A minha vida

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A minha vida

Helena Dantas Inês Chagas
Amorim
Joana Lima Duarte
ESEDITORA ILSE LOSA

Ficha técnica

Título: A minha vida

Autores: Helena Dantas

Inês Chagas

Joana Lima

Duarte Amorim

Ilustração: Google Imagens

Produção Gráfica: Services & Plans – issuu

Editora: ESEDITORA

A minha vida

Autobiografia de Ilse Losa

ESEDITORA

A 20 de março de 1913, a vida do casal Artur Lieblich e Hedwig Hirsch Lieblich, ambos judeus alemães, havia mudado. Numa aldeia perto de Hanôver, na Alemanha, nasceu uma menina de olhos azuis e cabelo loiro, de nome Ilse Losa. Essa menina era eu.

Fui criada e educada pelos meus avós paternos, Joseph e Fanny, durante os meus primeiros anos de vida. A minha avó era muito negativa e exigente, mas também era uma dona de casa muito trabalhadora. Acho que isto se deve à dor que ela carregava devido à morte de muitos dos meus tios, do meu pai e do meu avô. Anos mais tarde comecei a viver com os meus pais e os meus dois irmãos mais novos, Ernest e Fritz, numa cidade, mais ou menos, do tamanho de Viana do Castelo, rodeada de árvores e florestas, vindo daí o meu amor pelas árvores.

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Hanôver, Alemanha 4

Frequentei o liceu em Osnabruck e Hildesheim e depois um instituto comercial em Hannover. Após a morte prematura do meu pai, vencido pelo cancro, em finais da década de 1920, a minha família começou a sofrer várias dificuldades financeiras. Decidi então ajudar a minha família e parti para a Inglaterra, em 1930, onde trabalhei num escritório e cuidei de crianças. Por lá, tive os meus primeiros contactos com escolas infantis e os problemas das crianças. Apenas um ano depois, regressei à Alemanha. Contudo, em pleno clima de fervor e terror nazi, muito rapidamente, devido à minha origem judaica, a minha família começou a ser alvo de ataques antissemitas.

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Tinha uma amiga na minha terra que era pacifista, o que era proibido, e decidi escrevi-lhe uma carta em que tinha dito que o Hitler era um criminoso. Não sabia que a censura ia abrir a carta dela e, certa altura, entraram no escritório onde eu trabalhava e perguntaram-me porque é que eu achava que Hitler era um criminoso. Eu não me lembrava já disso, ao que então eles mostraram-me a carta que eu tivera escrito e disseram-me para aparecer no dia a seguir pelas 18 horas na Gestapo.

Lá fui interrogada durante 6 horas sem intervalo e, no fim, tive de assinar um papel e disseram-me que dentro de 5 a 6 dias voltaria a ter novidades deles e que iam ver para onde é que eu ia ser transportada. Sendo um campo de contração o destino mais provável de eu ser transportada, durante esses dias decidi fugir com a minha mãe num barco miserável e superlotado de escorraçados, optando como destino Portugal, pois já lá estava um irmão e um tio meu.

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Cheguei a Portugal em 1934, fixando-me na cidade do Porto, e, na fuga para cá, consegui trazer algumas recordações como uma chavenazinha que me deu uma amiga quando eu fiz 12 anos e umas fotografias, por exemplo do meu cão, que foi uma personagem muito importante na minha vida e que me tiraram a certa altura e que refiro no livro “Faísca” que é sobre ele, um livro de contos de fadas que eu gosto muito, uma enciclopédia antiga que era do meu pai que tinha um fascínio por palavras cruzadas. Foi dessa aldeia, onde eu vivi até aos 14 anos, que eu trouxe muitas das ideias que uso para escrever os meus livros.

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Pouco tempo depois de vir para Portugal casei-me com um arquiteto português, António Taveira Losa. Em casa falávamos sempre português, os nossos amigos eram portugueses e, portanto, vi-me forçada a integrar-me neste país, a aprender esta língua, apesar de nunca ter perdido o sotaque, e aprender a escrever em português. Como eu gostava muito de escrever, na altura em alemão, e impediram-me de publicar lá os meus livros, cortaram-me essa ligação. Optei então por começar a tentar escrever em português e acabei por conseguir devido a inúmeros estudos que eu fiz. Mais tarde tornei-me sócia na Associação Feminina Portuguesa Para a Paz, uma associação apolítica e não religiosa de mulheres antifascistas e anti bélicas.

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Em 1938 nasceu a minha primeira filha, Alexandra Lieblich Losa, e em 1949 nasceu a minha segunda filha, Margarida Lieblich Losa. Enquanto eram pequeninas escrevia livros para elas, mas tentava não as envolver muito neste mundo. Elas sempre se interessaram pelas minhas histórias e isso foi muito bom para mim. Considero-as, juntamente com os meus netos, o meu marido e a minha família, os meus maiores fãs.

Nestes tempos que passam, uma pessoa de certa idade, como eu, já olha para a juventude com uns olhos diferentes. Como se fosse mãe ou avó delas. Um dia estava a passear, quando vi duas crianças a conversarem. Parei e fiquei a ouvilas. Achei que o tema da conversa delas era muito interessante. Além disso, descobri que não deixava de ter muitas semelhanças com os temas que abordava nas conversas que tinha com as minhas amigas, quando era criança. Falavam sobre a vida carregada (as exigências) que eles tinham. Lembrei-me da minha infância e pensei em descrevê-la para que fosse um exemplo e também para que não ouvisse mais uma conversa deste tipo. E foi assim, que escrevi e publiquei o meu primeiro livro, “o mundo em que vivi”, em 1949, que relatava a infância e adolescência até ao momento em que tive de abandonar o meu país para escapar à perseguição e aos horrores dos campos de concentração. Esta obra demorou 6 meses até estar acabada e, ao longo desse percurso, tive de recordar episódios difíceis da minha infância. A minha vida (quando tinha aquela idade) não era própria para uma criança.

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"O mundo em que vivi"
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Se me perguntarem o que me levou a ser escritora eu digo sempre que uma pessoa escolhe algo relacionado com aquilo que sabe fazer. Se eu tivesse jeito para engenharia, seria engenheira, em vez de escritora. Se me perguntarem se uma história para crianças tem necessariamente de ter um final feliz, a meu ver, uma história para crianças tanto pode ter um final feliz como acabar de uma maneira menos boa, tal como acontece na vida real. Se uma história está conduzida para ter um final triste então não lhe posso dar um final feliz, senão estaria a construir uma história falsa.

Nos meus livros, várias personagens são animais porque desde pequena que cresci rodeada de animais. O meu avô e o meu pai criavam cavalos, vacas, cabras, galinhas, cães e outros, então para mim faz sentido incluir esses animais nas minhas obras, como se pode verificar na obra "A Flor Azul".

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"A Flor Azul"
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Colaborei em diversos jornais e revistas, alemães e portugueses, como o Jornal de Notícias, Seara Nova, Vértice, Jornal das Letras, O Comércio do Porto, Diário de Notícias, Público e Neue Deutsche Literatur. Contudo, dediquei maior parte da minha vida à tradução e literatura, tendo sido galardoada duas vezes com o Grande Prémio Gulbenkian de Literatura para Crianças em 1981, pelo livro "Na Quinta das Cerejeiras", e em 1984 pelo conjunto da minha obra dirigida às crianças. No meu trabalho de tradução, traduzi do alemão para o português alguns dos mais consagrados autores como Brecht, Erich, Max Frisch ou Anna Seghers, sendo ainda de salientar o icónico “Diário de Anne Frank”.

A 9 de junho de 1995 fui presenteada com o título de Comendadora da Ordem do Infante D.Henrique e, em 1998, recebi o Grande Prémio da Crónica, da Associação Portuguesa de Escritores devido à obra “À Flor do Tempo”.

A minha vida não foi fácil, mas também qual seria a piada disso? Felizmente tive uma família que sempre me suportou, apesar das dificuldades passadas, e fui calorosamente recebida pelos portugueses, que foram a minha segunda família. Obrigada a todos aqueles que tornaram o meu sonho possível.

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"Na

Quinta das Cerejeiras"

"À flor do tempo"
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"Diário de Anne Frank"

A minha vida não foi fácil, mas também qual seria a piada disso? Felizmente tive uma família que sempre me suportou, apesar das dificuldades passadas, e fui calorosamente recebida pelos portugueses, que foram a minha segunda família. Obrigada a todos aqueles que tornaram o meu sonho possível.

Gib niemals auf, alles ist möglich, wenn du daran glaubst!

(Nunca desistam, tudo é possível se acreditarem!)

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A 20 de março de 1913, a vida do casal Artur Lieblich e Hedwig Hirsch Lieblich, ambos judeus alemães, havia mudado. Numa aldeia perto de Hanôver, na Alemanha, nasceu uma menina de olhos azuis e cabelo loiro, de nome Ilse Losa. Essa menina era eu.

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