Tic Tac: O relógio do mundo bate

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Tic Tac

Tic Tac

O relógio do mundo bate

Editora

Um belo dia começou igual a qualquer outro, o sol nasceu no leste e foi a caminho para se pôr no oeste, rouxinóis cantando e a leve brisa carregando o cheiro de café pela vizinhança. Com o nascer do dia, também se começa a rotina de um relojoeiro que possui uma pequena loja de conserto de relógios no final da rua.

Primeiro ele destrancou a porta, então virou a placa que dizia “fechado” para o lado oposto, onde se lê “aberto”, arrumou o tapete que fica na entrada e seguiu para o seu balcão, o lugar onde faz a maior parte de seu trabalho. Na parede atrás dele, pode-se ver dezenas de relógios de todos os tipos, tamanhos e formatos: alguns digitais, alguns tradicionais, outros até que nem medem horas, como o relógio de areia, mais conhecido como ampulheta.

Os relógios e o tempo que eles medem nos segue desde o nascimento até a nossa morte, algo natural que não deveria ser ocultado ou evitado, o relojoeiro mais do que ninguém entendia as consequências do tempo, boas e ruins, especialmente com as histórias das pessoas que passavam pela sua loja.

Sentado na sua cadeira e com suas ferramentas em mão, ele esperava para ver quem passaria pela sua loja hoje e quais contos eles trariam.

Ainda cedinho, o sino de sua porta deu boas-vindas e apresentou seu o primeiro cliente do dia.

— Bom dia moço, você consegue consertar o relógio da minha avó? — disse uma voz por trás do balcão.

— Bom dia! E posso perguntar onde ela está? — respondeu o relojoeiro para o braço estendido à sua frente.

— Minha mãe me explicou que ela faleceu ontem, mas eu ainda tenho coisas que preciso falar! Eu tinha prometido mostrar o meu desenho para ela e nem pude me despedir!

— Entendo… eu consigo sim consertar esse relógio, porém, ele deixará de ser da sua avó e passará a ser seu — abriu-se um leve sorriso no rosto do relojoeiro — Mas acredito que eu possa te ajudar a falar com a sua avó — ele continuou.

— Sério? — o menino abriu um sorriso que finalmente podia ser visto de trás do balcão.

— Sério!

O relojoeiro procurou algo atrás do seu balcão e, alguns momentos depois, levantou com orgulho alguns pedaços de papéis e um lápis — Aqui estão! — ele disse.

— O que? Como eu vou conseguir falar com a minha avó com isso? — o garoto olhou confuso.

— Bom, primeiro precisamos escrever a mensagem — o relojoeiro entregou os papéis e o lápis ao menino — coloque todos os seus sentimentos e tudo que você quiser falar no papel.

O menino então sentou no chão onde estava e começou a escrever tudo o que havia para falar: sobre o seu dia, como a amava e a saudade que sentia.

— Agora, nós iremos transformar esse papel em um avião para enviar a mensagem para onde a sua avó esteja.

O relojoeiro ajudou o menino a dobrar o papel cuidadosamente e entregou na mão dele.

Com o avião de papel em sua mão, o menino fechou os olhos e com toda a sua força arremessou o aviãozinho para cima.

— Nós não conseguimos ver, mas eu tenho certeza que a sua avó receberá a mensagem, pois ela sempre estará olhando e tomando conta de você não importa de onde esteja — disse o relojoeiro enquanto recuperava o avião de papel que já havia percorrido o seu caminho e caído no chão.

— Obrigado moço — o rosto do menino mostrando o oposto de quando havia chegado: um grande sorriso aliviado — quando eu chegar em casa, vou enviar o desenho que fiz para ela e muito mais!

— Não esqueça o seu relógio! — o relojoeiro devolveu o relógio de pulso, agora funcionando novamente e com ajustes na pulseira para servir ao pequeno pulso do menino, o qual saiu da loja com o mesmo barulho de sino com o qual chegou.

Algumas horas depois, o sino novamente anunciou a chegada de outro cliente, desta vez uma mulher carregando um relógio cuco nos seus braços.

— Boa tarde — ela disse, tímida, ao relojoeiro na bancada — poderia me dizer se esse antigo relógio do meu pai teria conserto?

— Boa tarde! — ele rebate com um sorriso — Certamente deve haver, eu poderia dar uma olhada de perto?

— Sim, claro!

O relógio era repleto de adornos e detalhes, com uma pequena porta que abria para o pássaro anunciar a hora, porém, havia algo único sobre ele: ao invés de um pássaro, o que sai daquela pequena porta é um casal com roupas semelhantes a de um casamento.

— Quando meus pais se casaram — a mulher começou a explicar — o meu tio, irmão do meu pai, deu-lhe esse relógio de presente, mas ele se foi há uma semana e acabei achando isso entre os seus pertences. Sou filha única e sinto muita falta dele, então pensei que talvez o conserto desse relógio me ajude com a solidão.

— Faz sentido, entendo o sentimento de se sentir sozinho. O relógio tem conserto sim — continua o relojoeiro — porém, também conheço outra maneira de lidar com isso — ele some para trás do balcão novamente.

A mulher olhou com curiosidade, sem saber o que ele iria falar ou mostrar a seguir, até que — Aqui — o relojoeiro levantou rapidamente com uma mão fechada, oferecendo algo.

Ela estendeu a mão para ele e um pequeno chaveiro com a pelúcia de um cavalo sorridente, ou algo que se parecia com um cavalo, caiu ao seu palmo.

— Desculpa, mas não acho que entendi, um chaveiro?

— Sim! Para mim, conversar com os meus amigos, sair de casa e observar o mundo e as pessoas ao meu redor ajudou bastante, mas quando nada disso era possível, ele me ajudou — o relojoeiro levantou o seu molho de chaves, mostrando seu chaveiro de um animal parecido com um gato, e continuou — ele é um bom ouvinte, posso garantir.

Um sorriso e uma risada saíram da mulher que até então estava séria e de cabeça baixa, ela olhou para o chaveiro em sua mão e disse — Já que garantiu, posso dar uma chance para um novo amigo.

O relojoeiro sorriu e lhe devolveu o relógio — Acredito que verá ele funcionando novamente!

Ao pegá-lo novamente, o relógio bateu 3 horas e pulou, da portinha, uma mulher abraçando uma pelúcia parecida com a que havia acabado de receber. Ela se virou para o relojoeiro, abriu novamente um sorriso e o agradeceu pela ajuda, saindo da loja com o mesmo barulho de sino com o qual chegou.

Ao cair da noite, o sino da porta cumprimentou o último cliente do dia, um senhor carregando um relógio de bolso.

— Boa noite, jovem — disse o senhor com uma expressão diferente da qual o relojoeiro havia visto na chegada de seus dois outros clientes: um sorriso simpático e sereno de orelha a orelha.

— Boa noite! — respondeu o relojoeiro devolvendo o sorriso — Como posso ajudar?

— Bem, esse meu relógio é um companheiro há tempos, minha esposa me deu quando graduamos a escola juntos, mas recentemente elevem falhando de tempos em tempos e acabo perdendo a hora!

— Sua esposa parece ser uma ótima mulher — o relojoeiro disse ao estender a mão para pegar o relógio — irei dar uma olhada e ver em que posso ajudar.

— Obrigado, não gostaria de perdê-lo. Minha esposa realmente era uma pessoa que espalhava felicidade para onde ia — continuou o senhor, olhando para o relógio com carinho, começando a relembrar suas melhores memórias com sua amada esposa — aposto que ela deve estar se divertindo, onde quer que esteja.

— Meus pêsames, tenho certeza que deve ter diversos momentos felizes para se recordar, essas memórias são as que devemos manter perto.

— Mais do que consigo contar! — uma risada saiu dos lábios do senhor — Às vezes me pergunto como será a morte, se ela pode me ver de um lugar acima de todos ou se reencarnou como um belo rouxinol e viaja cantando por aí.

O senhor botou uma mão no peito, sentindo saudade do tempo que se foi — Só espero que eu possa me juntar a ela novamente quando for o meu tempo.

— Quem sabe — disse o relojoeiro com um sorriso no rosto ao lembrar do casal de rouxinóis que canta na frente de sua loja todas as manhãs.

Os dois continuaram conversando e relembrando de antigas histórias por um bom tempo, mas eventualmente a visita se aproximou do final.

— Aqui o seu relógio, senhor. Era apenas um problema em uma das molas, mas é só dar corda que voltará a funcionar!

O senhor soltou um suspiro de alívio, observando os ponteiros do relógio batendo um depois do outro — Tic tac, tic tac — o som continuou. Ele agradeceu ao relojoeiro com quem havia relembrado belas memórias do seu passado e saiu da loja com o mesmo barulho de sino com o qual chegou.

Desta vez, entretanto, o relojoeiro se encontrou com o relógio de bolso novamente poucos dias depois: uma encomenda de alguém com o mesmo sobrenome do senhor. Dentro dela achou o relógio que havia consertado, desta vez parado, e uma carta de agradecimento com a ilustração de um rouxinol declarando o falecimento do senhor. O relojoeiro sorriu ao se lembrar das memórias que havia criado e adicionou o relógio à sua coleção.

O final do dia também era incluído na rotina, finalizando da maneira oposta de como começou, ou seja, primeiro ele arrumou o balcão e se levantou, depois pôs o tapete para dentro, virou a placa que dizia “aberto” para o lado oposto, mostrando o lado escrito “fechado”, trancou a porta e apagou as luzes.

Agradecimentos

Deixo aqui meus agradecimentos à minha professora e orientadora Ana Paula Zarur que ajudou bastante na construção desse livro, à minha amiga Nina que me deu conselhos para melhorar a qualidade da história, aos meus amigos por sempre encorajarem minha arte e à minha família pelo apoio e pela oportunidade que sempre me deram para eu chegar onde estou.

Com carinho para meu pai, Cláudio, falecido em 2022.

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