção por mu tirão autogestionário (TATAGIBA, et al, 2012). Essas estratégias fo ram experimentadas a partir da ação disruptiva imediata do ato de ocupar em combinação com uma intensa prática de nego ciação com os agentes públicos, além de um processo de forma ção política constante vinculada aos territórios e espaços ocupa Destaca-sedos. que, justamente por sua condição de maior vulnera bilidade e pelo fato de serem as mais afetadas pela pobreza, pela carestia da vida, pela falta da moradia e acesso a bens comuns (como saúde e educação), as mu lheres desde o princípio configu ram como quadros ativos e mui tas vezes como maioria nestes movimentos. A prática feminista, no entanto, não foi naturalmente instituída, mas surge aos pou cos pelas próprias mulheres que transitavam pelos dois espaços. O ambiente de formação contí nua no seio de uma ocupação de moradia acaba por revelar, em especial, o problema da violência doméstica. Esta questão surge, pois, é também presente nestes locais, assim como em grande parte da sociedade, mas aqui di ferencia-se precisamente pois é tratada e coibida no seio da co letividade. É comum tratar-se da questão de casos de violência do méstica em unidades do conjun Imagem 08 Cozinha coletiva na ocupação Almirante João Cândido, organ izada pelo Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelasem(MLB)2021 Foto: Jornal A dadeVer Autor: Yamin 28

Alves

dessas práticas e valo res o movimento de moradia se estrutura, se define e se apre senta à sociedade enquanto um ator coletivo irradiador, contri buindo também para disseminar suas dinâmicas pela cidade, com especial ênfase no centro, fo mentando múltiplas agrupações da sociedade civil. Em 2003, na busca de enriquecer e visibilizar as ações contra o processo de reintegração da ocupação Pres tes Maia, em uma associação do movimento de moradia com uma série artistas e produtores cul turais, é realizada uma grande ação conjunta que marcará o ponto de “abertura” destes terri tórios – até ali com acesso mais restrito aos moradores – para a sociedade. A Prestes Maia, então, se torna um polo nevrálgico de produção de coletivos de cultura, destacando-se entre estes os co letivos Experiência Imersiva Am biental (EIA), Contra-Filé, Política do Impossível (PI), entre outros. Os coletivos e os artistas envolvidos fizeram um ajuntamento transdisciplinar formando diálogos relevantes entre a população em despejo e a so ciedade civil por meio de debates constantes e ações artísticas que eram me diadas juntamente com as negociações entre as famílias em fase de despejo, a polícia e os organismos públicos que solicitavam a reintegração do imóvel. Nesse sentido, o trabalho colaborativo parecia ser a peça mestra que movia os ideais de experimentações e as ações poéticas desenvolvidas com a comuni dade moradora do Prestes Maia. Tais coletivizações de pensamentos, desejos e ações buscava agir criticamente na situação posta como realidade, anu lando a autoria e a individualidade em favor dum corpo-coletivo que pensa va coesamente a situação em questão. (MARTINS, 2013) O gênero ocupação então passa ao processo inflexão, no cami nho para uma teia diferencial ao território, que resultará, mais adiante, em ocupações não-ha bitacionais dispostas tanto como aquelas de caráter efêmero, vol tadas para reivindicações ime diatas – como as ocupações con tra o fechamento de escolas, em 2015 – quanto aquelas de per manência – como as ocupações de cultura, ou o movimento Ocu pa Estelita em Pernambuco. Des ta forma, mesmo compostos por 29

Emcoletivos.torno

tos ocupados dentro de assem bleia e espaços de deliberação

atores e reivindicações diversos, o ponto qualitativo comum refe rente a estes atores pode ser de terminado por sua característica de territorialidade. Os movimentos (socioterritoriais) territorializados são aqueles que atuam em diversas macrorregiões e formam uma rede de relações com estratégias políticas que promovem e fomentam a sua territorialização. Todos os mo vimentos territorializados começam como movimentos isolados. Estes ao se territorializarem e romperem com a escala local, se organizam em redes e ampliam suas ações e dimensionam seus espaços. A construção desses espaços e seus dimensionamentos são essenciais para as ações dos sujeitos que procuram transformar a realidade. Não existe transformação da rea lidade sem a criação de espaços. (FER NANDES, 2005: 2) Parte destas novas semânticas dadas ao conceito de ocupação urbana associam-se, diferente mente do caso dos movimentos sem-teto e sem-terra, ao surgi mento de coletivos autônomos reivindicando a democratização do acesso às artes e à cultura1 Estes novos modelos organizati vos trazem à tona reivindicações menos objetivas, pois desenvol vem um produto mais posiciona do no sentido de fornecer novas interpretações sobre a questão do direito à cidade. A prática política destes grupos irá envolver especialmente os processos de produção, forma ção, convivência comunitária e debate em torno do fazer artístico contemporâneo, agora também como forma de geração de es pacialidade. Como afirmado por Monroy (2021): “Ao mesmo tem po, essa retomada pelo extrava samento de fronteiras materiais e deslocamento da arte para a esfera urbana no início dos anos 2000 viu-se alicerçada pela he rança de ocupação espacial que não a institucional – como mu seus e galerias –, que marcou a década de 1980 em São Paulo [como a cultura hip-hop; o grafit ti; e as intervenções urbanas]”. Nestes locais as mulheres são também protagonistas, e a ques tão de gênero surge com mais força através do âmbito das ati vidades promovidas pelos cole tivos, que procuram promover o alargamento das condições de acesso aos recursos culturais às populações mais marginali zadas, entre elas mulheres e a população LGBT. Além disso, o espaço de fomento à arte popu lar e marginal é um território rico para o florescimento de debates heterogêneos e plurais acerca da temática do gênero. A Ocupa ção Ouvidor 63, que mistura as modalidades moradia e artística, por exemplo, conta com espaços que dividem o programa de uma residência artística com o local de saraus em torno do gênero feminino, além de cursos de gi necologia natural, entre outras atividades (MONROY, 2021, p. 53). Observando esta multiplicidade de gramáticas de ocupações, re vela-se a necessidade de táticas 30 1. Além de influen ciado pelas influênciaocupaçõesmoradia,nacionaisdinâmicaspresentesnasocupaçõesdenocasodasdeculturatambémressalta-seaeosdiálogosentreocupaçõespromovidasporcoletivosquepromovemasdenominadaspráticasde“urbanismotático”naEuropa,comoasexperiênciasdocoletivoTodoPorLaPraxis(TXP)

Da esquerda para direita, de cima para baixo: Imagem 09 - capa do caderno Cotidiano do jornal Folha de São Paulo, em 14 de julho de 2005; Imagem 10 - Dragão da Gravura. Integração Sem Posse X Reintegração de Posse, AMTSC da Ocupação Prestes Maia, 2005; Imagem 11 - Gira. Quem Representa o Povo?, 2006 / Esqueleto Co letivo. Ratos, 2006. Fotos: Antonio Brasiliano; Imagem 12 - Foto. Ocupação Estelita, 2014. Fonte: Mídia Ninja; Imagem 13 - Foto. Ocupação Assembleia Lesgislativa de São Paulo em 2015 por reivindicação de CPI da Meren da. Fonte: Revista Vaidapé; Imagem 14 - Foto. Ocupação dos Estudantes Secundaristas no Colégio Albino Feijó. Autor: Felipe Matos.

09 1210 11 13 14

Imagem 15 Mulheres no MutirãoFreire.Paulo Foto: CTAHUsina Imagem 16 naDançarinaOcupaçãoOuvidor63,2019. Foto: Dissertaão Paula Monroy Imagem 17 Primeiros dias da ocupação Tina Martins, 2016. Foto: Jornal VerdadeA 32

organizativas do fazer urbano que sejam ousadas e enga jadas o suficiente para as exigências dispostas pelo estado geral de contradição e dificuldades expressas no território da metrópole. Os movimentos sociais, a partir desta cha ve de pensamento, se constituem, em primeira instância, como espaços de elaboração criativa do território, e em segunda instância, na forma política em que as mulheres manifestarão seus anseios de viver plenamente o espaço urbano e reivindicar o direito de ocupar e existir plena mente na cidade. Ao tratar do objeto deste trabalho, que consiste num novo modelo de ocupação urbana constitu ído, gerido e direcionado a mulheres, tangenciamos então, ambos os Afirmamosaspectos. aqui que o modo de ocupar do Movimento de Mulheres Olga Benário trata de uma nova gramática urbana precisamente pois concentra itinerários que convergem das muitas práticas destes mo vimentos socio-territoriais. O espaço de uma Casa de Passagem e uma CRM comuns, por si só, agrupam em si uma série de contradições. Uma CRM ou Casa de Passagem que é uma ocupação urbana, aglutina ainda mais problemáticas, mas também possibilidades. Falamos de um espaço que deve acolher e resguardar, mas integrar e multiplicar, ao mesmo tempo. Falamos de lugares de reprodução social, que guar dam os signos de um habitar. No entanto, esta reprodução ocorre de maneira diferencial aos territórios de perenidade que se agregam no habitar, pois ele é necessariamente efêmero. A mulher em situação de violência que se dirige a um equipamento de assistência ou mesmo um abrigo está, precisamente, em situação de violência. Essa situação pode durar um dia, um mês, um ano ou por vezes uma vida e, no entanto, ela também é efêmera, para bem ou para mal. As ocupações do MMOB precisam, portanto, consti tuir-se como um passo a mais no estabelecimento de uma “consciência formal” da segregação espacial que o urbano impõe às mulheres, como formas de apropriação do espa ço traduzidas por uma verdadeira re-leitura indireta do urbano patriarcal. A partir do repertório das múltiplas linguagens ocupacio nais discutidos brevemente aqui, procuraremos nos próxi mos capítulos refletir sobre de que maneiras as Casas de Referência geridas pelo movimento reformatam a dicoto mia do espaço feminino-privado, e espaço masculino-pú blico, recondicionando o trabalho do cuidado relegada ao sujeito feminino, politizando-o e voltando-o para o próprio processo de emancipação das mulheres como um todo.

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é pela vida das mulheres 02

Aviolência física, sexual, emocional e moral não ocorrem de manei ra isolada – qualquer que seja a forma assumida pela agressão a violência emocional estará presente, e provavelmente também a mo ral. Heleith Saffioti (2004), em seu livro Gênero, Patriarcado e Violência constrói uma análise evidenciando a cacofonia conceitual que beira este gênero, em especial no que tange a violência sofrida pelas mulhe res. Usa-se a categoria violência contra mulheres como sinônimo de violência de gênero. Também se confunde violência doméstica com a violência intrafamiliar. Em face a este quadro, a autora propõe pontos de referência conceituais a que utilizaremos como base metodológica neste texto. A violência de gênero trata de uma categoria mais geral. Afirma-se que é um conceito que englobaria os demais, mas a autora destaca que existem uma série de especificidades ao tratar desta. Pela suposta neutralidade do conceito de gênero, considera-se relevante que este pode ser expandido para tratar de relações de violência também en tre homem-homem e mulher-mulher (SAFFIOTI, 2004: 75). Existe, no entanto, uma problemática, pois precisamente esta neutralidade mui tas vezes acaba por obscurecer o vetor desta violência, que é no geral Nomasculina.casoda

reflexõesviolência:erespostas

violência familiar, falamos de um processo que envolve membros de uma mesma família extensa ou nuclear, tendo-se em con ta a consanguinidade e a afinidade. Esta pode ocorrer tanto no inte rior quanto no exterior do domicílio, embora o mais frequente seja o primeiro caso. A violência doméstica, desta forma, apresenta pontos de sobreposição com a violência familiar, mas atinge também pessoas que, não pertencendo a família, vivem, parcial ou integralmente, no do micílio do agressor (ibd, 2004: 76).

A violência doméstica diferencia-se destas outras especificamente por estabelecer-se ante o domínio de um chefe, via de regra homem, sobre o território da casa. Este processo não é puramente geográfico, mas também simbólico, de forma que uma pessoa pode sofrer violência ain da que não se encontre fisicamente neste território. Uma mulher que, para fugir de maus-tratos, se muda da casa de seu marido, pode ser perseguida por ele até a consumação do femicídio [...]. A violência doméstica tem lugar, predominantemente, no interior do domicílio. Nada impede o homem, sobre

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“Eliane Grammont não vai cantar hoje. Ela está morta”

contudo, de esperar sua companheira à porta de seu trabalho e surrá-la exem plarmente, diante de todos os seus co legas, por se sentir ultrajado com sua atividade extralar, como pode ocorrer de a mulher queimar com ferro de pas sar a camisa preferida de seu companheiro, porque descobriu que ele tem uma amante ou tomou conhecimento de que a peça do vestuário foi presente “da outra”. Poder-se-ia perguntar, nes te momento, se a violência de gênero, em geral, ou a intrafamiliar ou, ainda a doméstica especificamente são sempre recíprocas. Mesmo admitindo-se que pudesse ser sempre assim, o que não é o caso, a mulher levaria desvantagem (SAFFIOTTI, 2004: 76). Ressalta-se que não há duas es feras: uma das relações inter pessoais e outra das relações estruturais. O processo de singu larização das relações interpes soais é uma ferramenta ideológi ca, no sentido de fazer perder de vista a estrutura social e histó rica da violência. A trajetória de desvinculação de uma mulher da violência doméstica é, em geral, vacilante – o que denominamos por ciclo da violência. A ruptura deste processo demanda, por via de regra, intervenção externa, de modo que este rompimento é também um rompimento políti co, à medida que faz publicizar e compreender no seio coletivo aquilo que é construído no decor rer de uma vida como particular, individual e natural. Para as mulheres, o momento da de núncia constitui um momento de fissura na dinâmica da violência, onde elas já conseguem nomear aquele conjunto de vivências como “violência” e de mandar uma resposta junto ao poder público (SILVEIRA, 2006: 57). O reconhecimento desta condi ção constituiu como um passo histórico para a consolidação do movimento feminista brasilei ro, em especial a partir dos anos 1980, após dois casos de violên cia contra a mulher na alta socie dade brasileira ganharem os ho lofotes e movimentarem a opinião pública. O primeiro ocorreu em São Paulo, quando uma mulher de classe média alta faz uma car ta pública declarando ter sido es pancada por seu marido, um no tável professor universitário. O caso foi marcante, pois havia até aquele momento uma insistência Imagem 18

Poster: Movimento Quem ama não mata 37

Sob a grande comoção pública com estes episódios, em São Pau lo o movimento feminista realiza em maio de 1980 o II Congresso da Mulher Paulista, que elege a luta pelo enfrentamento da vio lência doméstica como uma de suas bandeiras prioritárias. O evento marcou a gênese do pro cesso de formulação de políticas públicas para mulheres enquan to categoria social, tendo como foco a violência contra a mulher na sociedade paulistana, que se propagou, em tempo contínuo, em todo o País. Das reflexões produ zidas neste encontro, o esforço de 38

em associar a violência domés tica às classes mais baixas, de modo a se insistir que somente os homens negros e pobres es pancavam mulheres, devido ao alcoolismo e a extrema pobreza (TELES, 1993: 131). Um fenômeno semelhante a este se observa nos EUA, em que Angela Davis se pro põe a expandir no livro Mulheres, Raça e Classe (1981), indicando como esta alcunha de “estupra dor” associada aos homens ne gros foi utilizada enquanto meca nismo racista, promovendo uma série de perseguições e lincha mentos na primeira metade do século XX. Pode-se afirmar que, mesmo não tendo sido levado às últimas consequências, como no caso estadonidense, há uma car ga de racismo e preconceito de classe nesta associação da vio lência doméstica como um pro blema meramente social. O segundo caso se deu na oca sião do assassinato da polêmica socialite Ângela Diniz pelo seu companheiro Doca Street. O pri meiro julgamento, que mobilizou a sociedade civil, absolveu Doca sob alegação de assassinato em defesa da honra – um artifício ju rídico muito utilizado e que mui tas vezes livrou os réus da cadeia, desmoralizando as memórias das vítimas para que estas apa recessem como traidoras, infiéis, vulgares, ou que seja, de manei ra a transformar a vítima em ré (ibd, 1993: 132). Indignadas com a sentença, as feministas cario cas realizaram uma intensa mo bilização nas ruas para exigir a punição do assassino, forjando o slogan “Quem ama não mata”. O decorrer desta luta evidenciou não só a violência praticada con tra a mulher como a conivência geral da sociedade e das autori dades em relação a este tipo de crime. Graças a esta pressão, o poder judiciário passou a dar novo tratamento a questão, e num segundo julgamento, Doca foi condenado a 15 anos de pri são. Mais que a ocorrência dos crimes, a impunidade dos réus – sempre absolvi dos ou condenados a penas mínimas –indicava a plena concordância do júri popular – e, portanto, da sociedade – com a ação e os valores dos assassi nos. Foi este dado – a impunidade dos agressores (pobres ou ricos) – que le vou o movimento feminista a destacar a existência de uma violência especí fica contra a mulher, acobertada pelo Estado e legitimada culturalmente pela sociedade (BARSTED, 1994:18).

levantamento de possíveis ações diretas, o movimento funda então o SOS-Mulher de São Paulo, uma entidade autônoma com objetivo de atender mulheres vítimas de violência, com um serviço volun tário de psicólogas e advogadas. Em menos de um ano de funcio namento, o SOS-Mulher chegou a registrar cerca de 700 casos de violência contra a mulher (ibd, 1983: 132). Logo surgiram também outras organizações do tipo em várias regiões do Brasil: Campinas/SP também em 1980; Porto Alegre/RS, João Pessoa/ PB e Rio de Janeiro/RJ em 1981; e Goiânia/GO em 1982. O SOS-Mulher constituiu um marco na assistência às mulhe res vítimas de violência, tanto por ter sido a primeira experiência de contato direto com estas mulhe res promovida pelo movimento, tanto por estabelecer um passo a mais da visibilidade, de manei ra a colocar para a sociedade os desafios, até então invisíveis, no trato destas situações. Este tra balho percursor criou um modelo de atendimento que, aos poucos, se institucionalizou, e estabele ceu os padrões de atendimento às mulheres vítimas de violên cia em todo o Brasil (MEDEIROS, 2011: 9). As campanhas de incentivo à de núncia realizadas no início da década de 80, bem como a expe riência do atendimento dos SOS revelaram a inadequação das de legacias comuns para responder a necessidade das mulheres que, após todas as dificuldades, final Imagem 19 Movimento feminista pede a condenação de Doca Street, pen durando faixas de protesto em frente à Câmara dos Verea dores na Cinelândia. Rio de Janeiro (RJ) 04/11/1981.-

Foto: Arquivo O Globo /Agência O Globo 39

Ilustração 01 Rede de Enfrenta mento à Violência contra a Mulher Autoria própria 40

mente formalizavam a denúncia. Naquele momento, a reivindica ção feminista passa a ser de que todas as delegacias fossem ca pacitadas e sensibilizadas para atender adequadamente as mu lheres vítimas de violência (SIL VEIRA, 2006: 56). Entretanto, em negociação com a Secretaria de Segurança Pública, cria-se em 1984 o Centro de Orientação Ju rídica e Encaminhamento à mu lher (COJE), a primeira experiên cia governamental de abordagem multidisciplinar e transversal ao tema da violência contra a mu lher. A partir desta experiência, em 1985 é criada a primeira De legacia de Polícia de Defesa da Mulher, no Estado de São Paulo. Na década de 90, no contexto da criação da Constituição Federal de 1988, a temática do enfren tamento a violência se institucio naliza tanto na agenda dos mo vimentos quanto dos governos. Inspirados também no SOS, são criados os Centros de Referên cia, ocupando este local de pro moção de “escuta” da violência, oferecendo atendimento psico lógico, social e jurídico. Estes locais marcam na instituciona lidade os primeiros a abordar a interferir no “ciclo da violência”, com um caráter processual. É na Casa Eliane de Grammont, cria da em 1990, o primeiro espaço que se usa a expressão “mulher envolvida na situação de violên cia”, no sentido de incluí-la como sujeito na história da violência e possibilitar que ela se posicione em relação a esta (ibd, 2006). É neste período também que são inauguradas as primeiras Casas Abrigos, fundamentais ao atendi mento de casos de violência mais agudos, e os quais as mulheres se encontram mais desampara Adas.proposta da constituição de uma atuação destes equipa mentos por meio de uma “rede” é consolidada após a criação da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) em 2003, quan do finalmente passam a ser ga rantidos recursos para a criação de serviços para a implementa ção de políticas públicas integra das de enfrentamento à violência contra mulheres. É formulada então a Política Nacional de En frentamento à Violência contra as Mulheres, que lança as dire trizes para uma atuação dos or ganismos governamentais nas três esferas da federação. Uma

outra inovação importante pro movida por este plano é o incen tivo da formação de redes com postas por todos os serviços que atendem a mulher em situação de violência, além do incentivo da integração de representantes da sociedade civil, do governo e das autoridades públicas nesta. Em 2005 é criada a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, e finalmente, em 2006, é im plementada a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), como es tabelecimento em nível nacional a responsabilidade de criação de serviços especializados no atendimento dos casos de violên cia doméstica e familiar contra a mulher, tais como: centros de referência de atendimento à mu lher; casas-abrigo/serviços de abrigamento; núcleos de defen soria pública; serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados; centros de edu cação e reabilitação dos agres sores centros de responsabiliza ção e educação dos agressores (todos previstos no art. 35) e jui zados de violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 29). (SILVA et. al, 2011) Se muito já foi feito, mais ainda o que se tem a fazer. Apesar de certo esforço por parte da políti ca governamental, em especial no começo dos anos 2000, as políti cas para violência se pautaram e se pautam pela implementação de serviços de forma pontual. Esta incapacidade de implemen tação da proposta da rede de en frentamento à violência contra a mulher, em âmbito nacional, pro duz uma incapacidade geral dos serviços de dar uma resposta consequente a este drama huma nitário, e sustentando seu dia-a -dia à base do “apagar incêndio”. O caso das DDMs explicita esta problemática: ao longo destes anos, as delegacias especiais tiveram papel, inegavelmente, fundamental para dar visibili dade ao número de casos de violência contra a mulher, além de, por conta de seus registros específicos, possibilitar a quan tificação e qualificação desta violência com melhor precisão para formulação de políticas pú blicas eficientes. Por outro lado, como afirmará Silveira (2006), a criação destas delegacias en quanto “especiais” manteve o tratamento das questões da vio lência contra a mulher isolado 41

dentro das políticas de seguran ça pública: De fato, ao criar as delegacias de defesa da mulher, estabeleceu-se um mode lo de atendimento policial voltado para os “crimes contra as mulheres”. A Dele gacia da Mulher não é apenas um local onde as mulheres são atendidas por outras mulheres – em vez disso, acaba definindo um campo e um conjunto de significações que desqualificam tanto as vítimas como as policiais e demais funcionários. Dentro da lógica da cor poração policial, o fato de ser designada para uma Delegacia da Mulher sig nifica um desprestígio: ter que cuidar de “crimes menores”. As Delegacias da Mulher passam a ser chamadas de “Delegacia de cozinha”. Desse modo, elas se tornam vítimas da lógica das desigualdades de gênero. Isto se reflete diretamente na estrutura precária das delegacias e “contamina” o atendimen to dados às mulheres-vítimas pelas mulheres-delegadas, mulheres-policiais e mulheres-escrivãs identificadas com este lugar de menor valor na hie rarquia policial e social (SILVEIRA, 2006: 58). Esta contradição presente na constituição das Delegacias da Mulher explicará, portanto, que não é apenas um projeto de des caso (embora também o seja) a baixa qualidade do atendimento e más condições destes locais, mas sim uma deficiência estru tural dos serviços de segurança pública. Esta é uma questão que existia no princípio de sua im plementação, mas que podemos verificar presente até os dias de hoje. À medida que o movimento feminista se institucionaliza (DI NIZ, 2006), isto é, passa a atuar dentro do poder público e nas or ganizações sociais, essa questão se torna cada vez mais difícil de ser enfrentada, via de regra pois não cabe a esta esfera questio nar estruturalmente a institucio nalidade, mas sim trabalhar para melhorá-la – tratando de proble mas estruturantes, isso acaba por levar a uma série de becos sem saída. Uma mulher que sofre violência muitas vezes acaba sendo dupla mente vitimada, pois ao procu rar uma delegacia de mulheres poderá enfrentar perguntas in vasivas e culpabilizantes. As víti mas muitas vezes desconhecem a existência dos Centros de Re ferência para Mulheres (CRM) e dos abrigos, e ao procurar pelas delegacias além de frequente mente não encontrarem o aten 42

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dimento adequado, nem chegam a ser encaminhadas para esses equipamentos, que são em mui tas regiões inexistentes ou inade quados para as demandas locais. Ao ocupar, o movimento Olga propõe um novo tipo de política para os CRMs: geridos pelo mo vimento, com espaços de forma ção e cultura que ultrapassam o simples acolhimento e o direcio namento para aparelhos estatais (TOMMASI, ASSIS, 2018). Para além, ao ocupar, o movimento re nova a luta feminista pelo enfren tamento à violência, retomando seu caráter de rebeldia e de en frentamento à toda ordem social vigente. O objetivo dessas experiências não é substituir o poder público, ao contrá rio, é denunciar a ausência de políticas públicas para mulheres e demonstrar que é possível operar em outra lógica de cuidado, organização, emancipação econômica, afetiva, etc. Assim, essas experiências mostram as contradições inerentes à atuação do poder público, que por um lado reconhece a eficiência desses CRMs ao encaminhar mulheres para esses centros e, pelo outro, como no caso de Porto Alegre e Santo An dré, contraditoriamente segue pedindo a reintegração de posse do edifício onde funciona a ocupação (TOMMA SI, ASSIS, 2018). Imagens 20 e 21 Àesquerda e abaixo: páginas do periódico “Fala Mulher”, pro duzido pelo União de Mulheres de Maceió julho/1985, Arquivo: DocumentosRevelados

CarolinaPassagemMariadeJesus.Àdireita:fachada da Casa de CarolinaPassagemMariadeJesus Foto. VerdadeA

Jornal

movimento de mulheres olga benário

OMovimento de Mulheres Olga Benário nasce após a forma ção da delegação brasileira para a 1ª Conferência Mundial de Mu lheres de Base, realizada em Ca racas, Venezuela, em março de 2011. Naquele momento, então, as 21 representantes de onze estados (Pará, Ceará, Pernambu co, Paraíba, Alagoas, Ceará, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Pernambuco, Ceará, e São Paulo) retornam ao país com a tarefa de organizar as mulheres brasilei ras para lutar contra a violência, a opressão, a exploração da mu lher e as injustiças existentes em nossa sociedade (MOVIMENTO OLGA BENÁRIO, 2016, p. 5). Ao longo desses anos de existência, o Movimento Olga Benário tem desenvolvido diversas lutas específicas e políticas no nosso país. Temos erguido com firmeza a bandeira dos direitos das mulheres trabalhadoras, organi zando e participando de passeatas nas ruas, de atos em memória de mulheres assassinadas durante à ditadura mili tar fascista, realizado cursos de forma ção e de profissionalização, palestras em universidades, bairros e escolas, ocupações em Secretarias Especiais de Mulheres, construído plenárias e encontros nos estados e denunciado a exploração da população feminina, especialmente, da parcela mais empo brecida. Partindo de uma análise da es truturação da sociedade capita lista contemporânea e do Estado como frutos da contradição de classes, o movimento atualmente presente em 21 estados, é orga nizado em coordenadorias na cionais, estaduais e municipais, e realiza sua atuação através de núcleos de base nos bairros, locais de trabalho, universida des e escolas. Procura-se, des ta forma, entender as múltiplas demandas e opressões sofridas, não linearmente, pelas mulheres trabalhadoras em todo o país. Os núcleos, com tarefas focadas em seus territórios, atuam como agentes políticos multiplicadores, Imagens 22 e 23 À esquerda: mutirão de reforma e limpeza na Casa de

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tanto se especializando em suas demandas específicas, quanto contribuindo para formação de um entendimento mais amplo e coletivo dos processos de domi nação-exploração que são sub metidas às mulheres brasileiras, dentro e fora de casa. Desen volve-se assim, “um espaço de formação política, econômica e social que tem o objetivo de pro mover as lutas tanto no nível local e regional como nacional” (ASSIS; TOMMASI, 2018). Para estabelecer essa atuação de caráter marxista, dentro das atividades dos núcleos, ressal ta-se a necessidade de elabo ração constante de uma práxis feminista. Esta práxis consiste no processo de estudo e constru ção de uma teoria que explique a vivência coletiva das mulheres, através dos insumos da realida de e da epistemologia feminista e marxista, e a partir destas a ela borações, construa também um projeto político que produza uma outra síntese da realidade, isto é, uma outra forma de inserção e atuação política enquanto agen te transformador. Como tratado por Teles (1993), falar da condi ção feminina nestes termos é “ex travasar a ansiedade, o inconfor mismo e a ternura de milhares de mulheres. É resgatar a memória, que, mesmo obscurecida pelos reacionários, iluminará o cami nho de todos os que buscam jus tiça e a liberdade”. Para as mulheres do MMOB, a condição patriarcal, isto é, da construção da forma social his tórica que se organiza pela hie rarquia entre homens e mulhe res, assim como o colonialismo e o sistema de supremacia racial, precedem e condicionam a acu mulação e estruturação do ca pitalismo contemporâneo. Nesta análise materialista-dialética, so bretudo, ressalta-se que não se trata de somar racismo ao gêne ro e classe social, mas de perce ber a realidade compósita e nova que resulta desta fusão (SAF FIOTTI, 2004, p.122). Neste con texto, ressalta-se a questão que Imagens 24 e 25 À esquerda e à direita: festa de fim de ano na creche Tia Carminha (Belo HorizonteMG) realizada em dezembro de 2018 Foto. Jornal VerdadeA 45

a estrutura da violência de gênero no Brasil é também racializada, de modo que a leitura sobre a questão das mulheres brasileiras não pode ser completamente compreendida se tida de lado a questão racial.

Entende-se que a condição feminina é formatada e formata a necessi dade de reprodução social, isto é, o modo de produção de bens e servi ços e a produção da vida fazem parte de um processo integrado (BAT TACHARYA, 2013). A partir desta discussão e deste elaborar contínuo, o movimento organiza suas pautas e bandeiras de luta, compreenden do que para a emancipação coletiva das mulheres é necessário, em última instância, o projeto de uma nova sociedade.

Considerando a necessidade do acesso universal às creches, es pecialmente no contexto de mães trabalhadoras mais atingidas pelo desemprego e pela precarização das forças produtivas, em 2013, o MMOB, em parceria com o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) na periferia de Belo Horizonte, passa a construir o tra balho de uma creche comunitária na ocupação Eliana Silva (BASTOS, 2016). Desta forma, fomentadas pelo trabalho de base na creche Tia Carminha e nas ocupações de moradias, o MMOB percebe como àque las mulheres atravessavam-se e constituíam-se por tantas violências, sofridas dentro de casa por seus companheiros e familiares, mas tam bém de forma sistêmica na conformação de sua marginalidade. Obser va-se também a carência dos serviços mais básicos de atenção pri mária a estas mulheres, além da péssima qualidade e efetividade dos serviços Debruçando-seexistentes.sobre os dados do Mapa da Violência de 2015, na se ção Mulheres (WAISELFISZ, 2015)– um dos documentos que embasa rá a atuação do movimento –, constata-se que mesmo numa conjuntu ra de melhor situação econômica e maiores investimentos em políticas de assistência social, sobressaía-se a percepção de que a violência contra às mulheres não havia sido contida o quanto se esperava na implantação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340) e a criação das De legacias Especializadas em Atendimento à Mulher. A exemplo, consi dera-se os fatos de que: o Brasil era (e segue sendo) o 5° país mais violento para mulheres no mundo todo; entre 2003 e 2013, o número de vítimas do sexo feminino passou de 3.937 para 4.762, incremento de 21,0% na década, que representa cerca de 13 feminicídios a cada dia; as taxas de homicídio de mulheres brancas caíram 11,9%: entre 2003 e 2013, mas em contrapartida, as taxas referentes às mulheres negras cresceram 19,5%, nesse mesmo período; no conjunto de todas as faixas etárias, a violência doméstica é preponderante, e parentes imediatos ou parceiros e ex-parceiros eram responsáveis por 67,2% do total dos relatos dos atendimentos no SUS. Assim, em 2016, no 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o movi mento realiza um ato político no centro da capital mineira e ocupa o antigo restaurante universitário da UFMG – abandonado até então por 46

Foto. Jornal VerdadeA 47

cerca de 10 anos – transforman do-o em uma Casa de Referên cia para Mulheres. Por entender à violência contra as mulheres como multifatorial, isto é, combi nada pelos múltiplos atravessa mentos enfrentados pelas mulhe res no Brasil (como o racismo, a lbtfobia, o classismo, o capacitis mo e tantas outras), constrói-se, através do debate coletivo e da cotidianidade do fazer no espaço, um local de acolhimento, perma nência e formação política cons tante. Como afirmado por Indira Xavier (Entrevista/Encontro de Casas, 2021), coordenadora da Casa Tina Martins, “se mulheres podem ocupar para garantir a seu direito à moradia, mulheres podem ocupar pela vida das mu lheres” A Casa de Referência da Mulher Tina Martins é a materialização do saber do nosso dia a dia. De mulheres cuidando de mulheres. Nesse sentido, vemos a Tina Martins como uma alternativa de práxis espacial que, partindo da nano-escala do corpo, tanto das ocupantes quanto das mantenedoras da Casa, re sulta em uma luminescência em meio ao cenário desanimador em que vivemos (BASTOS, 2016). O processo de ocupar, e mais tarde consolidação em novo es paço, da Casa Tina Martins, é o marco da primeira ocupação de mulheres da América Latina, inaugurando então uma nova es tratégia de atuação política, que muito logo passou a reproduzida em outros locais do Brasil. Atual mente, o movimento já construiu o total de 10 Casas de Referên cia, em sete estados diferentes: Minas Gerais (Casa Tina Martins – Belo Horizonte), Rio Grande do Sul (Casa Irmãs Mirabal – Porto Alegre), São Paulo (Casa Heleni ra Preta I e Casa Helenira Preta II em Mauá, casa Carolina Maria de Jesus, em Santo André e casa Laudelina Campos Melo, em São Paulo capital), Bahia (Casa Pre ta Zeferina, em Salvador), Rio de Janeiro (Casa Almeirinda Gama, Imagem 26 Primeira noite na ocupação Tina Martins no prédio do antigo

UFMG.universitáriorestaurantedaBeloHorizonte-MG,2016.

na cidade do Rio de Janeiro), Pernambuco (Casa Soledad Barrett em Recife) e Santa Catarina (Casa Antonieta de Barros em Florianópolis).

Ressalta-se que a tendência indicada pelo Mapa da Violência de 2015 permanece quando observado o Atlas da Violência de 2021, conside rando-se que, se em 2009 a taxa de taxa de mortalidade de mulheres negras era 48,5% superior à de mulheres não negras, onze anos de pois a taxa de mortalidade de mulheres negras é 65,8% superior à de não negras (IPEA, 2021, p. 38).

Entre estas 7 casas, apenas a de Belo Horizonte conquistou, até o pre sente momento, a condição de “legalidade”, de modo que o trabalho de acolhimento e apoio praticado pelas outras 6 casas segue entre a perspectiva do espaço de “extra-legalidade”. Ou seja, as Casas vêm en frentando, ao longo dos últimos anos, a paradoxal condição de reali zação de trabalhos em parceria com o setor público, ao mesmo tempo que passando por processos de reintegração de posse. O movimento então se desdobra, não só entre as ações de atenção às vítimas de vio lência e reivindicação por políticas públicas, mas também no processo de resistência e enfrentamento cotidianos. Neste sentido, ressalta-se a definição do trabalho do Olga criada no seio do próprio movimento: ‘Com o Estado, contra o Estado e para além do Estado’. Com o Estado, em primeira instância, pois atua estabele cendo vínculos com os serviços de atenção primária e assistência social existentes, além da defesa das políticas públicas de combate à violência contra a mulher. Contra o Estado, em segunda instância, pois ao realizar ocupações urbanas, passeatas de rua e plenárias, atua de nunciando o despreparo e a falta de equipamentos públicos, o fecha mento das secretarias/pastas de mulheres e o desmonte das políticas de combate à violência contra as mulheres (ASSIS; TOMMASI, 2018). E para além do Estado, finalmente, pois atua como espaço de formação política contínua, estabelecendo redes de solidariedade, resistência e luta, que são estas mesmas sementes de uma nova sociedade. Imagem 27 Delegadas presentes no II Encontro Nacional do Movimento de Mulheres Olga Benário, realizado em dezembro de 2021. Foto. Jornal VerdadeA

Imagem 28 Samba na Casa de Referência Preta Zeferina. SalvadorBA., dezembro de 2021 Foto. Jornal VerdadeA 49

2. A implementação da Casa da Mulher Brasileira consistia em um dos principais eixos do miapromoçãosocioassistencialdapública,âmbitoespecializadosintegrariaentãoFederal.Mulheresriaviolência”“Mulher,programaviversemdaSecretadePolíticasparaasdoGovernoEstacasaseriaumespaçoqueosserviçosnodasegurançadasaúde,justiça,daredeedadaautonofinanceira.

A partir dali, as mulheres da ocupação no restaurante universitário assumem a postura de ficar no local e resistir, num enfrentamento que durou 87 dias, e na qual saíram vitoriosas. Além de garantia de se guir prestando os serviços foi conquistado também um novo imóvel.

Ao se reunirem no dia 8 de março de 2016, a ideia inicial das mulhe res do MMOB de Belo Horizonte era realizar um ato político de re sistência para evidenciar o tema da violência contra a mulher, além de pressionar pela criação de novas vagas nas casas abrigo, por mais delegacias 24 horas para mulheres e mais creches públicas. No entanto, logo nas primeiras horas de entrada no prédio, mulheres começaram a se reunir no entorno perguntando sobre a ocupação e solicitando atendimentos. A ideia da ocupação reivindicatória então cai por terra, e as militantes do Olga percebem que deveriam ficar e esta belecer uma outra postura diante da situação. Por conta da proposta de implementação de uma Casa da Mulher Bra sileira2 , após a entrada do Movimento Olga Benário no edifício do an tigo restaurante universitário da Escola de Engenharia da UFMG (Rua Espírito Santo com Guaicurus), o Governo Estadual alegou que as fu turas instalações de um espaço de acolhimento para mulheres já es tariam sendo tramitadas de modo que as pautas do movimento fossem supridas. A construção da casa seria em um terreno localizado na Avenida do Con torno 777, Centro, numa área até então ocupada pelo estacionamento da ROTAM (Batalhão de Táticas Me tropolitanas da Polícia Militar). Para as mulheres do movimento, essa promessa não era o suficiente, con forme Bastos (2016): “Nosso contra-argumento de que não havia nenhum documento que comprovasse o início das obras ou da verba revertida foi respondi do em uma semana com a promessa da licitação das obras para 15 de agosto de 2016 e início das obras em 2017. A questão é que a cidade ficaria pelo menos mais 2 anos sem esse espaço institucional e, com o passar dos dias na ocupação, compreendemos que, ainda assim, não seria suficiente. [...] Não seria sufi ciente porque Minas Gerais possui 853 municípios, 300 demandas computadas por abrigo diariamente, e apenas 13 casas de acolhida no estado inteiro.”

No dia 3 de junho de 2017, então, em um novo imóvel cedido pelo go verno do Estado, Tina Martins deixa de ser ocupação e se torna, defi Imagem 29 Retrato de desconhecidoMartisTinaAutor 50 tina martins

nitivamente, Casa de Referência Tina Martins, inaugurando en tão não só um novo modelo de estratégia de reivindicação polí tica, mas também uma nova for ma de gestão participativa entre movimentos sociais e os agentes públicos. Tina Martins é hoje um centro de referência na Améri ca Latina, tendo seu modelo de trabalho e gestão diversas vezes premiados. Uma mulher que so fre violência em Belo Horizonte é direcionada pelos agentes públi cos para as instalações da casa, onde pode receber abrigamento, mas também ajuda psicológica especializada, atendimento jurí dico, além de ser integrada nas atividades do movimento e nas ações com parceiros.

Mapa 01 Mapa do município de Belo Horizonte com indicação de local da Casa Fonte.MartinsTInaGoogleMaps

Ilustração 02 Fachada da Casa Tina Autoriafotografia.DesenhoMartins.sobreprópria 51 ano de início: 2016 localização: rua paraíba, 641 - região centro-sul da cidade de Belo horizonte imóvel: casa de alvenaria com uso convertido de habitação para institucional pelo estado de Minas Gerais situação: em funcionamento regular, em modelo de gestão participativa com a prefeitura de Belo Horizonte; homenageada: Espiritina Martins, personagem fundamental na greve geral de 1917, tendo ficado conhecida pela sua participação na Batalha da Várzea em Porto Alegre, um dos processos que foram fundamentais para vitória desta greve e conquista da jornada de trabalho de 8 horas

Ao passo que o movimento em Belo Horizonte se estruturava e conquistava sua primeira grande vitória, assim, em outros estados, organizava-se para seguir este exemplo e expandir o trabalho de conscientização e luta contra vio lência à mulher. Deste modo, na madrugada do dia 25 de novem bro de 2016, Dia Internacional de Combate à Violência contra a Mulher, em Porto Alegre, inaugu ra-se então a casa de referência Irmãs Mirabal. O prédio, no momento abandona do por mais de 5 anos, pertencia à Igreja Salesiana e era utilizado como local de abrigamento para crianças e jovens em situação de abandono (MOREIRA, 2019, p. 38). Logo nos primeiros dias foi deferida uma ordem de rein tegração de posse, exigindo o despejo imediato das ocupantes do prédio. O movimento então consegue reverter esta decisão, pois logo é reconhecido que o trabalho de acolhimento exerci do pela casa se tornou essencial para o fortalecimento da rede de enfrentamento à violência contra a mulher e pelo acolhimento das vítimas de Novamenteviolência.areintegração foi au torizada. Com o novo mandado, as autoridades da cidade começa ram a preparar o despejo. Foram marcadas reuniões com vários órgãos e entidades de combate à violência contra as mulheres, numa tentativa de “humanizar” a reintegração. Sem o poder públi co apresentar soluções, porém reconhecendo o trabalho realiza do pela ocupação, o Movimento de Mulheres Olga Benário con seguiu a primeira vitória: a sus pensão da reintegração de posse durante o período de seis meses. (JORNAL A VERDADE, 2019) Em 2017, após uma série de ame Imagem 30 Retrato das desconhecidoMirabalirmãsAutor 52 mulheres mirabal

aças de despejo seguidas por intensas mobilizações sociais, organiza-se então um grupo de trabalho para negociações entre os proprietários, o poder público e o movimento (além de algumas entidades técnicas). Este grupo elabora um estudo apresentando quinze prédios vacantes do muni cípio e apresenta para a prefeitu ra, como proposta para manter a prestação do serviço de acolhi mento às vítimas de violência. Após uma série de reuniões, o poder público acaba por descum prir os acordos estabelecidos para manutenção do espaço da casa, notificando a ação de des pejo. O MMOB então decide agir, desocupando o primeiro edifício e estabelecendo a ocupação Ir mãs Mirabal em novo endereço, onde permanece até o presente momento (2022).

Mapa 02 Mapa do município de Porto Alegra com indicação de local da Casa Mulheres Mirabal Fonte. Google Maps Ilustração 03 Fachada da Casa própriaAutoriafotografia.DesenhoMirabal.Mulheressobre 53 ano de início: 2016 localização: rua souza reis, 132- região central da cidade de Porto Alegre imóvel: antiga escola estadual situação: conquistou alvará de funcionamento em abril de 2022 homenageadas: irmãs Patria, Minerva e María Teresa, que se opuseram a ditadura de Rafael Trujillo (El Jefe) na República Dominicana e se envolveram em atividades do Movimento Revolucionário 14 de junho, em que receberam o apelido de “Las Mariposas”. As três foram assassinadas em 25 de novembro de 1960.

helenira preta

Na noite do dia 24 de julho de 2017, cerca de 100 mulheres re alizavam uma assembleia. A pro posta final: realizar naquela noite uma ocupação, de modo que no dia seguinte, Dia da Mulher Negra Afro-Latino-Americana e Caribe nha, nasceria na cidade de Mauá a primeira ocupação de mulhe res no Estado de São Paulo. A ocupação aconteceu numa casa que já havia sido abrigo de reuniões do grupo que liderava o movimento pela autonomia da cidade de Mauá, então distrito de Santo André até 1953 (TOMMASI, ASSIS, 2018). Localizada na Ave nida Governador Mário Covas no centro da cidade, estava cerca de 20 anos abandonada e passava por processo de tombamento em motivo de seu valor para história Alocal.proposta era que a gestão do Centro fosse compartilhada en tre a Prefeitura de Mauá e o Mo vimento de Mulheres, já que para as feministas o Estado perpetua a violência institucional através da revitimização das mulheres por parte de profissionais que não são preparados para lidar com as vítimas de violência, cul pabilizando as mulheres. Como exemplo do despreparo do Esta do em promover políticas para mulheres se destacam o horário de funcionamento das delegacias da mulher para queixas e Casas de Referências, das 9 horas às 18 horas nos dias úteis, o que não contempla a maior parte das mulheres trabalhadoras que so frem violência em geral fora do horário comercial e não têm para onde ir. O caso mais grave na re gião do ABC é da Delegacia da Mulher de Diadema, onde as fun cionárias recomendam que as mulheres cheguem até às 15 ho ras, ainda que o horário oficial de atendimento seja até às 18 horas, porque a espera é muito grande. (TOMMASI, ASSIS, 2018) Esta primeira ocupação, na Casa dos Autonomistas, durou cerca Mapa 03 Mapa do município de Mauá com indicação de local da Casa Helenira Preta Fonte. Google Maps

de uma semana, mobilizando uma grande rede de solidariedade para muito além dos limites do grande ABCDM. No entanto, a casa tinha con dições de consolidação muito baixas: sem água, sem energia, com pou ca circulação de ar e luz natural, além de toda a estrutura do telhado condenada, de modo que a permanência das mulheres naquele espaço já seria por si só um risco.

Depois de uma série de negociações junto ao poder público, o movi mento realiza um ato político de desocupação do imóvel com a presen ça de apoiadores e representantes da Prefeitura de Mauá. Inicia-se então, uma nova fase de negociações que culmina no dia 29 de agosto do mesmo ano, onde numa audiência do Plano Plurianual MunicipalPPA de 2018 a 2021, pressionando o governo para fazer valer as Nor mas Técnicas de Uniformização dos Centros de Referência de Atendi mento à Mulher em Situação de Violência (2006), o MMOB conquistou o projeto de gestão compartilhada de um Centro de Referência para Mulheres, oficializando a demanda pela política pública para mulhe res com mais de cem votos dos munícipes de Mauá (TOMMASI, ASSIS, Imagem 31 Retrato de Helenira Rezende presa pela ditadura militar Acervo Ditadura–NacionalComissãodaVerdadeAcervoMemóriasda Ilustração 04 Fachada da Casa Helenira Preta. Desenho Autoriafotografia.sobreprópria 55 ano de início: 2017 localização: rua almirante barroso, 146centro de Mauá imóvel: antiga edificação adjacente ao colégio estadual que atualmente abriga a ocupação manoel aleixo situação: arrematada em leilão no ano de 2021, com notificação de despejo expedida homenageada: Helenira Rezende, militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e combatente da Guerrilha do Araguaia, se destacando em sua participação na resistência armada à ditadura no Brasil. Começou a trajetória como militante do movimento estudantil, chegando a vicepresidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1969. Foi assassinada quando tinha 28, após ser emboscada em combate e se recusar a entregar a localização de seus companheiros.

Após o descumprimento conse cutivo das promessas do gover no e outros entraves políticos o MMOB volta a ocupar um prédio municipal, em 28 de setembro de 2018, edifício que estava inabita do desde 2016, onde segue até o presente momento (2021).

2018). Também durante este pe ríodo de grande pressão política o movimento conquista a criação de uma Secretaria de Políticas Públicas para mulheres na cida de, até então inexistente.

De 2017 até agora, o movimento passa a ter crescente influência na cidade de Mauá, impactando direta e indiretamente a vida de milhares de mulheres. Até hoje, segue sendo o único serviço es pecífico para acolher mulheres na cidade, tendo já atendido mais de 600 mauaenses. Além disso, em parceria com o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), realizou-se ocupação de moradia Manoel Aleixo, com cer ca de 50 famílias, na escola que compartilha o terreno com o es paço da CRM. Durante a pandemia, a Casa re alizou uma grande Campanha de Solidariedade com entrega de álcool e gel, máscaras e cestas básicas nos bairros mais caren tes da cidade. Foram milhares de cestas entregues, além das conversas de esclarecimento sobre o vírus junto à população, que englobavam desde como se proteger até como acessar os auxílios oferecidos pelo governo (A VERDADE, abril/2021) . Ainda assim, mesmo tendo seu trabalho reconhecido pelo poder público e pela população local, no mês de março de 2021, sem nenhum contato prévio com as mulheres da Casa, foi aberto um leilão do terreno que engloba os prédios de ambas as ocupações Helenira Preta e Manoel Aleixo.

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Vale lembrar que, após a ocupa ção do movimento, a prefeitura de Mauá abriu mão de cerca de 3 milhões de reais para retirar o terreno da área de interesse so cial, o que exclui a obrigatorieda de de sua utilização para fins pú blicos, viabilizando, assim, o leilão que põe em risco as duas ocupa ções. Deste modo, fica evidente que o processo, dispondo de di nheiro público, aconteceu para beneficiar setores do capital imo biliário que não têm compromis so com as vidas dos mauaenses e que, na sociedade capitalista e patriarcal em que vivemos, o lu cro é prioridade para as classes dominantes e seus governos, ao passo que as mulheres preci sam lutar para seguirem vivas. (A VERDADE, maio/2021) O leilão, considerado criminoso pelo movimento, recebeu um lan ce em menos de uma hora (REDE BRASIL ATUAL, maio/2021). O MMOB então lança um manifes to e inicia a campanha Resiste Helenira!, reunindo apoiadores e realizando protestos em frente à prefeitura de Mauá. A casa segue ameaçada, mas isso não impede que as mulheres do movimento sigam realizando seu trabalho.

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Dia das crianças na Casa Helenira Preta. Setembro de 2019. Foto. Página de Facebook da Casa Helenira Preta “Não permitiremos que inte resses mesquinhos de alguns milionários se sobreponham ao direito das mulheres à vida e à garantia de moradia digna para o nosso (Gabrielapovo”Torres, coordenadora da casa, em entrevista à Rede Brasil Atual)

Em 2021, um novo ciclo de ocu pações de mulheres é inaugu rado, iniciando-se pela primeira ocupação do movimento na ci dade de São Paulo. O local escol hido trata-se de um galpão aban donado até então por cerca de 20 anos, na região histórica do NoCanindé.atodesta ocupação, o movi mento passa a denunciar o des caso com as mulheres também na capital do estado, apontando os dados de que na cidade cen tro econômico do país, para uma população de 12,33 milhões de habitantes (praticamente 10% da população do Brasil), existem ap enas três centros de referência da mulher, quinze centros de def esa e convivência da mulher, sete casas abrigo, uma casa de acolhi mento provisório e uma unidade da Casa da Mulher Brasileira (SECRETARIA MUNICIPAL DE DI REITOS HUMANOS E CIDADANIA, 2021). Estes números indicam com clareza que a cidade mais rica do país ainda não dispõe de uma gestão verdadeiramente comprometida com políticas pú blicas voltadas para as mulheres. Quando prefeito, João Dória (PSDB) cortou R$ 3,5 milhões dos serviços de atendimento à mul heres que sofreram violência de gênero. Seguindo a mesma políti ca de abandono, o prefeito Bruno Covas anunciou em dezembro novo corte nos contratos munic ipais. Com isso, os equipamentos públicos que atendem mulheres vítimas de violência vão sendo sucateados e desmontados en quanto o tucano aumenta seu próprio salário em 46%, passan do então de R$ 35 mil. (REDE BRA SIL ATUAL, janeiro/2021)

Imagem 33 Retrato de Laudelina de Campos Melo Autor desconhecido Ilustração 05 Fachada da Casa Laudelina de Campos Melo. Desenho Autoriafotografia.sobreprópria 58 laudelina de campos melo

Mapa 04 Mapa do município de São Paulo com indicação de local da Casa Laudelina de Campos Melo Fonte. Google Maps 59 ano de início: 2021 localização: rua padre vieira, 145 - Canindé, São Paulo imóvel: antigo galpão industrial, apenas parcialmente utilizado até o momento da ocupação situação: em operação regular, apesar de uma série de invasões ao longo do ano de 2021 e princípio de 2022 homenageada: Laudelina de Campos Melo, nascida em 1904, filha de pais alforriados, foi grande defensora dos direitos das mulheres e das empregadas domésticas, e fundadora do primeiro sindicato desta categoria no Brasil

3. Emitiram pareceres favoráveis à ocupação e denunciando as ilegalidades empreen didas pela prefeitura de Mauá, a Comissão de Direitos Humanos da OAB de Mauá, a Defensoria Pública da União e do Esta do de São Paulo e o Ministério Público. Imagem 34 Retrato de Carolina Maria de Jesus Autor desconhecido maria de jesus e preta II

Como forma de resistir à ação de despejo pelo qual o prédio da ocupação Helenira Preta I além de seguir denunciando a falta de políticas públicas para mulheres no ABCDM, realiza-se então, na madrugada do dia 25 de julho de 2021 (novamente Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Cari benha) duas ocupações simul taneamente na região do ABC. A primeira casa, Carolina Maria de Jesus, localiza-se na região central de Santo André, e nasce com objetivo de ser um espaço de abrigamento provisório para as mulheres em situação de violência na região. A segunda casa, Helenira Preta II, por sua vez, fica na periferia da cidade de Mauá, funcionando como uma extensão de sua homônima no centro da cidade. O trabalho de acolhimento e atendimento a mulheres se deu logo no primeiro dia, com um grande evento realizado, também simultane amente em ambas as casas. A casa Carolina Maria de Jesus, em si tuação de mais simples consolidação, rapidamente passou a realizar atendimentos e abrigamentos, enquanto na casa Helenira II, que se deu no edifício abandonado de uma escola de educação infantil, logo foi organizada uma creche comunitária, além de outras atividades complementares ao trabalho da casa Helenira I, como aulas de defesa pessoal para mulheres e assembleias. No dia 6 de março de 2022, no entanto, como forma de retaliação a uma nova ocupação realizada em Mauá pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (de mesma construção po lítica do MMOB), foi empreendido um processo de remoção ilegal da Casa Helenira Preta II. A guarda civil metropolita na, sem ordem judicial, baseado num laudo de procedência fraudulenta3 produzida pela Defesa Civil, invade e expulsa violentamente, deixando sem acesso a moradia, roupas e bens, a moradora da ocupação, que com seus três filhos apoiava a construção da casa de referência. A partir daí, a moradora Tânia e todas as mulheres do movimento foram impedidas de entrar na casa, que tinham posse há 8 meses, e que não oferecia nenhum perigo para o bairro, pelo con trário. Imediatamente, organizou-se uma vigília que durou mais de 100 horas em frente à ocupação, “pela defesa dos direitos das mulheres, para impedir que mais ilegalidades fossem cometidas e para pressionar o poder público pelo

carolina

helenira

Ilustração 06

Mapa 04 Mapa municípiodos de Santo André e Mauá com indicação de local das Casas Helenira II e Carolina Maria de Fonte.JesusGoogle Maps

fim da invasão e volta da posse do terreno para as mulheres do Movimento de Mulheres Olga Be nario.” (A VERDADE, 2022). A Casa Carolina, única casa de passagem na cidade de Santo An dré, segue realizando seus tra balhos, no entanto segue há me ses com notificação de ordem de despejo. No dia 30 de maio, a co ordenação da casa realizou uma reunião com o prefeito da cidade, que se comprometeu a apresen tar uma solução para o prosse guimento do funcionamento da casa. Até o presente momento (julho de 2022) não foi apresen tado nenhuma solução por parte do poder público e a casa segue com notificação de despejo.

homenageadas: Helenira Rezende e Carolina Maria de Jesus, que foi uma escritora, compositora e poetisa brasileira, ganhando grande reconhecimento por seu livro Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, publicado em 1960. Foi uma das primeiras escritoras negras do Brasil

Ilustração 07 Fachada da Casa Carolina Maria de Jesus. Desenho sobre fotografia.

Autoria própria 61 ano de início: 2021, simultaneamente localizações: avenida Dom Pedro I - vila américa, Santo André; rua Cícero Rodrigues da Silva, 162 - Vila Mercedes, Mauá imóveis: a Casa Carolina ocupou espaço de antigo imóvel comercial enquanto a casa Helenira ocupou espaço de antiga creche estadual, ambos abandonados por mais de 10 anos situação: a Casa Carolina consta com notificação de despejo e a Casa Helenira II passou por despejo em março de 2022

Fachada da Casa Helenira Preta II. Desenho Autoriafotografia.sobreprópria

Ilustração 08. Fachada da Casa Preta Zeferina. De senho sobre fotografia. Autoria própria. Mapa 05. Mapa do município de Salvador com indi cação de localização da Casa Preta Zeferina. Fonte Google Maps. Ilustração 09. Fachada da Soledad Barrett. Desenho sobre fotografia. Autoria própria. Mapa 06. Mapa do município de Salvador com indi cação de localização da Casa Soledad Barrett. Fonte Google Maps. soledad barrettpreta zeferina ano de início: 2021 localização: Ladeira do baluarte, 46 - Santo Antônio Além do Carmo, Salvador BA imóvel: escola estadual em edifício tombado, abandonado por mais de 10 anos situação: tem operado regularmente homenageada: De origem angolana, Zeferina foi trazida ainda criança para o Brasil nos braços de sua mãe Amália, direto para Salvador. Escrava, sofrendo com as atrocidades sai em luta por sua liberdade, fundando o o Quilombo do Urubu e se tornando uma importante personagem das insurreições negras na Bahia no século XIX. Atuou como organizadora de índios, escravos fugidos e libertos ano de início: 2022 localização: Av. Conselheiro Rosa e Silva, 720 - Aflitos - Recife PE imóvel: palacete histórico abandonado por mais de 10 anos situação: passou por despejo em junho de 2022 homenageada: Soledad Barrett, nascida no Paraguai e criada em família politizada, foi, durante a ditadura militar no Brasil, militante comunista organizada pela Vanguarda Popular Revolucionária. Em 1973, Soledad foi assassinada nos arredores do Recife (PE), num episódio conhecido como o Massacre da Chácara São Bento, ao ser entregue por seu marido para as forças de repressão.

10. Fachada da Casa Almeirinda Gama. Desenho sobre fotografia. Autoria própria. Mapa 07. Mapa do município de Salvador com indi cação de localização da Casa Almeirinda Gama. Fonte Google Maps. Ilustração 11. Fachada da Casa Antonieta de Barros. Desenho sobre fotografia. Autoria própria. Mapa 08. Mapa do município de Florianópolis com indicação de localização da Casa Antonieta de Barros. Fonte Google Maps.

almeirinda gama antonieta de barros ano de início: 2022 localização: Rua da Carioca, 37Centro, Rio de Janeiro RJ imóvel: loja histórica de instrumentos Guitarra de Prata, abandonado por cerca de 8 anos situação: tem operado regularmente homenageada: Nascida em Maceió, Almerinda Gama foi presidente do Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos e posteriormente se graduou advogada, apoiou as mobilizações pelo voto feminino e foi a única mulher a votar na eleição dos representantes classistas para a Assembleia Nacional Constituinte, em 1933. Foi uma importante liderança negra, trabalhadora e sindicalista ano de início: 2022 localização: av. Prefeito Osmar Cunha, 136 - Centro, Florianópolis SC imóvel: residência convertida em imóvel comercial, abandonado por cerca de 8 anos situação: passou por despejo em junho de 2022 homenageada: Antonieta de Barros nascida em Florianópolis, no ano de 1901 foi uma jornalista, professora e política brasileira. Foi uma das primeiras mulheres eleitas no Brasil e a primeira negra brasileira a assumir um mandato popular.

Ilustração

de café. 64

Ao passo que as casas Tina Martins, Irmãs Mirabal e Carolina Ma ria de Jesus acumulam a função de abrigamento às atividades, as casas Helenira Preta I e II e Laudelina de Campos Melo não contam com essa infraestrutura. Em suma, o objetivo geral das casas é ajudar mulheres em situação de violência e, por avaliar a questão da violência contra à mulher enquanto seu caráter multifatorial – como a violência domiciliar, mas também a violência exercida pelo Estado – as casas e suas voluntárias se especializam diante das demandas trazidas pelas próprias atendidas. Na casa Tina Martins, por exemplo, foi necessário uma série de formações e re-avaliações internas, pois especificamen te no local da primeira ocupação – região da rua Guaicurus, famoso polo de exploração sexual – atendia-se muitas mulheres em situação de prostituição, que traziam experiências de violência caracterizadas por suas múltiplas vulnerabilidades sociais. Já na casa Laudelina de Campos Melo (a qual iremos tratar mais profundamente adiante), no Canindé, há uma demanda muito grande da população de mulheres imigrantes, muitas vezes em situação de rua e muitas outras vezes também sem o domínio da língua portuguesa. No que tange seu funcionamento, o modelo de gestão das casas é no geral semelhante, nenhuma delas possui setores de trabalho delimita dos com precisão como comumente ocorre nas organizações não go vernamentais, e todas as funções de coordenação e organização geral da casa são exercidas por voluntárias e por abrigadas (no caso das casas que realizam abrigamento). Trabalha-se para separar as volun tárias em funções, de maneira rotativa, a depender das necessidades de cada uma das casas. Com suas distinções e especializações dadas pelas características e necessidades específicas de cada território, todas centralizam-se pelo objetivo de ser um espaço de referência para mulheres, realizando atividades no amplo espectro da convivência, para além do essencial, como por exemplo: rodas de conversa sobre saúde da mulher, reuni ões de movimentos feministas que compartilham da linha político-ide ológica do lugar, festivais de música em períodos comemorativos, cur sos para demandas diversas, entre outras. A divisão programática dos espaços das casas, portanto, não é fixa. Tratam-se de espaços funcionais e com demandas específicas, mas também “vazios” multiplicadores de usos e espaços de urbanidade. É possível ir a uma das casas para participar de uma atividade, realizar atendimento jurídico, ou apenas para ter uma pausa da rotina e tomar uma xícara

o comum e o específico

No geral, os cômodos são orga nizados com móveis doados ou construídos, e as melhorias in crementais são realizadas pau latinamente, mas com menor urgência em comparação às ocu pações de moradia, em que há um programa de necessidades mais delimitado e complexificado. Hoje, a prática cotidiana das ocu pações de mulheres em locais como Belo Horizonte, Porto Ale gre e no centro de Mauá atin gem sua maturidade, de modo a abrigarem em si as camadas de heterogeneidades, contradições e potencialidades da cidade con temporânea. Ao mesmo tempo, as ocupações mais recentes en saiam novos gestos e itinerários de reinvenção constante no seio de um movimento social. Assim, estabelecem-se diálogos, tanto internamente no trabalho entre as casas, tanto entre as casas e a externalidade, que orientam os fazeres e os saberes do movi mento feminista e, em última ins tância, um outro estar perante a situação urbana. São espaços do mundo de hoje, construídos pelas mulheres do mundo de hoje. As sementes de uma outra cidade são também produtos imediatos do elaborar de uma cidade pos sível.

20162016 2017 2021 tinamartins irmãs mirabal helenira preta laudelina de campos melo heleniracarolinamariadejesuspretaIIpretazeferina20212021 soledad2021barrettalmeirindagama2022 2022 antonietabarrosde 2022 Ilustração 12 Linha do tempo das Autoriaocupações.própria. 65

uma ruína da cidade fabril 03

Acultura não se manifesta como uma força estática, mas como o conjunto de símbolos, padrões implícitos e explícitos, ideias com valores vinculados, que estabelece padrões públicos e determina uma consciência coletiva. Como sistema simbólico, ela é influenciada e in fluencia as relações sociais, a economia, a arte, a religião e outras ma nifestações e comportamentos do ser humano (CARSALADE, 2015).

Para Casardale (2015), a régua usada têm sido a força do Estado, o gosto das elites, e modernamente, a imposição da mídia ou do capital, de modo que podemos depreender que “os valores não estão apenas no objeto, mas na compreensão que as sociedades fazem sobreele”. Atualmente, a cidade de São Paulo é marcada por conflitos ligados à identidade e à memória de povos e grupos que a constituíram histori camente. Estas fricções na ordem vigente, expressam, entre uma sé rie de contradições, a mobilização instrumental do poder público na escolha dos objetos e símbolos eleitos à condição de “patrimônio” em contraste com a identificação popular a estes. Não à toa, os últimos anos foram pulverizados por manifestações com intuito de revelar o caráter ideológico da constituição destes monumentos – em 2013, do dia em que o Monumento às Bandeiras amanheceu coberto por tin ta vermelha num protesto realizado pelos povos indígenas da cidade, ou quando em 2021 um grupo de manifestantes incendiou a estátua de Borba Gato, na Zona Sul de São Paulo. A memória coletiva, aqui, portanto, pode ser mobilizada enquanto conceito instrumental para recondicionar o olhar sensível ao urbano e reconstituir as relações de pertencimento e da própria significação do lugar para aqueles que vivem e trabalham na cidade.

Nos últimos anos, o campo dos estudos patrimoniais tem passado por uma mudança de abordagem significativa, transitando de sua fase “dogmática” a de uma perspectiva “crítica” (CASTRIOTA, 2015), em que o próprio patrimônio é percebido como histórica e socialmente deter minado. O conceito de ‘patrimônio’, sob essa perspectiva, deixa de ser definido como apenas ao coletivo de obras canônicas, mas ao conjunto que expressa a diversidade cultural das práticas sociais. No entanto, como observado já em 1903 por Riegl, frente esta relatividade e insta bilidade da cultura na sociedade, a questão do patrimônio acaba por se assentar sobe valores. E, então, como se mediriam estes valores?

Neste sentido, segundo Ulpiano Bezerra (1978), a memória social se conecta intimamente à ideia de patrimônio ambiental urbano.

Falar de patrimônio ambiental urbano, como falar de patrimônio cultural geral, é, de maneira direta ou indireta, falar de memória social, de onde se projetam as reflexão sobre a memória 68

significações que vão informar as representações da cidade. Normalmen te, porém, a memória fica associada apenas ao passado. Ora, sem memória não há presente humano. A memória se refere precisamente a uma relação entre passado e presente. Em outras palavras: a memória gira em fator de alienação e desagregação, pois ficaria faltando uma plataforma de referência e cada ato seria uma reação mecânica, um mergulho vazio para outro vazio. É a memória que funciona como instru mento biológico cultural de identidade, conservação, desenvolvimento. Esse passado, e enfrento o futuro: sou um ser histórico. Ter consciência histórica não é informar-se sobre coisas acontecidas, mas perceber o universo social como algo submetido a um processo contínuo de formação (BEZERRA DE MENESES, 1978) No geral, considera-se que obje tos que sobreviveram à torrente do tempo são resultado de al guma seleção daquilo que seria passado ao futuro, portando fru to intencionado de uma sociedade que deseja ser lembrada de certa maneira (CASARDALE, 2015: 18). No caso deste objeto em específi co, falamos de um conjunto cons truído que persistiu por seu ca ráter de invisibilidade constituída estruturalmente pelo processo de segregação e desumanização das relações sociais, que resulta num espaço que não se recon dicionou à situação metropoli tana. Portanto, trabalha-se para oferecer um exercício de síntese que não parta necessariamente da ideia da adequação do edifí cio a esta forma de cidade, com o uso de suportes como os gran des planos urbanos ou dos cha mados “retrofits”, mas sim de um processo de exploração das potencialidades contra hegemô nicas na própria condição do es Aquecimento.escolhade uma prospecção ao edifício a partir dos métodos de restauração e conservação, des ta forma, parte da intencionalida de de eleger um representante de um modo de vida urbano que tende a ser suprimido. Menos como um documento intocado do passado, mais como significação de futuro. Não se busca, aqui, até por não constar de um edifício tombado, de um restauro partin do de um ideal de um objeto imu tável, mas do manejo instrumen tal destas técnicas como forma de indicação de novos itinerários e novas linguagens. O que se pre serva, para além da existência deste bem patrimonial, é a sua capacidade de se fazer presente. Fazer do nada um lugar, assim, é presente na ação do MMOB, ao ocupar e reabilitar edifícios e produzir um trabalho cotidiano de prática urbana. Um modo que recondiciona o olhar e o cuida do, tanto aos coletivos e pesso as, quanto ao edifício. Assim, o processo de construção meto dológica desta abordagem rela tivamente heterogênea é também fruto do convívio e de uma rela ção de proximidade tanto ao tra balho político, quanto ao edifício em sua totalidade. 69

Como recorte de análise escolhido, trataremos do caso do distrito do Pari, que engloba os bairros do Pari e Canindé – ponto focal deste tra balho –, a partir de sua ocupação no contexto do princípio do desenvol vimento industrial e consolidação da malha urbana na cidade.

pari: centro e periferia, ontem e hoje Ométodo de leitura do contexto histórico construído da cidade bus ca fortalecer o conhecimento da cidade e as decisões de projeto.

Com suas conformações dadas desde o século XVI, foi por um longo período um território composto essencialmente por uma população in dígena, mameluca e alguns portugueses, cuja ocupação principal era a pesca. A própria denominação do bairro remete a uma técnica tra dicional de pescaria indígena, que consistia em uma cerca de taquara ou cipó com que se cercava o rio de margem a margem. (FRANCOLINO, 1979). No recenseamento de 1765, consta que o bairro contava com “gente humilde com 14 casas e 72 Habitantes, a maioria pescadores”.

Mapa 09 Divisão cadastral Dis trito do Pari em 1930. Fonte: Arquivo HistóricodeMunicipalSãoPaulo 70

traditória de centro-periférico. O loteamento e urbanização efetiva na região é realizado somente em meados dos anos 1920 – rela tivamente posterior a de outras regiões centrais vizinhas como Brás e Bom Retiro. Nas várzeas do Tamanduateí e Tietê, junto às estações ferrovi árias, ao longo das estradas de ferro, desenvolveu-se, em face do baixo preço dos terrenos e da facilidade de transporte dos pro dutos, o parque industrial paulis tano, constituído principalmente por empresas de porte médio e pequenas oficinas, fabriquetas e ateliês, muitos deles de caráter doméstico. (ROLNIK, 1997, p. 78) A partir da “abertura” das pri meiras ruas, no parcelamento das áreas que foram proprieda de do sr. Horácio Vergueiro Ru dge (PACCA, 2010, p. 44), esta beleceu-se regras de ocupação dos lotes que envolviam: ter fren te para as ruas novas, não ser construído mais de um prédio de habitação por lote, ter no máxi mo dois pavimentos, entre outros (acto n° 2.284, de 18 de janeiro de 1924). É neste período que é fundada a Paróquia de Santo An tônio, em 1911, que orienta tanto a urbanização do território como grande parte da vida cultural na região. O território rural e indíge na gradualmente se transforma no “Bairro Doce”, apelido dado em razão a presença das fábri cas de doce que paulatinamente ocupam a região. Deste modo, nos anos 1940 o bairro estabelece seus aspectos morfológicos de baixo gabarito dos edifícios e baixa densidade populacional. A região então vai se conformando como um apên dice do vizinho com atividade eco nômica mais desenvolvida, Brás, e configura-se a característica de preponderância de indústrias e galpões, envolvendo essen cialmente a atividade produtiva da confecção, além de moradia da classe operária. O sentido da constituição do território do atu al distrito do Pari se dá, portanto, pelo vetor de expansão do centro ao norte, de modo que o lotea mento e ocupação da região mais ao norte, lindeira ao rio, ocorre Mapa 10 Sara Brasil. 1930. Fonte: Geosampa. 71

A década de 1950 marcará, para São Paulo, o ponto de inflexão onde a cidade nitidamente inte grada por uma coroa de bairros, é imersa num processo de implo são-explosão para as periferias, configurando seu atual caráter metropolitano. Como afirmará Seabra (1987), com a racionali zação dos processos de circula ção, processos urbanos, como a criação de vias de trânsito rápi do, passam a ser cada vez mais necessários diante da lógica que preside o processo de produção social. Por isso, é possível obser var que esse conjunto de ativida des “modernas”, como o modelo fabril em larga escala da indús tria automobilística, por exemplo, tendem a ser implantadas nos limites externos das regiões me tropolitanas, entre localizações estratégicas no geral lindeiras às autoestradas. No entanto, no caso da Região Metropolitana de São Paulo, esse conjunto de ati vidades pôde ser implantado no seu interior, precisamente pois as terras das várzeas dos rios Tietê e Pinheiros só começam a comportar usos urbanos quan do o país passa por sua fase de Imagem 35 Ortofoto 1954.

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após a retificação do rio Tietê. Essa ocupação inscreve o Pari na história social da metrópole paulistana como um bairro ope rário, marcado pela paisagem de “fabriquetas, casebres, vilas e cortiços” (ROLNIK, 1997). O per fil dado pelos censos de 1907 e 1920 indica que a maior parte das indústrias paulistanas eram marcadas pelo caráter familiar (CANO, 1977, p.41), de modo que se pode aferir que, entre os tra balhadores, imperava a condição de vida urbana da informalidade.

Observa-se também a existência de um núcleo de ocupação negra na região até 1924 que depois, já na década de 1930 paulatina mente vai sendo substituído pela ocupação dos imigrantes, sobre tudo portugueses e italianos.

Fonte: Geosampa.

assim uma dife renciação espacial que marcará a clara distinção entre os bair ros centrais, estruturados numa condição de possibilidade da vida cotidiana, e os bairros periféri cos, formados após a metropo lização, numa lógica de produ ção fordista do espaço (SEABRA, 2004: 281). É apenas neste perí odo que a região do Canindé se consolida, sendo marcada pela presença, em seus grandes ter renos às margens do Tietê, de grandes galpões e equipamento. Passa a coexistir então, nos limi tes atuais do distrito do Pari, dois bairros díspares: um, das vilas e fabriquetas, outro, dos grandes galpões de abastecimento e es coamento de mercadorias. Uma presença também fundamental para a caracterização desse ter ritório será a inserção dos clu bes de futebol de várzea, como o Estrela do Pari, antigo Clube União dos Vaqueiros, o Serra Morena (1929), o Esporte Clube Vigor (1924) e, a partir de 1956, a Portuguesa de Desportos. A área do distrito que se confor ma atualmente é uma resultan te destes processos descritos, e mesmo nos últimos anos não tendeu a se modificar em gran de escala. Tratamos então de um território com predominância de usos mistos que passou por uma transição de usos do nal,residencial-comercial-instituciocial-industrial-institucionalresidenparamantendo-seacondiçãode

Imagem 36 “O bairro doce de São Paulo”. Jornal Notícias Populares. Dezembro de 1976. São Paulo - SP. Fonte: Arquivo Histórico Municipal de São Paulo 73

modernização, ao fim dos anos Estabelece-secinquenta.

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ZONEAMENTO ZEIS ZEIS 1 ZEIS 3 ZEIS 5 ZONAS ZPI 1 ZOE ZM u ZEPAM ZEMP ZEM ZC ZDE 1 PCA CANT AC 1 ZONEAM ENT O INFRAESTRUTURA ES TAÇ ÃO METRÔ LINHA DE TREM LINHA DE METRÔ C AS A LAUDELINA US OS PREDOMINANTES DO S OLO Re sid horizontal baix o padrão Re sid horizontal mé dio/al to padrão Re sid ve rtical baix o padrão Re sid ve rtical mé dio/al to padrão C omé rcio e se rviços Indústria e armazé ns Re side ncial e comé rcio/se rviços Re side ncial e indústria/armazé ns C omé rcio/se rviços e ind/armazé ns Equipame ntos públ icos Escol as S e m pre dominância LIMITE DIS TRITO LEGENDA

Fonte: Geosampa. Mapa 12 Zoneamento do dis trito do Pari de acordo com plano vigentediretor(2022). Fonte: Geosampa. 75

É preciso ressaltar que na contagem por imóvel, conta-se um shopping por lote, assim como se conta também um bar por lote. É desproporcional, mas não há outra forma de quantificar, a não ser pelo imóvel; outra maneira seria indicar a área construída, o que só pode ser feito pelo dado do TPCL. Há, ainda: 390 imóveis com usos mistos; e 631 imóveis com indústria, galpão, de pósito, almoxarifado – destes, 74 são oficinas (PACCA, 2010: 83). Este segundo período de conso lidação também é marcado por uma nova onda de imigração, concomitante ao processo de crescimento das indústrias e co mércio. A região passa a contar com a presença de imigrantes árabes, espanhóis, judeus, armê nios, gregos, chineses e japone ses. Essa configuração de mul ticulturalidade será mantida até os dias de hoje, no entanto com maior predominância da popula ção das ondas migratórias mais recentes, como os migrantes nordestinos da década de 1970 e os coreanos, bolivianos e pa raguaios, a partir dos anos 1980

Mapa 11 Usos atuais do distritodoPari

“sub-centralidade” com relação ao polo regional Brás – isto é, o espaço determinante da estru tura urbana onde se realizam as atividades responsáveis por um considerável número de empre gos e de produtos disponíveis ao consumo da população em geral (VILLAÇA, 1998). No Pari os usos são diversificados. Há 79 usos institucionais, 119 estabelecimentos comerciais, incluindo 2 sho ppings e 71 bares, “botecos de esquina”.

(PACCA, 2010: 59). Entre todos os distritos de São Paulo, o Pari é até hoje o que mais perdeu em população, ao lado do Brás. Considerando os dados dos Censos Demográficos o do Instituto Brasileiro de Geo grafia e Estatística (IBGE), além das pesquisas da Fundação Sis tema Estadual de Análise de Da dos (SEADE) e das estimativas populacionais do Departamento de Estatística e Produção de In formação (DIPRO) da Secretaria Municipal de Planejamento (SEM PLA/PMSP, 2006), é possível ob servar uma tendência de decres cimento da população do distrito a partir de 1970. A causa desta perda populacio nal e a baixa densidade demo gráfica na região é apontada por Pacca (2010), como resultante da falta de interesse do mercado imobiliário em investir no bairro, que intercorre na baixa densida de construtiva se transformando também em baixa densidade ha bitacional, dado por um parado xo da própria lógica do mercado: apesar do distrito ter muitos imó veis vacantes, muitos o deixam em razão dos altos preços dos aluguéis, sendo obrigados a pro curar moradia na periferia. Além disso, nas últimas décadas do sé culo XX passa-se a observar uma mudança de uso do distrito em geral, no sentido de consolidação enquanto polo de comércio popu lar subsidiário do distrito vizinho, brás. O “Bairro Doce” pouco a pouco dá lugar para o bairro das trocas, do comércio atacadista e dos galpões e depósitos comer Háciais.também de se considerar que o distrito registra um dos índices de violência mais altos do muni cípio (SEADE, SEMPLA, 2008, SS P-SP, 2017), que contribui para o fomento de um estigma sobre a região. São frequentes nos jornais as notícias negativas, li gadas a contravenções como apreensões de cargas ilegais e vendas de produtos pirateados, ou também como violências ur banas corriqueiras além de uso e venda de drogas. De acordo com os dados da Secretaria de Segu rança Pública do Estado de São Paulo, em 2017, o distrito confi gurava na décima quinta posição em número de assaltos, quarta posição em número de homicí dios e na primeira posição em número de furtos. Imagem 37 “Sujeira e mendigos tomam conta do Pari”. O Estado de São Paulo. 9 de novembro de 1993. São Paulo - SP. Fonte: Arquivo Histórico Municipal de São Paulo 76

No perímetro tratado, que con siste na Rua Padre Vieira, entre os limites dos bairros do Pari e Canindé, há uma concentração de equipamentos de assistência social que atende esta população mais vulnerável, como os Cen tros de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP), os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e os Centros de Referên cia Especializado de Assistência Social (CREAS), de modo que se observa uma grande circulação da população em situação de rua na região, que costuma se migrar diariamente no território entre locais de maior ofereci mento destes serviços. Os dados do Censo Pop Rua realizado pela Secretaria de Desenvolvimen to e Assistência Social (SMADS), apresentam que em 2015 havia no Pari 897 pessoas em situação de rua. Já a Pesquisa Censitária da População em Situação de Rua em 2019, realizada pela Secreta ria Municipal de Desenvolvimen to e Assistência Social (SMADS), apresenta a soma dos bairros administrados pela subprefeitu ra da Mooca, tendo 4.779 pesso as em situação de rua. Há também no distrito uma con centração de habitações de in teresse social, como o Conjunto Habitacional Olarias e os CDHUs Pari F e Pari D. Há também a per manência histórica de moradores encortiçados, além de um núcleo de favela consolidado. a Ou seja, falamos de condições de habita bilidade (ou não-habitabilidade) historicamente interconectadas à condições de vulnerabilidade social e marcadas pelo menos prezo e visões pejorativas. De acordo com o Mapa da Vulnera bilidade Social da Cidade de São Paulo, realizado pelo Centro de Estudos da Metrópole da Univer sidade de São Paulo (CEM-USP, 2010), o número de pessoas em média vulnerabilidade no pari é de 9.765, e de alta vulnerabili dade de 849, e, considerando-se o contexto atual (2022), de apro fundamento da crise econômica e período de pandemia, é de se considerar que estes números já ultrapassem em algumas cente Acrescenta-senas. a esse processo de estigmatização o fato de que as minorias sociais que residem na região atualmente, predomi nantemente coreanos, bolivia nos, paraguaios além dos nor Imagem 38

Fonte: Arquivo Histórico Municipal de São Paulo 77

transformam“ShopingsParina‘nova25’”.CadernoCotidiano.JornalFolhadeSãoPaulo.Agostode2017.SãoPaulo-SP.

destinos, estão na parcela dos imigrantes e migrantes invisíveis e indesejáveis, mas ainda assim indispensáveis. Falamos dos imi grantes que trabalham em situa ção precária, por vezes análoga à escravidão, nas empresas têxteis ou na condição da informalidade como vendedores ambulantes ou, no caso das mulheres, no tra balho doméstico ou de faxina em escritórios. Concluímos que o Pari é um distrito provido de equipamentos públicos, de infraestrutura e localização boa e central disponível e não periférico. Mesmo assim não atrai o mercado imobiliário, porque concentra uma sé rie de usos e atividades [...] associados às classes mais pobres e que o fazem ser tratado com menosprezo. Esse re púdio é de natureza ideológica, pois, mesmo que haja aspectos que revelem estagnação, como nos fenômenos rela tados acima, não há nada de desprezível, errado ou condenável nisso. O que realmente acontece é que as atividades como bares, estacionamentos, oficinas mecânicas, imóveis abandonados, cor tiços e favelas e, mais ainda, imigrantes pobres, religiões tidas como exóticas que são atividades e pessoas conside radas “marginais” pelo pensamento dominante. Chamar de estagnado é a maneira de expor um preconceito, ou seja, é uma forma ideológica de se referir ao bairro como inferior – uma mácula que carrega o desdém pelas classes mais pobres. Esse menosprezo das classes mais altas está ligado à po pulação que elas consideram marginal, embora seja um contingente popula cional importante na construção da cidade e da sociedade; no entanto o bairro ocupado por esse contingente é alvo da ideologia da estagnação como conceito pejorativo que contribui para desqualificá-lo (PACCA, 2010: 242). Em termos de organização dos moradores, o bairro encontra do pelo Movimento de Mulheres Olga Benário conta com uma vida social muito pouco movimentada. Atualmente, os pontos de concen tração de maiores atividades gre gárias são em geral as igrejas. A Sociedade amigos do bairro do Pari, que já foi uma das principais porta-vozes de reivindicações, não tem mais realizado ações no território. Existem outras enti dades, principalmente ligadas às igrejas e ao trabalho assistencial aos imigrantes, mas, durante a pandemia em especial, obser vou-se um vazio representativo e também a insuficiência de assis tência frente ao aumento vertigi noso da insegurança alimentar e fome – um reflexo fiel da situação dramática do país todo. O traba lho político do MMOB, assim, se insere por expor uma série de violências ocultas, num território ele mesmo invisível. Mapa 13 Equipamentos, favelas e cortiços no distritodoPari Fonte: Geosampa. 78

EQUIPAMENTOS C ULTURA ES PAC OS C ULTURAIS C ULTURA MUS EUS C ULTURA BIBLIOTEC AS C ULTURA TEATRO C INEMA S HOW AS S IS TENC IA S OC IAL S AUDE MULHER S AUDE OUTROS S ERVIC OS ES PEC IALIZADOS S AUDE UNIDADE BÁS IC A S AUDE PES S OA DES APAREC IDA S AUDE PES S OA IDOS A INFRAESTRUTURA C AS A LAUDELINA ES TAÇ ÃO METRÔ LINHA DE TREM LINHA DE METRÔ FAVELA C ORTIÇ O LIMITE DIS TRITO LEGENDA 79

do edifício Olevantamento documental do edifício é uma das ferramentas que possibilita a compreensão tanto de seus aspectos formais, como a sua linguagem construtiva e materialidade, quanto a compreensão am pla de sua condição de historicidade e elemento simbólico da memória urbana. A partir de visita ao Arquivo Geral do Município no dia 14 de ju nho de 2022, foi possível levantar os registros que indicam os primeiros pedidos de alvará de construção de um prédio de dimensões relativa mente modestas na rua Padre Vieira. Relacionando a documentação en contrada, que inclue os primeiros pedidos de alvarás, plantas, desenhos técnicos e memoriais descritivos à história do bairro, , é possível então reconstituir, ainda que com uma série de lacunas, a história deste lugar. Em 12 de abril de 1945, o proprietário Mario Silva dá entrada ao pro cesso de pedido para construção de um edifício com cerca de 500 me tros quadrados, de projeto produzido pelo engenheiro Paulo d’Amore.

Trata-se de um prédio alinhado à rua, de estrutura mista entre alvena ria e concreto armado, com dois volumes conectados pelas laterais do imóvel e articulados por uma área de pateo interno. O primeiro volume, abrigando no térreo uma área de fabricação de tecidos e uma loja, e no superior a moradia do proprietário. Já o segundo, consistindo por um grande e amplo galpão térreo, que concentraria a maior parte da ma Estenufatura.primeiro projeto é já praticamente a versão final do edifício cons truído, tendo sido acrescido apenas mais um pavimento que se articula diretamente à rua, com objetivo de abrigar um escritório, acima da área de fabricação de tecidos do primeiro volume. Com esta volumetria per Imagem 39 Da esquerda para dire ita, de cima para baixo: memorial descritivo fi nal aprovado do projeto, descrevendo das técni cas e materiais da con strução; primeira facha da aprovada; segunda fachada aprovada, com acréscimo do segundo pavimento do galpão frontal. Fonte: Arquivo Geral do Município de São Paulo, visita em junho de 2022 80

histórico

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manece até os dias de hoje, tendo sido modificado apenas em suas divisões internas. Não é possível saber ao certo em que data a fábrica de de tecidos da lugar a outras modalidades de uso, mas a partir de conversas com os moradores da região e observação cotidiana, obteve-se a informação de que o prédio é parcialmente ocupado por uma cozinha industrial - no segundo volume -, que serve almoço aos trabalhadores do comércio nas proximidades do local, em algum acordo de prestação de serviço à estas empresas, há cerca de 20 anos. Além disso, o espaço que abriga a moradia no segundo pa vimento também não tem regis tros de ter sido desocupado em todo este período,. Já, graças ao material encontrado no momento da ocupação, foi possível apreen der que a área que o movimento de mulheres atualmente ocupa, foi por uma série de anos prova velmete um galpão de depósito de produtos de beleza. Um aspecto que chamou atenção especial durante o processo de pesquisa histórica foi poder des cobrir, mais que o proprietário e o projetista, mas de fato como seria então este espaço vivido em seu cotidiano. No memorial des critivo aprovado pela prefeitura em 1946 consta “o número de operários: serão um total de 16 mulheres em toda a fábrica”, uma informação que salta aos olhos e automaticamente produz asso ciações ao presente com certa medida de poeticidade: uma ma nufatura onde por décadas mu lheres empreenderam sua mão de obra na criação de um dos materiais mais fundamentais e nunca tiveram acesso às rique zas que produziram, é ocupada então, 75 anos depois, por uma nova geração de mulheres tra balhadoras, desta vez não para enriquecimento de um proprietá rio, nem para a realização de tra balho produtor de mercadorias, mas sim o trabalho do cuidado, do acolhimento, num estado de greve permanente, cuja reinvin dicação principal são suas pró prias vidas. Imagem 40 Registro parcial de pro jeto técnico aprovado, incluindo a modi ficação no emPaulo,doFonte:pavimento.segundoArquivoGeralMunicípiodeSãovisitarealizadajunhode2022.

Ilustração 14 Desenho de observação de objetos e fragmen tos arquitetônicos do Autoriaedifício. própria. 82

Piso: serão no salão da fabrica e almoxarifado cimentados nos compartimento sanitarios ambulatorio cosinha e armazem serão de ladrilhos typo ceramicos, ao redor da construção sera cimentado. os pisos da comodos principais serão de madeira. Esquadrias: todas janelas que se refere a construção da fabrica sera de ferro “T” typo bascula, as do predio serao madeira typo venezianas, as portas serão de ferro e madeiras. Agua e Exgoto; sera feita instalações de acordo com as posturas da repartição competente. Pintura sera feita nas paredes a cal, e nas esquadrias a oleo. Conteúdo textual do primeiro memorial de scritivo com registro na Prefeitura de São Paulo, em 1945 Fonte: Arquivo Geral do Município de São Paulo, visita em junho de 2022 83

MEMORIAL DESCRITIVO Proprietario Mario da Silva Proj-Lic-Constr-Resp. Paulo D’ Amore Fins da construção fábrica de sedas Modo de construir. Estaqueamento de madeira a profundidade necessaria a consistencia do terre, sobre o mesmo sera feita vigas de concreto.

Paredes: serão de alvenaria de tijolos asento com argamassa de cal e areia, serão revestidas com duas demão de reboco interna e externamente, sendo no almoxarifado deposito e salão da fabrica imermeabilisadas as paredes até altura de 2 metros nos compartimento sanitarios e ambulatorio, sera colocado azulejos ate altura de 1,50 Cobertura: será de madeira de perobá as armações e cobertura com telhas de barro ou telhas de cimento e amianto, levara calhas e condutores em numero suficiente em chapa gal, para aguas pluviais.

a experiência da casa laudelina de campos melo ocupar, resistir e03transformar:

ocupar

Ilustração 14 Na sequência à direita, mulheres num ônibus durante a madrugada empulhando vassouras. Chegando a seu destino, rapidamente se dividem entre as que adentrarão ao prédio e as que com destreza estenderão a faixa. Realiza-se a festa do chá de bebê, e nasce a ocupação Laudelina de Campos DentroMelo. do prédio: caixas e caixas de produtos de beleza vencidos por muitos anos no primeiro andar, um segundo andar repleto de entulho composto por tijolos, telhas, vergalhões e todo tipo de material de construção abandonado. O telhado, com estrutura em vias de deformação por não suportar o peso das poucas telhas que restavam, abria clareiras para um ambiente que se tornava hóspito à proliferação da fauna (pombos, ratos e baratas), e completamente inóspito ao desenvolvimento à qualquer atividade humana. No entanto, a mão coletiva se faz máquina em pleno vapor e com correias de transmissão em estado temperadas por aço. Desde o primeiro minuto na casa já se conduz um trabalho mutirante, especialmente no caso deste prédio que se encontrava em estado de completo abandono.

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Ilustração 15 87

Ilustração 16 Os primeiros mutirões se focaram na atividade de garantir a habitabilidade mínima do local. Em princípio, se estabeleceu as condições mínimas para realização de atividades no salão do pavimento térreo, com a limpeza parcial do local (região da frente com acesso a rua), ligação de água, montagem de uma pia improvisada e ligação de Aenergia.partir disso, foi possível organizar os trabalhos de mutirões mais complexos. Em primeiro lugar, retirar todo entulho do pavimento superior, que não só trazia risco sanitário - por ter se transformado em abrigo para pragas urbanasmas também risco estrutural para o edifício como um todo, já que este estava realizando uma sobrecarga na laje superior, que estava sendo por anos remediada por estes pontaletes que obstruíam boa parte do térreo. Em segundo lugar, reforçar a estrutura da cobertura e realizar uma troca integral do telhamento. Feito este árduo trabalho que durou cerca de dois meses, retomou-se a reabilitação do térreo. Sem a sobrecarga na estrutura, foi possível retirar os pontaletes de químicatambémporquímicoscaixascompletamentetérreo,dafoiConcomitantemente,madeira.tambémsendorealizadaalimpezasalalateralnopavimentoqueseencontravapreenchidaporqueguardavamprodutosecosméticosvencidosmuitosanos,representandoumriscodeexposiçãoaosusuáriosdoedifício.

reavivar 88

À esquerda e à direita, o processo de reforço retelhamentoe da calçadalocalizadaparadestetransferênciaosuperior.dorecolhempás,Àespaço;aamutirantesÀreforçopontaletesseestanteemÀcobertura.esquerda,cimadacomeça-aretirarosdeestrutural.direita,erguemestantedeaçoereacomodamnoesquerda,commutirantesoentulhopavimentoÀdireita,processodeentulhoacaçambanadotérreo;

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amadurecer 90 Ilustração 18

À salãosobrelinhadepoisalmoçoalimentospreparamvoluntáriasrespectivamente,eÀcriança;derealizadireita,apoiadoras.feitoshigieneeabsorventesdefotoocupaçãomulheresÀsuperior;pavimentonofeiraprodutosexpõemprodutorasÀdiscussãoumareunemmilitantesesquerda,separaleituraecoletiva.direita,pequenasseusnumacolaborativaespaçodoesquerda,datiramcommontantedoaçãodeprodutosdeíntimaporÀvoluntáriaoficinacosturacomesquerdaàdireita,paraumsolidárioeosdispõenadeproduçãoamesanotérreo;

Ilustração 19 Estabelecidas as condições de habitabilidade mínima, mesmo com algumas dificuldades cotidianas e precariedades, foi possível passar a desenvolver atividades no local e aos poucos ir estabelecendo os usos e vocações espaciais de cada Oambiente.salãodo térreo foi se qualificando como o ambiente mais utilizado nos dias de semana, onde se desenvolvem atividades da ordem do cotidiano como cozinhar, oficinar, realizar pequenas reuniões e também as primeiras mediações para o atendimento às mulheres em situação de violência. O pavimento superior foi se estabelecendo como local de assembleias, reuniões maiores e que requerem mais concentração, que o contato com a rua que existe no térreo impõe Jádificuldades.asalalateral do pavimento térreo, por conta de suas dificuldades como falta de iluminação e ventilação natural, foi um dos últimos espaços a ser reabilitado, mas aos poucos foi possível passar a utilizá-lo, em especial para conversas reservadas e sessões de atendimento psicológico e jurídico individual às mulheres. 91

92 Ilustração 20

A simples documentação de um es paço ocupado em seu cotidiano é um processo em que se encontram mais dificuldades do que se pode aparentar. O dia-a-dia transcorre e se o olhar não se orientar de for ma atenta, o espaço se transforma sem se fazer notar, e de repente, encontramos outra conformação, outras formas de usos e perma nências. Assim, muito logo notou -se a necessidade deste olhar mais próximo e cuidadoso, que a lingua gem da narrativa visual pôde ex pressar com maior facilidade. Os desenhos, realizados a par tir tanto de registros fotográficos como da memória do espaço pro curam refletir essas possibilida des de novos códigos espaciais que dêem identidade a este lugar. Mas ainda é difícil captar a dimensão do real: uma mesa que em um dia está em um local cumprindo uma função específica, outro dia está em outro cumprindo uma função completamente diferente; de uma semana a outra um sofá novo; de uma manhã para uma tarde, uma nova leva de doações instaura o caos e tudo se desorganiza, no dia seguinte vão se agrupando as vo luntárias e se restaura a ordem. E em meio a tudo isso, os atendimen tos e o trabalho do cuidado espe cializado a mulheres em situação de vulnerabilidades não deixam de Osacontecer.trêsambientes

da ocupação são vazios articulados pela multi plicidade de usos que se desenvol vem no local. Destaca-se o papel do ambiente do salão do pavimen to térreo, representado na figu ra ao lado: onde se faz a conexão direta com a rua e desta forma a mediação inicial da população com o espaço. Por vezes ali, na região da porta, armam-se as araras e organiza-se um brechó. O que pa rece ser uma simples iniciativa de finanças se torna um chamariz, e mulheres em situação de violência que não se sentiriam confortáveis para adentrar uma delegacia ou uma casa de referência nos moldes padronizados, por vezes entram, vasculham as roupas e terminam por realizar um atendimento.

A cozinha, que carrega o símbolo do aprisionamento doméstico das mulheres e no Brasil, em especial, também da extratificação de raça e classe, aqui é o coração do lugar: um órgão central, que pulsa, injeta sangue entre as veias do edifício e conduz o ritmo das atividades no espaço. Encontra-se no canto es querdo, entre uma divisória rea proveitada e uma parede com al venaria exposta, em uma cuba de estrutura improvisada, um fogão com algumas bocas desfuncionais e uma geladeira que por vez ou ou tra não funciona. Ali é feito desde o cafézinho das visitas e mulheres atendidas, os almoços de solida riedade, cochichos e conversas importantes de assuntos políticos. Falamos de um espaço que se en contra entre uma fronteira dialéti ca do público e o privado. Um local onde se cozinha, se descansa, por vezes se dorme e se asseia. Um local de reprodução da vida. No entanto, falamos de um espaço de vivência pública, comum e urbana, um espaço de ágora e um espa ço de festa. Aos que enxergam de fora, uma dinâmica possivelmente inapreensível. Aos que estão den tro, um cotidiano de enfrentamento e coragem. Ou seja, aos que estão dentro, mundo. 93

94 Ilustração 21

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cortes _esc 1:150 96

No segundo semestre de 2021, brevemente após os primeiros muti rões que garantiram a utilização do espaço da CRM integralmente, foram realizados levantamentos arquitetônicos e de patologias pre diais, a fim de nortear e quantificar as futuras intervenções. Primei ramente, durante o mês de maio de 2021, foi realizado o levantamento métrico de toda parte do edifício que o movimento ocupa, e neste mes mo mês, também o levantamento dos danos e em consequência a área de interferência de cada tipo, em toda área interna e na fachada.

levantamentos

A partir deste processo foi possível identificar como principais mani festações patológicas a presença de grande áreas de desplacamento de argamassa ao longo das paredes, bastante comum em edifícios his tóricos. A possível causa para este fenômeno é a alta quantidade de camadas de pintura com tintas acrílicas, de bases impermeáveis, que quando combinadas com a argamassa da construção, à base de cal e areia - extremamente porosa e plástica - geram um processo de reten ção de umidade e consequentemente rompimentos.

Outra patologia bastante comum encontrada é a colonização biológica nas paredes, possivelmente gerada pelas condições de precariedade e abandono do edifício, mantido completamente fechado, sem ventila ção e parcialmente destelhado por anos. Além disso, no andar inferior também se observa casos de eflorescência salina. Isto é, um processo que envolve

DESPLACAMENTO DE ARGAMASSA (SOM CAVO) A REPRODUZIR OBTURAÇÃO EFLORESCÊNCIADESCARACTERIZADORACOLONIZAÇÃOBIOLÓGICA ÁREAS ASSOREAMENTO DE PISO LACUNA A DESCASCAMENTOFISSURAÇÃORECONSTITUIR(DEPINTURA) 25,42 m2 5,86 externa41,05m2m2= 1.47m2 interna = 29,00m2 15,121,72m222,04m2M2 MAPEAMENTO DE DANOS QUADRO DE ÁREAS 57,31 m lineares ARGAMASSADEDESPLACAMENTO REPRODUZIRACAVO)(SOMDESCARACTERIZADORAOBTURAÇÃO EFLORESCÊNCIABIOLÓGICACOLONIZAÇÃO ÁREAS PISODEASSOREAMENTORECONSTITUIRALACUNA PINTURA)(DEDESCASCAMENTO m225,42 m25,86 m241,05 1.47m2=externa 29,00m2=interna 1,72m2m222,04 M215,12 DANOSDEMAPEAMENTO ÁREASDEQUADRO 18 17 16 15 14 13 12 11 10 9 8 7 6 5 4 2 1 m²99.77SALÃO TÉRREO m²44.76DEPÓSITO m²9.60CIRCULAÇÃO m²1.321W.C. m²2.402W.C. ARGAMASSADEDESPLACAMENTO REPRODUZIRACAVO)(SOMDESCARACTERIZADORAOBTURAÇÃO EFLORESCÊNCIABIOLÓGICACOLONIZAÇÃO ÁREAS PISODEASSOREAMENTORECONSTITUIRALACUNA FISSURAÇÃOPINTURA)(DEDESCASCAMENTO m225,42 m25,86 m241,05 1.47m2=externa 29,00m2=interna 1,72m2m222,04 M215,12 DANOSDEMAPEAMENTO ÁREASDEQUADRO linearesm57,31 18 17 16 15 14 13 12 11 10 9 8 7 6 5 3 m²99.77SALÃO TÉRREO m²44.76DEPÓSITO m²9.60CIRCULAÇÃO m²1.321W.C. m²2.402W.C. m²108.63SALÃO SUPERIOR m²2.402W.C. m²108.63SALÃO SUPERIOR m²2.402W.C. planta térreo _ esc 1:150 planta superior _esc 1:150 autoria própria (2021) autoria própria (2021) 97

ÁREAS MAPEAMENTO DE DANOS Imagens 41 e 42 À direita, parede com presença de eflorescência produziunizaçãodesplacamentosalina,deargamassaecolobiológica.Àesquerda,regiãodafachadaemqueseverificaumasériedemanifestaçõespatológicas-umaobturaçãoerrônea,quepossivelmenteumafissuraetambémondedeuumaproliferaçãodefungosevegetação Foto: própria,Autoria2021 fachada _esc 1:150 autoria própria (2021) 98

EFLORESCÊNCIADESCARACTERIZADORACOLONIZAÇÃOBIOLÓGICA ÁREAS

ASSOREAMENTO DE PISO LACUNA A

DESPLACAMENTO DE ARGAMASSA (SOM CAVO) A REPRODUZIR OBTURAÇÃO

MAPEAMENTO DE DANOS QUADRO DE ÁREAS 57,31 m lineares sais de metais alcalinos (sódio e potássio) e alcalino-terrosos (cálcio e magnésio) presentes na argamassa ou no substrato, que quando dis solvidos em água migram no sentido da superfície, cristalizando-se. No pavimento térreo, ademais, registrou-se grandes áreas de assorea mento do solo na região do salão inferior. Um fenômeno possivelmente gerado pela alta quantidade de carga de entulho depositada por anos na superfície do piso, composto por uma camada de pouca espessura de cimento e em consequência com relativo pouca resistência ao im pacto, e que também não contém camada de impermeabilização. A presença de entulho e alta carga acidental na laje do salão supe rior também causou alguns danos estruturais permanentes no edifí cio. Destaca-se nesse caso uma grande fissura na fachada, no sentido descendente, que parte do canto superior que contém a esquadria de ferro no salão superior - um fenômeno de provável cisalhamento de vido a alta tensão distribuída por esta carga. Foi realizada medição e anotação in loco do tamanho do vão da fissura, para que num futuro próximo seja possível verificar se esta ainda está em movimentação ou se se encontra estacionária, uma medida que facilita a quantificação do grau de risco estrutural desta patologia. Imagem 43 Região da laje em que se observa ar madura do concreto exposta. Foto: Própria,Autoria2021 99

DESCASCAMENTOFISSURAÇÃORECONSTITUIR(DEPINTURA) 25,42 m2 5,86 externa41,05m2m2= 1.47m2 interna = 29,00m2 15,121,72m222,04m2M2

autoriainfraestruturaproblemaspatológicasmanifestaçõesdeedeprópria

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habitabilidadeesquadriasoriginaisdeterioradasevidrosquebradosfaltadeventilaçãoeiluminaçãonodepósito invasão de animais e insetos manifestações patológicas superioremsobrecargalajesalão obturações errôneas na fachadasobrecarga na estrutura dacoberturacobertura com telhas faltantes e falta vedaçãode infiltrações laje salão superior infiltrações parede salão estruturasuperiorda cobertura fletida e com trincas infiltrações laje salão superior paredesinfiltraçõestérreo fachadarachadura fissuração paredes pavimento inferior paredesbiológicacolonizaçãoemdosalão térreo e superior emdesplacamentosparedesdo salão térreo e superior mapeamento

atualizadolegenda em junho desolucinara2022solucionarsolucionadocom urgência setas causalidadeindicam

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esgoto do banheiro superior danificada cozinha provisória - falta de tubulação de esgoto na nova pia vizinhocompartilhadacaixainstaladadegorduracomposterior danificada elétrica distribuição de energia por fiação exposta em todo o edifícioligação do chuveiro sem disjuntor específico pontos de descobertostomada contrasegurançaincêndioausênciadeiluminaçãodeemergênciarotadefuganacirculaçãodosalãosuperiorobstruída falta naimpermeabilizaçãodemarquisetubulaçãodacalhaincompleta rota de fuga na circulação do depósito obstruída ausência de fita anti-derrapante na escadaportado corredor com abertura no sentido errado

hidráulicatubulaçãode

Um ano após o início da ocupação, passados os primeiros mutirões, e verificando as condições de permanência da Casa Laudelina no atual imóvel, delineou-se um novo corpo de reparos e requalificações a ser empreendido. As reformas ao longo de 2021, que conseguiram suprir as necessidades imediatas e dar condições mínimas de viabi lidade à ocupação, um ano depois já não supriam a demanda de um uso que aos poucos se estabeleceu e se condicionou. O corpo de ativi dades realizados no espaço da CRM, que em março de 2021 ainda se fazia tímido, floresceu e se estabeleceu, e assim também suas novas Odemandas.ocupar,em especial no que tange um modelo não necessariamente atrelado a um programa de projeto específico como a moradia, coloca então desafios ao projetista - enfatizando também o caráter processual da própria prática do assessoramento técnico. Era difícil elaborar um programa de necessidades para a Casa em 2021, não só pela extrema dificuldade de se estabelecer as condições mínimas de habitabilidade, mas também por ainda não se ter determinado ao certo qual o papel daquela ocupação diante das demandas do território, ainda a ser assi milado pelas mulheres do MMOB. A partir do próprio exercício anterior, do desenho de uma espécie de etnografia espacial, além de um amplo proceso de discussão e expe rimentação cotidianas neste lugar, criam-se então as condições para elaboração de um programa de necessidades, e consequentemente o programa construído da edificação. Ou seja, a atividade de projeto necessitou de uma etapa anterior que seria esta propriamente uma etapa de constituir metodologicamente este tipo de projeto.

Tendo estas questões em vista, compreendeu-se que o espaço da casa se estrutura em seu cotidiano, fundamentalmente, diante de duas dinâmicas complementares. No térreo, tratamos de uma vivência diária mais relacionada aos aspectos da reprodução da vida, especial mente por ser o espaço em que se localiza a cozinha coletiva e em que há troca direta com a rua. Aqui, se realizam as refeições coletivas, os atendimentos iniciais e também os atendimentos especializados - na região da porta e no salão adjacente, respectivamente -, além de reuni ões abertas de menor porte e o brechó da ocupação. O fato de estar no mesmo nível da calçada e ter esta fachada com abertura diretamente para a rua propicia, assim, esta riqueza de ocasiões e encontros de potencialidades. Já no pavimento superior, que conta apenas com um grande salão e um banheiro adjacente, se constituem dinâmicas mais 102

práticas alternativas: o projeto

da ordem da esfera da vida pública, política. Por se conectar ao térreo através de uma escada e um corredor, e ser apenas um grande vazio praticamente sem móveis, acaba por abrigar os conjuntos de ativida des que requerem maior concentração do coletivo, como assembleias deliberativas, cinedebates e todo tipo de operação que demande maior público, como feiras abertas para expositoras independentes. A partir de reuniões conjuntas com profissionais e a coordenação da casa, foi possível estabelecer um programa que contemplasse as necessidades imediatas e desejos futuros. Até a própria dificuldade de obtenção de recursos para obra, considerando que falamos de um espaço auto-financiado, demandou que se estabelecesse as potenciali dades já constituídas no espaço e se enumerasse com bastante asser tividade de que formas estas intervenções ajudariam dar qualidade a estas vocações. Ou seja, o espaço que constitui a ocupação, os três ambientes delimitados por paredes de alvenaria e colunas de concre to, passou a assumir uma série de funções, e neste exercício projetual se estabeleceu atribuições diferenciadas ao projetista. A estas tange, principalmente, a capacidade de articular os vazios construídos em que se prese a qualidade ambiental, ao mesmo tempo que se possa constituir a maior variabilidade de atividades respeitando as claras divisões necessárias. Afinal, falamos da constituição de um espaço que possa acolher, respeitar e integrar, ao mesmo tempo, mulheres em situações de vulnerabilidade bastante diferenciada umas das outras. O conjunto de necessidades mapeados para o espaço atual, a serem supridas nesta intervenção dos meses de maio, junho e julho de 2022, se estabeleceu como: sala de reunião grande para assembleias; sala de reunião reservada; local de brincar, principalmente para as mulhe res atendidas que levam crianças; espaço de atendimento de triagem das mulheres; espaço reservado de atendimento às mulheres; local de cozinha; espaço de exposição do brechó; espaço de oficina; espaço para armazenamento de roupas do brechó; espaço de armaze namento de outros itens da casa, como almoxarifado de itens de manu tenção. Além disso, estabeleceu-se como metas de usos futuros um espaço para silk e local de dormir. Nesta etapa de divisão programática ressalta-se, como caso funda mental de diferenciação desta forma de CRM, o entendimento de necessidades espaciais alternativas para realização de formas perso nalizadas de atendimento às mulheres. Durante a prática diária na casa, observou-se que este processo acaba por se segmentar em dois tipos: por vezes, a mulher não quer ser atendida de forma reservada, muito por ainda não ter sequer capacidade de elaboração acerca da violência sofrida, de forma que prefere a estrutura de uma roda de conversa, ou mesmo puxar algum assunto enquanto remexe as roupas 103

estudos;

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Ilustração 22 Acima: fluxograma de trabalho indicando as etapas de reflexão sobre o projetoAbaixo: diagrama de divisão de fluxos na planta do pavimento térreo e superior. Autoria própria, 2022

no varal do brechó. Todavia, ainda que com nuances, também é neces sário o espaço “tradicional” da sala reservada e vedada de som, em especial para realização dos atendimentos com as profissionais espe cializadas, como psicólogas e advogadas. Desta elaboração, segmentou-se então o programa da edificação a ser consolidado, especialmente pelo exercício da elaboração de quais usos podem e quais não podem coabitar o mesmo ambiente. Assim, definiu -se por delimitar no salão do pavimento térreo: próximos à porta prin cipal, a área de triagem do atendimento e do brechó; no meio do salão, as áreas flexíveis de estar, de brincar e de reuniões informais; no fundo do salão, a nova cozinha e a futura área para estamparia, dada a condição de maior facilidade de ligação da infraestrutura à rede de esgoto. Já na sala lateral próximo ao térreo, optou-se pela não usual, mas funcional, combinação do programa do atendimento reservado e do depósito/oficina, a serem separados por uma divisão em tecido de chita. Neste caso, definiu-se essa conformação pois para oficina e depósito é importante que haja conexão direto com a rua, em espe cial para facilitar a recepção de doações sem atrapalhar a dinâmica dos outros espaços da casa. Além disso, as atividades de marcenaria e oficinas em geral costumam ser nos fins de semana, enquanto as ativi dades de atendimento reservado ocorrem nos dias de semana, não havendo conflito, portanto, na combinação destas duas num mesmo ambiente. No salão do andar de cima escolhemos combinar a área de estudos, setoriazada na região de fundos, que tem menos ruído da rua, com um layout livre para manutenção da condição de espaço de assembleia na área restante. Novamente, foi possível coadunar estas duas formas de uso pois a área de estudos é utilizada principalmente durante os dias da semana, enquanto as plenárias e eventos maiores são usualmente realizadas em fins de semana, quando é possível se reunir mais pessoas. Ressalta-se também a opção consciente de não desenhar e dispor de um layout pré-definido, isso especialmente pois falamos de um espa ço de modificação constante. Até o momento, todo mobiliário presen te na casa ou já estava no momento da ocupação e foi reabilitado, ou foi fruto de doação. Com o próprio material que antes se fazia entulho no prédio, como as estacas de madeira que ajudavam a sustentar as toneladas de lixo no andar de cima, foi possível constituir um almo xarifado rico em madeira, que já foi utilizado em alguns projetos de móveis e melhorias incrementais, e será incorporado nas intervenções futuras. Ademais, a grande quantidade de doação de todo tipo de equi pamento e mobiliário costuma impor desafios às mulheres que organi zam as atividades na casa, mas garantem também uma dinamicidade e mudança constante na conformação dos espaços. 105

dias de semana fins de semana 106

dias de semana fins de semanaIlustração 23 Exemplos de usos diversificados no cotidiano do edifício após a reforma, na sala lateral do térreo e no salão do pavimento superior Autoria própria, 2022 107

Após a etapa de organização do programa, foi feita uma lista de serviços a serem realizados, elencando-se as prioridades. A partir desta, organizamos um orçamento geral da etapa de obra, com base em tomada de preços públicos. Esta ação foi importante para o movimento arrecadar contribuições e divul gar a pretensão da obra. Aqui, o processo de identificação da materialidade e aspectos da forma construída do edifício entre o fazer-comum do início do sécu lo XX deu perspectiva de critici dade à intervenção. Circunscre vendo-se sempre às alternativas executáveis diante das condi ções materiais do movimento este desenvolvimento, no geral, ocorreu com poucos dilemas. Um exemplo das intervenções de maior escala no edifício foi a opção por descascar e expor os tijolos de boa parte de suas pare des. Essa intervenção se mostrou necessária a princípio pois as grandes áreas que apresenta vam desplacamento eram um risco constante aos usuários. No entanto, no progresso da ativida de de descascamento, o aspecto visual do edifício, com suas gran des paredes de tijolos cerâmicos históricos, acaba por agradar visualmente o coletivo. Isso, em combinação ao fato de que a produção de nova argamassa de revestimento seria um grande gasto não previsto, acabou por configurar a solução em manter parte das paredes desta forma “exposta”. Em outras partes em que ocorreu o descascamento, em especial nas mais danificadas por colonização biológica, optou -se pela limpeza destes fungos e em seguida pintura apenas com cal - material de boa aderência ao tijolo maciço e argamassa de assentamento com alto teor de Alémcal. disso, a discriminação de todos os serviços possibilitou a organização dos mutirões de reforma, sempre aos fins de semana, em que se reuniram militantes e apoiadores, tanto profissionais quanto sem experi ência. Assim, foi possível se esta belecer um cronograma de muti rões, bem como a quantidade de pessoas necessárias trabalhan do em cada frente de trabalho, de cada fim de semana. Ilustração 24 Previsão de reconstituição do layout do salão do pavimento térreo após reforma. Autoria própria, 2022 108

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Elencado e desenvolvido a etapa do programa e dos serviços, foi possível segmentar as interven ções no tempo, como facilitador da organização interna e criação de perspectiva para ação imedia ta e Coloca-sefutura. ações que poderiam se dar dentro de políticas públi cas ou integrarem editais espe cíficos, de modo a serem desen volvidos progressivamente, com a colaboração de uma equipe de arquitetos e engenheiros asses sores técnicos. As parcerias com universidades, coletivos, cooperativas e outras entidades podem ser meios signi ficativos de estabelecimento de constituição de redes de solida riedade e de politização deste processo de reforma. Além disso, a execução destas intervenções em forma de oficina, capacita ções e mutirões adquire caráter pedagógico e formativo, alinhan do-se aos princípios do movimen to de Seguindomulheres.esta lógica metodoló gica, organiza-se então as inter venções entre dois períodos determinados, “curto” e “médio”. Opta-se por não desenvolver propostas de intervenção de longo prazo especialmente por este trabalho se delimitar entre o limite do palpável, e conter em seu desenvolvimento boa parte das intervenções discriminadas no período delineado como curto prazo. Além disso, considera-se que tratamos de uma ocupação de apenas um ano, com itinerá rios espaciais ainda em forma ção, e com o próprio trabalho político também em formação, e em modificação constan te. No caso destas ocupações de mulheres, muitas vezes, na negociação nas esferas públi cas, não se mantém o espaço da CRM no mesmo imóvel, pois por se tratar de locais em que não há moradia permanente, a questão da mudança é facilitada. Dessa forma, nesse passo, uma propos ta de longo prazo pouco ofere ceria ao escopo deste trabalho e aos objetivos políticos da Casa Laudelina, pois considera-se ser possível realizar todas as adequações dispostas, de forma a garantir operação da casa em condições bastante adequadas.

curto prazo No curto prazo, que tange a intervenção em parte registrada neste TFG, compreende-se as ações de maior urgência, medidas de manu tenção e reparos que tratam de segurança da edificação, prevenção contra incêndios e garantia de melhores condições de salubridade aos ocupantes do edifício. Ao que compreende a mudanças estruturais no prédio, nesta etapa, falamos especialmente na construção da nova cozinha, que surge como necessidade visto que as instalações desta eram muito precárias, afetando diretamente o dia-a-dia na ocupação. Além disso, consta a pintura completa do edifício, novas instalações elétricas e pontos de iluminação, com propósito fundamental de dar melhor condições de conforto ambiental para o espaço. maio a julho de 2022 No médio prazo, compreende-se as intervenções em maior escala, com maior grau de dificuldade ou de maior investimento de tempo e recursos, que não puderam ser realizadas na reforma de 2022, mas que não deixam de ser necessárias ao estabelecimento das melhores condições de habitabilidade ao ambiente. Destaca-se que é importante que estejam entre uma temporalidade próxima, pois também envolvem questões de segurança e manutenção predial, e que se tidas dentro de um plano de reabilitação do edifício, a depender da conjuntura social e política, tanto externa quanto interna ao movimento, podem ser reali zadas dentro deste prazo estipulado, sem grandes prejuízos. médio prazo de um a dois anos 111

112

reabilitação sala de atendimento/depósito do andar térreo _organização e triagem do excesso de materiais e roupas para se adequarem ao espaço de depósito pré definido; _nova instalação elétrica de iluminação e tomadas; _pintura geral com tinta acrílica _divisãobranca; de área do depósito da área de atendimento com tecido de chita _contribuição financeira de _doaçãoapoiadores;de materiais _mutirão; _profissionais especializados: _melhoreletricistaaproveitamento dos _saúdeespaçose salubridade

construção de nova cozinha _refazimento do contrapiso, assentamento de novo piso em ladrilhos hidráulicos, incluindo rejunte e tratamento com resina; _reparo das alvenarias danificadas por infiltrações e pintura em cal na região de tijolo maciço e tinta acrílica na região com argamassa de cimento; _nova instalação elétrica para infraestrutura (incluindo tomadas de uso geral e de uso específico e novo circuito, em eletrodutos aparentes, _troca de lâmpadas nas luminárias

viabilizaçãodescriçãointervenção

financiamento execuçãoaspectos

existente.conectandohidráulica_instalaçãoexistentesdealimentaçãoedetubulaçãoacubaaoesgoto _contribuição financeira de _doaçãoapoiadores;de materiais _mutirão; _profissionais especializados: assentamento do piso de ladrilho hidráulico, eletricista e assessoria técnica _saúde e _segurançasalubridade;contra-incêndios

113

curto prazo pavimento superior _completar a prumada da tubulação da calha; _refazer conexão do pendural da tesoura da cobertura para retirada das escoras em _instalaçãomadeira; de mais pontos de iluminação e nova instalação elétrica para tomadas; _reparo nas alvenarias danificadas e descascamento de paredes com desplacamento; _lixamento manual, pintura e reposição de vidros quebrados das _reparojanelas;da caixa acoplada do vaso _preenchimentosanitário; de vãos e lacunas no telhado com espuma expansível; _contribuição financeira de _doaçãoapoiadores;de materiais _mutirão; _profissionais especializados: eletricista e assessoria técnica _saúde e salubridade; _melhor aproveitamento dos espaços rotas de fuga e saídas de _aplicaçãoemergênciade corrimãos conforme a instrução técnica -11 do corpo de bombeiros; _aplicação de fita antiderrapante nos degraus; _colocação dos extintores em suportes fixos e sinalização _instalaçãodestes; de iluminação de emergência na rota de fuga do pavimento _sinalizaçãosuperior;dasaída de emergência nos pavimentos térreo e superior; _desobstrução da circulação nas rotas de fuga, garantindo uma faixa de circulação de _organizar1,20m e instruir brigada de incêndio do edifício; _contribuição financeira de apoiadores;_dia-a-diada ocupação, pelas próprias organizadoras, seguindo material de orientação; _profissionais especializados: _segurançaeletricista contra incêndios

114

viabilizaçãodescriçãointervenção

financiamento execuçãoaspectos

melhoria dos banheiross _construção de abrigo para botijões, com passagem de tubulações externas para abastecimento da cozinha; _provisão de botijões maiores para uso comum; _profissionais especializados _saúde e salubridade; instalação de gás _troca de posição da porta do banheiro no andar inferior para o _mudançacorredor;de posição do vaso sanitário e da cuba e refazimento das instalações hidrossanitárias do banheiro do andar _instalaçãoinferior;de ganchos e bancadas de apoio para itens pessoais e de higiene; _reparo das desempenamento,portas:pintura e instalação de trancas; _contribuição financeira de _doaçãoapoiadores;de materiais _mutirão; _profissionais especializados: assessoria técnica _segurança contra incêndios

médio prazo de um a dois anos uso e aproveitamento dos espaços_execução de palco de porte pequeno no pavimento superior com os insumos em madeira _execuçãoreaproveitados;denova bancada para cozinha com os insumos e madeira _instalaçãosuperior;persianas_instalaçãoreaproveitados;decortinasounopavimentodeinfraestrutura para implementação de oficina de _reaproveitamentosilk de material em madeira existente; _parcerias e editais; _mutirão de _profissionaisoficina;especializados: _melhormarceneiroaproveitamento dos espaços uso e aproveitamento do _aberturaterraço de vão de porta de acesso do salão à marquise e instalação de nova esquadria _construçãoneste; de guardacorpo para transformação da marquise em varanda; _provisão de vasos de plantas e hortas de pequeno porte; _contribuição financeira de _parceriasapoiadores;e editais _mutirão _profissionais especializados: serralheiro e assessoria técnica _segurança contra incêndios 115

Processo de demolição do contrapiso existente na região da nova cozinha, instalação de infraestrutura de esgoto e descascamento da argamassa nas paredes de tijolos. Registros do mutirão realizado no dia 22 de maio própria, 2022

mutirão 44 4845 4950

Autoria

Imagens 44 a 50

“A etapa de discussão de projetos é um momento decisivo no processo de autogestão, pois é quando se juntam os esforços de famílias, lideranças e técnicos para alcançar uma proposta/ideação coletiva. O momento subseqüente de execução passa a ter outro sentido caso a concepção tenha sido compartilhada anteriormente: todos sabem o que fazem e seus porquês. Trata-se de um aspecto fundamental na desalienação do trabalho e no alargamento da luta popular para exercer a capacidade de imaginar seus espaços de vida, suas tecnologias e territórios. Na discussão coletiva de projeto, o debate sempre se dá em torno das qualidades, das condições de uso dos espaços, diferentemente do que faria uma empresa capitalista ou a tecnocracia estatal, que projetam calculando a razão de troca (econômica e política). Ou seja, o momento de projeto é o de desmercantilização do processo, pois instaura ali o fundamento do uso e da qualidade, ao invés da troca e quantidade.”da TONE; LIMA; et al. in “mutirão paulo freire: movimento popular, arquitetura e pedagogia da práxis”

com umatijolosquantossefazcozinha

46 47 117

51 52 54 5755 118

Imagens 51 a 59

Feitura do contrapiso, respectivamente: apiloamento do solo, distribuição da camada de brita, colocação da lona e da armadura de ferro, peneiramento do cimento para preparo da argamassa, colocação de taliscas niveladas e regularização da camada de cimento com régua. Registros fotográficos do mutirão realizado no dia 31 de maio. Autoria própria, 2022

53 565859 119

6061 Imagens a 60 a 65 Resinamento e assentamento do piso de ladrilho hidráulico da nova cozinha. Registros fotográficos de mutirão realizado no dia 05 de julho. Autoria própria, 2022 120

62 63 64 65 121

66676869 122

Imagens 66 a 71

Respectivamente: aplicação de solução para remoção de colonização biológica na parede, feitura da extensão da rede de abastecimento hidráulico, ligação da cuba à rede de esgoto, instalação da nova rede elétrica em eletrodutos aparentes, pintura da parede de tijolos com cal hidratada. Registros de mutirões realizados entre os dias 12 a 19 de junho. Autoria própria, 2022 70 71 123

05finaisconsiderações

Odesenvolvimento deste TFG foi um processo concomitante ao cres cimento exponencial do MMOB, tanto em atuação quanto em nú mero de ocupações, bem como meu próprio crescimento e amadureci mento pessoal e político. Estas Casas de Referência que o movimento constrói, que em 2019 eram apenas três, pontuais e dispersas no ter ritório, amadureceram e se multiplicaram no país todo. Em 2021, pude acompanhar de perto não apenas o começo dos trabalhos na Casa Laudelina de Campos Melo, mas também das casas Carolina Maria de Jesus e Helenira Preta II. Ver nascer uma ocupação e estar presente, no dia a dia, em seu processo de enraizamento, ajuda a construir uma compreensão destes espaços mais honesta, menos idealista e ainda assim repleta de ânimo e encantamento. Construir uma ocupação de mulheres, como prática política ou no sentido literal desta palavra, é construir em si agência, é aprender a ser potência, e é ensinar-apren der coletivamente este ser potência. O processo de ocupar é uma tática de mobilização permanente e esta enseja também outras formas de produção de relação no espaço, bem como a própria forma deste. Cada ocupação carrega em si uma tem poralidade limitada, seja esta em anos, dias ou até horas, e estas tem poralidades podem ser encerradas de forma vitoriosa, como no caso de Tina Martins em Belo Horizonte, ou podem ser interrompidas de seus objetivos, como no caso de Helenira Preta II em Mauá. Todavia, cada um destes lugares introduzem o fazer revolucionário - em seu sentido literal e final -, pois ensaiam a reconstituição radical e imediata das espacialidades do mundo presente, abrindo as portas e criando as condições para uma produção do espaço que supere esta atual, vincu lada a esta forma econômica contemporânea, do espaço produto, do espaço mercadoria. Este amadurecimento acelerado do movimento e das ocupações foi marcado por uma série de conquistas, mas também por outra série de derrotas. Crescer é também enfrentar novos desafios, é também en contrar os problemas de quem passa a atrapalhar os atores hegemô nicos da produção urbana. Acompanhar o processo de reintegração de uma ocupação, como foi o caso da Helenira II, foi observar uma tem poralidade que florescia ser interrompida de forma violenta, mas foi também aprender a construir laços e se fortalecer em coletivo, mesmo nas piores condições impostas pela situação. Aqui, vem à tona a impor tância da educação e da formação ampliada no seio do movimento, em especial no estudo e conhecimento crítico aprofundado da história do feminismo e das grandes lutadoras populares que nomeiam as ocupa ções. Resistir a uma reintegração, a partir principalmente da firmeza ideológica trazida pela compreensão da necessidade deste espaço da cidade (e para a cidade), é um processo de se ver nascer muitas outras 125

Prestes a, mesmo na prisão, no pior dos ambientes que a huma nidade já produziu, e na certeza de sua morte, seguir formando políticamente mulheres, viva em espírito. A radicalização, que implica no enrai zamento que o homem faz na opção que fez, é positiva, porque preponderantemente crítica. Porque crítica e amorosa, humilde e comunicativa. O homem radical na sua opção, não nega o direito no outro de optar[...]. Tem o dever, contudo, por uma questão mes ma de amor, de reagir à violência dos que lhe pretendam impor silêncio. Dos que, em nome da liberdade, matam, em si e nele, a própria liberdade. A posi ção radical, que é amorosa, não pode ser autoflageladora. Não pode acomodar-se passivamente diante do poder exacerbado de alguns que leva à desu manização de todos, inclusive dos poderosos (FREIRE, 1987:.50-51).

Entender a dialética destes es paços frente a historicidade das organizações e movimentos femi nistas no Brasil, pede uma etapa anteiror, que fundamenta a exis tência deste movimento como um sujeito coletivo, assim como as continuidades e rupturas que es tabelece com o conjunto das or ganizações de mulheres no Bra sil. Em concomitância, o processo de compreensão da historicidade do edifício e do território, de sua memória construída, desde a mí nima escala - do tijolo que o dá forma, até o espectro amplo, do bairro e da cidade que o dá su porte - qualifica o espaço físico da ocupação enquanto sua con dição de lugar. Como um trabalho desenvolvido por um ator interno ao MMOB, grande parte das dificuldades expressas aqui foram, transver salmente, também dificuldades do coletivo. Trabalhar, organizar, projetar, e registrar estes mu tirões, desde o começo da ocu pação, foram momentos deste desenvolvimento de agência en quanto mulher e arquiteta, em concomitância com o desenvol vimento de minhas parceiras e companheiras de luta. No princípio era difícil observar as potencialidades do prédio, bem como o próprio papel de um arquiteto realizando assesso ria técnica nas condições de um edifício que imediatamente ape nas precisava ser “limpo” de uma imensa quantidade de entulho. Já neste segundo momento, um ano após o início da ocupação, se compreendia e se desenharia as formas de atuar neste espaço frente sua escala, frente às dinâ micas internas do movimento e, principalmente, frente suas po Falamostencialidades.de um processo do aprender fazendo, e de compre ender o lugar vivendo ante sua dinâmica interna. São nestes mo mentos que se entende também o sentido final da coletividade, e do poder transformador desta. Já em 2021, em menos de 3 meses, o prédio estava apto para uso e li vre de risco estrutural, e em cer

Olgas. É compreender o que leva uma mulher como Olga Benário

126

ca de um ano e meio, foi criada as condições para a realização de uma reforma de melhorias a fim de dar maior habitabilidade e condições de salubridade ao es Épaço.no amálgama formado por to das estas situações, processos, estudos e fazeres que encontra mos, finalmente, a práxis. Isto é, reflexão, ação, crítica e autocríti ca sobre as estruturas a serem transformadas. É o encontro do passado com o futuro, materia lizado no fazer do presente: de uma fábrica nos anos 1950, onde 16 trabalhadoras transforma vam o movimento repetitivo e constante de suas mãos nesta mercadoria que é base do que vestimos, de onde deitamos e de como estancamos feridas, para uma fábrica onde dezenas de mu lheres empregam também seu trabalho para vestir, deitar e es tancar feridas, onde não mais se produz, e sim se reproduz a vida, agora ante uma lógica outra. Finalmente, ocupar e seguir ocu pando é dar a condição da liber dade das formas, configurações, estabelecendo-se as bases para o que é e o que serão as formula ções espaciais quando estas não estiverem vinculadas a uma eco nomia baseada na exploração. Fala-se em sementes de uma ou tra sociedade pois falamos de es paços, com suas formas comuns, matéria construtiva comum, ob jetos comuns e práticas também não muito fora do comum que contém, diferentemente de ou tros locais públicos de encontro, a formação que dá as bases da constituição de relações entre as pessoas que opere por uma lógica não mercantil. Trazer a co zinha para o centro da ocupação é um gesto prático e simbólico desta diferenciação - o espaço clássico da subjugação de clas se, raça e gênero é agora um or ganizador político - onde se cor ta, manuseia e prepara alimentos para alimentar um coletivo que trabalha, para gerar renda que autofinanciará o movimento, para nutrir estas novas práticas do fazer urbano. Fazer um projeto para esta lin guagem do ocupar que se mate rializa, enseja obrigatoriamen te o retorno ao essencial. Sem layout, sem desenho técnico, com um prazo reduzido e pouquíssi mos recursos. Projetar é essen cialmente produzir uma síntese, e produzir esta síntese, de uma forma dialética, é responder às necessidades conduzindo às po tencialidades. Amarrar o tecido sem sobrar pontas soltas, mas deixando pano pras mangas: or ganizadas, as mulheres trabalha doras tudo podem. 127

Imagem 06 – Registro fo tográfico de ocupação em hiper mercado realizada pelo Movi mento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas (MLB) em dezembro de 2021, paleta de cor alterada por GARCIA, 2022. Fonte: Jornal A Verdade. Autor: Jorge Ferreira. Original disponível em P.25.N02/albums>flickr.com/photos/165119889@<https://

Imagem 07 – Capa da revis ta Brasil Mulher ed.8, 1977, pa leta de cor alterada por GARCIA, 2022. Fonte: Instituto Vladmir Herzog. Original disponível em P.26.zog.org.br/>https://www.acervovladimirher<

Imagem 08 – Registro fo tográfico da cozinha coletiva na ocupação Almirante João Cândi do, organizada pelo Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Fa velas (MLB) em 2021, paleta de cor alterada por GARCIA, 2022. Fonte: Jornal A Verdade. Autor: Yamim Alves. Original disponí vel em < tos/165119889@N02/albums>https://flickr.com/pho 128

Imagem 04 – Poster pro duzido pelo movimento feminis ta inglês nos anos 1970. Fon te: See Red Women Workshop. Disponível em <https://seere P.23.com/>dwomensworkshop.wordpress.

índice gráfico

Parte 01 P.14. Capa 01. Colagem virtual. Fontes: Registro fotográfico da manifestação da campanha con tra a Carestia em São Paulo, pa leta de cor alterada por GARCIA, 2022; registo fotográfico de fio de lã. Elaboração: GARCIA, 2022. P.17. Imagem 01. – Poster “Ca pitalismo também depende do trabalho doméstico” produzido pelo movimento feminista inglês nos anos 1970. Fonte: See Red Women Workshop, paleta de cor alterada por GARCIA, 2022. Ori ginal disponível em P.18.dpress.com/seeredwomensworkshop.wor<https://>

Imagem 03 – Página de re vista O Cruzeiro, 1955, ed. 34, p. 58. Fonte: acervo digital da Biblio teca Nacional < fis=98279>px?bib=003581&%20paulo&pagbn.br/docreader/DocReader.ashttp://memoria.P.21.

Imagem 02 – Poster “Sozi nhas não temos poder, juntas so mos fortes” produzido pelo movi mento feminista inglês nos anos 1970. Fonte: See Red Women Workshop, paleta de cor alterada por GARCIA, 2022. Original dis ponível em P20.>mensworkshop.wordpress.com/<https://seeredwo

Imagem 05 – Registro foto gráfico da manifestação da cam panha contra a Carestia em São Paulo, paleta de cor alterada por GARCIA, 2022. Fonte: autor des conhecido. Original disponível em P.24.ads/2019/03/carestia5.jpg>lados.com.br/wp-content/uplo<https://documentosreve

P.29bums/72157644746425749>flickr.com/photos/midianinja/al<https://

. Imagem 13 – Registro foto gráfico da Ocupação Assembleia Lesgislativa de São Paulo em 2015 por reivindicação de CPI da Merenda, paleta de cor alterada por GARCIA, 2022. Fonte: Revista Vaidapé. Autor: Leandro Moraes. Original disponível em P.29.bums/72157668012117152>flickr.com/photos/vaidape/al<https://

Imagem 11 – Registro foto gráfico da intervenção artística Gira. Quem Representa o Povo?, 2006 / Esqueleto Coletivo. Ratos, 2006, paleta de cor alterada por GARCIA, 2022. Autor da fotogra fia: Antonio Brasiliano P.29. Imagem 12 – Registro fo tográfico da Ocupação Estelita, 2014, paleta de cor alterada por GARCIA, 2022. Fonte: Mídia Ninja. Original disponível em

Parte 02 P.32. Capa 2. Colagem virtual. Fontes: Registro fotográfico da manifestação em defesa da Casa Carolina Maria de Jesus em San to André, 2021, imagem alterada por GARCIA, 2022; registo foto gráfico de fio de lã. Elaboração: GARCIA, 2022. P.37. Imagem 19. Registro fo tográfico de protesto em que movimento feminista pede a condenação de Doca Street, pen durando faixas de protesto em frente à Câmara dos Vereado res na Cinelândia. Rio de Janei ro (RJ) - 04/11/1981, paleta de cores da imagem alterada por GARCIA, 2022. Fonte: Arquivo o 129

Imagem 14 – Registro fo tográfico da ocupação dos Es tudantes Secundaristas no Colégio Albino Feijó. Fonte: Fe lipe Matos. Original disponí vel em < https://flickr.com/ P.30.bums/72157677101675736>photos/discursourbano/al

Imagem 16 – Registro foto gráfico de dançarina na ocupa ção Ouvidor 63, 2019, paleta de cor alterada por GARCIA, 2022. Fonte: Dissertação Paula Monroy P.30. Imagem 17 – Registro fo tográfico dos primeiros dias da ocupação Tina Martins, 2016. Fonte: Jornal A Verdade. Dispo nível em res/>-uma-grande-vitoria-das-mulhebr/2017/03/casa-tina-martins<https://averdade.org.

Imagem 15 – Registro foto gráfico de mulheres no mutirão Paulo Freire, paleta de cor alte rada por GARCIA, 2022. Fonte: Usina CTAH. Original disponível em < P.30.br/paulofreire.html>http://www.usina-ctah.org.

P.29. Imagem 09 – capa do ca derno Cotidiano do jornal Folha de São Paulo, em 14 de julho de 2005, paleta de cor alterada por GARCIA, 2022. Autor da matéria: Alencar Izidoro. P.29. Imagem 10 - Dragão da Gravura. Integração Sem Posse X Reintegração de Posse, AMTSC da Ocupação Prestes Maia, 2005, paleta de cor alterada por GAR CIA, P.29.2022.

Imagem 21. Página do pe riódico “Fala Mulher” produzido pelo União de Mulheres de Ma ceió, julho/1985, paleta de cor al terada por GARCIA, 2022. Fonte: Arquivo documentos revelados. Original disponível em P.42.documentosrevelados.com.br/><https://

Imagem 24. Registro foto gráfico festa de fim de ano na cre che Tia Carminha (Belo Horizonte - MG) realizada em dezembro de 2018. Fonte: Jornal a Verdade. P.43. Imagem 25. Registro foto gráfico festa de fim de ano na cre che Tia Carminha (Belo Horizonte - MG) realizada em dezembro de 2018. Fonte: Jornal a Verdade. P.45. Imagem 26. Registro foto gráfico da primeira noite na ocu pação Tina Martins no prédio do antigo restaurante universitário da UFMG. Belo Horizonte - MG, 2016, paleta de cor alterada por GARCIA, 2022. Fonte: Jornal A P.Verdade.47.Imagem 27. Registro foto gráfico de Delegadas presentes no II Encontro Nacional do Movi mento de Mulheres Olga Benário, realizado em dezembro de 2021. Fonte: Jornal A Verdade. Disponí vel em P.tos/165119889@N02/albums><https://flickr.com/pho47.

Imagem 28. Registro fo tográfico Samba na Casa de Referência Preta Zeferina. Sal vador - BA., dezembro de 2021. Fonte: Jornal A Verdade. Dispo nível em < P.48.dor/>-samba-da-zeferina-em-salva-mulheres-olga-benario-realizabr/2021/12/movimento-dehttps://averdade.org.

Globo/Agência o Globo. Original disponível P.38.-em-1976-24641636>bo.com/celina/um-feminicidio<https://oglobo.glo

Imagem 23. Registro foto gráfico do mutirão de reforma e limpeza na Casa de Passagem Carolina Maria de Jesus. Fon te: Jornal A Verdade. Disponí vel em P.43.tos/165119889@N02/albums><https://flickr.com/pho

130

Imagem 22. Registro foto gráfico da fachada da Casa de Passagem Carolina Maria de Jesus, paleta de cor alterada por GARCIA, 2022. Fonte: Jor nal A Verdade. Original disponí vel em < P.42.tos/165119889@N02/albums>https://flickr.com/pho

Imagem 29. Retrato de Espertirina Martins, imagem alterada por GARCIA, 2022. Autor desconhecido. Fonte: Fe deração Anarquista Gaúcha (FAG). Original disponível em https://web.facebook.com/Fe<

Ilustração 01. Rede de En frentamento à Violência contra a Mulher. Autoria: GARCIA, Helena, P.40.2022.Imagem 20. Capa do perió dico “Fala Mulher” produzido pelo União de Mulheres de Maceió, ju lho/1985, paleta de cor alterada por GARCIA, 2022. Fonte: Arquivo documentos revelados. Original disponível em P.41.tosrevelados.com.br/><https://documen

Imagem 33. Retrato de Lau delina de Campos Melo, imagem alterada por GARCIA, 2022. Autor desconhecido. Fonte: Senado No tícias. Original disponível em <

Mapa 04. Mapa do muni 131

P.49.posts/763749656969928/>deracaoAnarquistaGaucha/

Ilustração 03. Fachada da Casa Mulheres Mirabal, desenho sobre fotografia do google street view. Autor: GARCIA, 2022 P.52. Mapa 03. Mapa do muni cípio de Mauá com indicação de local da Casa Helenira Preta, com alteração de paleta de cores por GARCIA, 2022. Fonte: Google Maps. Original disponível em <ht P.53.tps://www.google.com/maps>

. Mapa 02. Mapa do municí pio de Porto Alegra com indica ção de local da Casa Mulheres Mirabal, com alteração de paleta de cores por GARCIA, 2022. Fon te: Google Maps. Original dispo nível em P.51.com/maps><https://www.google.

Ilustração 05. Fachada da Casa Laudelina de Campos Melo, desenho sobre fotografia do goo gle street view. Autor: GARCIA, P.56.2022

Mapa 01. Mapa do municí pio de Belo Horizonte com indica ção de local da Casa Tina Mar tins, com alteração de paleta de cores por GARCIA, 2022. Fonte: Google Maps. Original disponível em P.49.maps><https://www.google.com/

Ilustração 04. Fachada da Casa Helenira Preta, desenho sobre fotografia do google street view. Autor: GARCIA, 2022 P.53. Imagem 31. Retrato de He lenira Rezende presa pela dita dura militar. Autor desconhecido. Fonte: Comissão Nacional da Ver dade – Acervo Memórias da Di tadura. Original disponível em P.55.zareth/>helenira-resende-de-souza-nabr/biografias-da-resistencia/https://memoriasdaditadura.org.<

Imagem 32. Registro foto gráfico de festa de dia das crian ças na Casa Helenira Preta, em setembro de 2019. Fonte: Pági na do facebook da Casa Helenira Preta. Disponível em < P.56.rapreta>web.facebook.com/casahelenihttps://

Ilustração 02. Fachada da Casa Tina Martins, desenho so bre fotografia do google street view. Autor: GARCIA, 2022 P.50. Imagem 30. Retrato das Ir mãs Mirabal, imagem alterada por GARCIA, 2022. Autor desco nhecido. Fonte: Coletivo Feminis ta Sexualidade e Saúde. Original disponível em P.51-violencia-contra-a-mulher/>-dia-internacional-pelo-fim-dalheres.org.br/25-de-novembro<https://www.mu

P.57.ria-durante-70-anos>pos-mello-lutou-por-sua-categocas-do-brasil-laudelina-de-camto-de-trabalhadoras-domestifundadora-do-primeiro-sindicaticias/materias/2010/04/27/tps://www12.senado.leg.br/noht

Ilustração 10. Fachada da Casa Almeirinda Gama, desenho sobre fotografia do google street view. Autor: GARCIA, 2022 P.61. Mapa 07. Mapa do municí pio de Salvador com indicação de localização da Casa Almeirinda Gama. Fonte Google Maps. Origi nal disponível em P.61.google.com/maps><https://www.

Ilustração 11. Fachada da Casa Antonieta de Barros, dese nho sobre fotografia do google street view. Autor: GARCIA, 2022 P.61. Mapa 08. Mapa do municí pio de Florianópolis com indica ção de localização da Casa An tonieta de Barros. Fonte: Google Maps. Original disponível em P.63.tps://www.google.com/maps><ht

Imagem 34. Retrato de Carolina Maria de Jesus, ima gem alterada por GARCIA, 2022. Fonte: Cultura Genial. Original disponível em P.-de-jesus-vida-e-obra/>turagenial.com/carolina-maria<https://www.cul59.

Ilustração 11. Linha do tempo das ocupações, fotografia de fio de lã com alterações gráfi cas. Autor: GARCIA, 2022 Parte 03 P.64. Capa 03. Colagem virtual. Fontes: Fonte: - Comissão Geo gráfica e geológica – PMSP / es cala original 1:30.000, imagem alterada por GARCIA, 2022; re gisto fotográfico de fio de lã. Ela boração: GARCIA, 2022. P.68. Mapa 09. Mapa da divisão cadastral do Distrito do Pari, 1930. Fonte: Arquivo Histórico 132

cípio de São Paulo com indica ção de local da Casa Laudelina de Campos Melo. Fonte. Google Maps. Disponível em P.58.www.google.com/maps><https://

Mapa 04. Mapa dos muni cípio de Santo André e Mauá com indicação de local das Casas He lenira II e Carolina Maria de Je P.59.sus Ilustração 06. Fachada da Casa Helenira Preta II, desenho sobre fotografia do google street view. Autor: GARCIA, 2022 P.59. Ilustração 07. Fachada da Casa Helenira Preta II, desenho sobre fotografia do google street view. Autor: GARCIA, 2022 P.60. Ilustração 08. Fachada da Casa Preta Zeferina, desenho so bre fotografia do google street view. Autor: GARCIA, 2022 P.60. Mapa 05. Mapa do municí pio de Salvador com indicação de localização da Casa Preta Zeferi na. Fonte Google Maps. Original disponível em P.60.gle.com/maps><https://www.goo

Ilustração 09. Fachada da Soledad Barrett, desenho sobre fotografia do google street view. Autor: GARCIA, 2022 P.60. Mapa 06. Mapa do municí pio de Salvador com indicação de localização da Casa Soledad Bar rett. Fonte. Google Maps. Original disponível em P.61.gle.com/maps><https://www.goo

Mapa 12. Zoneamento do distrito do Pari de acordo com plano diretor vigente (2022). Au tor: GARCIA, 2022. Fonte dos da dos: Geosampa. P.74. Imagem 37. “Sujeira e men digos tomam conta do Pari” em O Estado de São Paulo, 9 de no vembro de 1993, São Paulo - SP. Autor da matéria desconhecido. Fonte: Arquivo Histórico Munici pal de São Paulo P75. Imagem 38.“Shopings trans formam Pari na ‘nova 25’”Cader no Cotidiano - Jornal Folha de São Paulo, agosto de 2017, São Paulo - SP. Autor: Giba Bergamin. Fonte: Arquivo Histórico Munici pal de São Paulo P.77. Mapa 13. Equipamentos, favelas e cortiços no distrito do Pari. Autor: GARCIA, 2022. Fonte dos dados: Geosampa. P.78. Imagem 39. Montagem de registros fotográficos, da es querda para direita, de cima para baixo: memorial descritivo final aprovado do projeto, des crevendo das técnicas e mate riais da construção; primeira fachada aprovada; segunda fa chada aprovada, com acréscimo do segundo pavimento do galpão frontal. Fonte: Arquivo Geral do Município de São Paulo, visita em junho de 2022 P.79. Imagem 40. Registro par cial de projeto técnico aprovado, incluindo a modificação no se gundo pavimento. Fonte: Arquivo Geral do Município de São Pau lo, visita realizada em junho de P.802022. . Ilustração 14. Desenho de observação de objetos e frag mentos arquitetônicos do edifí cio. Autor: GARCIA, 2022. Parte 04 P.82. Capa 04. Colagem virtual, desenho de observação da fa chada da Casa Laudelina no mês de dezembro de 2021; registro fotográfico de fio de lã. Elabora ção: GARCIA, 2022. P.84. Ilustração 14. Desenho a partir do levantamento arqui tetônico do imóvel (em escala), detalhes reconstituídos a partir de memória e registros fotográ ficos. Elaboração: GARCIA, 2022 133

Municipal de São Paulo P.69. Mapa 10. Mapa da região do canindé na base cartográfi ca Sara Brasil, 1930. Fonte: Ge osampa. Disponível em P.70.PaginasPublicas/_SBC.aspx#>geosampa.prefeitura.sp.gov.br/<http:// Imagem 35. Ortofoto, 1954. Fonte: Geosampa. Disponível P.71.aspx#>gov.br/PaginasPublicas/_SBC.<http://geosampa.prefeitura.sp.em

Imagem 36. Capa do jornal Notícias Populares. Dezembro de 1976. São Paulo - SP. Fonte: Ar quivo Histórico Municipal de São P.72Paulo. . Mapa 11. Usos atuais do distrito do Pari Autor: GARCIA, 2022. Fonte dos dados: Geosam P.73.pa.

Elaboração: GARCIA, 2022 P.87. Ilustração 17. Cenas do processo de reabilitação, dese nho realizado sobre registros fo tográficos do movimento P.88. Ilustração 18. Cenas do co tidiano na ocupação, desenho re alizado sobre registros fotográfi cos do movimento P.87. Ilustração 19. Desenho a partir do levantamento arquite tônico do imóvel (em escala), de talhes reconstituídos a partir de memória e registros fotográficos. Elaboração: GARCIA, 2022 P.90. Ilustração 20. Desenho de perspectiva a partir do levanta mento arquitetônico do imóvel (em escala), detalhes reconsti tuídos a partir de memória e re gistros fotográficos. Elaboração: GARCIA, 2022 P.92. Ilustração 21. Desenhos de reconstituição do cotidiano no salão térreo do edifício a partir do levantamento arquitetônico do imóvel (em escala), detalhes reconstituídos a partir de me mória e registros fotográficos dos meses de agosto/2021 a maio/2022. Elaboração: GARCIA, 2022 P.96. Imagem 41. Registro foto gráfico de parede com presença de eflorescência salina, despla camento de argamassa e coloni zação biológica. Autor: GARCIA, P.96.2021 Imagem 42. Registro fo tográfico de região da fachada em que se verifica uma série de manifestações patológicas - uma obturação errônea, que possi velmente produziu uma fissura e também onde deu uma prolifera ção de fungos e vegetação. Autor: GARCIA, 2021 P.97. Imagem 43. Região da laje em que se observa armadura do concreto exposta. Autor: GARCIA, P.102.2021 Ilustração 22. Acima: flu xograma de trabalho indicando as etapas de reflexão sobre o projeto. Abaixo: diagrama de di visão de fluxos na planta do pa vimento térreo e superior. Autor: GARCIA, 2022 P.105. Ilustração 23. Exemplos de usos diversificados no cotidia no do edifício após a reforma, na sala lateral do térreo e no salão do pavimento superior, desenho a partir de plantas do levanta mento arquitetônico e cortes. Au tor: GARCIA, 2022 P.107. Ilustração 24. Previsão de reconstituição do layout do salão do pavimento térreo após refor ma no salão térreo do edifício a partir do levantamento arquite tônico do imóvel (em escala), de talhes reconstituídos a partir de memória e registros fotográficos 134

P.85. Ilustração 15. Cenas do processo de ocupação do imóvel, desenho realizado sobre regis tros fotográficos do movimento P.86. Ilustração 16. Desenho a partir do levantamento arquite tônico do imóvel (em escala), de talhes reconstituídos a partir de memória e registros fotográficos.

dos meses de agosto/2021 a ju lho/2022. Elaboração: GARCIA, Pp.2022112 e 113. Imagens 44 a 50. Processo de demolição do con trapiso existente na região da nova cozinha, instalação de in fraestrutura de esgoto e des cascamento da argamassa nas paredes de tijolos. Registros fo tográficos do mutirão realizado no dia 22 de maio. Autor: GARCIA, Pp.2022114 e 115. Imagens 51 a 59. Feitura do contrapiso, respec tivamente: apiloamento do solo, distribuição da camada de brita, colocação da lona e da armadura de ferro, peneiramento do cimen to para preparo da argamassa, colocação de taliscas niveladas e regularização da camada de cimento com régua. Registros fo tográficos do mutirão realizado no dia 31 de maio. Autor: GARCIA, Pp.2022116 e 117. Imagens 60 a 65. Resinamento e assentamento do piso de ladrilho hidráulico da nova cozinha. Registros fotográ ficos de mutirão realizado no dia 05 de julho. Autor: GARCIA, 2022 Pp. 118 e 119. Imagens 66 a 71. Respectivamente: aplicação de solução para remoção de coloni zação biológica na parede, feitu ra da extensão da rede de abas tecimento hidráulico, ligação da cuba à rede de esgoto, instalação da nova rede elétrica em eletro dutos aparentes, pintura da pa rede de tijolos com cal hidratada. Registros de mutirões realizados entre os dias 12 a 19 de junho.

Autor: GARCIA, 2022 135

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anexos anexo 01: orçamento preliminar da intervenção de junho de 2022 142 CÓDIGO FONTE DESCRIÇÃO UNID. QTDE. CUSTO TOTAL 1 //// SEGUNDO ANDAR Geral 17-SEA-02 CPU FORNECIMENTO E INSTALAÇÃO DE ESPUMA DE POLIURETANO EXPANSIVA PARA PREENCHIMENTO DE VÃOS M 49,80 7,58 377,48 04-01-16 EDIF TIJOLOS CERÂMICOS FURADOS - 1 TIJOLO M2 0,50 121,47 60,73 10-04-64 EDIF TUBO DE PVC RÍGIDO, SOLDÁVEL (LINHA ÁGUA) - 40MM (1 1/4") M 5,00 41,52 207,60 89497 SINAPI JOELHO 90 GRAUS, PVC, SOLDÁVEL, DN 40MM, INSTALADO EM PRUMADA DE ÁGUA - FORNECIMENTO E INSTALAÇÃO. AF_12/2014 UN 3,00 12,94 38,82 COTAÇÃO COLA PARA PVC UN 1,00 70,00 70,00 15-03-10 EDIF ESMALTE SINTÉTICO - ESQUADRIAS E PEÇAS DE SERRALHERIA M2 1,00 50,08 50,08 Elétrica 09-07-61 EDIF PONTO COM TOMADA SIMPLES 110/220V - EM CONDULETE 3/4" UN 1,00 194,78 194,78 09-03-05 EDIF CABO 2,50MM2 - ISOLAMENTO PARA 0,7KV - CLASSE 4 - FLEXÍVEL M 10,00 4,47 44,70 Finalização 15-SEA-03 CPU PINTURA A BASE DE CAL HIDRATADA HL-2 - TRÊS DEMÃOS UN 5,56 16,01 88,94 SUBTOTAL 1.133,13 2 COZINHA / SALÃO ANDAR INFERIOR Piso 13-01-10 EDIF LASTRO DE BRITA M3 0,40 149,96 59,98 03-03-08 EDIF CONCRETO FCK = 25,0MPA - VIRADO NA OBRA M3 1,60 506,75 810,80 05-01-01 EDIF ARGAMASSA IMPERMEABILIZANTE DE CIMENTO E AREIA (REBOCO IMPERMEÁVEL) - TRAÇO 1:3, ESPESSURA DE 20MM M2 8,00 47,52 380,16 004008 CDHU ARGAMASSA DE CIMENTO COLANTE PARA DUPLA COLAGEM DA CERAMICA (TARDOZ) M2 8,00 15,85 126,80 Instalações 89355 SINAPI TUBO, PVC, SOLDÁVEL, DN 20MM, INSTALADO EM RAMAL OU SUBRAMAL DE ÁGUA - FORNECIMENTO E INSTALAÇÃO. AF_12/2014 M 4,00 18,83 75,32 10-09-31 EDIF TUBO DE PVC RÍGIDO, PONTA E BOLSA (LINHA ESGOTO) - 50MM (2") M 2,00 35,79 71,58 155324 CDHU RALO PVC SIFONADO 100X40MM UN 2,00 60,03 120,06 38.04.040 CPOS 181 ELETRODUTO GALVANIZADO A QUENTE CONFORME NBR6323 - 3/4´ COM ACESSÓRIOS M 3,00 36,06 108,18 09-07-61 EDIF PONTO COM TOMADA SIMPLES 110/220V - EM CONDULETE 3/4" UN 1,00 194,78 194,78 09-03-05 EDIF CABO 2,50MM2 - ISOLAMENTO PARA 0,7KV - CLASSE 4 - FLEXÍVEL M 10,00 4,47 44,70 Finalização 15-SEA-03 CPU PINTURA A BASE DE CAL HIDRATADA HL-2 - TRÊS DEMÃOS UN 10,00 16,01 160,07 SUBTOTAL 2.152,43 3 ATENDIMENTO / DEPÓSITO ANDAR INFERIOR 15-SEA-03 CPU PINTURA A BASE DE CAL HIDRATADA HL-2 - TRÊS DEMÃOS UN 6,34 16,01 101,43 SUBTOTAL 101,43 //// TOTAL SEM BDIR$ 3.386,99 margem de segurança GERALR$- 10,00% 338,70 TOTAL GERAL R$ 3.725,69

Frentes prioritárias de trabalho Responsável + equipe Materiais e ferramentas necessários

Cozinha Iremos reposicionar a cozinha, resolver a hidráulica (água fria e esgoto), elétrica (tomadas e iluminação) e revestimento (piso e paredes com ladrilhos hidráulicos)

15/06/2022 Fazer a extensão da elétrica (tomadas e iluminação)

26/06/2022

Restauro e pintura dos armários 17/07/2022

Verificar se solução emergencial foi suficiente e fechar com tela os espaços das esquadrias que estão sem vidro Limpeza e separação de materiais armazenados na prateleira Colocar a estante de ferro em outra parede/desmontar (3 responsáveis) + 1 encanador + 10 mutirantes - martelos, marretas, alicates, ponteiros Tapar buraco na parede lateral Desmontar prateleira e organizar as madeiras em cima do mezanino (aproveitar para levar os pontaletes)

Fazer extensão da hidráulica (3 pontos: pia, mini maquina de lavar e bebedouro) (1 responsável) + 3 pessoas - 6 metros de PVC marrom 3/4 - 1 tê PVC 3/4 (para cola) - 2 joelhos PVC 3/4 (para cola) - 1 joelho saída (solda + rosca, para receber a torneira)

Helena Serralheiro+ + 12 pessoas - Tinta de piso terracota 10/07/2022

Oficina de marcenaria - armários, prateleiras e o que mais for necessário para nossa cozinha Marcelo confirmar)(a + 6 pessoas - Parafusos franceses (muitos) - makita lixamento e pintura em esmalte sintético das (recomendadaesquadriascorvermelha)

15/05/2022

Rulia + 1 mutirante - 50 tijolos baianos, argamassa de assentamento de bloco, colher de pedreiro

31/06/202229/05/2022-diadesemana!

Quebrar contrapiso e preparar base nova - 20 sacos de 20kg de brita 1 (pedra de obra) - 15 sacos de 20kg de areia peneirada - 2 sacos de 50kg de cimento - 10m2 de lona - 9m2 de malha pop 2x3 - 2 picaretas - 2 enxadas - 2 vangas - 2 pás - régua de pedreiro - wap (para limpar a caixa de passagem)

anexo 02: cronograma de mutirões da intervenção de junho de 2022 143 Data

Reenquadrar laterais do contrapiso da cozinha e tapar demais buracos do piso Isabel 05/06/2022 Reenquadrar ou descascar o que for necessário-Começar a subir as cadeiras para o andar de Assentarcimaosladrilhos (1 responsável) + 3 pessoas - 3 sacos 20kg de argamassa colante 08/06/2022dia semana!de Rejuntar ladrilhos e aplicar última demão de resina (1 responsável) + 3 pessoas - Resina acrílica para ladrilho hidráulico 12/06/2022

Instalar redes de proteção nas quatro janelas (por dentro)

Oficina de marcenaria - armários, prateleiras e o que mais for necessário para nossa cozinha Marcelo confirmar)(a + 6 pessoas - Parafusos franceses (muitos) - makita

19/06/2022

Fazer a extensão da elétrica (tomadas e iluminação) Fazer a extensão da elétrica (tomadas e iluminação) Descascar a parede e fazer a extensão da rede de água fria (2 responsáveis) + Pintor + Pedreire + 15 pessoas cantoneiras de plástico, fios, alicate, fita isolante, tomadas, espelhos para a área de estudos: - luminárias de mesa - régua/filtro de linha para 5 tomadas Furar ganchos mezanino para fazer divisão com chita (1 responsável) + 3 pessoas - Resina acrílica para ladrilho hidráulico

Atendimento Nosso objetivo é liberar o espaço e adequá-lo para realização dos atendimentos individuais da casa

Isabel + 1 pessoa - Rede, corda, brocas e ganchos - Furadeira

Aplicar espuma expansiva nos encontros das águas do telhado (entre telhas) - Andaimes (a serem construídos em mutirão com os pontaletes que há na casa) ou escada - Espuma expansiva (4 latas, a princípio)

Mobiliar e decorar Pintar teto; pintar piso Helena Serralheiro+ + Pintor + 15 pessoas - Tinta de parede e cal 03/07/2022

Ligar o esgoto na caixa de gordura Isabel e Helena + 1 pedreire + 12 mutirantes - 3 metros PVC branco esgoto 4": - 2 joelhos 45 graus (para cola) - 1 adaptador para sifão (peça que conecta o sifão ao cano de 4")

17/07/2022 Seminário do Olga 31/07/202224/07/2022 Reinauguração TarefarealizadaTarefapendente

Direcionar água pluvial Isabel + mutirantes2 1 barra de pvc branco, 3 joelhos de pcv, cola para pvc, lixa 22/05/2022 Trocar reparo da caixa acoplada Descascar a parede e fazer a extensão da rede de água fria Encanador + 2 mutirantes - 6 metros de PVC marrom 3/4 - 1 tê PVC 3/4 (para cola) - 2 joelhos PVC 3/4 (para cola) - 1 joelho saída (solda + rosca, para receber a torneira)

Limpar a sala, mobiliar e decorar (sugestão: duas poltronas, mesa de escritório, luminárias, sempre luz quente)

08/05/2022

Pintar paredes (inclusive banheiro); iniciar restauração das esquadrias quebrar parede e instalar porta; pintar paredes Pintar parede da cozinha (se der pintar resto da parede terreo) (2 responsáveis) + Pedreire + pintor + 6 pessoas - Sobre a pintura: decidir se descascaremos e pintaremos com cal ou se vamos comprar tinta a base de óleo para pintar por cima do que há hoje - 3 sacos de rejunte (decidir cor) 20-22 24/06/2022ou fazer extensão elétrica (tomadas + iluminação) fazer extensão elétrica (tomadas + iluminação)

2* andar O mais urgente é impedir que as pombas consigam entrar. Em seguida, organizaremos o espaço de estudos /grandes reuniões

anexo 03: referências - ilustrações páginas 90 e 107 planta base da ilustração 144

anexo 04: referências - ilustrações página 80 145

Fiquei com pena de todosSuzana.eles, Dos que mentem, dos que invejam, dos empertigados, dos ambiciosos, dos que fazem do amor um remédio, um passatempo, um negócio, um paliativo. E percebi quão poucos entre nós chegaram ao sentido final do combate que travamos. Eles não compreendem, Suzana, que nós somos um momento na luta que o Homem vem enfrentando através da História, cada vez mais conscientemente, pela felicidade. Não entendem que nós buscamos, em última análise, as condições ideais para o amor. Tanto no plano coletivo, como individual. Trecho de carta escrito por Luiz Eurico Tejero Lisboa (Ico), desaparecido e assassinado durante a ditadura civil-militar no Brasil, a sua companheira Suzana.

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