Revista Hebraica - Novembro 2012

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magazine > cuba Fotos Reprodução Abrão Bober

Deus. Você é um ser humano como eu. Tudo é falso, as ideias e as instituições que vocês representam. Segundo Martha, Enrique falava com paixão, e possivelmente com ódio. Depois se fez silêncio: Oltuski olhava pela janela, Martha não sabia o que fazer com as mãos e o padre parecia estar envolto em meditações, até que, de repente, reiniciou a conversa falando de fé, da necessidade de sentir fé, etc. O Enrique respondeu com certa agressividade e depois não se falou mais nada.

>> bem e imaginamos que você pode ser útil ao Movimento, primeiro mobilizando a opinião pública dos cubanos residentes em Miami e os estudantes universitários e, segundo, angariando recursos para a luta armada para derrubar Batista com uma força integrada pela oficialidade jovem do Exército e os estudantes”. Nos Estados Unidos, Enrique fora um estudante de regular para bom e dividia o tempo de academia com atividades políticas camufladas pela presidência da Fraternidade da escola, instituição comum nas universidades norte-americanas. No caso, ele presidia a Fraternidade de estudantes hispânicos. Oltuski ficou em Miami e nesses quase sete anos manteve contatos regulares primeiro com membros do MNR de Cuba nos Estados Unidos e no México e, depois de julho de 1953, com o pessoal ligado a Fidel Castro. Durante a primeira metade dos anos 1950, como presidente da Fraternidade, visitou países da América Latina e, tal como aquele que viria a ser um de seus melhores amigos, Ernesto Che Guevara, foi conhecer a realidade do continente. Ao retornar a Cuba, em 1955, o grupo mais atuante era o Movimento Revolucionário 26 de julho, dia e mês de 1953 em que Fidel e um grupo de jovens atacam a segunda mais importante fortaleza militar do país, o quartel de Moncada, na cidade de Santiago de Cuba. Com o currículo insurrecional de Oltuski enriquecido pela atuação no exterior, conquistando adeptos para lutar e juntando dólares para a compra de armas, logo foi chamado a integrar o Movimento.

DOIS ANOS DEPOIS DESSA FOTO PARA O BAR- MITZVÁ

ENRIQUE SE DIZIA ATEU;

ENRIQUE, À DIREITA, PARTICIPA DE UM EVENTO COM FIDEL.

ATRÁS, ENCOBERTA, MARTHA. AO LADO DE FIDEL, O PRESIDENTE DE CUBA

OSVALDO DORIRCÓS TORRADO

Diálogos ecumênicos Logo pediu Martha em casamento. Os pais dele foram contra. Martha não é judia e, pior, havia estudado em colégio de freiras. Foi uma época dura, de conflitos internos, e durante a qual, apesar da distância que se impôs à religião judaica, recusou-se, primeiro a se converter ao catolicismo e, depois, a casar na igreja como Martha e a família dela queriam. – Se você não acredita em religião, qual o problema de casar na igreja e depois esquecer do fato, como se nada tivesse acontecido?, argumentava ela. – Mas isso é desonesto. Além disso, se não estamos de acordo em relação a estas coisas como será quando tivermos filhos? Cada um tratará de influenciá-los e embora os deixemos escolher livremente a religião, bem sabemos que não seremos imparciais, respondeu ele. Ela concordou com os argumentos de Enrique e em uma das viagens semanais a Santa Clara para visitar os pais e a ela, Martha contou que esteve com o padre com quem se confessava. Nunes, o padre, sugeriu uma conversa a três e “mais

argumentos que nos ajudem a sair esta confusão”. O encontro ficou para o final de semana seguinte e é provável que o seu desenrolar, na forma e no conteúdo, tenha sido comum a vários casamentos mistos em Cuba. Eis como foi, tal como na sua breve autobiografia: – Martha me falou muito a teu respeito e queria te conhecer. – Obrigado, respondeu, sem se comprometer. – Vamos ao que interessa, disse o padre que andava de moto e jogava futebol com os alunos. Dois jovens se conhecem se amam e querem casar, mas a religião os separa. Como isso é possível se a religião existe para unir os homens? Você, Enrique, diz não acreditar em Deus. Mas estou convencido de que você acredita, sim, mas acontece que você o conhece por outro nome. Seu Deus e o nosso Deus são o mesmo Deus, não há mais que um. Você é engenheiro, estudou as ciências e sabe que do caos surgiu a ordem. Como? Por quê? Houve uma origem, aconteceu algo que ainda rege o nosso mundo. O que é? Nós chamamos de Deus, você poderá chamar de outro modo, mas é a mesma coisa. Então porque não chamá-lo de Deus e venerá-lo à nossa maneira? – Quem pode dizer qual é a origem? Certamente não é da maneira como relata a Bíblia. É como um conto. – Meu filho, a Bíblia se vale da parábola. – Mas não é assim como vocês a ensinam. Mas falemos de coisas mais terrenas. Como podem uns homens se apoderar da verdade da vida e interpretá-la para os outros? Não reconheço em você nada que me faça pensar que é representante de

JÁ NOMEADO VICE-MINISTRO DE CHE, PARTICIPA DE UMA REUNIÃO.

Da igreja para a sinagoga O padre convidou–os para uma nova rodada de conversa, na semana seguinte. Por educação, Enrique concordou. Mas não foi. Meses depois, a pedido da mãe, casou na sinagoga de Santa Clara lotada de amigos da política, de parentes e membros da comunidade. Mas a mãe, Chassa, não foi. O pai, Bernardo, sim, mas ficou distante. A partir daí, Oltuski só não se entregou totalmente à revolução porque tinha de trabalhar e, no escritório da Shell, contava com a boa vontade do chefe que, se não sabia bem o que seu subordinado fazia, podia imaginar. A casa deles em Havana virou um ponto de encontro e um dos locais de articulação daquela que se pretendia, em 1958, fosse uma greve geral, a maior da história de Cuba e que, no entanto, fracassou. O governo deflagrou uma fantástica caçada aos líderes do movimento, e Enrique, isto é, Angel Sierra, cuja existência a polícia desconhecia, escapou. A participação dele na organização da greve foi suficiente para ser alçado à condição de um dos coordenadores do Movimento 26 de Julho na região das Villas – Santa Clara, Cienfuegos e Santo Spiritu – e, por isso, participou de reuniões com a presença de Fidel, Che e Camilo Cienfuegos. No final de 1958, os combatentes desceram de Sierra Maestra, capturaram Santa Clara, área de atuação de Enrique, e deram início à revolução. Batista fugiu em 1º. de janeiro, exi>>


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